Sumário. Para todos os males há remédio; só para o condenado não. Morre-se uma vez, e, perdida a alma uma vez, está perdida para sempre e só lhe resta lamentar eternamente a sua perdição eterna, causada pela sua própria culpa. Avivemos, pois, a nossa fé, e lembrando-nos que nos caberá por sorte o céu ou o inferno, tomemos as providências apropriadas para nos assegurarmos a salvação eterna. Sejamos especialmente devotos à Santíssima Virgem e examinemos frequentes vezes, se por ventura nos temos relaxado nesta devoção.Qui poenas dabunt in interitu aeternas a facie Domini - “Os quais, longe da presença de Deus, sofrerão por castigo eterno a perdição” (2 Ts 1, 9)
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CONSIDERAÇÃO XIV
Ibit homo in domum aeternitatis suae - "Irá o homem à casa de sua eternidade" (Ecl 12,5)
PONTO I
Ao considerar que neste mundo tantos malvados vivem na prosperidade, e tantos justos, ao contrário, vivem cheios de tribulações, os próprios pagãos, unicamente com o auxílio da luz natural, reconheceram a verdade de que, existindo Deus, e sendo Ele justíssimo, deve haver outra vida onde os ímpios serão castigados e os bons recompensados. Ora, o que os pagãos conheceram, seguindo as luzes da razão, confessamo-lo nós, cristãos, também pela luz da fé.“Não temos aqui cidade permanente, mas vamos em busca da que está por vir” (Hb 13,14).A terra não é nossa pátria, mas apenas lugar de trânsito, por onde passamos para chegar em breve à casa da eternidade (Ecl 12,5). Assim, meu leitor, a casa em que moras não é tua própria casa, é uma hospedaria que bem cedo, e quando menos o pensas, terás que deixar; e os primeiros a expulsar-te dela, quando vier a morte, serão teus parentes e amigos... Qual será, pois, tua verdadeira casa? Uma cova será a morada do teu corpo até ao dia do juízo, e tua alma irá à casa da eternidade, ao céu, ou ao inferno. Por isso, nos diz Santo Agostinho:
“És hóspede que passa e vê”.Néscio seria o viajante que, tendo de visitar de passagem um país, quisesse empregar ali todo o seu patrimônio na compra de imóveis, que ao cabo de poucos dias teria de abandonar.
Sumário. A bondade é por sua natureza inclinada a comunicar seus bens a outros. Por isso é que Deus, a bondade essencial, tem um extremo desejo de comunicar a sua felicidade, e a sua natureza não o inclina a punir, mas a usar de misericórdia. Esta o fez descer do céu à terra, levar uma vida penosa e, afinal, morrer por nós sobre uma cruz. Não pensemos, pois, que Jesus Cristo nos faça esperar o perdão muito tempo, depois do pecado; contanto que estejamos resolvidos a não o tornarmos a ofender.Misericordia domini plena est terra - “Da misericórdia do Senhor é cheia a terra” (Sl 32, 5)
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CONSIDERAÇÃO XIII
Quid prodest homini si mundum universum lucretur, animae vero suae detrimentum patiatur? - "Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder sua alma?" (Mt 16,26)
PONTO I
Numa viagem marítima, um filósofo antigo, de nome Aristipo, naufragou com o navio em que ia, perdendo todos os bens. Pôde, entretanto, chegar salvo à terra, e os habitantes do país a que arribou, entre os quais Aristipo gozava de grande fama por seu saber, o indenizaram de tudo que havia perdido. Admirado, escreveu logo a seus amigos e patrícios incitando-os a que aproveitassem o seu exemplo, e que somente se premunissem das riquezas que nem com os naufrágios se podem perder. É isto exatamente o que nos recomendam nossos parentes e amigos que já chegaram à eternidade. Advertem-nos para que este mundo procuremos adquirir antes de tudo os bens que nem a morte nos faz perder. O dia da morte é chamado o dia da perda, porque nele perdemos as honras, as riquezas e os prazeres, enfim, todos os bens terrenos. Por esta razão diz Santo Ambrósio que não podemos chamar nossos a esses bens, porque os não podemos levar conosco para o outro mundo; somente as virtudes nos acompanham para a eternidade.“De que serve, pois — diz Jesus Cristo (Mt 16,26) — ganhar o mundo inteiro, se à hora da morte, perdendo a alma, tudo perde?”...Oh! quantos jovens, penetrados desta grande máxima, resolveram entrar na clausura! Quantos anacoretas conduziu ao deserto! A quantos mártires moveu a dar a vida por Cristo! Por meio destas máximas soube Santo Inácio de Loiola chamar para Deus inúmeras almas, entre elas a alma formosíssima de São Francisco Xavier, que, residindo em Paris, ali se ocupava em pensamentos mundanos.
“Pensa, Francisco — lhe disse um dia o Santo, — pensa que o mundo é traidor, que promete e não cumpre; mas, ainda que cumprisse o que promete, jamais poderia satisfazer teu coração. E supondo que o satisfizesse, quanto tempo poderá durar essa felicidade? Mais que tua vida? E no fim dela, levarás tua dita para a eternidade? Existe, porventura, algum poderoso que tenha levado para o outro mundo uma moeda sequer ou um criado para seu serviço? Há algum rei que tenha levado consigo um pedaço de púrpura em sinal de dignidade?...”Movido por estas considerações, São Francisco Xavier renunciou ao mundo, seguiu a Santo Inácio de Loiola e se tornou um grande Santo.
Sumário. A solidão do coração consiste em só a Deus consagrarmos o nosso amor. Vê-se, portanto, que para esta solidão não se precisa de desertos nem de grutas. Os que por obrigação têm de tratar com o mundo, desde que tenham o coração livre de apegos terrestres, podem gozá-la no meio das ruas e das praças. Numa palavra, nenhuma das ocupações que têm por fim o cumprimento da vontade divina impede a solidão do coração. Devemos, por isso, elevar muitas vezes o nosso espírito a Deus, para o que serve o uso frequente das orações jaculatórias.Ecce elongavi fugiens, et mansi in solitudine - “Eis que me afastei fugindo e permaneci na solidão” (Sl 54, 8)
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CONSIDERAÇÃO XII
Rogamus autem vos, fratres... ut vestrum negotium agatis. - "Mas vos rogamos, irmãos, a avançar cada vez mais" (1Ts 4,10)
PONTO I
O negócio da eterna salvação é, sem dúvida, o mais importante, e, contudo, é aquele de que os cristãos mais se esquecem. Não há diligência que não se efetue, nem tempo que não se aproveite para obter algum cargo, ganhar uma demanda, ou contratar tal casamento... Quantos conselhos, quantas precauções se tomam! Não se come, não se dorme!... E para alcançar a salvação eterna? Que se faz? Que procedimento se segue?... Nada se costuma fazer; ao contrário, tudo o que se faz é para perdê-la, e a maior parte dos cristãos vive como se a morte, o juízo, o inferno, a glória e a eternidade não fossem verdades da fé, mas apenas fábulas inventadas pelos poetas. Quanta aflição quando se perde um processo ou uma colheita e quanto cuidado para reparar o prejuízo!... Quando se extravia um cavalo ou um cão, quantas diligências para encontrá-los. Muitos perdem a graça de Deus, e entretanto dormem, riem-se e gracejam!... Coisa estranha, por certo! Não há quem não core ao passar por negligente nos negócios do mundo, e a ninguém causa rubor olvidar o grande negócio da salvação, que mais do que tudo importa. Confessam que os Santos são verdadeiros sábios porque só trabalharam para salvar-se, enquanto eles atendem a todas as coisas do mundo, sem se importar com sua alma. Mas vós — disse São Paulo — vós, meus irmãos, pensai unicamente no magno assunto de vossa salvação, pois constitui o negócio da mais alta importância. Persuadamo-nos, pois, de que a felicidade eterna é para nós o negócio mais importante, o negócio único, o negócio irreparável se não o pudermos realizar.20º Domingo depois de Pentecostes
Sumário. Em nossas tribulações não nos é proibido pedirmos a Deus que nos livre delas; mas é necessário que nos conformemos com a sua vontade. Estejamos certos de que Deus não nos envia as cruzes para nossa perdição, mas para nossa salvação e para nos comunicar as suas graças. Vede o bom régulo de quem nos fala o Evangelho. Talvez nunca tivesse pensado em ser discípulo de Jesus Cristo; mas o Senhor atraiu-o a si por meio da enfermidade do filho, e comunica-lhe, a ele e a toda a família, o mais precioso de seus dons, a fé.Credidit ipse et domus eius tota - “Creu ele e toda a sua família” (Jo 4, 53)
Sumário. Consideremos como Jesus moribundo, volvendo-se para sua mãe, que estava ao pé da cruz, e indicando-lhe pelo olhar o discípulo predileto, lhe disse: Mulher, eis aí teu filho; e depois acrescentou dirigindo-se ao discípulo: Eis aí tua mãe. E assim Maria foi constituída mãe de todos os cristãos, e nós fomos feitos seus filhos. Ponhamos portanto na Santíssima Virgem toda a nossa confiança, e em todas as necessidades recorramos a ela por socorro. Mas ao mesmo tempo provemos pelas nossas obras que somos filhos dignos de seu amor.Dicit matri suae: Mulier, ecce filius tuus. Deinde dieit discipulo: ecce mater tua - “Diz a sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois diz ao discípulo: Eis aí tua mãe” (Jo 19, 26-27)
Sumário. Observam os santos Padres que o Bom Ladrão, reconhecendo em Jesus crucificado o seu verdadeiro Deus, confessando-O como tal na presença de seus inimigos e recomendando-se-Lhe, deu exemplos das mais sublimes virtudes. Pelo que o Senhor lhe fez com razão a bela promessa de que naquele mesmo dia havia de gozar das delícias do paraíso. Meu irmão, o Senhor não se mudou, e, portanto, se porventura tivéssemos imitado o ladrão em seus desvarios, imitemo-lo também na sua conversão sincera a Deus e também teremos a mesma sorte feliz.Amen dico tibi: Hodie mecum eris in paradiso - “Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 43)