LÁ vem um momento, em que o mistério desaparece, mesmo no mais nobre amor humano. Uma pessoa tornou-se «habituada» ao melhor e chegou a considerar isto a coisa mais natural do mundo, como os joalheiros podem lidar desinteressadamente com as pedras mais preciosas, sem se incomodar a admirá-las. O que plenamente possuímos, não o desejamos mais. Nem podemos esperar o que já conseguimos. No entanto a esperança, o desejo e sobretudo o mistério são necessários para conservarem vivo o nosso interesse na vida.
DE todas as coisas que conhece o homem, aquela que ele menos conhece é a si próprio. Não cessa de tentar decifrar o enigma de si mesmo, de sondar qual o sentido da sua natureza. Esforçam-se alguns escritores modernos por encontrar uma solução simplista, reduzindo o homem apenas a um dos seus numerosos instintos — o instinto sexual. Enleados na dificuldade de entender o homem total, apagam do seu conhecimento tudo quanto lhe diz respeito, exceto uma minúscula região, e, depois de a estudarem, simulam ter esgotado as incógnitas do homem.
MALOGRAM-SE os casamentos, quando o amor é considerado não como algo transparente, qual vidro de janela, por onde se contempla o céu, mas como algo opaco, qual cortina, por onde nada se vê, além do humano. Quando os casados não descobrem que o amor carnal é o prefácio do amor espiritual, uma das partes transforma-se em objeto de adoração, em lugar de Deus. É esta a essência da idolatria, a adoração da imagem em vez da realidade; a mistificação da cópia pelo original, da moldura pelo quadro.