Salve Maria!
Estimados irmãos e irmãs em Cristo Jesus, encontrei esta belíssima proposta para aprofundarmos nos estudos do Catecismo da Igreja Católica ao longo do Ano Litúrgico e, ousei facilitar e complementar ainda mais, trazendo comentários e os próprios parágrafos já nesta página, assim, desta maneira, àqueles que não possuem o Catecismo podem usufruir de todo o seu conteúdo já organizado aqui mesmo. Ademais, estou adicionando comentários nas partes importantes, ou seja, nos tempos que marcam os ciclos do Ano Litúrgico, a fim de contribuir na preparação e formação. Para tal finalidade, estou usando o Missal de Dom Beda OSB, que há instruções belíssimas e profundas para as mesmas.
Se você tem dúvidas ou ainda fica perdido quanto ao Ano Litúrgico, convido-lhe a ler nosso artigo aprofundado: como funciona o Ano Litúrgico, boa leitura!
TEMPO DO ADVENTO
I Semana do Advento
Domingo: A esperança dos céus novos e da terra nova (1042-1047)
Segunda-feira: A esperança dos céus novos e da terra nova, II parte (1048-1050)
Terça-feira: O homem, imagem de Deus (1701-1709)
Quarta-feira: As bem-aventuranças (1716-1717)
Quinta-feira: O desejo de felicidade (1718-1719)
Sexta-feira: A bem-aventurança cristã (1720-1724)
Sábado: As virtudes (1803-1804)
II Semana do Advento
Domingo: A Eucaristia, penhor da glória futura (1402-1405)
Segunda-feira: Distinção das virtudes cardeais (1805-1809)
Terça-feira: As virtudes e a graça (1810-1811)
Quarta-feira: As virtudes teologais: a fé (1814-1816)
Quinta-feira: A esperança (1817-1819)
Sexta-feira: A esperança, II parte (1820-1821)
Sábado: A caridade (1822-1826)
III Semana do Advento
Domingo: A preparação da vinda do Cristo (522-524)
Segunda-feira: A caridade, II parte (1827-1829)
Terça-feira: Dons e frutos do Espírito (1830-1832)
Quarta-feira: Abraão, o pai de todos os que têm fé (144-147)
Quinta-feira: Maria, bem-aventurada a que acreditou (148-149)
Sexta-feira: Maria, imagem escatológica da Igreja (971-972)
Dia 17 de dezembro: Concebido pelo poder do Espírito Santo (484-486)
Dia 18 de dezembro: Nascido da Virgem Maria (487-489)
Dia 19 de dezembro: O tempo das promessas (702-704)
Dia 20 de dezembro: O Espírito da promessa (705-706)
Dia 21 de dezembro: A Lei de Moisés, as promessas e a aliança (707-710)
Dia 22 de dezembro: A expectativa do Messias e do seu Espírito (711-713)
Dia 23 de dezembro: A expectativa do Messias e do seu Espírito, II (714-716)
Dia 24 de dezembro: Ave, cheia de graça (721-726)
TEMPO DO NATAL
Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo
O mistério do Natal (525-526)
Oitava do Natal do Senhor
Dia 26 de dezembro: Deus enviou o seu Filho (422-424)
Dia 27 de dezembro: Anunciar a insondável riqueza de Cristo (425)
Dia 28 de dezembro (Santos Inocentes): Batizados pela sua morte por Cristo (1258)
Dia 29 de dezembro: Um Salvador, que é o Cristo Senhor (436-437)
Dia 30 de dezembro: Um Salvador, que é o Cristo Senhor, II (438-440)
Dia 31 de dezembro: Por que o Verbo se fez carne (456-460)
Sagrada Família de Jesus, Maria e José (domingo na Oitava do Natal)
Os mistérios da vida oculta de Jesus (531-534)
Dia 1º de Janeiro: Santa Maria, Mãe de Deus
A maternidade virginal de Maria no desígnio de Deus (502-507)
Dia 2 de janeiro: O santíssimo nome de Jesus (430-435)
Dia 3 de janeiro: A Encarnação (461-463)
Dia 4 de janeiro: Verdadeiro Deus e verdadeiro homem (464-469)
Dia 5 de janeiro: De que maneira o Filho de Deus é homem (470-475)
Epifania do Senhor (6 de janeiro, ou domingo entre 2 e 8 de janeiro)
A manifestação de Jesus como Messias (528)
Dia 7 de janeiro: O Batismo de Cristo (1223-1225)
Dia 8 de janeiro: O Batismo na Igreja (1226-1228)
Dia 9 de janeiro: Os mistérios da vida de Cristo (512-515)
Dia 10 de janeiro: Os mistérios da vida de Cristo, II (516-518)
Dia 11 de janeiro: Os mistérios da vida de Cristo, III (519-521)
Dia 12 de janeiro: Cristo é o centro da catequese (426-429)
Batismo do Senhor (13 de janeiro ou dom. entre 9 e 13 de janeiro)
O Batismo de Jesus (535-537)
TEMPO DA QUARESMA
Quarta-feira de Cinzas: A penitência interior (1430-1433)
Quinta-feira depois das Cinzas: A conversão dos batizados (1425-1429)
Sexta-feira depois das Cinzas: O sacramento da Penitência e Reconciliação (1440-1449)
Sábado depois das Cinzas: Os atos do penitente (1450-1460)
I Semana da Quaresma
Domingo: As tentações de Jesus (538-540)
Segunda-feira: A realidade do pecado (386-387)
Terça-feira: O pecado original (397-401)
Quarta-feira: O duro combate contra o mal (407-409)
Quinta-feira: Deus não abandonou o homem ao poder da morte (410-412)
Sexta-feira: A misericórdia e o pecado (1846-1848)
Sábado: A definição do pecado (1849-1851)
II Semana da Quaresma
Domingo: A Transfiguração (554-556)
Segunda-feira: A diversidade dos pecados (1852-1853)
Terça-feira: A gravidade do pecado – pecado mortal e venial (1854-1860)
Quarta-feira: A gravidade do pecado – pecado mortal e venial, II (1861-1864)
Quinta-feira: A proliferação do pecado (1865-1869)
Sexta-feira: O Reino de Deus está próximo (541-542)
Sábado: O anúncio do Reino de Deus (543-546)
III Semana da Quaresma
Domingo: Os sinais do Reino de Deus (547-550)
Segunda-feira: A justificação (1987-1991)
Terça-feira: A justificação, II (1992-1995)
Quarta-feira: A graça (1996-2000)
Quinta-feira: A graça, II (2001-2003)
Sexta-feira: A graça, III (2004-2005)
Sábado: A santidade cristã (2012-2016)
IV Semana da Quaresma
Domingo: Jesus, o Senhor (446-451)
Segunda-feira: Era preciso que Cristo padecesse (571-573)
Terça-feira: Jesus e Israel (574-576)
Quarta-feira: Jesus e a Lei de Moisés (577-579)
Quinta-feira: Jesus e a Lei de Moisés, II (580-582)
Sexta-feira: Jesus e o Templo (583-584)
Sábado: Jesus e o Templo, II (585-586)
V Semana da Quaresma
Domingo: Jesus e a sua rejeição pelos judeus (587-589)
Segunda-feira: Jesus e a sua rejeição pelos judeus, II (590-591)
Terça-feira: O processo de Jesus (595-596)
Quarta-feira: A responsabilidade dos judeus pela morte de Jesus (597)
Quinta-feira: Todos os pecadores, autores da Paixão de Cristo (598)
Sexta-feira: Jesus, entregue segundo o desígnio de Deus (599-601)
Sábado: A subida de Jesus a Jerusalém (557-558)
SEMANA SANTA
Domingo de Ramos: A entrada messiânica de Jesus em Jerusalém (559-560)
Segunda-feira: “Deus o fez pecado por causa de nós” (602-603)
Terça-feira: O amor redentor universal de Deus (604-605)
Quarta-feira: Toda a vida de Cristo é oferenda ao Pai (606-607)
TRÍDUO PASCAL
Quinta-feira Santa: A instituição da Eucaristia (1337-1340)
Sexta-feira Santa: A oferta livre da vida de Jesus (608-614)
Sábado Santo: Cristo desceu aos infernos (631-635)
TEMPO PASCAL
Oitava da Páscoa
Páscoa da Ressurreição do Senhor: No terceiro dia, ressuscitou dos mortos (638)
Segunda-feira: A Ressurreição de Jesus, fato histórico (639)
Terça-feira: O túmulo vazio (640)
Quarta-feira: As aparições do Ressuscitado (641-644)
Quinta-feira: A Ressurreição de Jesus, acontecimento transcendente (645-647)
Sexta-feira: A Ressurreição, obra da Santíssima Trindade (648-650)
Sábado: Sentido e alcance salvífico da Ressurreição (651-655)
II Semana do Tempo Pascal
Domingo: O mistério pascal, centro do ano litúrgico (1168-1171)
Segunda-feira: O sacramento do Batismo (1213-1216)
Terça-feira: As prefigurações do Batismo na Antiga Aliança (1217-1222)
Quarta-feira: A iniciação cristã (1229-1233)
Quinta-feira: Mistagogia da celebração do Batismo (1234-1245)
Sexta-feira: O Batismo dos adultos (1246-1249)
Sábado: O Batismo das crianças (1250-1252)
III Semana do Tempo Pascal
Domingo: Fé e Batismo (1253-1255)
Segunda-feira: A necessidade do Batismo (1257-1261)
Terça-feira: A graça do Batismo (1262-1266)
Quarta-feira: A graça do Batismo, II (1267-1271)
Quinta-feira: A graça do Batismo, III (1272-1274)
Sexta-feira: Um só Batismo para a remissão dos pecados (977-980)
Sábado: A virgindade por causa do Reino (1618-1620)
IV Semana do Tempo Pascal
Domingo: O sacramento da Ordem (1536-1538)
Segunda-feira: O sacerdócio da Antiga Aliança (1539-1543)
Terça-feira: O sacerdócio único de Cristo (1544-1547)
Quarta-feira: O sacerdócio ministerial (1548-1553)
Quinta-feira: O Matrimônio no desígnio de Deus (1601-1605)
Sexta-feira: O casamento no Senhor (1612-1617)
Sábado: A celebração do Matrimônio (1621-1624)
V Semana do Tempo Pascal
Domingo: O consentimento matrimonial (1625-1632)
Segunda-feira: Os efeitos do sacramento do Matrimônio (1638-1642)
Terça-feira: Os bens e as exigências do amor conjugal (1643-1651)
Quarta-feira: A abertura à fecundidade (1652-1654)
Quinta-feira: A igreja doméstica (1655-1658)
Sexta-feira: O sacramento da Confirmação (1285-1289)
Sábado: Os sinais e o rito da Confirmação (1293-1296)
VI Semana do Tempo Pascal
Domingo: A celebração da Confirmação (1297-1301)
Segunda-feira: Os efeitos da Confirmação (1302-1305)
Terça-feira: Creio no Espírito Santo (683-684)
Quarta-feira: Creio no Espírito Santo, II (685-686)
Quinta-feira: Creio no Espírito Santo, III (687-688)
Sexta-feira: A missão conjunta do Filho e do Espírito (689-690)
Sábado: Jesus subiu aos céus (659-661)
VII Semana do Tempo Pascal
Ascensão do Senhor: Está sentado à direita do Pai (662-664)
Segunda-feira: O Espírito Santo e a Igreja na liturgia (1091-1092)
Terça-feira: O Espírito Santo prepara para acolher a Cristo (1093-1098)
Quarta-feira: O Espírito Santo recorda o mistério de Cristo (1099-1103)
Quinta-feira: O Espírito Santo atualiza o mistério de Cristo (1104-1107)
Sexta-feira: A comunhão do Espírito Santo (1108-1109)
Sábado: Vinde, Espírito Santo (2670-2672)
Domingo de Pentecostes: O Espírito Santo, Dom de Deus (731-736)
Santíssima Trindade (domingo depois de Pentecostes)
As obras divinas e as missões trinitárias (257-260)
Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo (quinta-feira depois da Santíssima Trindade)
O Sacramento da Eucaristia (1322-1327)
Sagrado Coração de Jesus (sexta-feira após o 2o domingo depois de Pentecostes)
O corpo e o Coração do Verbo encarnado (476-478)
TEMPO COMUM
I Semana do Tempo Comum
Segunda-feira: Sei em quem pus minha fé (150-152)
Terça-feira: A fé e a inteligência (156-159)
Quarta-feira: A liberdade, necessidade e perseverança na fé (160-162)
Quinta-feira: A fé, começo da vida eterna em nós (163-165)
Sexta-feira: A fé, ato pessoal e eclesial (166-171)
Sábado: Uma só fé (172-175)
II Semana do Tempo Comum
Domingo: Os Símbolos da fé (185-197)
Segunda-feira: Creio em um só Deus (198-202)
Terça-feira: Deus revela seu nome (203-209)
Quarta-feira: Deus revela seu nome, II (210-213)
Quinta-feira: Deus, “Aquele que É”, é Verdade e Amor (214-221)
Sexta-feira: O alcance da fé no Deus único (222-227)
Sábado: O Todo-Poderoso (268-271)
III Semana do Tempo Comum
Domingo: O mistério da aparente impotência de Deus (272-274)
Segunda-feira: O Criador (279-281)
Terça-feira: A catequese sobre a criação (282-289)
Quarta-feira: A criação, obra da Santíssima Trindade (290-292)
Quinta-feira: O mundo foi criado para a glória de Deus (293-294)
Sexta-feira: O mistério da criação (295-301)
Sábado: A Divina Providência (302-314)
IV Semana do Tempo Comum
Domingo: O mundo visível (337-341)
Segunda-feira: O mundo visível, II (342-349)
Terça-feira: O homem, criado à imagem de Deus (355-358)
Quarta-feira: O homem, criado à imagem de Deus, II (359-361)
Quinta-feira: O homem, corpo e alma (362-368)
Sexta-feira: Homem e mulher os criou (369-373)
Sábado: O homem no Paraíso (374-379)
V Semana do Tempo Comum
Domingo: Por que a liturgia? (1066-1068)
Segunda-feira: Que significa a palavra “liturgia” (1069-1070)
Terça-feira: A liturgia como fonte de vida (1071-1075)
Quarta-feira: A liturgia, obra da Santíssima Trindade (1077-1083)
Quinta-feira: O Cristo glorificado (1084-1085)
Sexta-feira: Liturgia terrestre e liturgia celeste (1088-1090)
Sábado: Os sacramentos de Cristo (1113-1116)
VI Semana do Tempo Comum
Domingo: Os sacramentos da Igreja (1117-1121)
Segunda-feira: Os sacramentos da fé (1122-1126)
Terça-feira: Os sacramentos da salvação (1127-1129)
Quarta-feira: Os sacramentos da Vida Eterna (1130)
Quinta-feira: Os celebrantes da liturgia celeste (1137-1139)
Sexta-feira: A comunidade que celebra (1140-1141)
Sábado: A diversidade de ministérios (1142-1144)
VII Semana do Tempo Comum
Domingo: Sinais e símbolos: Sinais do mundo dos homens (1145-1149)
Segunda-feira: Sinais cristãos (1150-1152)
Terça-feira: Palavras e ações (1153-1155)
Quarta-feira: Canto e música (1156-1158)
Quinta-feira: As santas imagens (1159-1162)
Sexta-feira: O tempo litúrgico (1163-1165)
Sábado: O dia do Senhor (1166-1167)
VIII Semana do Tempo Comum
Domingo: Liturgia e culturas (1204-1206)
Segunda-feira: A Unção dos Enfermos (1499-1502)
Terça-feira: Cristo médico (1503-1505)
Quarta-feira: Curai os enfermos (1506-1510)
Quinta-feira: Um Sacramento dos Enfermos (1511-1513)
Sexta-feira: Como é celebrada a Unção dos Enfermos (1517-1519)
Sábado: Os efeitos da Unção dos Enfermos (1520-1523)
IX Semana do Tempo Comum
Domingo: O santoral no ano litúrgico (1168-1171)
Segunda-feira: O desejo de Deus (27-30)
Terça-feira: As vias de acesso ao conhecimento de Deus (31-35)
Quarta-feira: O conhecimento de Deus segundo a Igreja (36-38)
Quinta-feira: Como falar de Deus? (39-43)
Sexta-feira: Deus revela seu desígnio benevolente (50-53)
Sábado: As etapas da Revelação (54-58)
X Semana do Tempo Comum
Domingo: As etapas da Revelação, II (59-64)
Segunda-feira: Deus tudo disse no seu Verbo (65-67)
Terça-feira: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (232-237)
Quarta-feira: O Pai revelado pelo Filho (238-242)
Quinta-feira: O Pai e o Filho revelados pelo Espírito (243-248)
Sexta-feira: A formulação do dogma trinitário (249-252)
Sábado: O dogma da Santíssima Trindade (253-256)
XI Semana do Tempo Comum
Domingo: Os nomes da Eucaristia (1328-1332)
Segunda-feira: Os sinais do pão e do vinho (1333-1336)
Terça-feira: Fazei isto em memória de Mim (1341-1344)
Quarta-feira: A Missa de todos os séculos (1345-1347)
Quinta-feira: O movimento da celebração (1348-1351)
Sexta-feira: O movimento da celebração, II (1352-1355)
Sábado: A ação de graças e o louvor ao Pai (1356-1361)
XII Semana do Tempo Comum
Domingo: O memorial sacrifical de Cristo e da Igreja (1362-1367)
Segunda-feira: O memorial sacrifical de Cristo e da Igreja, II (1368-1369)
Terça-feira: O memorial sacrifical de Cristo e da Igreja, III (1370-1372)
Quarta-feira: A presença real de Cristo na Eucaristia (1373-1375)
Quinta-feira: A presença real de Cristo na Eucaristia, II (1376-1379)
Sexta-feira: A presença real de Cristo na Eucaristia, III (1380-1381)
Sábado: O banquete pascal (1382-1383)
XIII Semana do Tempo Comum
Domingo: A comunhão (1384-1390)
Segunda-feira: Os frutos da comunhão (1391-1395)
Terça-feira: Os frutos da comunhão, II (1396-1397)
Quarta-feira: A oração como dom de Deus (2558-2561)
Quinta-feira: A oração como aliança e comunhão (2562-2565)
Sexta-feira: A revelação da oração (2566-2569)
Sábado: A promessa e a oração da fé (2570-2573)
XIV Semana do Tempo Comum
Domingo: Moisés e a oração do mediador (2574-2577)
Segunda-feira: Davi e a oração do rei (2578-2580)
Terça-feira: Elias, os profetas e a conversão do coração (2581-2584)
Quarta-feira: Os salmos, oração da assembléia (2585-2589)
Quinta-feira: Jesus ora (2598-2602)
Sexta-feira: Jesus ora, II (2603-2604)
Sábado: Jesus ora, III (2605-2606)
XV Semana do Tempo Comum
Domingo: Jesus ensina a orar (2607-2612)
Segunda-feira: Jesus ensina a orar, II (2613-2615)
Terça-feira: Jesus ouve a oração (2616)
Quarta-feira: A oração no tempo da Igreja (2623-2625)
Quinta-feira: A bênção e a adoração (2626-2628)
Sexta-feira: A oração de súplica (2629-2633)
Sábado: A oração de intercessão (2634-2636)
XVI Semana do Tempo Comum
Domingo: A oração de ação de graças (2637-2638)
Segunda-feira: A oração de louvor (2639-2643)
Terça-feira: As fontes da oração (2650-2655)
Quarta-feira: As fontes da oração, II (2656-2660)
Quinta-feira: O caminho da oração (2663-2669)
Sexta-feira: Uma nuvem de testemunhas (2683-2684)
Sábado: Servidores da oração (2685-2690)
XVII Semana do Tempo Comum
Domingo: Lugares favoráveis à oração (2691)
Segunda-feira: A vida de oração (2697-2699)
Terça-feira: A oração vocal (2700-2704)
Quarta-feira: A meditação (2705-2708)
Quinta-feira: A oração mental (2709-2712)
Sexta-feira: A oração mental, II (2713-2719)
Sábado: As objeções à oração (2725-2728)
XVIII Semana do Tempo Comum
Domingo: A humilde vigilância do coração (2729-2733)
Segunda-feira: A confiança filial (2734-2737)
Terça-feira: De que maneira é eficaz nossa oração? (2738-2741)
Quarta-feira: Perseverar no amor (2742-2745)
Quinta-feira: A oração da Hora de Jesus (2746-2751)
Sexta-feira: A oração do Senhor: Pai nosso (2759-2760)
Sábado: O resumo de todo o Evangelho (2761-2764)
XIX Semana do Tempo Comum
Domingo: A oração da Igreja (2767-2772)
Segunda-feira: Pai! (2777-2785)
Terça-feira: Pai “nosso” (2786-2793)
Quarta-feira: Que estais nos céus (2794-2796)
Quinta-feira: Os sete pedidos (2803-2806)
Sexta-feira: Santificado seja o vosso nome (2807-2815)
Sábado: Venha a nós o vosso Reino (2816-2821)
XX Semana do Tempo Comum
Domingo: Seja feita a vossa Vontade (2822-2827)
Segunda-feira: O pão nosso de cada dia (2828-2833)
Terça-feira: O pão nosso de cada dia, II (2834-2837)
Quarta-feira: Perdoai-nos as nossas ofensas (2838-2841)
Quinta-feira: Como nós perdoamos a quem nos tem ofendido (2842-2845)
Sexta-feira: Não nos deixeis cair em tentação (2846-2849)
Sábado: Nas livrai-nos do mal (2850-2854)
XXI Semana do Tempo Comum
Domingo: A doxologia final (2855-2856)
Segunda-feira: A vida em Cristo (1691-1698)
Terça-feira: Liberdade e responsabilidade (1730-1738)
Quarta-feira: A liberdade humana na economia da salvação (1739-1742)
Quinta-feira: A moralidade dos atos humanos (1749-1756)
Sexta-feira: A consciência moral (1776-1782)
Sábado: A formação da consciência (1783-1785)
XXII Semana do Tempo Comum
Domingo: As escolhas da consciência (1786-1794)
Segunda-feira: O caráter comunitário da vocação humana (1878-1885)
Terça-feira: A conversão e a sociedade (1886-1889)
Quarta-feira: A autoridade (1897-1904)
Quinta-feira: O bem comum (1905-1912)
Sexta-feira: Responsabilidade e participação (1913-1917)
Sábado: O respeito à pessoa humana (1929-1933)
XXIII Semana do Tempo Comum
Domingo: Igualdade e diferença entre os homens (1934-1938)
Segunda-feira: A solidariedade humana (1939-1942)
Terça-feira: A lei moral (1950-1953)
Quarta-feira: A Nova Lei ou Lei evangélica (1965-1974)
Quinta-feira: Os Dez Mandamentos (2052-2055)
Sexta-feira: Adorarás o Senhor teu Deus e o servirás (2084-2094)
Sábado: O nome do Senhor é santo (2142-2149)
XXIV Semana do Tempo Comum
Domingo: O dia do Senhor (2174-2179)
Segunda-feira: O quarto mandamento (2197-2200)
Terça-feira: O respeito à vida humana (2258-2262)
Quarta-feira: O aborto e a eutanásia (2270-2279)
Quinta-feira: A paz (2302-2306)
Sexta-feira: Homem e mulher os criou (2331-2336)
Sábado: A vocação à castidade (2337-2347)
XXV Semana do Tempo Comum
Domingo: O amor dos esposos (2360-2365)
Segunda-feira: A fecundidade do Matrimônio (2366-2372)
Terça-feira: O dom do filho (2373-2379)
Quarta-feira: O adultério e o divórcio (2380-2386)
Quinta-feira: Outras ofensas à dignidade do Matrimônio (2387-2391)
Sexta-feira: A destinação universal e a propriedade privada dos bens (2401-2406)
Sábado: O respeito aos bens do outro (2407-2414)
XXVI Semana do Tempo Comum
Domingo: O respeito pela integridade da criação (2415-2418)
Segunda-feira: A Doutrina Social da Igreja (2419-2425)
Terça-feira: A atividade econômica e a justiça social (2426-2436)
Quarta-feira: Justiça e solidariedade entre as nações (2437-2442)
Quinta-feira: O amor aos pobres (2443-2449)
Sexta-feira: Viver na verdade (2464-2470)
Sábado: As ofensas à verdade (2475-2487)
XXVII Semana do Tempo Comum
Domingo: O respeito à verdade (2488-2492)
Segunda-feira: O uso dos meios de comunicação social (2493-2499)
Terça-feira: Verdade, beleza e arte sacra (2500-2503)
Quarta-feira: O nono mandamento – a purificação do coração (2514-2519)
Quinta-feira: O combate pela pureza (2520-2527)
Sexta-feira: A desordem da cobiça (2534-2540)
Sábado: Os desejos do Espírito (2541-2543)
XXVIII Semana do Tempo Comum
Domingo: Quero ver a Deus (2548-2550)
Segunda-feira: Creio na santa Igreja católica (748-750)
Terça-feira: Os nomes e as figuras da Igreja (751-752)
Quarta-feira: Os símbolos da Igreja (753-757)
Quinta-feira: Origem da Igreja (758-762)
Sexta-feira: A Igreja, instituída por Cristo Jesus (763-766)
Sábado: A Igreja, manifestada pelo Espírito Santo (767-768)
XXIX Semana do Tempo Comum
Domingo: O mistério da Igreja (770-771)
Segunda-feira: A Igreja, mistério da união dos homens com Deus (772-773)
Terça-feira: A Igreja, sacramento universal da salvação (774-776)
Quarta-feira: O povo de Deus (781-782)
Quinta-feira: Um povo sacerdotal, régio e profético (783-786)
Sexta-feira: A Igreja, corpo místico de Jesus Cristo (787-791)
Sábado: Cristo é a cabeça da Igreja (792-795)
XXX Semana do Tempo Comum
Domingo: A Igreja é a Esposa de Cristo (796)
Segunda-feira: A Igreja, Templo do Espírito Santo (797-798)
Terça-feira: A Igreja é santa (823-829)
Quarta-feira: A Igreja é católica (830-831)
Quinta-feira: As igrejas particulares (dioceses) (832-835)
Sexta-feira: Quem pertence à Igreja católica? (836-838)
Sábado: Fora da Igreja não há salvação (846-848)
XXXI Semana do Tempo Comum
Domingo: A Igreja é apostólica (857)
Segunda-feira: A razão do ministério eclesial (874-879)
Terça-feira: O Magistério da Igreja (888-892)
Quarta-feira: Os fiéis leigos (897-900)
Quinta-feira: A participação dos leigos no múnus sacerdotal de Cristo (901-903)
Sexta-feira: A participação dos leigos no múnus profético de Cristo (904-907)
Sábado: A participação dos leigos no múnus régio de Cristo (908-913)
XXXII Semana do Tempo Comum
Domingo: A vida consagrada (914-924)
Segunda-feira: A vida consagrada, II (925-933)
Terça-feira: A comunhão dos santos (946-948)
Quarta-feira: A comunhão dos bens espirituais (949-953)
Quinta-feira: Creio na ressurreição da carne (988-991)
Sexta-feira: Revelação progressiva da ressurreição (992-996)
Sábado: De que maneira os mortos ressuscitarão? (997-1001)
XXXIII Semana do Tempo Comum
Domingo: Ressuscitados com Cristo (1002-1004)
Segunda-feira: Morrer em Cristo Jesus (1005-1014)
Terça-feira: Creio na vida eterna. O juízo particular (1020-1022)
Quarta-feira: O Céu (1023-1029)
Quinta-feira: A purificação final ou Purgatório (1030-1032)
Sexta-feira: O Inferno (1033-1037)
Sábado: O Juízo Final (1038-1041)
XXXIV Semana do Tempo Comum
Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo: Cristo já reina pela Igreja (668-670)
Segunda-feira: À espera de que tudo lhe seja submetido (671-672)
Terça-feira: O advento glorioso de Cristo (673-674)
Quarta-feira: A provação derradeira da Igreja (675-677)
Quinta-feira: Para julgar os vivos e os mortos (678-679)
Sexta-feira: A Igreja – consumada na glória (769)
Sábado: Amém (1061-1065)
Dia 30 de novembro: Santo André Apóstolo
A Tradição Apostólica (75-79)
Dia 8 de dezembro: Imaculada Conceição de Nossa Senhora
A Imaculada Conceição (490-493)
Dia 26 de dezembro: Santo Estêvão Protomártir
É preciso confessar a Cristo (1816)
Dia 27 de dezembro: São João Evangelista e Apóstolo
Deus é Amor (218-221)
Dia 2 de fevereiro: Apresentação do Senhor
A apresentação de Jesus no Templo (529-530)
Dia 19 de março: São José
Jesus, concebido por obra do Espírito Santo (496-501)
Dia 25 de março: Anunciação do Senhor
“Faça-se em mim segundo a tua palavra” (494-495)
Dia 24 de junho: Natividade de São João Batista
João, Precursor, Profeta e Batista (717-720)
Dia 29 de junho: São Pedro e São Paulo, Apóstolos
O colégio episcopal e seu chefe, o Papa (880-887)
Dia 3 de julho: São Tomé Apóstolo
As características da fé (153-155)
Dia 25 de julho: São Tiago Maior, Apóstolo
Os bispos, sucessores dos Apóstolos (861-862)
Dia 10 de agosto: São Lourenço, diácono e mártir
Os três graus do sacramento da ordem (1554)
Dia 15 de agosto: Assunção de Nossa Senhora
Maria, nossa Mãe na ordem da graça (966-970)
Dia 24 de agosto: São Bartolomeu Apóstolo
Anúncio do Evangelho (2-3)
Dia 8 de setembro: Natividade de Nossa Senhora
A oração em comunhão com a Santa Mãe de Deus (2673-2679)
Dia 21 de setembro: São Mateus Evangelista e Apóstolo
O Espírito, intérprete da Escritura (109-114)
Dia 29 de setembro: São Miguel Arcanjo
Cristo com todos os seus anjos (331-333)
Dia 28 de outubro: São Simão e São Judas Tadeu, Apóstolos
O Cristo enviou os Apóstolos (1086-1087)
Dia 1o de novembro: Todos os Santos
A comunhão dos santos (954-959)
Dia 2 de novembro: Fiéis Defuntos
As indulgências (1471-1479)
Tempo do Advento
Nós nos preparamos para a vinda de Jesus Cristo
O tempo de preparação de 3 a 4 semanas que precedem a festa do Natal é chamado Advento. Isto quer dizer que o Redentor do gênero humano está, por assim dizer, em caminho para vir até nós, enquanto nós nos preparamos para recebê-lO. A consciência dos nossos pecados nos faz desejar ardentemente e esperar a vinda do Redentor e Salvador do mundo.
Qual o significado do Tempo do Advento?
Estas quatro semanas recordam-nos a primeira vinda do Salvador, em carne, e levam-nos a pensar numa segunda vinda, no fim do mundo.
As partes próprias das Missas destes quatro domingos põem esses pensamentos diante dos nossos olhos. Vemos o Salvador que há de vir, como O viram em espírito os Patriarcas: Salus mundi – o Salvador do mundo. Como O anunciaram os Profetas: Lux mundi – a Luz do mundo que dissipa as trevas e ilumina as nações. Como O designou São João Batista, o precursor: Agnus Dei qui tollit peccata mundi – o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo. Como, finalmente, Maria Santíssima contemplou, durante meses, o seu Filho, criança pequenina e meiga que será chamada: Filius Altíssimi – Filho do Altíssimo.
Este tempo diz-nos ainda que Ele virá novamente no fim do mundo (Evangelho do primeiro Domingo). Virá não mais como em Belém, com as mãos cheias de misericórdias, mas como Juiz dos vivos e dos mortos, no furor dos elementos desencadeados e num aparato tão terrível que os homens ficarão mirrados de susto. Hora incerta que devemos temer e para a qual, segundo o aviso do Senhor, cumpre estarmos preparados. E como nos prepararemos? Lembrando-nos da primeira vinda do Senhor e aproveitando-lhe os frutos.
Como devemos celebrar o Advento?
Tenhamos em primeiro lugar, um grande desejo do Salvador, desejo esse que nasce da convicção firme da necessidade absoluta da Redenção, não somente para a nossa pessoa, mas, acima de tudo, para toda a Santa Igreja, a Comunhão dos fiéis. Isaías, profeta do Antigo Testamento, coloca em nossa boca as palavras: “Enviai, ó céus, o Justo“. E a Santa Igreja faz-nos exclamar nas orações: Veni, Dómine, et noli tardare – Vinde, Senhor, e não tardeis.
Em segundo lugar, devemos manter em nós o espírito de penitência. São João Batista exorta-nos: “Fazei dignos frutos de penitência“. A salvação só se aproximará de nós, se afastarmos o pecado e o apego ao pecado, se fizermos penitência pelas faltas cometidas. Preparai, pois, os caminhos do Senhor, porque o Reino de Deus está próximo. Passemos, por fim, este tempo, em doce expectação com Maria, Mãe de Jesus. A Santa Igreja, de maneira toda especial, lembra-se dela neste tempo, acrescentando nas Missas uma segunda oração em sua honra, e festejando, logo nos primeiros dias, a sua Imaculada Conceição. Felizes somos nós, porque com a Mãe de Deus, já nos podemos preparar para a festa do Natal. Cada uma das Missas é uma Encarnação do Filho de Deus, e cada uma das santas Comunhões que fazemos neste tempo, faz nascer o filho de Deus em nós, auxiliando-nos para que possamos dignamente celebrar a festa de Natal.
I Semana do Advento
A esperança dos céus novos e da terra nova (1042-1047)
Domingo
1042. No fim dos tempos, o Reino de Deus chegará à sua plenitude. Depois do Juízo final, os justos reinarão para sempre com Cristo, glorificados em corpo e alma, e o próprio universo será renovado:
Então a Igreja alcançará «na glória celeste, a sua realização acabada, quando vier o tempo da restauração de todas as coisas e, quando, juntamente com o género humano, também o universo inteiro, que ao homem está intimamente ligado e por ele atinge o seu fim, for perfeitamente restaurado em Cristo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 48: AAS 57 (1965) 53).
1043. A esta misteriosa renovação, que há de transformar a humanidade e o mundo, a Sagrada Escritura chama «os novos céus e a nova terra» (2 Pe 3, 13) (Cf. Ap 21, 1). Será a realização definitiva do desígnio divino de «reunir sob a chefia de Cristo todas as coisas que há nos céus e na terra» (Ef 1, 10).
1044. Neste «mundo novo» (Cf. Ap 21, 5), a Jerusalém celeste, Deus terá a sua morada entre os homens.
«Há de enxugar-lhes dos olhos todas as lágrimas; a morte deixará de existir, e não mais haverá luto, nem clamor, nem fadiga. Porque o que havia anteriormente desapareceu» (Ap 21, 4) ( Cf. Ap 21, 27).
1045. Para o homem, esta consumação será a realização final da unidade do género humano, querida por Deus desde a criação e da qual a Igreja peregrina era «como que o sacramento» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 1: AAS 57 (1965) 5). Os que estiverem unidos a Cristo formarão a comunidade dos resgatados, a «Cidade santa de Deus» (Ap 21, 2), a «Esposa do Cordeiro» (Ap 21, 9). Esta não mais será atingida pelo pecado, pelas manchas (644), pelo amor próprio, que destroem e ferem a comunidade terrena dos homens. A visão beatífica, em que Deus Se manifestará aos eleitos de modo inesgotável, será a fonte inexaurível da felicidade, da paz e da mútua comunhão.
1046. Quanto ao cosmos, a Revelação afirma a profunda comunidade de destino entre o mundo material e o homem:
«Na verdade, as criaturas esperam ansiosamente a revelação dos filhos de Deus […] com a esperança de que as mesmas criaturas sejam também libertadas da corrupção que escraviza […]. Sabemos que toda a criatura geme ainda agora e sofre as dores da maternidade. E não só ela, mas também nós, que possuímos as primícias do Espírito, gememos interiormente, esperando a adopção filial e a libertação do nosso corpo» (Rm 8, 19-23).
1047. Assim, pois, também o universo visível está destinado a ser transformado, «a fim de que o próprio mundo, restaurado no seu estado primitivo, esteja sem mais nenhum obstáculo ao serviço dos justos» (Santo Ireneu de Lião, Adversus Haereses 5, 32. 1: SC 153, 398 (PG 7, 1210)), participando na sua glorificação em Jesus Cristo ressuscitado.
A esperança dos céus novos e da terra nova, II parte (1048-1050)
Segunda-feira
1048. «Ignoramos o tempo em que a terra e a humanidade atingirão a sua plenitude, e também não sabemos como é que o universo será transformado. Porque a figura deste mundo, deformada pelo pecado, passa certamente, mas Deus ensina-nos que se prepara uma nova habitação e uma nova terra, na qual reinará a justiça e cuja felicidade satisfará e superará todos os desejos de paz que se levantam no coração dos homens» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 39: AAS 58 (1966) 1056-1057).
1049. «A expectativa da nova terra não deve, porém, enfraquecer, mas antes ativar a solicitude em ordem a desenvolver esta terra onde cresce o corpo da nova família humana, que já consegue apresentar uma certa prefiguração do mundo futuro. Por conseguinte, embora o progresso terreno se deva cuidadosamente distinguir do crescimento do Reino de Cristo, todavia, na medida em que pode contribuir para a melhor organização da sociedade humana, interessa muito ao Reino de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 39: AAS 58 (1966) 1057).
1050. «Pois todos os bens da dignidade humana, da comunhão fraterna e da liberdade, ou seja, todos os frutos excelentes da natureza e do nosso esforço, depois de os termos propagado pela terra, no Espírito do Senhor e segundo o seu mandato, voltaremos de novo a encontrá-los, mas então purificados de qualquer mancha, iluminados e transfigurados, quando Cristo entregar ao Pai o Reino eterno e universal» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 39: AAS 58 (1966) 1057: cf. Const. dogm. Lumen Gentium, 2: AAS 57 (1965) 5-6).
Então, Deus será «tudo em todos» (1 Cor 15, 28), na vida eterna:
«A vida subsistente e verdadeira é o Pai que, pelo Filho e no Espírito Santo, derrama sobre todos sem exceção os dons celestes. Graças à sua misericórdia, também nós, homens, recebemos a promessa indefectível da vida eterna» (São Cirilo de Jerusalém, Catecheses illuminandorum 18, 29: Opera. v. 2. ed. J. Rupp (Monaci 1870) p. 332 (PG 33, 1049)).
O homem, imagem de Deus (1701-1709)
Terça-feira
1701. «Cristo, […] na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, manifesta plenamente o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042).
Foi em Cristo, «imagem do Deus invisível» (Cl 1, 15) (Cf. 2 Cor 4, 4), que o homem foi criado «à imagem e semelhança» do Criador. Assim como foi em Cristo, redentor e salvador, que a imagem divina, deformada no homem pelo primeiro pecado, foi restaurada na sua beleza original e enobrecida pela graça de Deus (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042).
1702. A imagem divina está presente em cada homem. Resplandece na comunhão das pessoas, à semelhança da unidade das Pessoas divinas entre Si (cf. Capítulo segundo do Catecismo).
1703. Dotada de uma alma «espiritual e imortal» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 14: AAS 58 (1966) 1036) a pessoa humana é «a única criatura sobre a tema querida por Deus por si mesma» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 24: AAS 58 (1966) 1045). Desde que é concebida, é destinada para a bem-aventurança eterna.
1704. A pessoa humana participa da luz e da força do Espírito divino. Pela razão, é capaz de compreender a ordem das coisas estabelecida pelo Criador. Pela vontade, é capaz de se orientar a si própria para o bem verdadeiro. E encontra a perfeição na «busca e no amor da verdade e do bem» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 15: AAS 58 (1966) 1036).
1705. Em virtude da sua alma e das forças espirituais da inteligência e da vontade, o homem é dotado de liberdade, «sinal privilegiado da imagem divina» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 17: AAS 58 (1966) 1037).
1706. Mediante a sua razão, o homem conhece a voz de Deus que o impele «a fazer […] o bem e a evitar o mal» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 16: AAS 58 (1966) 1037). Todos devem seguir esta lei, que ressoa na consciência e se cumpre no amor de Deus e do próximo. O exercício da vida moral atesta a dignidade da pessoa.
1707. «Seduzido pelo Maligno desde o começo da história, o homem abusou da sua liberdade» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 13: AAS 58 (1966) 1034).
Sucumbiu à tentação e cometeu o mal. Conserva o desejo do bem, mas a sua natureza está ferida pelo pecado original. O homem ficou com a inclinação para o mal e sujeito ao erro:
O homem encontra-se, pois, dividido em si mesmo. E assim, toda a vida humana, quer singular quer coletiva, apresenta-se como uma luta, e quão dramática, entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 13: AAS 58 (1966) 1035).
1708. Pela sua paixão, Cristo livrou-nos de Satanás e do pecado e mereceu-nos a vida nova no Espírito Santo. A sua graça restaura o que o pecado tinha deteriorado em nós.
1709. Quem crê em Cristo torna-se filho de Deus. Esta adopção filial transforma-o, dando-lhe a possibilidade de seguir o exemplo de Cristo. Torna-o capaz de agir com retidão e de praticar o bem. Na união com o seu Salvador, o discípulo atinge a perfeição da caridade, que é a santidade. Amadurecida na graça, a vida moral culmina na vida eterna, na glória do céu.
As bem-aventuranças (1716-1717)
Quarta-feira
1716. As bem-aventuranças estão no coração da pregação de Jesus. O seu anúncio retorna as promessas feitas ao povo eleito, desde Abraão. A pregação de Jesus completa-as, ordenando-as, não já somente à felicidade resultante da posse duma tema, mas ao Reino dos céus:
«Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus.
Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a tema.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.
Bem-aventurados os que promovem a paz. porque serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o Reino dos céus.
Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal de vós. Alegrai-vos e exultai, pois é grande nos céus a vossa recompensa» (Mt 5, 3-12).
1717. As bem-aventuranças retratam o rosto de Jesus Cristo e descrevem-nos a sua caridade: exprimem a vocação dos fiéis associados à glória da sua paixão e ressurreição; definem os atos e atitudes características da vida cristã; são as promessas paradoxais que sustentam a esperança no meio das tribulações; anunciam aos discípulos as bênçãos e recompensas já obscuramente adquiridas; já estão inauguradas na vida da Virgem Maria e de todos os santos.
O desejo de felicidade (1718-1719)
Quinta-feira
1718. As bem-aventuranças respondem ao desejo natural de felicidade. Este desejo é de origem divina; Deus pô-lo no coração do homem para o atrair a Si, o único que o pode satisfazer:
«Todos nós, sem dúvida, queremos viver felizes, e não há entre os homens quem não dê o seu assentimento a esta afirmação, mesmo antes de ela ser plenamente enunciada» (Santo Agostinho, De moribus Ecclesiae catholicae 1. 3, 4: CSEL 90, 6 (PL 32, 1312))
«Como é então, Senhor, que eu Te procuro? De facto, quando Te procuro, ó meu Deus, é a vida feliz que eu procuro. Faz com que Te procure, para que a minha alma viva! Porque tal como o meu corpo vive da minha alma, assim a minha alma vive de Ti» (Santo Agostinho, Confissões, 10, 20, 29: CCL 27, 170 (PL 32, 791)).
«Só Deus sacia» (São Tomás de Aquino, In Symbolum Apostolarum scilicet «Credo in Deum», expositio, c. 15: Opera omnia, v. 27 (Parisiis 1875) p. 228).
1719. As bem-aventuranças descobrem a meta da existência humana, o fim último dos atos humanos: Deus chama-nos à sua própria felicidade. Esta vocação dirige-se a cada um, pessoalmente, mas também ao conjunto da Igreja, povo novo constituído por aqueles que acolheram a promessa e dela vivem na fé.
A bem-aventurança cristã (1720-1724)
Sexta-feira
1720. O Novo Testamento emprega muitas expressões para caracterizar a bem-aventurança a que Deus chama o homem: a chegada do Reino de Deus (Cf. Mt 4, 17); a visão de Deus: «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8) (Cf. 1 Jo 3, 2; 1 Cor 13); a entrada na alegria do Senhor (Cf. Mt 25, 21. 23) a entrada no repouso de Deus (Cf. Heb 4, 7-11):
«Lá, descansaremos e veremos: veremos e amaremos; amaremos e louvaremos. Eis o que acontecerá no fim sem fim. E que outro fim temos nós, sendo chegar ao Reino que lido tem fim ?» (Santo Agostinho, De civitate Dei, 22, 30 CSEL 40/2, 670 (PL 41, 804)).
1721. De fato, Deus colocou-nos no mundo para O conhecermos, servirmos e amarmos, e assim chegarmos ao paraíso. A bem-aventurança faz-nos participantes da natureza divina (1 Pe 1, 4) e da vida eterna (Cf. Jo 17, 3). Com ela, o homem entra na glória de Cristo (Cf. Rm 8, 18) e no gozo da vida trinitária.
1722. Uma tal bem-aventurança ultrapassa a inteligência e as simples forças humanas. Resulta de um dom gratuito de Deus. Por isso se classifica de sobrenatural, tal como a graça, que dispõe o homem para entrar no gozo de Deus.
«” Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”. É certo que “ninguém pode ver a Deus” na sua grandeza e glória inenarrável e “continuar a viver”, porque o Pai é inacessível. Mas, no seu amor, na sua bondade para com os homens e na sua omnipotência, vai ao ponto de conceder aos que O amam esta graça: ver a Deus […] porque “o que é impossível aos homens é possível a Deus”» (Santo Ireneu de Lião, Adversus Haereses, 4, 20, 5: SC 100, 638).
1723. A bem-aventurança prometida coloca-nos perante as opções morais decisivas. Convida-nos a purificar o nosso coração dos seus maus instintos e a procurar o amor de Deus acima de tudo. E ensina-nos que a verdadeira felicidade não reside nem na riqueza ou no bem-estar, nem na glória humana ou no poder, nem em qualquer obra humana, por útil que seja, como as ciências, as técnicas e as artes, nem em qualquer criatura, mas só em Deus, fonte de todo o bem e de todo o amor:
«A riqueza á a grande divindade deste tempo: é a ela que a multidão, toda a massa dos homens, presta instintiva homenagem. Mede-se a felicidade pela fortuna, como pela fortuna se mede a honorabilidade […] Tudo provém desta convicção: com a riqueza, tudo se pode. A riqueza é, pois, um dos ídolos atuais: outro, é a notoriedade. […] A notoriedade, o facto de se ser conhecido e de dar brado no mundo (a que poderia chamar-se fama de imprensa), acabou por ser considerada como um bem em si mesma, um bem soberano, objeto, até, de verdadeira veneração» (Johannes Henricus Newman, Discourses addressed to Mixed Congregations, 5 [Saintliness the Standard of Christian Principle] (Westminister 1966), p. 89-91).
1724. O decálogo, o sermão da montanha e a catequese apostólica descrevem-nos os caminhos que conduzem ao Reino dos céus. Por eles avançamos, passo a passo, pelos atos de cada dia, amparados pela graça do Espírito Santo. Fecundados pela Palavra de Cristo, pouco a pouco, damos frutos na Igreja para a glória de Deus (Cf. parábola do semeador: Mt 13, 3-23).
As virtudes (1803-1804)
Sábado
1803. «Tudo o que é verdadeiro, nobre e justo, tudo o que é puro, amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor, isto deveis ter no pensamento» (Fl 4, 8).
A virtude é uma disposição habitual e firme para praticar o bem. Permite à pessoa não somente praticar atos bons, mas dar o melhor de si mesma. A pessoa virtuosa tende para o bem com todas as suas forças sensíveis e espirituais; procura o bem e opta por ele em atos concretos.
«O fim duma vida virtuosa consiste em tornar-se semelhante a Deus» (São Gregório de Nissa, De Beatitudinibus, oratio 1: Gregorii Nysseni opera. ed. W. Jaeger, v. 7/2 (Leiden 1992) p. 82 (PG 44, 1200)).
I. As virtudes humanas
1804. As virtudes humanas são atitudes firmes, disposições estáveis, perfeições habituais da inteligência e da vontade, que regulam os nossos atos, ordenam as nossas paixões e guiam o nosso procedimento segundo a razão e a fé. Conferem facilidade, domínio e alegria para se levar uma vida moralmente boa. Homem virtuoso é aquele que livremente pratica o bem.
As virtudes morais são humanamente adquiridas. São os frutos e os germes de atos moralmente bons e dispõem todas as potencialidades do ser humano para comungar no amor divino.
II Semana do Advento
A Eucaristia, penhor da glória futura (1402-1405)
Domingo
1402. Numa antiga oração, a Igreja aclama assim o mistério da Eucaristia:
«O sacrum convivium in quo Christus sumitur: recolitur memoria passionis eius; mens impletur gratia et futurae gloriae nobis pignus datur – Ó sagrado banquete, em que se recebe Cristo e se comemora a sua paixão, em que a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da futura glória» (Na solenidade do santíssimo corpo e sangue de Cristo, Antífona do «Magnificat» das Vésperas II: Liturgia Horarum, editio typica, v. 3 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 502 [Liturgia das Horas. v. 3 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 621])
Se a Eucaristia é o memorial da Páscoa da Senhor, se pela nossa comunhão no altar somos cumulados da «plenitude das bênçãos se graças do céu» (Oração Eucarística I ou Cânone Romano. 96: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p.453 [Missal Romano. Gráfica de Coimbra 1992, 521]), a Eucaristia é também a antecipação da glória celeste.
1403. Na última ceia, o próprio Senhor chamou a atenção dos seus discípulos para a consumação da Páscoa no Reino de Deus:
«Eu vos digo que não voltarei a beber deste fruto da videira, até o dia em que beberei convosco o vinho novo no Reino do meu Pai» (Mt 26, 29) (Cf. Lc 22, 18: Mc 14. 25)
Sempre que a Igreja celebra a Eucaristia, lembra-se desta promessa, e o seu olhar volta-se para «Aquele que vem» (Ap 1, 4). Na sua oração, ela clama pela sua vinda: «Maranatha» (1Cor 16, 22), «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 20), «que a Tua graça venha e que este mundo passe!» (Didaké 10, 6: SC 248, 180 (Funk, Patres apostolici 1, 24)).
1404. A Igreja sabe que, desde já, o Senhor vem na sua Eucaristia e que está ali, no meio de nós. Mas esta presença é velada. E é por isso que nós celebramos a Eucaristia «expectantes beatam spem et adventum Salvatoris nostri Jesu Christi – enquanto aguardamos a feliz esperança e a vinda de Jesus Cristo nosso Salvador» (Rito de Comunhão, 126 [Embolismo depois do Pai Nosso]: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p.472 [a tradução oficial portuguesa difere um pouco: «enquanto esperamos a vinda gloriosa de Jesus Cristo nosso Salvador»: Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 5451: cf. Tt 2, 13), pedindo a graça de ser acolhidos «com bondade no vosso Reino, onde também nós esperamos ser ser recebidos, para vivermos […] eternamente na vossa glória, quando enxugardes todas as lágrimas dos nossos olhos; e, vendo-Vos tal como sois, Senhor nosso Deus, seremos para sempre semelhantes a Vós e cantaremos sem fim os vossos louvores, por Jesus Cristo nosso Senhor» (Oração Eucarística III, 116: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 465 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 535]).
1405. Desta grande esperança – dos novos céus e da nova terra, onde habitará a justiça (Cf. 2 Pe 3, 13) – não temos garantia mais segura nem sinal mais manifesto do que a Eucaristia. Com efeito, cada vez que se celebra este mistério, «realiza-se a obra da nossa redenção» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6) e nós «partimos o mesmo pão, que é remédio de imortalidade, antídoto para não morrer, mas viver em Jesus Cristo para sempre» (Santo Inácio de Antiquia, Epistula ad Ephesios, 20, 2: SC l0bis. 76 (Funk 1, 230)).
Distinção das virtudes cardeais (1805-1809)
Segunda-feira
1805. Há quatro virtudes que desempenham um papel de charneira. Por isso, se chamam «cardeais»; todas as outras se agrupam em torno delas. São: a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. «Se alguém ama a justiça, o fruto dos seus trabalhos são as virtudes, porque ela ensina a temperança e a prudência, a justiça e a fortaleza» (Sb 8, 7). Com estes ou outros nomes, estas virtudes são louvadas em numerosas passagens da Sagrada Escritura.
1806. A prudência é a virtude que dispõe a razão prática para discernir, em qualquer circunstância, o nosso verdadeiro bem e para escolher os justos meios de o atingir. «O homem prudente vigia os seus passos» (Pr 14, 15). «Sede ponderados e comedidos, para poderdes orar» (1 Pe 4, 7). A prudência é a «recta norma da acção», escreve São Tomás (62) seguindo Aristóteles. Não se confunde, nem com a timidez ou o medo, nem com a duplicidade ou dissimulação. É chamada «auriga virtutum – condutor das virtudes», porque guia as outras virtudes, indicando-lhes a regra e a medida. É a prudência que guia imediatamente o juízo da consciência. O homem prudente decide e ordena a sua conduta segundo este juízo. Graças a esta virtude, aplicamos sem erro os princípios morais aos casos particulares e ultrapassamos as dúvidas sobre o bem a fazer e o mal a evitar.
1807. A justiça é a virtude moral que consiste na constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido. A justiça para com Deus chama-se «virtude da religião». Para com os homens, a justiça leva a respeitar os direitos de cada qual e a estabelecer, nas relações humanas, a harmonia que promove a equidade em relação às pessoas e ao bem comum. O homem justo, tantas vezes evocado nos livros santos, distingue-se pela retidão habitual dos seus pensamentos e da sua conduta para com o próximo.
«Não cometerás injustiças nos julgamentos. Não favorecerás o pobre, nem serás complacente para com os poderosos. Julgarás o teu próximo com imparcialidade» (Lv 19, 15).
«Senhores, dai aos vossos escravos o que é justo e equitativo, considerando que também vós tendes um Senhor no céu» (Cl 4, 1).
1808. A fortaleza é a virtude moral que, no meio das dificuldades, assegura a firmeza e a constância na prossecução do bem. Torna firme a decisão de resistir às tentações e de superar os obstáculos na vida moral. A virtude da fortaleza dá capacidade para vencer o medo, mesmo da morte, e enfrentar a provação e as perseguições. Dispõe a ir até à renúncia e ao sacrifício da própria vida, na defesa duma causa justa.
«O Senhor é a minha fortaleza e a minha glória» (Sl 118, 14).
«No mundo haveis de sofrer tribulações: mas tende coragem! Eu venci o mundo!» (Jo 16, 33).
1809. A temperança é a virtude moral que modera a atração dos prazeres e proporciona o equilíbrio no uso dos bens criados. Assegura o domínio da vontade sobre os instintos e mantém os desejos nos limites da honestidade. A pessoa temperante orienta para o bem os apetites sensíveis, guarda uma sã discrição e não se deixa arrastar pelas paixões do coração (Cf. Sir 5, 2; 37, 27-31). A temperança é muitas vezes louvada no Antigo Testamento:
«Não te deixes levar pelas tuas más inclinações e refreia os teus apetites» (Sir 18, 30)
No Novo Testamento, é chamada «moderação», ou «sobriedade». Devemos «viver com moderação, justiça e piedade no mundo presente» (Tt 2, 12).
«Viver bem é amar a Deus de todo o coração, com toda a alma e com todo o proceder […], de tal modo que se lhe dedica um amor incorrupto e íntegro (pela temperança), que mal algum poderá abalar (fortaleza), que a ninguém mais serve (justiça), que cuida de discernir todas as coisas para não se deixar surpreender pela astúcia e pela mentira (prudência)» (Santo Agostinho, De moribus Ecclesiae catholicae, 1, 25, 46: CSEL 90, 51 (PL 32, 1330-1331)).
As virtudes e a graça (1810-1811)
Terça-feira
1810. As virtudes humanas, adquiridas pela educação, por atos deliberados e por uma sempre renovada perseverança no esforço, são purificadas e elevadas pela graça divina. Com a ajuda de Deus, forjam o carácter e facilitam a prática do bem. O homem virtuoso sente-se feliz ao praticá-las.
1811. Não é fácil, ao homem ferido pelo pecado, manter o equilíbrio moral. O dom da salvação, que nos veio por Cristo, dá-nos a graça necessária para perseverar na busca das virtudes. Cada qual deve pedir constantemente esta graça de luz e de força, recorrer aos sacramentos, cooperar com o Espírito Santo e seguir os seus apelos a amar o bem e acautelar-se do mal.
As virtudes teologais: a fé (1814-1816)
Quarta-feira
1814. A fé é a virtude teologal pela qual cremos em Deus e em tudo o que Ele nos disse e revelou e que a santa Igreja nos propõe para acreditarmos, porque Ele é a própria verdade. Pela fé, «o homem entrega-se total e livremente a Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 5: AAS 58 (1966) 819). E por isso, o crente procura conhecer e fazer a vontade de Deus.
«O justo viverá pela fé» (Rm 1, 17)
A fé viva «atua pela caridade» (Gl 5, 6).
1815. O dom da fé permanece naquele que não pecou contra ela (Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 15: DS 1544). Mas, «sem obras, a fé está morta» (Tg 2, 26): privada da esperança e do amor, a fé não une plenamente o fiel a Cristo, nem faz dele um membro vivo do seu corpo.
1816. O discípulo de Cristo, não somente deve guardar a fé e viver dela, como ainda professá-la, dar firme testemunho dela e propagá-la:
«Todos devem estar dispostos a confessar Cristo diante dos homens e a segui-Lo no caminho da cruz, no meio das perseguições que nunca faltam à Igreja» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 42: AAS 57 (1965) 48: cf. ID., Decl. Dignitatis humanae, 14: AAS 58 (1966) 940)
O serviço e testemunho da fé são requeridos para a salvação:
«A todo aquele que me tiver reconhecido diante dos homens, também Eu o reconhecerei diante do meu Pai que está nos céus. Mas àquele que me tiver negado diante dos homens, também Eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus» (Mt 10, 32-33).
A esperança (1817-1819)
Quinta-feira
1817. A esperança é a virtude teologal pela qual desejamos o Reino dos céus e a vida eterna como nossa felicidade, pondo toda a nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos, não nas nossas forças, mas no socorro da graça do Espírito Santo.
«Conservemos firmemente a esperança que professamos, pois Aquele que fez a promessa é fiel» (Heb 10, 23)
«O Espírito Santo, que Ele derramou abundantemente sobre nós, por meio de Jesus Cristo nosso Salvador, para que, justificados pela sua graça, nos tornássemos, em esperança, herdeiros da vida eterna» (Tt 3, 6-7).
1818. A virtude da esperança corresponde ao desejo de felicidade que Deus colocou no coração de todo o homem; assume as esperanças que inspiram as atividades dos homens, purifica-as e ordena-as para o Reino dos céus; protege contra o desânimo; sustenta no abatimento; dilata o coração na expectativa da bem-aventurança eterna. O ânimo que a esperança dá preserva do egoísmo e conduz à felicidade da caridade.
1819. A esperança cristã retorna e realiza a esperança do povo eleito, que tem a sua origem e modelo na esperança de Abraão, o qual, em Isaac, foi cumulado das promessas de Deus e purificado pela provação do sacrifício (Cf. Gn 17, 4-8; 22, 1-18).
«Contra toda a esperança humana, Abraão teve esperança e acreditou. Por isso, tornou-se pai de muitas nações» (Rm 4, 18).
A esperança, II parte (1820-1821)
Sexta-feira
1820. A esperança cristã manifesta-se, desde o princípio da pregação de Jesus, no anúncio das bem-aventuranças. As bem-aventuranças elevam a nossa esperança para o céu, como nova tema prometida e traçam-lhe o caminho através das provações que aguardam os discípulos de Jesus. Mas, pelos méritos do mesmo Jesus Cristo e da sua paixão, Deus guarda-nos na «esperança que não engana» (Rm 5, 5). A esperança é «a âncora da alma, inabalável e segura» que penetra […]«onde entrou Jesus como nosso precursor» (Heb 6, 19-20). É também uma arma que nos protege no combate da salvação:
«Revistamo-nos com a couraça da fé e da caridade, com o capacete da esperança da salvação» (1 Ts 5, 8)
Proporciona-nos alegria, mesmo no meio da provação: «alegres na esperança, pacientes na tribulação» (Rm 12, 12).
Exprime-se e nutre-se na oração, particularmente na oração do Pai-Nosso, resumo de tudo o que a esperança nos faz desejar.
1821. Podemos, portanto, esperar a glória do céu prometida por Deus àqueles que O amam (Cf. Rm 8, 28-30) e fazem a sua vontade (Cf. Mt 7, 21). Em todas as circunstâncias, cada qual deve esperar, com a graça de Deus, «permanecer firme até ao fim» (Cf. Mt 10, 22: Concílio de Trento, Sess. 5ª, Decretum de iustificatione, c. 13: DS 1541) e alcançar a alegria do céu, como eterna recompensa de Deus pelas boas obras realizadas com a graça de Cristo. É na esperança que a Igreja pede que «todos os homens se salvem» (1 Tm 2, 4) e ela própria aspira a ficar, na glória do céu, unida a Cristo, seu Esposo:
«Espera, espera, que não sabes quando virá o dia nem a hora. Vela com cuidado, que tudo passa com brevidade, embora o teu desejo faça o certo duvidoso e longo o tempo breve. Olha que quanto mais pelejares, mais mostrarás o amor que tens a teu Deus, e mais te regozijarás com teu Amado em gozo e deleite que não pode ter fim» (Santa Teresa de Jesus, Exclamaciones del alma a Dios, 15, 3: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 4 (Burgos 1917) p. 290. [Exclamações, XV. 3: Obras Completas (Paço de Arcos. Edições Carmelo 1994) p. 959)).
A caridade (1822-1826)
Sábado
1822. A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo, e ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus.
1823. Jesus faz da caridade o mandamento novo (Cf. Jo 13. 34). Amando os seus «até ao fim» (Jo 13, 1), manifesta o amor do Pai, que Ele próprio recebe. E os discípulos, amando-se uns aos outros, imitam o amor de Jesus, amor que eles recebem também em si. É por isso que Jesus diz:
«Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor» (Jo 15, 9)
E ainda:
«É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei» (Jo 15, 12).
1824. Fruto do Espírito e plenitude da Lei, a caridade guarda os mandamentos de Deus e do seu Cristo:
«Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor» (Jo 15, 9-10) (Cf. Mt 22, 40: Rm 13, 8-10).
1825. Cristo morreu por amor de nós, sendo nós ainda «inimigos» (Rm 5, 10). O Senhor pede-nos que, como Ele, amemos até os nossos inimigos (Cf. Mt 5, 44), que nos façamos o próximo do mais afastado (Cf. Lc 10, 27-37), que amemos as crianças (Cf Mc 9, 37) e os pobres como a Ele próprio (Cf. Mt 25, 40.45).
O apóstolo São Paulo deixou-nos um incomparável quadro da caridade:
«A caridade é paciente, a caridade é benigna; não é invejosa, não é altiva nem orgulhosa; não é inconveniente, não procura o próprio interesse, não se imita, não guarda ressentimento, não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (1Cor 13, 4-7).
1826. Sem a caridade, diz ainda o Apóstolo, «nada sou». E tudo o que for privilégio, serviço, ou mesmo virtude…, se não tiver caridade «de nada me aproveita» (Cf. 1 Cor 13, 1-4). A caridade é superior a todas as virtudes. É a primeira das virtudes teologais:
«Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade» (1 Cor 13, 13).
III Semana do Advento
A preparação da vinda do Cristo (522-524)
Domingo
522. A vinda do Filho de Deus à terra é um acontecimento tão grandioso, que Deus quis prepará-lo durante séculos. Ritos e sacrifícios, figuras e símbolos da «primeira Aliança» (Cf. Heb 9, 15), tudo Deus faz convergir para Cristo. Anuncia-O pela boca dos profetas que se sucedem em Israel. E, por outro lado, desperta no coração dos pagãos a obscura expectativa desta vinda.
523. São João Batista é o precursor imediato do Senhor (Cf. Act 13, 24), enviado para Lhe preparar o caminho (Cf. Mt 3, 3). «Profeta do Altíssimo» (Lc 1, 76), supera todos os profetas (Cf. Lc 7 26 ), é o último deles (Cf. Mt 11, 13) inaugura o Evangelho (Cf. Act 1, 22: Lc 16, 16); saúda a vinda de Cristo desde o seio da sua Mãe (Cf. Lc 1, 41) e põe a sua alegria em ser «o amigo do esposo» (Jo 3, 29) que ele designa como «Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Jo 1, 29). Precedendo Jesus «com o espírito e o poder de Elias» (Lc 1, 17), dá testemunho d’Ele pela sua pregação, pelo seu batismo de conversão e, finalmente, pelo seu martírio (Cf. Mc 6, 17-29).
524. Ao celebrar em cada ano a Liturgia do Advento, a Igreja atualiza esta expectativa do Messias. Comungando na longa preparação da primeira vinda do Salvador, os fiéis renovam o ardente desejo da sua segunda vinda (Cf. Ap 22, 17). Pela celebração do nascimento e martírio do Precursor, a Igreja une-se ao seu desejo:
«Ele deve crescer e eu diminuir» (Jo 3, 30).
A caridade, II parte (1827-1829)
Segunda-feira
1827. O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pela caridade. Esta é o «vínculo da perfeição» (Cl 3, 14) e a forma das virtudes: articula-as e ordena-as entre si; é a fonte e o termo da sua prática cristã. A caridade assegura e purifica a nossa capacidade humana de amar e eleva-a à perfeição sobrenatural do amor divino.
1828. A prática da vida moral animada pela caridade dá ao cristão a liberdade espiritual dos filhos de Deus. O cristão já não está diante de Deus como um escravo, com temor servil, nem como o mercenário à espera do salário, mas como um filho que corresponde ao amor «d’Aquele que nos amou primeiro» (1 Jo 4, 19):
«Nós, ou nos desviamos do mal por temor do castigo e estamos na atitude do escravo, ou vivemos à espera da recompensa e parecemo-nos com os mercenários; ou, finalmente, é pelo bem em si e por amor d’Aquele que manda, que obedecemos […], e então estamos na atitude própria dos filhos» (São Basílio Magno, Regulae fusius tractatae, prol. 3: PG 31. 896).
1829. Os frutos da caridade são: a alegria, a paz e a misericórdia; exige a prática do bem e a correção fraterna; é benevolente; suscita a reciprocidade, é desinteressada e liberal: é amizade e comunhão:
«A consumação de todas as nossas obras é o amor. É nele que está o fim: é para a conquista dele que corremos; corremos para lá chegar e, uma vez chegados, é nele que descansamos» (Santo Agostinho, In epistulam Iohannis ad Parthos tractus 10, 4: PL 35, 2056-2057).
Dons e frutos do Espírito (1830-1832)
Terça-feira
1830. A vida moral dos cristãos é sustentada pelos dons do Espírito Santo. Estes são disposições permanentes que tornam o homem dócil aos impulsos do Espírito Santo.
1831. Os sete dons do Espírito Santo são: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus. Pertencem em plenitude a Cristo, filho de David (Cf. Is 11, 1-2). Completam e levam à perfeição as virtudes de quem os recebe. Tornam os fiéis dóceis, na obediência pronta, às inspirações divinas.
«Que o vosso espírito de bondade me conduza pelo caminho reto» (Sl 143, 10).
«Todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus […]; se somos filhos, também somos herdeiros: herdeiros de Deus, coerdeiros de Cristo» (Rm 8, 14.17).
1832. Os frutos do Espírito são perfeições que o Espírito Santo forma em nós, como primícias da glória eterna. A tradição da Igreja enumera doze: «caridade, alegria, paz, paciência, bondade, longanimidade, benignidade, mansidão, fidelidade, modéstia, continência, castidade» (Gl 5, 22-23 segundo a Vulgata).
Abraão, o pai de todos os que têm fé (144-147)
Quarta-feira
144. Obedecer (ob-audire) na fé é submeter-se livremente à palavra escutada, por a sua verdade ser garantida por Deus, que é a própria verdade. Desta obediência, o modelo que a Sagrada Escritura nos propõe é Abraão. A sua realização mais perfeita é a da Virgem Maria.
145. A Epístola aos Hebreus, no grande elogio que faz da fé dos antepassados, insiste particularmente na fé de Abraão:
«Pela fé, Abraão obedeceu ao chamamento de Deus, e partiu para uma terra que viria a receber como herança: partiu, sem saber para onde ia» (Heb 11, 8) (Cf. Gn 12, 1-4).
Pela fé, viveu como estrangeiro e peregrino na terra prometida (Cf. Gn 23, 4). Pela fé, Sara recebeu a graça de conceber o filho da promessa. Pela fé, finalmente, Abraão ofereceu em sacrifício o seu filho único (Cf. Heb 11, 17).
146. Abraão realiza assim a definição da fé dada pela Epístola aos Hebreus:
«A fé constitui a garantia dos bens que se esperam, e a prova de que existem as coisas que não se vêem» (Heb 11, 1).
«Abraão acreditou em Deus, e isto foi-lhe atribuído como justiça» (Rm 4, 3) (Cf. Gn 15, 6).
«Fortalecido» por esta fé (Rm 4, 20), Abraão tornou-se «o pai de todos os crentes» (Rm 4, 11. 18) (Cf. Gn 15, 5).
147. O Antigo Testamento é rico em testemunhos desta fé. A Epístola aos Hebreus faz o elogio da fé exemplar dos antigos, «que lhes valeu um bom testemunho» (Heb 11, 2. 39). No entanto, para nós, «Deus previra destino melhor»: a graça de crer no seu Filho Jesus, «guia da nossa fé, que Ele leva à perfeição» (Heb 11, 40; 12, 2).
Maria, bem-aventurada a que acreditou (148-149)
Quinta-feira
148. A Virgem Maria realiza, do modo mais perfeito, a «obediência da fé». Na fé, Maria acolheu o anúncio e a promessa trazidos pelo anjo Gabriel, acreditando que «a Deus nada é impossível» (Lc 1, 37) (Cf. Gn 18, 14) e dando o seu assentimento:
«Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38)
Isabel saudou-a:
«Feliz aquela que acreditou no cumprimento de quanto lhe foi dito da parte do Senhor» (Lc 1, 45)
É em virtude desta fé que todas as gerações a hão de proclamar bem-aventurada ( Cf. Lc l, 48).
149. Durante toda a sua vida e até à última provação (Cf. Lc 2, 35), quando Jesus, seu filho, morreu na cruz, a sua fé jamais vacilou. Maria nunca deixou de crer «no cumprimento» da Palavra de Deus. Por isso, a Igreja venera em Maria a mais pura realização da fé.
Maria, imagem escatológica da Igreja (971-972)
Sexta-feira
971. «Todas as gerações me hão de proclamar ditosa» (Lc 1, 48): «a piedade da Igreja para com a santíssima Virgem pertence à própria natureza do culto cristão» (Paulo VI, Ex. Ap. Marialis cultus, 56: AAS 66 (1974) 162). A santíssima Virgem «é com razão venerada pela Igreja com um culto especial. E, na verdade, a santíssima Virgem é, desde os tempos mais antigos, honrada com o título de “Mãe de Deus”, e sob a sua proteção se acolhem os fiéis implorando-a em todos os perigos e necessidades […]. Este culto […], embora inteiramente singular, difere essencialmente do culto de adoração que se presta por igual ao Verbo Encarnado, ao Pai e ao Espírito Santo, e favorece-o poderosamente» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 66: AAS 57 (1965) 65). Encontra a sua expressão nas festas litúrgicas dedicadas à Mãe de Deus (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 103: AAS 56 (1964) 125) e na oração mariana, como o santo rosário, «resumo de todo o Evangelho» (Paulo VI, Ex. Ap. Marialis cultus, 42: AAS 66 (1974) 152-153).
Concebido pelo poder do Espírito Santo (484-486)
17 de Dezembro
484. A Anunciação a Maria inaugura a «plenitude dos tempos» (Gl 4, 4), isto é, o cumprimento das promessas e dos preparativos. Maria é convidada a conceber Aquele em quem habitará «corporalmente toda a plenitude da Divindade» (Cl 2, 9). A resposta divina ao seu «como será isto, se Eu não conheço homem?» (Lc 1, 34) é dada pelo poder do Espírito:
«O Espírito Santo virá sobre ti» (Lc 1, 35).
485. A missão do Espírito Santo está sempre unida e ordenada à do Filho (Cf. Jo 16, 14-15). O Espírito Santo, que é «o Senhor que dá a Vida», é enviado para santificar o seio da Virgem Maria e para a fecundar pelo poder divino, fazendo-a conceber o Filho eterno do Pai, numa humanidade originada da sua.
486. Tendo sido concebido como homem no seio da Virgem Maria, o Filho único do Pai é «Cristo», isto é, ungido pelo Espírito Santo (Cf. Mt 1, 20; Lc 1, 35), desde o princípio da sua existência humana, embora a sua manifestação só se venha a fazer progressivamente: aos pastores (Cf. Lc 2, 8-20), aos magos Cf. Mt 2, 1-12), a João Batista (Cf. Jo 1, 31-34), aos discípulos (Cf. Jo 2, 11). Toda a vida de Jesus Cristo manifestará, portanto, «como Deus O ungiu com o Espírito Santo e o poder» (Act 10, 38).
Nascido da Virgem Maria (487-489)
18 de Dezembro
487. O que a fé católica crê, a respeito de Maria, funda-se no que crê a respeito de Cristo. Mas o que a mesma fé ensina sobre Maria esclarece, por sua vez, a sua fé em Cristo.
488. «Deus enviou o seu Filho» (GI 4, 4). Mas, para Lhe «formar um corpo» (Cf. Heb 10, 5), quis a livre cooperação duma criatura. Para isso, desde toda a eternidade, Deus escolheu, para ser a Mãe do seu Filho, uma filha de Israel, uma jovem judia de Nazaré, na Galileia, «virgem que era noiva de um homem da casa de David, chamado José. O nome da virgem era Maria» (Lc 1, 26-27):
«O Pai das misericórdias quis que a aceitação, por parte da que Ele predestinara para Mãe, precedesse a Encarnação, para que, assim como uma mulher contribuiu para a morte, também outra mulher contribuísse para a vida (Cf. II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 56: AAS 57 (1965) 60; cf. ibid., 61: AAS 57 (1965) 63).
489. Ao longo da Antiga Aliança, a missão de Maria foi preparada pela missão de santas mulheres. Logo no princípio, temos Eva; apesar da sua desobediência, ela recebe a promessa duma descendência que sairá vitoriosa do Maligno(Cf. Gn 3,15) e de vir a ser a mãe de todos os vivos (Cf. Gn 3, 20). Em virtude desta promessa, Sara concebe um filho, apesar da sua idade avançada (Cf. Gn 18, 10-14; 21, 1-2). Contra toda a esperança humana, Deus escolheu o que era tido por incapaz e fraco (Cf. 1 Cor 1, 27) para mostrar a sua fidelidade à promessa feita: Ana, a mãe de Samuel (Cf. 1 Sm 1), Débora, Rute, Judite e Ester e muitas outras mulheres. Maria «é a primeira entre os humildes e pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem a salvação de Deus. Com ela, enfim, excelsa filha de Sião, passada a longa espera da promessa, cumprem-se os tempos e inaugura-se a nova economia da salvação» (Cf. II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 55: AAS 57 (1965) 59-60).
O tempo das promessas (702-704)
19 de Dezembro
702. Desde o princípio até à «plenitude do tempo» (Cf. Gl 4, 4), a missão conjunta do Verbo e do Espírito do Pai permanece oculta, mas está atuante. O Espírito de Deus prepara o tempo do Messias: e um e outro, ainda não plenamente revelados, já são prometidos com o fim de serem esperados e acolhidos quando da sua manifestação. É por isso que, quando a Igreja lê o Antigo Testamento (Cf. 2 Cor 3, 14) perscruta nele (Cf. Jo 5, 39. 46) o que o Espírito, «que falou pelos profetas» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150), nos quer dizer acerca de Cristo.
Por «profetas», a fé da Igreja entende aqui todos aqueles que o Espírito Santo inspirou no anúncio vivo e na redação dos Livros santos, tanto do Antigo como do Novo Testamento. A tradição judaica distingue a Lei (os cinco primeiros livros ou Pentateuco), os Profetas (os livros ditos históricos e proféticos) e os Escritos (sobretudo sapienciais, em particular os Salmos) (Cf. Lc 24, 44).
703. A Palavra de Deus e o seu Espírito estão na origem do ser e da vida de todas as criaturas (Cf. Sl 33, 6; 104. 30; Gn 1, 2; 2, 7; Ecl 3, 20-21; Ez 37, 10).
É próprio do Espírito Santo reinar, santificar e animar a criação, porque Ele é Deus consubstancial ao Pai e ao Filho […]. Pertence-Lhe o poder sobre a vida, porque, sendo Deus, guarda a criação no Pai pelo Filho (Liturgia bizantina, Ofício das Horas. Matinas dos Domingos do segundo modo, Antífonas 1 e 2: Paraklêtikês (Romae 1885), p. 107).
704. «Quanto ao homem, foi com as suas próprias mãos (quer dizer, com o Filho e o Espírito Santo) que Deus o moldou […] e sobre a carne moldada desenhou a sua própria forma, de modo que, mesmo o que havia de ser visível, tivesse a forma divina» (Santo Ireneu de Lião, Demonstratio praedicationis apostolicae. 11: SC 62, 48-49).
O Espírito da promessa (705-706)
20 de Dezembro
705. Desfigurado pelo pecado e pela morte, o homem permanece «à imagem de Deus», à imagem do Filho, mas está «privado da glória de Deus» (Cf. Rm 3, 23) , privado da «semelhança». A promessa feita a Abraão inaugura a «economia da salvação», no termo da qual o próprio Filho assumirá «a imagem»(Cf. Jo 1, 14; Fl 2, 7) e restaurá-la-á na «semelhança» com o Pai, voltando a dar-lhe a glória, o Espírito «que dá a vida».
706. Contra toda a esperança humana, Deus promete a Abraão uma descendência, como fruto da fé e do poder do Espírito Santo (Cf. Gn 18, 1-15; Lc 1, 26-38.54-55; Jo 1, 12-13; Rm 4, 16-21). Nessa descendência serão abençoadas todas as nações da terra (Cf. Gn 12, 3). Essa descendência será o Cristo (Cf. Gl 3, 16) no qual a efusão do Espírito Santo fará «a unidade dos filhos de Deus dispersos» (Cf. Jo 11, 52). Comprometendo-Se por juramento (Cf. Lc. 1, 73), Deus obriga-Se, desde logo, ao dom do seu Filho muito-amado (Cf. Gn 22, 17-18; Rm 8, 32; Jo 3, 16) e ao dom do «Espírito Santo prometido, que constitui o título de garantia da nossa herança para a redenção do povo que Deus adquiriu para Si mesmo» (Cf. Ef 1, 13-14; Gl 3, 14).
A Lei de Moisés, as promessas e a aliança (707-710)
21 de Dezembro
707. As teofanias (manifestações de Deus) iluminam o caminho da promessa, dos patriarcas a Moisés e de Josué até às visões que inauguram a missão dos grandes profetas. A Tradição cristã sempre reconheceu que, nestas teofanias, o Verbo de Deus Se deixava ver e ouvir, ao mesmo tempo revelado e «velado», na nuvem do Espírito Santo.
708. Esta pedagogia de Deus manifesta-se especialmente no dom da Lei (Cf. Ex 19-20; Dt 1-11; 29-31). A Lei foi dada como um «pedagogo» para conduzir o povo a Cristo (Cf. Gl 3, 24). Mas a sua impotência para salvar o homem, privado da «semelhança» divina e o conhecimento acrescido que ela dá do pecado (Cf. Rm 3, 20) suscitam o desejo do Espírito Santo. Os gemidos dos Salmos são disso testemunho.
709. A Lei, sinal da promessa e da Aliança, deveria reger o coração e as instituições do povo nascido da fé de Abraão.
«Se ouvirdes realmente a minha voz, se guardardes a minha Aliança […], sereis para Mim um reino de sacerdotes, uma nação consagrada» (Ex 19, 5-6) (Cf. 1 Pe 2, 9)
Mas depois de David, Israel sucumbe à tentação de se tornar um reino como as outras nações. Ora o Reino, objeto da promessa feita a David (Cf. 2 Sm 7: Sl 89; Lc 1, 32-33) , será obra do Espírito Santo: pertencerá aos que são pobres segundo o Espírito.
710. O esquecimento da Lei e a infidelidade à Aliança levam à morte: é o Exílio, aparentemente o fracasso das promessas, mas, na realidade, fidelidade misteriosa do Deus salvador e o princípio duma restauração prometida, mas segundo o Espírito. Era preciso que o povo de Deus sofresse esta purificação (Cf. Lc 24, 26). O exílio traz já a sombra da cruz no desígnio de Deus; e o «resto» dos pobres que regressa do Exílio é uma das figuras mais transparentes da Igreja.
A expectativa do Messias e do seu Espírito (711-713)
22 de Dezembro
711. «Eis que vou fazer algo de novo» (Is 43, 19): duas linhas proféticas vão ser traçadas, incidindo uma sobre a expectativa do Messias e outra sobre o anúncio dum Espírito novo, convergindo ambas no pequeno «resto», o povo dos pobres (Cf. Sf 2, 3), que aguarda na esperança a «consolação de Israel» e «a libertação de Jerusalém» (Lc 2, 25.38).
Vimos mais atrás como Jesus cumpriu as profecias que Lhe diziam respeito. Limitamo-nos agora àquelas em que aparece mais clara a relação entre o Messias e o seu Espírito.
712. Os traços do rosto do Messias esperado começam a aparecer no Livro do Emanuel (Cf. Is 6-12) (quando Isaías […] teve a visão da glória» de Cristo: Jo 12, 41), particularmente em Is 11, 1-2:
«Naquele dia,
sairá um ramo do tronco de Jessé
e um rebento brotará das suas raízes.
Sobre ele repousará o Espírito do Senhor:
espírito de sabedoria e de entendimento,
espírito de conselho e de fortaleza,
espírito de conhecimento e de temor do Senhor».
713. Os traços do Messias são revelados sobretudo nos cânticos do Servo (Cf. Is 42, 1-9; Mt 12, 18-21: Jo 1, 32-34; e também Is 49, 1-6; Mr 3, 17: Lc 2, 32: e, por fim, Is 50, 4-10 e 52, 13 – 53, 12). Estes cânticos anunciam o sentido da paixão de Jesus, indicando assim a maneira como Ele derramará o Espírito Santo para dar vida à multidão: não a partir do exterior, mas assumindo a nossa «condição de servo» (Fl 2, 7). Tomando sobre Si a nossa morte, Ele pode comunicar-nos o seu próprio Espírito de vida.
A expectativa do Messias e do seu Espírito, II (714-716)
23 de Dezembro
714. É por isso que Cristo inaugura o anúncio da Boa-Nova, apropriando-Se desse passo de Isaías (Lc 4, 18-19) (Cf. Is 61, 1-2):
«O Espírito do Senhor Deus está sobre Mim,
porque o Senhor Me ungiu.
Enviou-Me a anunciar a Boa-Nova aos que sofrem,
para curar os desesperados,
para anunciar a libertação aos exilados
e a liberdade aos prisioneiros,
para proclamar o ano da graça do Senhor».
715. Os textos proféticos, respeitantes diretamente ao envio do Espírito Santo, são oráculos em que Deus fala ao coração do seu povo na linguagem da promessa, com os acentos do «amor e da fidelidade» (Cf. Ez 11, 19; 36, 25-28; 37, 1-14: Jr 31, 31-34; Jl 3, 1-5), cujo cumprimento São Pedro proclamará na manhã do Pentecostes (Cf. Act 2, 17-21)». Segundo estas promessas, nos «últimos tempos» o Espírito do Senhor há de renovar o coração dos homens, gravando neles uma lei nova; reunirá e reconciliará os povos dispersos e divididos; transformará a primeira criação e Deus habitará nela com os homens, na paz.
716. O povo dos «pobres» (Cf. Sf 2, 3; Sl 22, 27; 34, 3; Is 49, 13; 61. 1; etc) , dos humildes e dos mansos, totalmente entregues aos desígnios misteriosos do seu Deus, o povo dos que esperam a justiça, não dos homens mas do Messias, tal é, afinal, a grande obra da missão oculta do Espírito Santo, durante o tempo das promessas, para preparar a vinda de Cristo. É a qualidade do seu coração, purificado e iluminado pelo Espírito, que se exprime nos salmos. Nestes pobres, o Espírito prepara para o Senhor «um povo bem disposto» (Cf. Lc 1. 17).
Ave, cheia de graça (721-726)
24 de Dezembro
721. Maria, a santíssima Mãe de Deus, sempre virgem, é a obra-prima da missão do Filho e do Espírito na plenitude do tempo. Pela primeira vez no desígnio da salvação e porque o seu Espírito a preparou, o Pai encontra a morada na qual o seu Filho e o seu Espírito podem habitar entre os homens. É neste sentido que a Tradição da Igreja muitas vezes lê, em relação a Maria, os mais belos textos sobre a Sabedoria (Cf. Pr 8, 1 – 9, 6; Ecl 24): Maria é cantada e apresentada na Liturgia como «o Trono da Sabedoria». Nela começam a manifestar-se as «maravilhas de Deus», que o Espírito vai realizar em Cristo e na Igreja:
722. O Espírito Santo preparou Maria pela sua graça. Convinha que fosse «cheia de graça» a Mãe d’Aquele em Quem «habita corporalmente a plenitude da divindade» (Cl 2, 9). Ela foi, por pura graça, concebida sem pecado, como a mais humilde das criaturas, a mais capaz de acolher o dom inefável do Omnipotente. É a justo título que o anjo Gabriel a saúda como «Filha de Sião»: «Ave» (= «Alegra-te») (Cf. Sf 3, 14; Zc 2, 14). É a ação de graças de todo o povo de Deus, e portanto da Igreja, que ela faz subir até ao Pai, no Espírito Santo, com o seu cântico (Cf. Lc 1, 46-55) , quando já portadora, em si, do Filho eterno.
723. Em Maria, o Espírito Santo realiza o desígnio benevolente do Pai. É pelo Espírito Santo que a Virgem concebe e dá à luz o Filho de Deus. A sua virgindade torna-se fecundidade única, pelo poder do Espírito e da fé (Cf. Lc 1, 26-38; Rm 4, 18-21; Gl 4, 26-28).
724. Em Maria, o Espírito Santo manifesta o Filho do Pai feito Filho da Virgem. Ela é a sarça ardente da teofania definitiva: cheia do Espírito Santo, mostra o Verbo na humildade da sua carne; e é aos pobres (Cf. Lc 2, 15-19) e às primícias das nações (Cf. Mt 2, 11) que Ela O dá a conhecer.
725. Finalmente, por Maria, o Espírito começa a pôr em comunhão com Cristo os homens que são «objeto do amor benevolente de Deus» (Cf. Lc 2, 14); e os humildes são sempre os primeiros a recebê-Lo: os pastores, os magos, Simeão e Ana, os esposos de Caná e os primeiros discípulos.
726. No termo desta missão do Espírito, Maria torna-se a «Mulher», a nova Eva «mãe dos vivos», Mãe do «Cristo total» (Cf. Jo 19, 25-27). É como tal que Ela está presente com os Doze, «num só coração, assíduos na oração» (Act 1, 14), no alvorecer dos «últimos tempos», que o Espírito vai inaugurar na manhã do Pentecostes, com a manifestação da Igreja.
TEMPO DO NATAL
Qual o significado do Tempo do Natal?
O Tempo do Natal é o intervalo de quarenta dias, entre 25 de dezembro e 2 de fevereiro. Comparando o Advento à subida de uma montanha, chegamos agora a seu cume – Natal – o ponto mais elevado da primeira parte do Ano eclesiástico.
Durante doze dias permanecemos nesta altura, com a celebração das duas festas principais deste Tempo: Natal e Epifania ou festa dos Reis. A oitava desta última solenidade é seguida de 6 domingos, número este por vezes diminuído pelo tempo da Septuagésima que varia conforme a celebração da Páscoa, mais cedo ou mais tarde. Termina o tempo do Natal com a festa da Purificação de Nossa Senhora, que é o oferecimento de Jesus, no templo, pelos pecados do mundo e assim esta festa já prepara para o Mistério da Redenção que é o assunto do ciclo pascal.
Voltemos à festa de Natal. Seu fim é lembrar-nos o nascimento do Salvador e comunicar-nos as graças particulares deste Mistério.
Propter nos hómines, et propter nostram salútem descéndit de caelis – Por nossa causa e por nossa salvação desceu do céu (Credo).
Sendo e permanecendo verdadeiro Deus, tornou-Se verdadeiro homem. Não hesitou em se revestir da forma de servo, fazendo-Se semelhante aos homens, e sendo reconhecido pelo exterior como homem. E sendo homem, atrai todo o gênero humano a Si e o faz seu Corpo místico e sua propriedade. Comunica-lhe a filiação de Deus, tornando-Se Irmão de todos e dando aos homens a sua vida que é a graça santificante.
Deus factus est homo ut homo fíeret Deus – Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus, diz admiravelmente Santo Agostinho.
Enquanto a festa de Natal se ocupa muito mais com o Menino-Deus, no berço, a segunda grande solenidade deste Tempo, a Epifania, descortina novos horizontes. Este Menino é o grande Rei, o Soberano que vem à terra fundar o seu reino na humanidade, na Igreja, na alma humana. Reis desta terra vem adorar a Criancinha em seu presepe e, neste fato, a humanidade Lhe reconhece a Realeza suprema. Este Menino dominará as nações, pois no fim dos tempos reunirá os seus fiéis num reino celestial, reino de Deus, reino de eterna bem-aventurança. A Igreja procura intensificar estes mesmos sentimentos ainda depois da festa, nos domingos seguintes. Adoramos nos Introitos o poder de Cristo-Rei sobre as criaturas animadas e inanimadas.
Quais devem ser nossas disposições neste Tempo de Natal?
Para as almas que se unem à vida da Igreja, que jubilosa quarentena! Isaías, que durante todo o tempo do Advento, foi o nosso guia, entoa este cântico de alegria nas suaves Matinas de Natal:
“Levanta-te, ó Sião, reveste-te de tua força; compõe-te com os vestidos de tua glória, Jerusalém, cidade do Santo; sacode-te do pó, levanta-te, desata a cadeia do teu pescoço, cativa filha de Sião” (Is 52)
E São Leão, explicando estes brados do profeta, exclama:
“Meus caríssimos filhos, nasceu-nos hoje o Salvador: rejubilemo-nos. Para longe todo sentimento de tristeza: eis a aurora da vida. Exulte o justo, porque a recompensa está perto; o pecador se alegre, eis o perdão; o pagão espere, eis a vida”
Esta alegria fará nascer em nossos corações profundos sentimentos de gratidão para com Deus pela Encarnação de seu Filho Unigênito, gratidão que se manifestará pelo sincero desejo de desenvolver em nós, pela prática das boas obras, a vida nova que Jesus trouxe ao mundo. Esperemos que ela sempre cresça e também cresça o Cristo em nós. Eis a obra do santo Sacrifício da Missa, pois o que aconteceu há dois mil anos, repete-se ainda hoje: a Encarnação do Verbo divino, seu Nascimento no presépio de Belém. Na Santa Missa, na Santa Comunhão, une-se Jesus às nossas almas, escondido sob os véus das espécies eucarísticas, como outrora ocultou o esplendor de sua Divindade sob o humilde manto de sua humanidade. Nossa Belém é o altar! Nossa gruta é o tabernáculo! Nosso presépio é a nossa alma! Nela, bem longe do tumulto do mundo, Ele quer, no silêncio e na solidão, “tomar nova forma“; quer ocupá-la, imprimir-lhe o selo de filha de Deus, transformá-la em Si próprio. A esta alma Deus predestinou “conformar-se com a imagem do Filho de Deus“. E se somos filhos de Deus, também seremos seus herdeiros e coerdeiros de Jesus Cristo. É assim que não somente comemoramos e celebramos o Natal, como participamos do Nascimento de Jesus Cristo e dos frutos da Redenção da Santa Missa, ao pé da Cruz.
O mistério do Natal (525-526)
Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo
525. Jesus nasceu na humildade dum estábulo, no seio duma família pobre (Cf. Lc 2, 6-7). As primeiras testemunhas deste acontecimento são simples pastores. E é nesta pobreza que se manifesta a glória do céu (Cf. Lc 2, 8-20). A Igreja não se cansa de cantar a glória desta noite:
«Hoje a Virgem dá à luz o Eterno
e a terra oferece uma gruta ao Inacessível.
Cantam-n’O os anjos e os pastores,
e com a estrela os magos põem-se a caminho,
porque Tu nasceste para nós,
pequeno Infante. Deus eterno!»
(São Romano o Melódio, Kontakion, 10, In diem Nativitatis Christi, Prooemium: SC 110, 50)
526. «Tornar-se criança» diante de Deus é a condição para entrar no Reino (Cf. Mt 18, 3-4), e para isso, é preciso abaixar-se (Cf. Mt 23, 12) tornar-se pequeno. Mais ainda: é preciso «nascer do Alto» (Jo 3, 7), «nascer de Deus» (Cf. Jo 1, 13) para se «tornar filho de Deus» (Cf. Jo 1, 12). O mistério do Natal cumpre-se em nós quando Cristo «Se forma» em nós (Cf. Gl 4, 1). O Natal é o mistério desta «admirável permuta»:
«O admirabile commercium! Creator generis humani, animatum corpus sumens de Virgine nasci dignatus est; et, procedens homo sine semine, largitus est nobis suam deitatem». – «Oh admirável permuta! O Criador do género humano, tomando corpo e alma, dignou-Se nascer duma Virgem; e, feito homem sem progenitor humano, tornou-nos participantes da sua divindade!» (Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, 1ª Antífona das I e II Vésperas: Liturgia Horarum, editio typica, v. I (Typis Polyglottis Vaticanis 1973), p. 385 e 397 [a versão oficial portuguesa é menos exacta: «Oh admirável mistério! O Criador do género humano, tomando corpo e alma, dignou-Se nascer duma Virgem; e, feito homem, tornou-nos participantes da sua divindade!»: Liturgia das Horas. v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983). p. 426 e 441]).
Oitava do Natal do Senhor
Deus enviou o seu Filho (422-424)
26 de Dezembro
422. «Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher e sujeito à Lei, para resgatar os que estavam sujeitos à Lei e nos tornar seus filhos adoptivos» (Gl 4, 4-5).
Esta é a «Boa-Nova de Jesus Cristo, Filho de Deus»(Cf. Mc 1, 1): Deus visitou o seu povo (Cf. Lc 1, 68) e cumpriu as promessas feitas a Abraão e à sua descendência (Cf. Lc 1, 55) fê-lo para além de toda a expectativa: enviou o seu «Filho muito-amado» (Cf. Mc 1, 11).
423. Nós cremos e confessamos que Jesus de Nazaré, judeu nascido duma filha de Israel, em Belém, no tempo do rei Herodes o Grande e do imperador César Augusto, carpinteiro de profissão, morto crucificado em Jerusalém sob o procurador Pôncio Pilatos no reinado do imperador Tibério, é o Filho eterno de Deus feito homem; que Ele «saiu de Deus» (Jo 13, 3), «desceu do céu» (Jo 3, 13; 6, 33) e «veio na carne» (Cf. 1 Jo 4, 2), porque «o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito, cheio de graça e de verdade […] Na verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos, graça sobre graça» (Jo 1, 14, 16).
424. Movidos pela graça do Espírito Santo e atraídos pelo Pai, nós cremos e confessamos a respeito de Jesus:
«Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo» (Mt 16, 16)
Foi sobre o rochedo desta fé, confessada por Pedro, que Cristo edificou a sua Igreja (Cf. Mt 16, 18: São Leão Magno. Sermão 4, 3: CCL 88, 19-20 (PL 54, 151 ); Sermão 51, 1: CCL 88A. 296-297 (PL 54, 309): Sermão 62, 2: CCL 88A, 377-378 (PL 54, 350-351); Sermão 83, 3: CCL 88A, 521-522 (PL 54, 432)).
Anunciar a insondável riqueza de Cristo (425)
27 de Dezembro
425. A transmissão da fé cristã é, antes de mais, o anúncio de Jesus Cristo, para Levar à fé n’Ele. Desde o princípio, os primeiros discípulos arderam no desejo de anunciar Cristo:
«Nós é que não podemos deixar de dizer o que vimos e escutámos» (Act 4, 20)
E convidam os homens de todos os tempos a entrar na alegria da sua comunhão com Cristo:
«O que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram acerca do Verbo da vida, é o que nós vos anunciamos, pois a vida manifestou-Se e nós vimo-la e dela damos testemunho: nós vos anunciamos a vida eterna que estava junto do Pai e nos foi manifestada. Nós vos anunciamos o que vimos e ouvimos, para que estejais também em comunhão conosco. E a comunhão em que estamos é com o Pai e com o seu Filho, Jesus Cristo. E escrevemos tudo isto para a nossa alegria ser completa» (1 Jo, 1, 1-4).
Batizados pela sua morte por Cristo (1258)
28 de Dezembro – Santos Inocentes
1258. Desde sempre, a Igreja tem a firme convicção de que aqueles que sofrem a morte por causa da fé, sem terem recebido o Batismo, são batizados pela sua morte por Cristo e com Cristo. Este Batismo de sangue, tal como o desejo do Batismo ou Batismo de desejo, produz os frutos do Batismo, apesar de não ser sacramento.
Um Salvador, que é o Cristo Senhor (436-437)
29 de Dezembro
436. Cristo vem da tradução grega do termo hebraico «Messias», que quer dizer «ungido». Só se torna nome próprio de Jesus porque Ele cumpre perfeitamente a missão divina que tal nome significa. Com efeito, em Israel eram ungidos, em nome de Deus, aqueles que Lhe eram consagrados para uma missão d’Ele dimanada. Era o caso dos reis (Cf. 1 Sm 9, 16; 10, 1; 16, 1.12-13: 1 Rc 1, 39), dos sacerdotes (Cf. Ex 29, 7; Lv 8, 12) e, em raros casos, dos profetas (Cf. 1 Rs 19, 16). Este devia ser, por excelência, o caso do Messias, que Deus enviaria para estabelecer definitivamente o seu Reino (Cf. Sl 2, 2; Act 4, 26-27). O Messias devia ser ungido pelo Espírito do Senhor (Cf. Is 11, 2), ao mesmo tempo como rei e sacerdote (Cf. Zc 4, 14; 6, 13) mas também como profeta (Cf. Is 61, 1; Lc 4, 16-21). Jesus realizou a expectativa messiânica de Israel na sua tríplice função de sacerdote, profeta e rei.
437. O anjo anunciou aos pastores o nascimento de Jesus como sendo o do Messias prometido a Israel:
«nasceu-vos hoje, na cidade de David, um salvador que é Cristo, Senhor» (Lc 2, 11)
Desde a origem, Ele é «Aquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo» (Jo 10, 36), concebido como «santo» no seio virginal de Maria (Cf. Lc 1, 35). José foi convidado por Deus a «levar para sua casa Maria, sua esposa», grávida d’«Aquele que nela foi gerado pelo poder do Espírito Santo» (Mt 1, 20), para que Jesus, «chamado Cristo», nascesse da esposa de José, na descendência messiânica de David (Mt 1, 16) (Cf. Rm 1, 3; 2 Tm 2, 8: Ap 22. 16).
Um Salvador, que é o Cristo Senhor, II (438-440)
30 de Dezembro
438. A consagração messiânica de Jesus manifesta a sua missão divina.
«Aliás, é o que indica o seu próprio nome; porque no nome de Cristo está subentendido Aquele que ungiu. Aquele que foi ungido e a própria Unção com que foi ungido. Aquele que ungiu é o Pai, Aquele que foi ungido é o Filho, e foi-o no Espírito que é a Unção» (Santo Ireneu de Lyon, Adversus Haereses 3, 18, 3; SC 211, 350 (PG 7, 934))
A sua eterna consagração messiânica revelou-se no tempo da sua vida terrena, quando do seu batismo por João, altura em que «Deus O ungiu com o Espírito Santo e poder» (Act 10, 38), «para que se manifestasse a Israel» (Jo 1, 31) como seu Messias. As suas obras e palavras dá-lo-ão a conhecer como «o santo de Deus» (Cf. Mc 1, 24; Jo 6, 69; Act 3, 14).
439. Numerosos judeus, e mesmo alguns pagãos que partilhavam da sua esperança, reconheceram em Jesus os traços fundamentais do messiânico «filho de Davi», prometido por Deus a Israel (Cf. Mt 2, 2; 9, 27; 12, 23; 15, 22; 20, 30; 21, 9.15). Jesus aceitou o título de Messias a que tinha direito (Cf. Jo 4, 25-26; 11, 27), mas não sem reservas, uma vez que esse título era compreendido, por numerosos dos seus contemporâneos, segundo um conceito demasiado humano (Cf. Mt 22, 41-46), essencialmente político (Cf. Jo 6, 15; Lc 24, 21).
440. Jesus aceitou a profissão de fé de Pedro, que O reconhecia como o Messias, anunciando a paixão próxima do Filho do Homem (Cf. Mt 16, 16-23). Revelou o conteúdo autêntico da sua realeza messiânica, ao mesmo tempo na identidade transcendente do Filho do Homem «que desceu do céu» (Jo 3, 13)(Cf. Jo 6, 62; Dn 7, 13) e na sua missão redentora como Servo sofredor:
«O Filho do Homem […] não veio para ser servido, veio para servir e dar a vida como resgate pela multidão» (Mt 20, 28) (Cf. Is 53, 10-12)
Foi por isso que o verdadeiro sentido da sua realeza só se manifestou do cimo da cruz (Cf. Jo 19, 19-22; Lc 23, 39-43). E só depois da ressurreição, a sua realeza messiânica poderá ser proclamada por Pedro perante o Povo de Deus:
«Saiba, com absoluta certeza, toda a casa de Israel, que Deus fez Senhor e Messias esse Jesus que vós crucificastes» (Act 2, 36).
Por que o Verbo se fez carne (456-460)
31 de Dezembro
456. Com o Credo Niceno-Constantinopolitano, respondemos confessando:
«Por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus; e encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria e Se fez homem» (DS 150).
457. O Verbo fez-Se carne para nos salvar, reconciliando-nos com Deus:
«Foi Deus que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados» (1 Jo 4, 10).
«O Pai enviou o Filho como salvador do mundo» (1 Jo 4, 14). «E Ele veio para tirar os pecados» (1 Jo 3, 5):
«Enferma, a nossa natureza precisava de ser curada; decaída, precisava de ser elevada; morta, precisava de ser ressuscitada. Tínhamos perdido a posse do bem; era preciso que nos fosse restituído. Encerrados nas trevas, precisávamos de quem nos trouxesse a luz; cativos, esperávamos um salvador: prisioneiros, esperávamos um auxílio; escravos, precisávamos dum libertador. Seriam razões sem importância? Não seriam suficientes para comover a Deus, a ponto de O fazer descer até à nossa natureza humana para a visitar, já que a humanidade se encontrava em estado tão miserável e infeliz?» (São Gregório de Nissa, Oratio catechetica 15, 3: TD 7, 78 (PG 45, 48)).
458. O Verbo fez-Se carne, para que assim conhecêssemos o amor de Deus:
«Assim se manifestou o amor de Deus para conosco: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que vivamos por Ele» (I Jo 4, 9).
«Porque Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16).
459. O Verbo fez-Se carne, para ser o nosso modelo de santidade: «
Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim […]» (Mt 11, 29).
«Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim» (Jo 14, 6).
E o Pai, na montanha da Transfiguração, ordena: «Escutai-o» (Mc 9, 7) (Cf. Dt 6, 4-5). De fato, Ele é o modelo das bem-aventuranças e a norma da Lei nova:
«Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 15, 12).
Este amor implica a oferta efectiva de nós mesmos, no seu seguimento (Cf. Mc 8, 34).
460. O Verbo fez-Se carne, para nos tornar «participantes da natureza divina» (2 Pe 1, 4):
«Pois foi por essa razão que o Verbo Se fez homem, e o Filho de Deus Se fez Filho do Homem: foi para que o homem, entrando em comunhão com o Verbo e recebendo assim a adopção divina, se tornasse filho de Deus» (Santo Ireneo de Lião, Adversus haereses 3, 19, 1: SC 211, 374 (PG 7, 939)).
«Porque o Filho de Deus fez-Se homem, para nos fazer deuses» (Santo Atanasio, De Incarnatione, 54, 3: SC 199, 458 (PG 25, 192B)).
«Unigenitus […] Dei Filias, suae divinitatis volens nos esse participes, naturam nostram assumpsit, ut homines deos faceret factos homo – O Filho Unigénito de Deus, querendo que fôssemos participantes da sua divindade, assumiu a nossa natureza para que, feito homem, fizesse os homens deuses» (São Tomás de Aquino, Officium de festo corporis Christi, Ad Matutinas. In primo Nocturno, Lectio 1: Opera omnia, v. 29 (Parisiis 1876) p. 336).
Os mistérios da vida oculta de Jesus (531-534)
Sagrada Família de Jesus, Maria e José (domingo na Oitava do Natal)
531. Durante a maior parte da sua vida, Jesus partilhou a condição da imensa maioria dos homens: uma vida quotidiana sem grandeza aparente, vida de trabalho manual, vida religiosa judaica sujeita à Lei de Deus (Cf. G1 4, 4), vida na comunidade. De todo este período, é-nos revelado que Jesus era «submisso» a seus pais (Cf. Lc 2, 51) e que «ia crescendo em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens» (Lc 2, 52).
532. A submissão de Jesus à sua Mãe e ao seu pai legal foi o cumprimento perfeito do quarto mandamento. É a imagem temporal da sua obediência filial ao Pai celeste. A submissão diária de Jesus a José e a Maria anunciava e antecipava a submissão de Quinta-Feira Santa:
«Não se faça a minha vontade […]» (Lc 22, 42)
A obediência de Cristo, no quotidiano da vida oculta, inaugurava já a recuperação daquilo que a desobediência de Adão tinha destruído (Cf. Rm 5, 19).
533. A vida oculta de Nazaré permite a todos os homens entrar em comunhão com Jesus, pelos diversos caminhos da vida quotidiana:
«Nazaré é a escola em que se começa a compreender a vida de Jesus, é a escola em que se inicia o conhecimento do Evangelho […] Em primeiro lugar, uma lição de silêncio. Oh! se renascesse em nós o amor do silêncio, esse admirável e indispensável hábito do espírito […]! Uma lição de vida familiar Que Nazaré nos ensine o que é a família, a sua comunhão de amor, a sua austera e simples beleza, o seu carácter sagrado e inviolável […]. Uma lição de trabalho, Nazaré, a casa do “Filho do carpinteiro”! Aqui desejaríamos compreender e celebrar a lei, severa mas redentora, do trabalho humano […] Daqui, finalmente, queremos saudar os trabalhadores de todo o mundo e mostrar-lhes o seu grande modelo, o seu Irmão divino»
(Paulo VI, Alocução na igreja da Anunciação à bem-aventurada Virgem Maria em Nazaré, 5 de Janeiro de 1964: AAS 56 (1964) 167-168 [Festa da Sagrada Família, 2ª Leitura do Ofício de Leitura: Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 381-382])
534. O reencontro de Jesus no templo (Cf. Lc 2, 41-52) é o único acontecimento que quebra o silêncio dos evangelhos sobre os anos ocultos de Jesus. Nele, Jesus deixa entrever o mistério da sua consagração total à missão decorrente da sua filiação divina:
«Não sabíeis que Eu tenho de estar na casa do meu Pai?»
Maria e José «não compreenderam» esta palavra, mas acolheram-na na fé, e Maria «guardava no coração todas estas recordações», ao longo dos anos em que Jesus permaneceu oculto no silêncio duma vida normal.
A maternidade virginal de Maria no desígnio de Deus (502-507)
1º de Janeiro: Santa Maria, Mãe de Deus
502. O olhar da fé pode descobrir, em ligação com o conjunto da Revelação, as razões misteriosas pelas quais Deus, no seu desígnio salvífico, quis que o seu Filho nascesse duma virgem. Tais razões dizem respeito tanto à pessoa e missão redentora de Cristo como ao acolhimento dessa missão por Maria, para bem de todos os homens:
503. A virgindade de Maria manifesta a iniciativa absoluta de Deus na Encarnação. Jesus só tem Deus por Pai (Cf. Lc 2, 48-49).
«A natureza humana, que Ele assumiu, nunca O afastou do Pai […]. Naturalmente Filho do seu Pai segundo a divindade, naturalmente Filho da sua Mãe segundo a humanidade, mas propriamente Filho de Deus nas suas duas naturezas» (Concílio de Friúl (ano 796). Symbolum: DS 619).
504. Jesus é concebido pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, porque Ele é o Novo Adão (Cf. 1 Cor 15, 45), que inaugura a criação nova:
«O primeiro homem veio da terra e do pó: o segundo homem veio do céu» (1 Cor 15, 47)
A humanidade de Cristo é, desde a sua conceição, cheia do Espírito Santo, porque Deus «não dá o Espírito por medida» (Jo 3, 34). É da «sua plenitude», que Lhe é própria enquanto cabeça da humanidade resgatada que «nós recebemos graça sobre graça» (Jo 1, 16).
505. Jesus, o novo Adão, inaugura, pela sua conceição virginal, o novo nascimento dos filhos de adopção, no Espírito Santo, pela fé, «Como será isso?» (Lc 1, 34) (Cf. Jo 3, 9). A participação na vida divina não procede «do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus» (Jo 1, 13). A recepção desta vida é virginal, porque inteiramente dada ao homem pelo Espírito. O sentido esponsal da vocação humana, em relação a Deus (Cf. 2 Cor 11, 2), foi perfeitamente realizado na maternidade virginal de Maria.
506. Maria é virgem, porque a virgindade é nela o sinal da sua fé, «sem a mais leve sombra de dúvida» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 63: AAS 57 (1965) 64) e da sua entrega sem reservas à vontade de Deus (Cf. 1 Cor 7, 34-35). É graças à sua fé que ela vem a ser a Mãe do Salvador:
«Beatior est Maria percipiendo fïdem Christi quam concipiendo carnem Christi – Maria é mais feliz por receber a fé de Cristo do que por conceber a carne de Cristo» (Santo Agostinho, De sancta virginitate, 3, 3: CSEL 41. 237 (PL 40, 398)).
507. Maria é, ao mesmo tempo, virgem e mãe, porque é a figura e a mais perfeita realização da Igreja (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 63: AAS 57 (1965) 64):
«Por sua vez, a Igreja, que contempla a sua santidade misteriosa e imita a sua caridade, cumprindo fielmente a vontade do Pai, torna-se também, ela própria, mãe, pela fiel recepção da Palavra de Deus: efetivamente, pela pregação e pelo Batismo, gera, para uma vida nova e imortal, os filhos concebidos por ação do Espírito Santo e nascidos de Deus. E também ela é virgem, pois guarda fidelidade total e pura ao seu esposo» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 64: AAS 57 (1965) 64).
O santíssimo nome de Jesus (430-435)
2 de Janeiro
430. Em hebraico, Jesus quer dizer «Deus salva». Quando da Anunciação, o anjo Gabriel dá-Lhe como nome próprio o nome de Jesus, o qual exprime, ao mesmo tempo, a sua identidade e a sua missão (Cf. Lc 1 , 3). Uma vez que «só Deus pode perdoar os pecados» (Mc 2, 7), será Ele quem, em Jesus, seu Filho eterno feito homem, «salvará o seu povo dos seus pecados» (Mt 1, 21). Em Jesus, Deus recapitula, assim, toda a sua história de salvação em favor dos homens.
431. Nesta história da salvação, Deus não Se contenta com libertar Israel «da casa da escravidão» (Dt 5, 6), fazendo-o sair do Egito. Salvou-o também do seus pecados. Porque o pecado é sempre uma ofensa feita a Deus (Cf. Sl 51 , 6), só Ele é que pode absolvê-lo (Cf. Sl 51. 11). É por isso que Israel, tomando cada vez mais consciência da universalidade do pecado, só poderá procurar a salvação na invocação do nome do Deus Redentor (Cf. Sl 79, 9).
432. O nome de Jesus significa que o próprio nome de Deus está presente na pessoa do seu Filho (Cf. Act 5, 41: 3 Jo 7) feito homem para a redenção universal e definitiva dos pecados. Ele é o único nome divino que traz a salvação (Cf. Jo 3, 18: Act 2. 21) e pode desde agora ser invocado por todos, pois a todos os homens Se uniu pela Encarnação (Cf. Rom 10, 6-13), de tal modo que «não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos» (Act 4, l2) (Cf. Act 9. 14; Tg 2, 7).
433. O nome de Deus salvador era invocado apenas uma vez por ano, pelo sumo sacerdote, para expiação dos pecados de Israel, depois de ter aspergido o propiciatório do «santo dos santos» com o sangue do sacrifício (Cf. Lv 16, 15-16: Sir 50, 20-22: Heb 9, 7). O propiciatório era o lugar da presença de Deus (Cf. Ex 25, 22; Lv 16, 2; Nm 7, 8 9; Heb 9, 5). Quando São Paulo diz de Jesus que Deus O «ofereceu para, n’Ele, pelo seu sangue, se realizar a expiação» (Rm 3, 25), quer dizer que, na sua humanidade, «era Deus que em Cristo reconciliava o mundo consigo» (2 Cor 5, 19).
434. A ressurreição de Jesus glorifica o nome de Deus salvador (Cf. Jo 12. 28) porque, a partir daí, é o nome de Jesus que manifesta em plenitude o poder supremo do «nome que está acima de todos os nomes» (Fl 2, 9-10). Os espíritos maus temem o seu nome (Cf. Act 16, 16-18; 19, 13-16) e é em seu nome que os discípulos de Jesus fazem milagres (Cf. Mc 16. 17), porque tudo o que pedem ao Pai, em seu nome, Ele lho concede (Cf. Jo 15, 16).
435. O nome de Jesus está no centro da oração cristã. Todas as orações litúrgicas se concluem com a fórmula «per Dominum nostrum Jesum Christum – por nosso Senhor Jesus Cristo». A Ave-Maria culmina nas palavras «e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus». A oração-do-coração dos Orientais, chamada «oração a Jesus», diz:
«Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tem piedade de mim, pecador»
E muitos cristãos morrem, como Santa Joana d’Arc, tendo nos lábios apenas uma palavra: «Jesus» (Cf. La réhabilitation de Jeanne la Pucelle. L’enquête ordonée par Charles VII en 1450 et le codicille de Guillaume Bouillé, ed. P. Doncoeur – Y. Larhers (Paris 1956), p. 39.45.56).
A Encarnação (461-463)
3 de Janeiro
461. Retomando a expressão de São João («o Verbo fez-Se carne»: Jo 1, 14), a Igreja chama «Encarnação» ao fato de o Filho de Deus ter assumido uma natureza humana, para nela levar a efeito a nossa salvação. Num hino que nos foi conservado por São Paulo, a Igreja canta este mistério:
«Tende em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus. Ele, que era de condição divina, não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio, assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte, e morte de Cruz» (Fl 2, 5-8)
(Cf. Cântico nas I Vésperas de Domingo: Liturgia Horarum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1973-1974), v. 1, p. 545.629.718 e 808: v. 2, p. 844.937.1037 e 1129: v. 3. p. 548.669.793 e 916; v. 4, p. 496.617.741 e 864 [Ed. portuguesa: Liturgia das Horas (Gráfica de Coimbra 1983), v. I. p. 621.710.803 e 897: v. 2, p. 984, 1079, 1182 e 1278; v. 3. p. 685.800.918 e 1032; v. 4, p.633.748.866 e 980]).
462. A Epístola aos Hebreus fala do mesmo mistério:
«É por isso que, ao entrar neste mundo, Cristo diz: “Não quiseste sacrifícios e oferendas, mas formaste-Me um corpo. Holocaustos e imolações pelo pecado não Te foram agradáveis. Então Eu disse: Eis-Me aqui […] para fazer a tua vontade”» (Heb 10, 5-7, citando o Sl 40. 7-9, segundo os LXX).
463. A fé na verdadeira Encarnação do Filho de Deus é o sinal distintivo da fé cristã:
«Nisto haveis de reconhecer o Espírito de Deus: todo o espírito que confessa a Jesus Cristo encarnado é de Deus» (1 Jo 4, 2)
É esta a alegre convicção da Igreja desde o seu princípio, ao cantar «o grande mistério da piedade»:
«Ele manifestou-Se na carne» (1 Tm 3, 16).
Verdadeiro Deus e verdadeiro homem (464-469)
4 de Janeiro
464. O acontecimento único e absolutamente singular da Encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que seja o resultado de uma mistura confusa do divino com o humano. Ele fez-Se verdadeiro homem, permanecendo verdadeiro Deus. Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Esta verdade da fé, teve a Igreja de a defender e clarificar no decurso dos primeiros séculos, perante heresias que a falsificavam.
465. As primeiras heresias negaram menos a divindade de Cristo que a sua verdadeira humanidade (docetismo gnóstico). Desde os tempos apostólicos que a fé cristã insistiu sobre a verdadeira Encarnação do Filho de Deus «vindo na carne» (Cf. 1 Jo 4, 2-3; 2 Jo 7). Mas, a partir do século III, a Igreja teve de afirmar, contra Paulo de Samossata, num concilio reunido em Antioquia, que Jesus Cristo é Filho de Deus por natureza e não por adopção. O primeiro Concílio ecuménico de Niceia, em 325, confessou no seu Credo que o Filho de Deus é «gerado, não criado, consubstancial (‘homoúsios’) ao Pai» (Símbolo de Niceia: DS 125); e condenou Ario, o qual afirmava que «o Filho de Deus saiu do nada» (89) e devia ser «duma substância diferente da do Pai» (Símbolo de Niceia: DS 126).
466. A heresia nestoriana via em Cristo uma pessoa humana unida à pessoa divina do Filho de Deus. Perante esta heresia, São Cirilo de Alexandria e o terceiro Concilio ecuménico, reunido em Éfeso em 431,confessaram que «o Verbo, unindo na sua pessoa uma carne animada por uma alma racional, Se fez homem» (Concílio de Éfeso, Epistula II Cyrilli Alexandrini ad Nestorium: DS250). A humanidade de Cristo não tem outro sujeito senão a pessoa divina do Filho de Deus, que a assumiu e a fez sua desde que foi concebida. Por isso, o Concílio de Éfeso proclamou, cm 431, que Maria se tornou, com toda a verdade. Mãe de Deus, por ter concebido humanamente o Filho de Deus em seu seio:
«Mãe de Deus, não porque o Verbo de Deus dela tenha recebido a natureza divina, mas porque dela recebeu o corpo sagrado, dotado duma alma racional, unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne» (Concílio de Éfeso, Epistola II Cyrilli Alexandrini ad Nestorium: DS251).
467. Os monofisitas afirmavam que a natureza humana tinha deixado de existir, como tal, em Cristo, sendo assumida pela sua pessoa divina de Filho de Deus. Confrontando-se com esta heresia, o quarto Concílio ecuménico, em Calcedónia, no ano de 451, confessou:
«Na sequência dos santos Padres, ensinamos unanimemente que se confesse um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, igualmente perfeito na divindade e perfeito na humanidade, sendo o mesmo verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, composto duma alma racional e dum corpo, consubstancial ao Pai pela sua divindade, consubstancial a nós pela sua humanidade, «semelhante a nós em tudo, menos no pecado» (Cf. Heb 4, 15): gerado do Pai antes de todos os séculos segundo a divindade, e nestes últimos dias, por nós e pela nossa salvação, nascido da Virgem Mãe de Deus segundo a humanidade.
Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Único, que devemos reconhecer em duas naturezas, sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação. A diferença das naturezas não é abolida pela sua união; antes, as propriedades de cada uma são salvaguardadas e reunidas numa só pessoa e numa só hipóstase» (Concílio de Calcedónia, Symbolum: DS 301-302).
468. Depois do Concílio de Calcedónia, alguns fizeram da natureza humana de Cristo uma espécie de sujeito pessoal. Contra eles, o quinto Concílio ecuménico, reunido em Constantinopla em 553, confessou a propósito de Cristo: «não há n’Ele senão uma só hipóstase (ou pessoa), que é nosso Senhor Jesus Cristo, um da santa Trindade» (II Concílio de Constantinopla, Sess. 8ª, Canon 4: DS 424). Tudo na humanidade de Cristo deve, portanto, ser atribuído à sua pessoa divina como seu sujeito próprio (Cf. Concílio de Éfeso, Anathematismi Cyrilli Alexandrini, 4: DS 255); não só os milagres, mas também os sofrimentos (Cf. II Concílio de Constantinopla, Sess. 8ª, Canon 3: DS 423) e a própria morte:
«Aquele que foi crucificado na carne, nosso Senhor Jesus Cristo, é verdadeiro Deus, Senhor da glória e um da Santíssima Trindade» (Cf. II Concílio de Constantinopla, Sess. 8ª, Canon 10: DS 432).
469. Assim, a Igreja confessa que Jesus é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem. É verdadeiramente o Filho de Deus feito homem, nosso irmão, e isso sem deixar de ser Deus, nosso Senhor:
«Id quod fuit remansit, et quod non fuit assumpsit» – «Continuou a ser o que era e assumiu o que não era», como canta a Liturgia Romana (Antífona do «Benedictus» no ofício da Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus: Liturgia Horarum, editio typica, v. 1 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 394 [a edição oficial portuguesa omite a versão deste texto: Liturgia das Horas (Gráfica de Coimbra 1983),v. 1, p. 438]: cf. São Leão Magno, Sermão 21. 2: CCL138, 87 (PL 54, 192)).
E a Liturgia de São João Crisóstomo proclama e canta:
«Ó Filho único e Verbo de Deus, sendo imortal. Vos dignastes, para nossa salvação, encarnar no seio da Santa Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, e sem mudança Vos fizestes homem e fostes crucificado! Ó Cristo Deus, que por Vossa morte esmagastes a morte, que sois um da Santíssima Trindade, glorificado com o Pai e o Espírito Santo, salvai-nos!» (Ofício das Horas Bizantino, Tropário «O monoghenis»: «Horológion tò méga (Romae 1876) p. 82).
De que maneira o Filho de Deus é homem (470-475)
5 de Janeiro
470. Uma vez que, na união misteriosa da Encarnação, «a natureza humana foi assumida, não absorvida» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042), a Igreja, no decorrer dos séculos, foi levada a confessar a plena realidade da alma humana, com as suas operações de inteligência e vontade, e do corpo humano de Cristo. Mas, paralelamente, a mesma Igreja teve de lembrar repetidamente que a natureza humana de Cristo pertence, como própria, à pessoa divina do Filho de Deus que a assumiu. Tudo o que Ele fez e faz nela, depende de «um da Trindade». Portanto, o Filho de Deus comunica à sua humanidade o seu próprio modo de existir pessoal na Santíssima Trindade. E assim, tanto na sua alma como no seu corpo, Cristo exprime humanamente os costumes divinos da Trindade (Cf. Jo 14. 9-10):
«O Filho de Deus trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-Se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042-1043).
471. Apolinário de Laodiceia afirmava que, em Cristo, o Verbo tinha ocupado o lugar da alma ou do espírito. Contra este erro, a Igreja confessou que o Filho eterno assumiu também uma alma racional humana (Cf. São Dâmaso I, Epistula «Hóti tê apostolikê kathédra»: DS 149).
472. Esta alma humana, que o Filho de Deus assumiu, é dotada de um verdadeiro conhecimento humano. Como tal, este não podia ser por si mesmo ilimitado. Exercia-se nas condições históricas da sua existência no espaço e no tempo. Foi por isso que o Filho de Deus, fazendo-Se homem, pôde aceitar «crescer em sabedoria, estatura e graça» (Lc 2, 52) e também teve de Se informar sobre o que, na condição humana, deve aprender-se de modo experimental (Cf. Mc 6. 38: 8. 27; Jo 11. 34: etc). Isso correspondia à realidade do seu abatimento voluntário na «condição de servo» (Cf. Fl 2, 7).
473. Mas, ao mesmo tempo, este conhecimento verdadeiramente humano do Filho de Deus exprimia a vida divina da sua pessoa (Cf. São Gregório Magno, Ep. Sicut aqua: DS 475).
«A natureza humana do Filho de Deus, não por si mesma, mas pela sua união com o Verbo, conhecia e manifestava em si tudo o que é próprio de Deus» (São Máximo Confessor, Quaestiones et dubia, Q. I, 67: CCG10, 155 (66: PG 90. 840))
É o caso, em primeiro lugar, do conhecimento íntimo e imediato que o Filho de Deus feito homem tem do seu Pai (Cf. Mc 14, 36: Mt 11. 27; Jo I. 18; 8. 55; etc). O Filho também mostrava, no seu conhecimento humano, a clarividência divina que tinha dos pensamentos secretos do coração dos homens (Cf. Mc 2. 8; Jo 2, 25; 6. 61; etc).
474. Pela sua união com a Sabedoria divina na pessoa do Verbo Encarnado, o conhecimento humano de Cristo gozava, em plenitude, da ciência dos desígnios eternos que tinha vindo revelar (Cf. Mc 8, 31; 9. 31: 10. 33-34; 14, 18-20. 26-30). O que neste domínio Ele reconhece ignorar (Cf. Mc 13. 32) declara, noutro ponto, não ter a missão de o revelar (Cf. Act 1, 7).
475. De igual modo, a Igreja confessou, no sexto Concilio ecuménico, que Cristo possui duas vontades e duas operações naturais, divinas e humanas, não opostas mas cooperantes, de maneira que o Verbo feito carne quis humanamente, em obediência ao Pai, tudo quanto decidiu divinamente com o Pai e o Espírito Santo para a nossa salvação (Cf. III Concílio de Constantinopla (ano 681). Sess.18.ª, Definido de duabus in Christo voluntatibus et operatianibus: DS 556-559). A vontade humana de Cristo «segue a sua vontade divina, sem fazer resistência nem oposição em relação a ela, antes estando subordinada a essa vontade omnipotente» (III Concílio de Constantinopla (ano 681), Sess.18ª, Definitio de duabus in Christo voluntatibus et operationibus: DS 556).
A manifestação de Jesus como Messias (528)
Epifania do Senhor (6 de janeiro, ou domingo entre 2 e 8 de janeiro)
528. A Epifania é a manifestação de Jesus como Messias de Israel, Filho de Deus e salvador do mundo. Juntamente com o batismo de Jesus no Jordão e as bodas de Caná (Cf. Solenidade da Epifania do Senhor. Antífona do «Magnificat» das II Vésperas: Liturgia Horarum, editio typica, v. 1 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 465 [Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 528]), a Epifania celebra a adoração de Jesus pelos «magos» vindos do Oriente (Cf. Mt 2, 1). Nestes «magos», representantes das religiões pagãs circunvizinhas, o Evangelho vê as primícias das nações, que acolhem a Boa-Nova da salvação pela Encarnação. A vinda dos magos a Jerusalém, para «adorar o rei dos judeus» (Cf. Mt 2, 2), mostra que eles procuram em Israel, à luz messiânica da estrela de Davi (Cf. Nm 24, 17; Ap 22, 16), Aquele que será o rei das nações (Cf. Nm 24, 17-19). A sua vinda significa que os pagãos não podem descobrir Jesus e adorá-Lo como Filho de Deus e Salvador do mundo, senão voltando-se para os Judeus (Cf. Jo 4, 22) e recebendo deles a sua promessa messiânica, tal como está contida no Antigo Testamento (Cf. Mt 2, 4-6). A Epifania manifesta que «todos os povos entram na família dos patriarcas» (São Leão Magno, Sermão 33, 3: CCL 138, 173 (PL 54. 242) [Solenidade da Epifania do Senhor, 2ª Leitura do Ofício de Leituras: Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 519]) e adquire a « israelitica dignitas» – a dignidade própria do povo eleito (Vigília Pascal, Oração depois da 3ª leitura: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 277 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 305]).
O Batismo de Cristo (1223-1225)
7 de Janeiro
1223. Todas as prefigurações da Antiga Aliança encontram a sua realização em Jesus Cristo. Ele começa a sua vida pública depois de Se ter feito batizar por São João Batista no Jordão (Cf. Mt 3, 13). E depois da sua ressurreição, confere esta missão aos Apóstolos:
«Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações; batizai-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo e ensinai-os a cumprir tudo quanto vos mandei» (Mt 28, 19-20) (Cf. Mc 16, 15-16).
1224. Nosso Senhor sujeitou-se voluntariamente ao Batismo de São João, destinado aos pecadores, para cumprir toda a justiça (Cf. Mt 3, 15). Este gesto de Jesus é uma manifestação do seu «aniquilamento» (Cf Fl 2, 7). O Espírito que pairava sobre as águas da primeira criação, desce então sobre Cristo como prelúdio da nova criação e o Pai manifesta Jesus como seu «Filho muito amado» (Cf. Mt 3, 16-17).
1225. Foi na sua Páscoa que Cristo abriu a todos os homens as fontes do Batismo. De fato, Ele já tinha falado da sua paixão, que ia sofrer em Jerusalém, como dum «batismo» com que devia ser batizado (Cf. Mc 10, 38; Lc 12, 50). O sangue e a água que manaram do lado aberto de Jesus crucificado (Cf. Jo 19, 34) são tipos do Batismo e da Eucaristia, sacramentos da vida nova (Cf.. 1 Jo 5, 6-8): desde então, é possível «nascer da água e do Espírito» para entrar no Reino de Deus (Jo 3, 5).
«Repara: Onde é que foste batizado, de onde é que vem o Batismo, senão da cruz de Cristo, da morte de Cristo? Ali está todo o mistério: Ele sofreu por ti. Foi n’Ele que tu foste resgatado, n’Ele que foste salvo» (Santo Ambrósio, De sacramentis 2, 2, 6: CSEL73, 27-28 (PL16, 425-426)).
O Batismo na Igreja (1226-1228)
8 de Janeiro
1226. Desde o dia de Pentecostes que a Igreja vem celebrando e administrando o santo Batismo. Com efeito, São Pedro declara à multidão, abalada pela sua pregação:
«convertei-vos e peça cada um de vós o Batismo em nome de Jesus Cristo, para vos serem perdoados os pecados. Recebereis então o dom do Espírito Santo» (Act 2, 38)
Os Apóstolos e os seus colaboradores oferecem o Batismo a quem quer que acredite em Jesus: judeus, pessoas tementes a Deus, pagãos (Cf. Act 2, 41: 8, 12-13; 10, 48; 16, 15). O Batismo aparece sempre ligado à fé:
«Acredita no Senhor Jesus e serás salvo juntamente com a tua família», declara São Paulo ao seu carcereiro em Filipos. E a narrativa continua: «o carcereiro […] logo recebeu o Batismo, juntamente com todos os seus» (Act 16, 31-33).
1227. Segundo o apóstolo São Paulo, pelo Batismo o crente comunga na morte de Cristo; é sepultado e ressuscita com Ele:
«Todos nós, que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte. Fomos sepultados com Ele pelo batismo na morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova» (Rm 6, 3-4) (Cf. Cl 2, 12).
Os batizados «revestem-se de Cristo» (Cf. Gl 3, 27). Pelo Espírito Santo, o Batismo é um banho que purifica, santifica e justifica (Cf. 1 Cor 6, 11; 12, 13).
1228. O Batismo é, pois, um banho de água, no qual «a semente incorruptível» da Palavra de Deus produz o seu efeito vivificador (Cf. 1 Pe 23; Ef 5, 26). Santo Agostinho dirá do Batismo:
«Accedit verbum ad elementum, et fit sacramentam – Junta-se a palavra ao elemento material e faz-se o sacramento» (Santo Agostinho, In Iohannis evangelium tractatus 80, 3: CCL 36, 529 (PL 35, 1840)).
Os mistérios da vida de Cristo (512-515)
9 de Janeiro
512. Relativamente à vida de Cristo, o Símbolo da Fé apenas fala dos mistérios da Encarnação (conceição e nascimento) e da Páscoa (paixão, crucifixão, morte, sepultura, descida à mansão dos mortos, ressurreição, ascensão). Nada diz explicitamente dos mistérios da vida oculta e pública de Jesus. Mas os artigos que dizem respeito à Encarnação e à Páscoa de Jesus esclarecem toda a vida terrena de Cristo. «Tudo o que Jesus fez e ensinou desde o princípio até ao dia em que foi elevado ao céu» (Act 1, 1-2) deve ser visto á luz dos mistérios do Natal e da Páscoa.
513. A catequese, segundo as circunstâncias, explanará toda a riqueza dos mistérios de Jesus. Aqui, basta indicar alguns elementos comuns a todos os mistérios da vida de Cristo (I), para depois esboçar os principais mistérios da vida oculta (II) e pública (III) de Jesus.
514. Muitas coisas que interessam à curiosidade humana, a respeito de Jesus, não figuram nos evangelhos. Quase nada se diz da sua vida em Nazaré e mesmo grande parte da sua vida pública não é relatada (Cf. Jo 20, 3). O que foi escrito nos evangelhos, foi-o «para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome» (Jo 20, 31).
515. Os evangelhos foram escritos por homens que foram dos primeiros a receber a fé (Cf. Mc 1, 1; Jo 21, 24) e que quiseram partilhá-la com outros. Tendo conhecido, pela fé, quem é Jesus, puderam ver e fazer ver os traços do seu mistério em toda a sua vida terrena. Desde os panos do nascimento (Cf. Lc 2, 7) até ao vinagre da paixão (Cf. Mt 27, 48) e ao sudário da ressurreição (Cf Jo 20, 7), tudo, na vida de Jesus, é sinal do seu mistério. Através dos seus gestos, milagres e palavras, foi revelado que «n’Ele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade» (Cl 2, 9). A sua humanidade aparece, assim, como «sacramento», isto é, sinal e instrumento da sua divindade e da salvação que Ele veio trazer. O que havia de visível na sua vida terrena conduz ao mistério invisível da sua filiação divina e da sua missão redentora.
Os mistérios da vida de Cristo, II (516-518)
10 de Janeiro
516. Toda a vida de Cristo é revelação do Pai: as suas palavras e actos, os seus silêncios e sofrimentos, a maneira de ser e de falar. Jesus pode dizer: «Quem Me vê, vê o Pai» (Jo 14, 9); e o Pai:
«Este é o meu Filho predilecto: escutai-O» (Lc 9, 35)
Tendo-Se nosso Senhor feito homem para cumprir a vontade do Pai (Cf. Heb 10, 5-7), os mais pequenos pormenores dos seus mistérios manifestam «o amor de Deus para conosco» (Cf. 1 Jo 4, 9).
517. Toda a vida de Cristo é mistério de redenção. A redenção vem-nos, antes de mais, pelo sangue da cruz (Cf. Ef 1, 7: Cl I. 13-14 (Vulgata); 1 Pe 1, 18-19). Mas este mistério está actuante em toda a vida de Cristo: já na sua Encarnação, pela qual, fazendo-Se pobre, nos enriquece com a sua pobreza (Cf. 2 Cor 8, 9); na vida oculta que, pela sua obediência (Cf. Lc 2, 51), repara a nossa insubmissão; na palavra que purifica os seus ouvintes (Cf. Jo 15, 3): nas curas e expulsões dos demónios, pelas quais «toma sobre Si as nossas enfermidades e carrega com as nossas doenças» (Mt 8, 17)(Cf. Is 53, 4); na ressurreição, pela qual nos justifica (Cf. Rm 4, 25).
518. Toda a vida de Cristo é mistério de recapitulação. Tudo o que Jesus fez, disse e sofreu tinha por fim restabelecer o homem decaído na sua vocação originária:
«Quando Ele encarnou e Se fez homem, recapitulou em Si a longa história dos homens e proporcionou-nos, em síntese, a salvação, de tal forma que aquilo que havíamos perdido em Adão – isto é, sermos imagem e semelhança de Deus – o recuperássemos em Cristo Jesus» (Santo Ireneo de Lião, Adversus haereses 3, 18, 1: SC 211, 342-344 (PG 7, 932)).
«Aliás, foi por isso que Cristo passou por todas as idades da vida, restituindo assim a todos os homens a comunhão com Deus» (Ibidem, 18. 7: SC 211, 366 (PG 7, 937); cf. Ibid. 2, 22. 4: SC 294, 220-222 (PG 7, 784)).
Os mistérios da vida de Cristo, III (519-521)
11 de Janeiro
519. Toda a riqueza de Cristo «se destina a todos os homens e constitui o bem de cada um» (João Paulo II, Enc. Redemptor hominis, 11: AAS 71 (1979) 278). Cristo não viveu para Si mesmo, mas para nós, desde a Encarnação «por nós homens e para nossa salvação» (Cf. Símbolo Niceno-Contantinopolitano: DS 150) até á sua morte «por causa dos nossos pecados» (1 Cor 15, 3) e à sua ressurreição «para nossa justificação» (Rm 4, 25). Ainda agora, Ele é «o nosso advogado junto do Pai» (1 Jo 2, 1), «sempre vivo para interceder por nós» (Heb 7, 25). Com tudo o que viveu e sofreu por nós, uma vez por todas, Ele está para sempre presente «em nosso favor, na presença de Deus» (Heb 9, 24).
520. Em toda a sua vida, Jesus mostra-Se como nosso modelo (Cf. Rm 15, 5; Fl 2, 5): é «o homem perfeito» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 38: AAS 58 (1966) 1055), que nos convida a tornarmo-nos seus discípulos e a segui-Lo; com a sua humilhação, deu-nos um exemplo a imitar (Cf. Jo 13, 15); com a sua oração, convida-nos à oração (Cf. Lc 11, 1); com a sua pobreza, incita–nos a aceitar livremente o despojamento e as perseguições (Cf. Mt 5, 11-12).
521. Tudo o que Cristo viveu, Ele próprio faz com que o possamos viver n’Ele e Ele vivê-lo em nós.
«Pela sua Encarnação, o Filho de Deus uniu-Se, de certo modo, a cada homem» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042)
Nós somos chamados a ser um só com Ele; Ele faz-nos comungar, enquanto membros do seu corpo, em tudo o que Ele próprio viveu na sua carne por nós, e como nosso modelo:
«Devemos continuar a completar em nós os estados e mistérios da vida de Jesus e pedir-Lhe continuamente que Se digne consumá-los perfeitamente em nós e em toda a sua Igreja […]. Na verdade, o Filho de Deus deseja comunicar e prolongar, de certo modo, os seus mistérios em nós e em toda a sua Igreja, […] quer pelas graças que decidiu conceder-nos, quer pelos efeitos que deseja produzir em nós, por meio destes mistérios. É neste sentido que Ele quer completá-los em nós» (São João Eudes: Le royaume de Jésus, 3, 4: Oeuvres complètes, v. 1 (Vannes 1905) p. 310-311 [2ª leitura do Ofício de Leituras de sexta-feira da 33ª semana do Tempo Comum: Liturgia das Horas, v. 4 (Gráfica de Coimbra 1983), p. 539]).
Cristo é o centro da catequese (426-429)
12 de Janeiro
426. «No coração da catequese, encontramos essencialmente uma Pessoa: Jesus de Nazaré, Filho único do Pai […], que sofreu e morreu por nós e que agora, ressuscitado, vive connosco para sempre […]. Catequizar […] é revelar, na Pessoa de Cristo, todo o desígnio eterno de Deus […]. É procurar compreender o significado dos gestos e das palavras de Cristo e dos sinais por Ele realizados» (João Paulo II. Ex. Ap. Catechesi tradendae, 5: AAS 71 (1979). 1280-1281).
O fim da catequese é «pôr em comunhão com Jesus Cristo: somente Ele pode levar ao amor do Pai, no Espírito, e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade» (João Paulo II. Ex. Ap. Catechesi tradendae, 5: AAS 71 (1979). 1281).
427. «Na catequese, é Cristo, Verbo Encarnado e Filho de Deus, que é ensinado; tudo o mais é-o em referência a Ele. E só Cristo ensina. Todo e qualquer outro o faz apenas na medida em que é seu porta-voz, consentindo em que Cristo ensine pela sua boca […]. Todo o catequista deveria poder aplicar a si próprio a misteriosa palavra de Jesus: “A minha doutrina não é minha, mas d’Aquele que Me enviou” (Jo 7, 16)» (João Paulo II. Ex. Ap. Catechesi tradendae, 6: AAS 71 (1979). 1281-1282).
428. Aquele que é chamado a «ensinar Cristo» deve, portanto, antes de mais nada, procurar «esse lucro sobreeminente que é o conhecimento de Jesus Cristo». Tem de «aceitar perder tudo […] para ganhar Cristo e encontrar-se n’Ele» e «conhecê-Lo, a Ele, na força da sua ressurreição e na comunhão com os seus sofrimentos, conformar-se com Ele na morte, na esperança de chegar a ressuscitar dos mortos» (Fl 3, 8-11).
429. Deste conhecimento amoroso de Cristo brota o desejo de O anunciar, de «evangelizar» e levar os outros ao «sim» da fé em Jesus Cristo. Mas, ao mesmo tempo, faz-se sentir a necessidade de conhecer sempre melhor esta fé. Com esse objetivo, seguindo a ordem do Símbolo da fé, primeiro serão apresentados os principais títulos de Jesus: Cristo, Filho de Deus, Senhor (Artigo 2). O Símbolo confessa, em seguida, os principais mistérios da vida de Cristo: da sua Encarnação (Artigo 3), da sua Páscoa (Artigos 4 e 5) e, por fim, da sua Glorificação (Artigos 6 e 7).
O Batismo de Jesus (535-537)
Batismo do Senhor (13 de janeiro ou dom. entre 9 e 13 de janeiro)
535. O início (Cf. Lc 3, 23) da vida pública de Jesus é o seu batismo por João, no rio Jordão (Cf. Act 1, 22). João pregava «um batismo de penitência, em ordem à remissão dos pecados» (Lc 3, 3). Uma multidão de pecadores, publicanos e soldados (Cf. Lc 3, 10-14), fariseus e saduceus (Cf. Mt 3, 7) e prostitutas vinha ter com ele, para que os batizasse.
«Então aparece Jesus»
O Batista hesita, Jesus insiste: e recebe o batismo. Então o Espírito Santo, sob a forma de pomba, desce sobre Jesus e uma voz do céu proclama:
«Este é o meu Filho muito amado» (Mt 3,13-17)
Tal foi a manifestação («epifania») de Jesus como Messias de Israel e Filho de Deus.
536. Da parte de Jesus, o seu batismo é a aceitação e a inauguração da sua missão de Servo sofredor. Deixa-se contar entre o número dos pecadores (Cf. Is 53, 12). É já «o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Jo 1, 29), e antecipa já o «batismo» da sua morte sangrenta (Cf. Mc 10, 38; Lc 12, 50). Vem, desde já, para «cumprir toda a justiça» (Mt 3,15). Quer dizer que Se submete inteiramente à vontade do Pai e aceita por amor o batismo da morte para a remissão dos nossos pecados (Cf. Mt 26, 39). A esta aceitação responde a voz do Pai, que põe toda a sua complacência no Filho (Cf. Lc 3 . 22; Is 42, 1). O Espírito que Jesus possui em plenitude, desde a sua conceição, vem «repousar» sobre Ele (Jo 1, 32-33) (Cf. Jo 1 , 32-33; Is 1 l, 2) e Jesus será a fonte do mesmo Espírito para toda a humanidade. No batismo de Cristo, «abriram-se os céus» (Mt 3, 16) que o pecado de Adão tinha fechado, e as águas são santificadas pela descida de Jesus e do Espírito, prelúdio da nova criação.
537. Pelo Batismo, o cristão é sacramentalmente assimilado a Jesus que, no seu batismo, antecipa a sua morte e ressurreição. Deve entrar neste mistério de humilde abatimento e de penitência, descer à água com Jesus, para de lá subir com Ele, renascer da água e do Espírito para se tornar, no Filho, filho-amado do Pai e «viver numa vida nova» (Rm 6, 4):
«Sepultemo-nos com Cristo pelo Batismo, para com Ele ressuscitarmos; desçamos com Ele, para com Ele sermos elevados; tornemos a subir com Ele, para n’Ele sermos glorificados» (São Gregório Nazianzeno, Oratio 40, 9: SC 358, 216 (PG 36. 369)).
«Tudo o que se passou com Cristo dá-nos a conhecer que, depois do banho de água, o Espírito Santo desce sobre nós do alto dos céus e, adoptados pela voz do Pai, tornamo-nos filhos de Deus» (Santo Hilário de Poitiers, In evangelium Matthaei 2, 6: SC 254. 110 (PL 9, 927)).
TEMPO DA QUARESMA
Qual o significado do Tempo da Quaresma?
Durante estes quarenta dias os Cristãos se unem intimamente aos sofrimentos e à morte do Divino Salvador, a fim de ressuscitarem com Ele para uma vida nova, nas grandes solenidades pascais.
Nos primeiros tempos do Cristianismo esta ideia fundamental achava sua aplicação no Batismo dos catecúmenos e na reconciliação dos penitentes. Por toda a liturgia da Quaresma, a Igreja instruía os pagãos que se preparavam para o Batismo. No sábado santo mergulhava-os nas fontes batismais, de onde saíam para uma vida nova, como Cristo do túmulo. Por sua vez os fiéis, gravemente culpados, deviam fazer penitência pública e cobrir-se de cinzas (Quarta-feira de cinzas), para acharem uma vida nova em Jesus Cristo. Convém reparar nestes dois elementos, para compreender a liturgia da Quaresma e a escolha de muitos textos sagrados.
Como deve ser nossa participação neste Tempo da Quaresma?
No ofício das Matinas do 1º Domingo, lemos o sermão que o Papa São Leão Magno, no século V, dirigiu ao povo, explicando a liturgia da Quaresma:
“Sem dúvida, diz ele, os Cristãos nunca deveriam perder de vista estes grandes Mistérios… porém esta virtude é de poucos. É preciso, contudo, que os Cristãos sacudam a poeira do mundo. A sabedoria divina estabeleceu este tempo propício de quarenta dias, a fim de que as nossas almas se pudessem purificar, e por meio de boas obras e jejuns, expiassem as faltas de outros tempos. Inúteis seriam, porém, os nossos jejuns, se neste tempo os nossos corações não se desapegassem do pecado”
Lendo estas palavras, parece-nos assistir à abertura de um retiro. Com efeito, a Quaresma é o grande retiro anual de toda a família cristã, sob a direção maternal e segundo o método da Santa Igreja. Este retiro terminará pela confissão e comunhão geral de todos os seus filhos, associados assim, realmente, à Ressurreição do Divino Mestre, e ressurgindo por sua vez a uma vida nova.
As práticas exteriores que devem desenvolver me nós o espírito do Cristo e unir-nos a seus sofrimentos, são o jejum, a oração e a esmola.
O jejum é imposto pela Santa Igreja a todos os fiéis, depois de 21 anos completos (maiores de idade) até atingirem os 60 anos. Seria um engano pernicioso não reconhecer a utilidade desta mortificação corporal. Seria menosprezar o exemplo do próprio Cristo e pecar gravemente contra a autoridade de sua Igreja. O Prefácio da Quaresma nos descreve os efeitos salutares do jejum, e aqueles que por motivos justos são dele dispensados não o estarão do jejum espiritual, isto é, de se privarem de festas, teatros, leituras puramente recreativas, etc.
A oração. Assim como a palavra jejum abrange todas as mortificações corporais, da mesma maneira compreende a palavra oração todos os exercícios de piedade feitos neste tempo, com um recolhimento particular, como sejam: a assistência à Santa Missa, a Comunhão frequente, a leitura de bons livros, a meditação especialmente da Paixão de Jesus Cristo, a Via Sacra e a assistência às pregações quaresmais.
A esmola compreende as obras de misericórdia para com o próximo. Já no Antigo Testamento está dito:
“Mais vale a oração acompanhada do jejum e da esmola do que amontoar tesouros” (Tb 12, 8)
Praticando essas obras, preparavam-se antigamente os catecúmenos para o Batismo que iam receber no sábado de Aleluia, enquanto os penitentes públicos se submeteram a elas com espírito de dor e arrependimento de coração.
Saibamos também nós que aquele que não faz penitência perecerá para toda a eternidade (Lc 13, 3).
Renovemos em nós a graça do Batismo e façamos dignos frutos de penitência. Os textos das Missas, a cada passo nos exortam a isto.
Convém, entretanto, evitar que a nossa piedade seja excitada por compaixão sentimental ou tristeza exagerada. Sim, é um combate, uma morte terrível que vamos contemplar, mas é também, e sobretudo, uma vitória, um triunfo. E, verdade assistiremos a uma luta gigantesca do homem novo; ouviremos os seus gemidos, seguiremos os seus passos sangrentos, contaremos todos os seus ossos; mas isto é apenas um episódio de sua vida; o desenlace é um grito de vitória, um canto de triunfo.
A penitência interior (1430-1433)
Quarta-feira de Cinzas
1430. Como já acontecia com os profetas, o apelo de Jesus à conversão e à penitência não visa primariamente as obras exteriores, «o saco e a cinza», os jejuns e as mortificações, mas a conversão do coração, a penitência interior: Sem ela, as obras de penitência são estéreis e enganadoras; pelo contrário, a conversão interior impele à expressão dessa atitude cm sinais visíveis, gestos e obras de penitência (Cf. Jl 2, 12-13: Is 1,16-17: Mt 6, 1-8.16-18).
1431. A penitência interior é uma reorientação radical de toda a vida, um regresso, uma conversão a Deus de todo o nosso coração, uma rotura com o pecado, uma aversão ao mal, com repugnância pelas más ações que cometemos. Ao mesmo tempo, implica o desejo e o propósito de mudar de vida, com a esperança da misericórdia divina e a confiança na ajuda da sua graça. Esta conversão do coração é acompanhada por uma dor e uma tristeza salutares, a que os Santos Padres chamaram animi cruciatus (aflição do espírito), compunctio cordis (compunção do coração) (Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 4: DS 1676-1678; Id. Sess, 14ª, Canones de Paenitentiae, can. 5: DS1705: CatRom. 2, 5, 4, p. 289).
1432. O coração do homem é pesado e endurecido. É necessário que Deus dê ao homem um coração novo (Cf. Ez, 36, 26-27). A conversão é, antes de mais, obra da graça de Deus, a qual faz com que os nossos corações se voltem para Ele:
«Convertei-nos, Senhor, e seremos convertidos» (Lm 5, 21)
Deus é quem nos dá a coragem de começar de novo. É ao descobrir a grandeza do amor de Deus que o nosso coração é abalado pelo horror e pelo peso do pecado, e começa a ter receio de ofender a Deus pelo pecado e de estar separado d’Ele. O coração humano converte-se, ao olhar para Aquele a quem os nossos pecados trespassaram (Cf. Jo 19, 37: Zc 12, 10).
«Tenhamos os olhos fixos no sangue de Cristo e compreendamos quanto Ele é precioso para o seu Pai, pois que, derramado para nossa salvação, proporcionou ao mundo inteiro a graça do arrependimento» (São Clemente de Roma, Epistula ad Corinthios 7, 4: SC 167, 110 (Funk 1, 108)).
1433. Depois da Páscoa, é o Espírito Santo que «confunde o mundo no tocante ao pecado», isto é, faz ver ao mundo o pecado de não ter acreditado n’Aquele que o Pai enviou (Cf. Jo 16, 8-9). Mas este mesmo Espírito, que desmascara o pecado, é o Consolador (Cf. Jo 15, 26) que dá ao coração do homem a graça do arrependimento e da conversão (Cf. Act 2, 36-38: João Paulo II, Enc. Dominum et vivificantem, 27-48: AAS 78 (1986) 837-868).
A conversão dos batizados (1425-1429)
Quinta-feira depois das Cinzas
1425. «Vós fostes lavados, fostes santificados, fostes justificados pelo nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus» (1 Cor 6, 11).
Precisamos de tomar consciência da grandeza do dom de Deus que nos foi concedido nos sacramentos da iniciação cristã, para nos apercebermos de até que ponto o pecado é algo de inadmissível para aquele que foi revestido de Cristo (Cf. Gl 3, 27). Mas o apóstolo São João diz também:
«Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós» (1 Jo 1, 8)
E o próprio Senhor nos ensinou a rezar: «Perdoai-nos as nossas ofensas» (Lc 11, 4 ), relacionando o perdão mútuo das nossas ofensas com o perdão que Deus concederá aos nossos pecados.
1426. A conversão a Cristo, o novo nascimento do Batismo, o dom do Espírito Santo, o corpo e sangue de Cristo recebidos em alimento, tornaram-nos «santos e imaculados na sua presença» (Ef 1, 4), tal como a própria Igreja, esposa de Cristo, é «santa e imaculada na sua presença» (Ef 5, 27). No entanto, a vida nova recebida na iniciação cristã não suprimiu a fragilidade e a fraqueza da natureza humana, nem a inclinação para o pecado, a que a tradição chama concupiscência, a qual persiste nos batizados, a fim de que prestem as suas provas no combate da vida cristã, ajudados pela graça de Cristo (Cf. Concílio de Trento, Sess. 5ª, Decretum de peccato originali, can. 5: DS 1515). Este combate é o da conversão, em vista da santidade e da vida eterna, a que o Senhor não se cansa de nos chamar (Cf.Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 16: DS 1545; II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 40: AAS 57 (1965) 44-45).
1427. Jesus chama à conversão. Tal apelo é parte essencial do anúncio do Reino:
«O tempo chegou ao seu termo, o Reino de Deus está próximo: convertei-vos e acreditai na boa-nova» (Mc 1, 15)
Na pregação da Igreja, este apelo dirige-se, em primeiro lugar, àqueles que ainda não conhecem Cristo e o seu Evangelho. Por isso, o Batismo é o momento principal da primeira e fundamental conversão. É pela fé na boa-nova e pelo Batismo (Cf. Act 2, 38) que se renuncia ao mal e se adquire a salvação, isto é, a remissão de todos os pecados e o dom da vida nova.
1428. Ora, o apelo de Cristo à conversão continua a fazer-se ouvir na vida dos cristãos. Esta segunda conversão é uma tarefa ininterrupta para toda a Igreja, que «contém pecadores no seu seio» e que é, «ao mesmo tempo, santa e necessitada de purificação, prosseguindo constantemente no seu esforço de penitência e de renovação» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 8: AAS 57 (1965) 12). Este esforço de conversão não é somente obra humana. É o movimento do «coração contrito» (Cf. Sl 51, 19) atraído e movido pela graça (Cf. Jo 6, 44: 12, 32) para responder ao amor misericordioso de Deus, que nos amou primeiro (Cf. 1 Jo 4, 10).
1429. Testemunho disto mesmo, é a conversão de Pedro, depois de três vezes ter negado o seu mestre. O olhar infinitamente misericordioso de Jesus provoca-lhe lágrimas de arrependimento (Cf. Lc 22, 61-62) e, depois da ressurreição do Senhor, a tríplice afirmação do seu amor para com Ele (Cf. Jo 21, 15-17). A segunda conversão tem, também, uma dimensão comunitária. Isto aparece no apelo dirigido pelo Senhor a uma Igreja inteira: «Arrepende-te!» (Ap 2, 5-16).
Santo Ambrósio diz, a respeito das duas conversões que, na Igreja, «existem a água e as lágrimas: a água do Batismo e as lágrimas da Penitência».
O sacramento da Penitência e Reconciliação (1440-1449)
Sexta-feira depois das Cinzas
1440. O pecado é, antes de mais, ofensa a Deus, ruptura da comunhão com Ele. Ao mesmo tempo, é um atentado contra a comunhão com a Igreja. É por isso que a conversão traz consigo, ao mesmo tempo, o perdão de Deus e a reconciliação com a Igreja, o que é expresso e realizado liturgicamente pelo sacramento da Penitência e Reconciliação (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15).
1441. Só Deus perdoa os pecados (Cf. Mc 2, 7). Jesus, porque é Filho de Deus, diz de Si próprio: «O Filho do Homem tem na terra o poder de perdoar os pecados» (Mc 2, 10) e exerce este poder divino:
«Os teus pecados são-te perdoados!» (Mc 2, 5) (Cf. Lc 7, 48)
Mais ainda: em virtude da sua autoridade divina, concede este poder aos homens para que o exerçam em seu nome.
1442. Cristo quis que a sua Igreja fosse, toda ela, na sua oração, na sua vida e na sua atividade, sinal e instrumento do perdão e da reconciliação que Ele nos adquiriu pelo preço do seu sangue. Entretanto, confiou o exercício do poder de absolvição ao ministério apostólico. É este que está encarregado do «ministério da reconciliação» (2 Cor 5, 18). O apóstolo é enviado «em nome de Cristo» e «é o próprio Deus» que, através dele, exorta e suplica:
«Deixai-vos reconciliar com Deus» (2 Cor 5, 20).
1443. Durante a sua vida pública. Jesus não somente perdoou os pecados, como também manifestou o efeito desse perdão: reintegrou os pecadores perdoados na comunidade do povo de Deus, da qual o pecado os tinha afastado ou mesmo excluído. Sinal bem claro disso é o facto de Jesus admitir os pecadores à sua mesa, e mais ainda: de se sentar à mesa deles, gesto que exprime ao mesmo tempo, de modo desconcertante, o perdão de Deus (Cf. Lc 15), e o regresso ao seio do povo de Deus (Cf. Lc 19, 9).
1444. Ao tornar os Apóstolos participantes do seu próprio poder de perdoar os pecados, o Senhor dá-lhes também autoridade para reconciliar os pecadores com a Igreja. Esta dimensão eclesial do seu ministério exprime-se, nomeadamente, na palavra solene de Cristo a Simão Pedro:
«Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus; tudo o que ligares na terra ficará ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra ficará desligado nos céus» (Mt 16, 19)
«Este mesmo encargo de ligar e desligar, conferido a Pedro, foi também atribuído ao colégio dos Apóstolos unidos à sua cabeça (Mt 18,18; 28, 16-20)» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 22: AAS 57 (1965) 26).
1445. As palavras ligar e desligar significam: aquele que vós excluirdes da vossa comunhão, ficará também excluído da comunhão com Deus; aquele que de novo receberdes na vossa comunhão, também Deus o acolherá na sua. A reconciliação com a Igreja é inseparável da reconciliação com Deus.
1446. Cristo instituiu o sacramento da Penitência para todos os membros pecadores da sua Igreja, antes de mais para aqueles que, depois do Batismo, caíram em pecado grave e assim perderam a graça batismal e feriram a comunhão eclesial. É a eles que o sacramento da Penitência oferece uma nova possibilidade de se converterem e de reencontrarem a graça da justificação. Os Padres da Igreja apresentam este sacramento como «a segunda tábua (de salvação), depois do naufrágio que é a perda da graça» (Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 14: DS 1542; cf. Tertuliano, De Paenitentia 4, 2: CCL 1, 326 (PL 1, 1343)).
1447. No decorrer dos séculos, a forma concreta segundo a qual a Igreja exerceu este poder recebido do Senhor variou muito. Durante os primeiros séculos, a reconciliação dos cristãos que tinham cometido pecados particularmente graves depois do Batismo (por exemplo: a idolatria, o homicídio ou o adultério) estava ligada a uma disciplina muito rigorosa, segundo a qual os penitentes tinham de fazer penitência pública pelos seus pecados, muitas vezes durante longos anos, antes de receberem a reconciliação. A esta «ordem dos penitentes» (que apenas dizia respeito a certos pecados graves) só raramente se era admitido e, em certas regiões, apenas uma vez na vida. Durante século VII, inspirados pela tradição monástica do Oriente, os missionários irlandeses trouxeram para a Europa continental a prática «privada» da penitência que não exigia a realização pública e prolongada de obras de penitência, antes de receber a reconciliação com a Igreja. O sacramento processa-se, a partir de então, dum modo mais secreto, entre o penitente e o sacerdote. Esta nova prática previa a possibilidade da repetição e abria assim o caminho a uma frequência regular deste sacramento. Permitia integrar, numa só celebração sacramental, o perdão dos pecados graves e dos pecados veniais. Nas suas grandes linhas, é esta forma de penitência que a Igreja tem praticado até aos nossos dias.
1448. Através das mudanças que a disciplina e a celebração deste sacramento têm conhecido no decorrer dos séculos, distingue-se a mesma estrutura fundamental. Esta inclui dois elementos igualmente essenciais: por um lado, os actos do homem que se converte sob a acção do Espírito Santo, a saber, a contrição, a confissão e a satisfação: por outro, a acção de Deus pela intervenção da Igreja. A Igreja que, por meio do bispo e seus presbíteros, concede, em nome de Jesus Cristo, o perdão dos pecados e fixa o modo da satisfação, também reza pelo pecador e faz penitência com ele. Assim, o pecador á curado e restabelecido na comunhão eclesial.
1449. A fórmula de absolvição, em uso na Igreja latina, exprime os elementos essenciais deste sacramento: o Pai das misericórdias é a fonte de todo o perdão. Ele realiza a reconciliação dos pecadores pela Páscoa do seu Filho e pelo dom do seu Espírito, através da oração e do ministério da Igreja:
«Deus, Pai de misericórdia, que, pela morte e ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo consigo e enviou o Espírito Santo para a remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. E Eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo» (Cf. Ordo Paenitentiae, 46.55 (Typis Polyglottis Vaticanis 1974) p. 27.37 [Celebração da Penitência,. 46.55 (Coimbra- Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa, 1997) p. 47.65]).
Os atos do penitente (1450-1460)
Sábado depois das Cinzas
1450. «Poenitentia cogit peccatorem omnia libenter sufferre; in corde eius contritio, in ore confessio, in opere tota humilitas vel fructifera satisfactio – A penitência leva o pecador a tudo suportar de bom grado: no coração, a contrição; na boca, a confissão; nas obras, toda a humildade e frutuosa satisfação» (CatRom 2, 5, 21, p. 299: cf. Concílio de Trento, Sess.14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 3: DS 1673).
1451. Entre os atos do penitente, a contrição ocupa o primeiro lugar. Ela é «uma dor da alma e uma detestação do pecado cometido, com o propósito de não mais pecar no futuro» (Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 4: DS 1676).
1452. Quando procedente do amor de Deus, amado sobre todas as coisas, a contrição é dita «perfeita» (contrição de caridade). Uma tal contrição perdoa as faltas veniais: obtém igualmente o perdão dos pecados mortais, se incluir o propósito firme de recorrer, logo que possível, à confissão sacramental (Cf. Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 4: DS 1677).
1453. A contrição dita «imperfeita» (ou «atrição») é, também ela, um dom de Deus, um impulso do Espírito Santo. Nasce da consideração da fealdade do pecado ou do temor da condenação eterna e das outras penas de que o pecador está ameaçado (contrição por temor). Um tal abalo da consciência pode dar início a uma evolução interior, que será levada a bom termo sob a ação da graça, pela absolvição sacramental. No entanto, por si mesma, a contrição imperfeita não obtém o perdão dos pecados graves, mas dispõe para obtê-lo no sacramento da Penitência (Cf. Concílio de Trento, Sess. 14ª. Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 4: DS 1678: ID., Sess. 14ª, Canones de sacramento Paenitentiae, can. 5: DS 1705).
1454. É conveniente que a recepção deste sacramento seja preparada por um exame de consciência, feito à luz da Palavra de Deus. Os textos mais adaptados para este efeito devem procurar-se no Decálogo e na catequese moral dos evangelhos e das cartas dos Apóstolos: sermão da montanha e ensinamentos apostólicos (Cf. Rm 12-15: Cor 12-13: Gl 5: Ef 4-6).
1455. A confissão (a acusação) dos pecados, mesmo de um ponto de vista simplesmente humano, liberta-nos e facilita a nossa reconciliação com os outros. Pela confissão, o homem encara de frente os pecados de que se tornou culpado; assume a sua responsabilidade e, desse modo, abre-se de novo a Deus e à comunhão da Igreja, para tornar possível um futuro diferente.
1456. A confissão ao sacerdote constitui uma parte essencial do sacramento da Penitência:
«Os penitentes devem, na confissão, enumerar todos os pecados mortais de que têm consciência, após se terem seriamente examinado, mesmo que tais pecados sejam secretíssimos e tenham sido cometidos apenas contra os dois últimos preceitos do Decálogo (Cf. Ex 20, 17; Mt 5, 28); porque, por vezes, estes pecados ferem mais gravemente a alma e são mais perigosos que os cometidos à vista de todos» (Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 5: DS 1680):
«Quando os fiéis se esforçam por confessar todos os pecados de que se lembram, não se pode duvidar de que os apresentam todos ao perdão da misericórdia divina. Os que procedem de modo diverso, e conscientemente ocultam alguns, esses não apresentam à bondade divina nada que ela possa perdoar por intermédio do sacerdote. Porque, “se o doente tem vergonha de descobrir a sua ferida ao médico, a medicina não pode curar o que ignora”» (Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 5: DS 1680; São Jerónimo, Commentarius in Ecclesiasten, 10, 11: CCL 72, 338 (PL 23, 1096)).
1457. Segundo o mandamento da Igreja, «todo o fiel que tenha atingido a idade da discrição, está obrigado a confessar fielmente os pecados graves, ao menos uma vez ao ano» (CIC can. 989: cf. Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 5: DS 1683 ID., Sess. 14°, Canones de sacramento Paenitentiae, can. 8: DS 1708). Aquele que tem consciência de haver cometido um pecado mortal, não deve receber a sagrada Comunhão, mesmo que tenha uma grande contrição, sem ter previamente recebido a absolvição sacramental (Cf. Concílio de Trento, Sess. 13ª, Decretum de ss. Eucharistia, c. 7: DS 1647: Ibid., can. 11: DS 1661); a não ser que tenha um motivo grave para comungar e não lhe seja possível encontrar-se com um confessor (Cf. CIC can. 916; CCEO can. 711). As crianças devem aceder ao sacramento da Penitência antes de receberem pela primeira vez a Sagrada Comunhão (Cf. CIC can. 914).
1458. Sem ser estritamente necessária, a confissão das faltas quotidianas (pecados veniais) é contudo vivamente recomendada pela Igreja (Cf. Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 5: DS 1680; CIC can. 988. § 2). Com efeito, a confissão regular dos nossos pecados veniais ajuda-nos a formar a nossa consciência, a lutar contra as más inclinações, a deixarmo-nos curar por Cristo, a progredir na vida do Espírito. Recebendo com maior frequência, neste sacramento, o dom da misericórdia do Pai, somos levados a ser misericordiosos como Ele (Cf. Lc 6, 36):
«Aquele que confessa os seus pecados e os acusa, já está de acordo com Deus. Deus acusa os teus pecados; se tu também os acusas, juntas-te a Deus. O homem e o pecador são, por assim dizer, duas realidades distintas. Quando ouves falar do homem, foi Deus que o criou: quando ouves falar do pecador, foi o próprio homem quem o fez. Destrói o que fizeste, para que Deus salve o que fez. […] Quando começas a detestar o que fizeste, é então que começam as tuas boas obras, porque acusas as tuas obras más. O princípio das obras boas é a confissão das más. Praticaste a verdade e vens à luz» (Santo Agostinho, In Iohannis evangelium tractatus, 12, 13: CCL 36, 128 (PL 35, 1491)).
1459. Muitos pecados prejudicam o próximo. Há que fazer o possível por reparar esse dano (por exemplo: restituir as coisas roubadas, restabelecer a boa reputação daquele que foi caluniado, indemnizar por ferimentos). A simples justiça o exige. Mas, além disso, o pecado fere e enfraquece o próprio pecador, assim como as suas relações com Deus e com o próximo. A absolvição tira o pecado, mas não remedeia todas as desordens causadas pelo pecado (Cf. Concílio de Trento, 14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, can. 12: DS 1712). Aliviado do pecado, o pecador deve ainda recuperar a perfeita saúde espiritual. Ele deve, pois, fazer mais alguma coisa para reparar os seus pecados: «satisfazer» de modo apropriado ou «expiar» os seus pecados. A esta satisfação também se chama «penitência».
1460. A penitência que o confessor impõe deve ter em conta a situação pessoal do penitente e procurar o seu bem espiritual. Deve corresponder, quanto possível, à gravidade e natureza dos pecados cometidos. Pode consistir na oração, num donativo, nas obras de misericórdia, no serviço do próximo, em privações voluntárias, sacrifícios e, sobretudo, na aceitação paciente da cruz que temos de levar. Tais penitências ajudam-nos a configurar-nos com Cristo, que, por Si só, expiou os nossos pecados (Cf. Rm 3, 25: 1 Jo 2, 1-2) uma vez por todas. Tais penitências fazem que nos tornemos co-herdeiros de Cristo Ressuscitado, «uma vez que também sofremos com Ele» (Rm 8, 17) (Cf. Concílio de Trento, 14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 8: DS 1690):
«Mas esta satisfação, que realizamos pelos nossos pecados, não é possível senão por Jesus Cristo: nós que, por nós próprios, nada podemos, com a ajuda “d’Aquele que nos conforta, podemos tudo” (Cf. Fl 4, 13). Assim, o homem não tem nada de que se gloriar. Toda a nossa «glória» está em Cristo […] em quem nós satisfazemos, “produzindo dignos frutos de penitência” (Cf. Lc 3, 8), os quais vão haurir n’Ele toda a sua força, por Ele são oferecidos ao Pai, e graças a Ele são aceites pelo Pai» (Concílio de Trento, 14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 8: DS 1691).
I Semana da Quaresma
As tentações de Jesus (538-540)
Domingo
538. Os evangelhos falam dum tempo de solidão que Jesus passou no deserto, imediatamente depois de ter sido batizado por João: «Impelido» pelo Espírito para o deserto, Jesus ali permanece sem comer durante quarenta dias. Vive com os animais selvagens e os anjos servem-n’O (Cf. Mc 1, 13).
No fim desse tempo, Satanás tenta-O por três vezes, procurando pôr em causa a sua atitude filial para com Deus; Jesus repele esses ataques, que recapitulam as tentações de Adão no paraíso e de Israel no deserto; e o Diabo afasta-se d’Ele «até determinada altura» (Lc 4, 13).
539. Os evangelistas indicam o sentido salvífico deste acontecimento misterioso, Jesus é o Novo Adão, que Se mantém fiel naquilo em que o primeiro sucumbiu à tentação. Jesus cumpre perfeitamente a vocação de Israel: contrariamente aos que outrora, durante quarenta anos, provocaram a Deus no deserto (Cf. SI 95, 10), Cristo revela-Se o Servo de Deus totalmente obediente à vontade divina. Nisto, Jesus vence o Diabo: «amarrou o homem forte», para lhe tirar os despojos (Cf. Mc 3, 27). A vitória de Jesus sobre o tentador, no deserto, antecipa a vitória da paixão, suprema obediência do seu amor filial ao Pai.
540. A tentação de Jesus manifesta a maneira própria de o Filho de Deus ser Messias, ao contrário da que Lhe propõe Satanás e que os homens (Cf. Mt 16, 21-23) desejam atribuir-Lhe. Foi por isso que Cristo venceu o Tentador, por nós:
«Nós não temos um sumo-sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas; temos um, que possui a experiência de todas as provações, tal como nós, com exceção do pecado» (Heb 4, 15)
Todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a Igreja une-se ao mistério de Jesus no deserto.
A realidade do pecado (386-387)
Segunda-feira
386. O pecado está presente na história do homem. Seria vão tentar ignorá-lo ou dar outros nomes a esta obscura realidade. Para tentar compreender o que é o pecado, temos primeiro de reconhecer o laço profundo que une o homem a Deus, porque, fora desta relação, o mal do pecado não é desmascarado na sua verdadeira identidade de recusa e oposição a Deus, embora continue a pesar na vida do homem e na história.
387. A realidade do pecado e, dum modo particular, a do pecado das origens, só se esclarece à luz da Revelação divina. Sem o conhecimento que esta nos dá de Deus, não se pode reconhecer claramente o pecado, e somos tentados a explicá-lo unicamente como falta de maturidade, fraqueza psicológica, erro, consequência necessária duma estrutura social inadequada, etc. Só no conhecimento do desígnio de Deus sobre o homem é que se compreende que o pecado é um abuso da liberdade que Deus dá às pessoas criadas para que possam amá-Lo e amarem-se mutuamente.
O pecado original (397-401)
Terça-feira
397. Tentado pelo Diabo, o homem deixou morrer no coração a confiança no seu Criador (Cf Gn 3, 1-11). Abusando da liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus. Nisso consistiu o primeiro pecado do homem (Cf. Rm 5, 19). Daí em diante, todo o pecado será uma desobediência a Deus e uma falta de confiança na sua bondade.
398. Neste pecado, o homem preferiu-se a si próprio a Deus, e por isso desprezou Deus: optou por si próprio contra Deus, contra as exigências da sua condição de criatura e, daí, contra o seu próprio bem. Constituído num estado de santidade, o homem estava destinado a ser plenamente «divinizado» por Deus na glória. Pela sedução do Diabo, quis «ser como Deus» (Cf. Gn 3, 5), mas «sem Deus, em vez de Deus, e não segundo Deus» (São Máximo o Confessor, Ambiguorum liber: PG 91, 1156).
399. A Escritura refere as consequências dramáticas desta primeira desobediência: Adão e Eva perdem imediatamente a graça da santidade original ( Cf. Rm 3, 23). Têm medo daquele Deus (Cf. Gn 3, 9-10) de quem se fizeram uma falsa imagem: a dum Deus ciumento das suas prerrogativas (Cf. Gn 3, 5).
400. A harmonia em que viviam, graças à justiça original, ficou destruída; o domínio das faculdades espirituais da alma sobre o corpo foi quebrado (Cf. Gn 3, 7); a união do homem e da mulher ficou sujeita a tensões (Cf. Gn 3, 11-13); as suas relações serão marcadas pela avidez e pelo domínio (Cf. Gn 3, 16). A harmonia com a criação desfez-se: a criação visível tornou-se, para o homem, estranha e hostil (Cf. Gn 3, 17.19). Por causa do homem, a criação ficou sujeita «à servidão da corrupção» (Cf. Rm 8, 20). Enfim, vai concretizar-se a consequência explicitamente anunciada para o caso da desobediência (Cf. Gn 2, 17): o homem «voltará ao pó de que foi formado» (Cf. Gn 3, 19). A morte faz a sua entrada na história da humanidade (Cf. Rm 5, 12).
401. A partir deste primeiro pecado, uma verdadeira «invasão» de pecado inunda o mundo: o fratricídio cometido por Caim na pessoa de Abel (Cf. Gn 4, 3-15); a corrupção universal como consequência do pecado (Cf. Gn 6, 5.12; Rm 1, 18-32). Na história de Israel, o pecado manifesta-se com frequência, sobretudo como uma infidelidade ao Deus da Aliança e como transgressão da lei de Moisés. Mesmo depois da redenção de Cristo, o pecado manifesta-se de muitas maneiras entre os cristãos (Cf. 1 Cor 1-6; Ap 2-3). A Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja não se cansam de lembrar a presença e a universalidade do pecado na história do homem.
«O que a Revelação divina nos dá a conhecer, concorda com os dados da experiência. Quando o homem olha para dentro do seu próprio coração, descobre-se inclinado também para o mal, e imerso em muitos males, que não podem provir do seu Criador, que é bom. Muitas vezes, recusando reconhecer Deus como seu princípio, o homem perturbou, por isso mesmo, a sua ordenação para o fim último e, ao mesmo tempo, toda a harmonia consigo próprio, com os outros homens e com toda a criação» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 13: AAS 58 (1966) 1035).
O duro combate contra o mal (407-409)
Quarta-feira
407. A doutrina sobre o pecado original – ligada à da redenção por Cristo – proporciona uma visão de lúcido discernimento sobre a situação do homem e da sua ação neste mundo. Pelo pecado dos primeiros pais, o Diabo adquiriu um certo domínio sobre o homem, embora este permanecesse livre. O pecado original traz consigo «a escravidão, sob o poder daquele que possuía o império da morte, isto é, do Diabo» ( Concílio de Trento, Sess. Decretum de peccato originali, canon l: DS 1511; cf. Heb 2, 14). Ignorar que o homem tem uma natureza ferida, inclinada para o mal, dá lugar a graves erros no domínio da educação, da política, da ação social (Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 25: AAS 83 (1991) 823-824) e dos costumes.
408. As consequências do pecado original e de todos os pecados pessoais dos homens dão ao mundo, no seu conjunto, uma condição pecadora, que pode ser designada pela expressão de São João «o pecado do mundo» (Jo 1, 29). Esta expressão significa também a influência negativa que as situações comunitárias e as estruturas sociais, que são o fruto dos pecados dos homens, exercem sobre as pessoas (Cf. João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 16: AAS 77 (1985) 213-217).
409. Esta dramática situação do mundo, que «está todo sob o poder do Maligno» (1 Jo 5, 19) (Cf. 1 Pe 5, 8), transforma a vida do homem num combate:
«Um duro combate contra os poderes das trevas atravessa toda a história dos homens. Tendo começado nas origens, há de durar – o Senhor no-lo disse – até ao último dia. Empenhado nesta batalha, o homem vê-se na necessidade de lutar sem descanso para aderir ao bem. Só através de grandes esforços é que, com a graça de Deus, consegue realizar a sua unidade interior» (II Concílio do Vaticano. Const. past. Gaudium et spes, 37: AAS 58 (1966) 1055).
Deus não abandonou o homem ao poder da morte (410-412)
Quinta-feira
410. Depois da queda, o homem não foi abandonado por Deus. Pelo contrário, Deus chamou-o (Cf. Gn 3, 9) e anunciou-lhe, de modo misterioso, que venceria o mal e se levantaria da queda (Cf. Gn 3, 15). Esta passagem do Gênesis tem sido chamada « Proto-Evangelho» por ser o primeiro anúncio do Messias redentor, do combate entre a Serpente e a Mulher, e da vitória final dum descendente desta.
411. A Tradição cristã vê nesta passagem um anúncio do «novo Adão» (Cf. 1 Cor 15, 21-22.45) que, pela sua «obediência até à morte de cruz» (Fl 2, 8), repara super‑abundantemente a desobediência de Adão (Cf. Rm 5, 19-20). Por outro lado, muitos santos Padres e Doutores da Igreja vêem na mulher, anunciada no proto-Evangelho, a Mãe de Cristo, Maria, como «nova Eva». Ela foi a primeira a beneficiar, dum modo único, da vitória sobre o pecado alcançada por Cristo: foi preservada de toda a mancha do pecado original (Cf. Pio IX. Bulla Ineffabilis Deus: DS 2803) e, durante toda a sua vida terrena, por uma graça especial de Deus, não cometeu qualquer espécie de pecado (Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª., Decretum de iustificatione, canon 23: DS 1573).
412. Mas porque é que Deus não impediu o primeiro homem de pecar? São Leão Magno responde:
«A graça inefável de Cristo deu-nos bens superiores aos que a inveja do demónio nos tinha tirado» (São Leão Magno, Sermo 73. 4: CCL 88A. 453 (PL 54. 151)).
E São Tomás de Aquino:
«Nada se opõe a que a natureza humana tenha sido destinada a um fim mais alto depois do pecado. Efectivamente, Deus permite que os males aconteçam para deles tirar um bem maior. Daí a palavra de São Paulo: “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5, 20). Por isso, na bênção do círio pascal canta-se: “Ó feliz culpa, que mereceu tal e tão grande Redentor!”» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae. 3, q. 1, a. 3. ad 3: Ed. Leon. 11, 14: as palavras aqui citadas por São Tomás cantam-se no Precónio pascal «Exsultet»).
A misericórdia e o pecado (1846-1848)
Sexta-feira
1846. O Evangelho é a revelação, em Jesus Cristo, da misericórdia de Deus para com os pecadores (Cf. Lc 15). O anjo assim o disse a José: «Pôr-Lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados» (Mt 1, 21), o mesmo se diga da Eucaristia, sacramento da Redenção:
«Isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que vai ser derramado por todos para a remissão dos pecados» (Mt 26, 28).
1847. «Deus, que nos criou sem nós, não quis salvar-nos sem nós» (87).
O acolhimento da sua misericórdia exige de nós a confissão das nossas faltas.
«Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e para nos purificar de toda a maldade» (1 Jo 1, 8-9).
1848. Como afirma São Paulo:
«Onde abundou o pecado, superabundou a graça» (Rm 5, 20)
Mas para realizar a sua obra, a graça tem de pôr a descoberto o pecado, para converter o nosso coração e nos obter «a justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor» (Rm 5, 21). Como um médico que examina a chaga antes de lhe aplicar o penso, Deus, pela sua Palavra e pelo seu Espírito, projecta uma luz viva sobre o pecado:
«A conversão requer o reconhecimento do pecado. Contém em si mesma o juízo interior da consciência. Pode ver-se nela a prova da ação do Espírito de verdade no mais íntimo do homem. Torna-se, ao mesmo tempo, o princípio dum novo dom da graça e do amor: “Recebei o Espírito Santo”. Assim, neste “convencer quanto ao pecado”. descobrimos um duplo dom: o dom da verdade da consciência e o dom da certeza da redenção. O Espírito da verdade é o Consolador» (João Paulo II, Enc. Dominum et vivificantem, 31: AAS 78 (1986) 843).
A definição do pecado (1849-1851)
Sábado
1849. O pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a recta consciência. É uma falha contra o verdadeiro amor para com Deus e para com o próximo, por causa dum apego perverso a certos bens. Fere a natureza do homem e atenta contra a solidariedade humana. Foi definido como «uma palavra, um acto ou um desejo contrários à Lei eterna» (Santo Agostinho, Contra Faustum manichaeum, 22, 27: CSEL 25, 621 (PL 42, 418): cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 71, a. 6: Ed. Leon. 7, 8-9).
1850. O pecado é uma ofensa a Deus:
«Pequei contra Vós, só contra Vós, e fiz o mal diante dos vossos olhos» (Sl 51, 6)
O pecado é contrário ao amor que Deus nos tem e afasta d’Ele os nossos corações. É, como o primeiro pecado, uma desobediência, uma revolta contra Deus, pela vontade de os homens se tornarem «como deuses», conhecendo e determinando o que é bem e o que é mal (Gn 3, 5). Assim, o pecado é «o amor de si próprio levado até ao desprezo de Deus» (Santo Agostinho, De civitate Dei, 14, 28: CSEL 40/2, 56 (PL 41, 436)). Por esta exaltação orgulhosa de si mesmo, o pecado é diametralmente oposto à obediência de Jesus, que realizou a salvação (Cf. Fl 2, 6-9).
1851. É precisamente na paixão, em que a misericórdia de Cristo o vai vencer, que o pecado manifesta melhor a sua violência e a sua multiplicidade: incredulidade, ódio assassino, rejeição e escárnio por parte dos chefes e do povo, cobardia de Pilatos e crueldade dos soldados, traição de Judas tão dura para Jesus, negação de Pedro e abandono dos discípulos. No entanto, mesmo na hora das trevas e do príncipe deste mundo (Cf. Jo 14, 30), o sacrifício de Cristo torna-se secretamente a fonte de onde brotará, inesgotável, o perdão dos nossos pecados.
II Semana da Quaresma
A Transfiguração (554-556)
Domingo
554. A partir do dia em que Pedro confessou que Jesus era o Cristo, Filho do Deus vivo, o Mestre «começou a explicar aos seus discípulos que tinha de ir a Jerusalém e lá sofrer […], que tinha de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia» (Mt 16, 21). Pedro rejeita este anúncio e os outros também não o entendem (Cf. Mt 17, 23; Lc 9, 45). É neste contexto que se situa o episódio misterioso da transfiguração de Jesus (Cf. Mt 17, 1-8 e par.: 2 Pe 1, 16-18), no cimo duma alta montanha, perante três testemunhas por Ele escolhidas: Pedro, Tiago e João. O rosto e as vestes de Jesus tornaram-se fulgurantes de luz, Moisés e Elias aparecem, «e falam da sua morte, que ia consumar-se em Jerusalém» (Lc 9, 31). Uma nuvem envolve-os e uma voz do céu diz:
«Este é o meu Filho predilecto: escutai-O» (Lc 9, 35).
555. Por um momento, Jesus mostra a sua glória divina, confirmando assim a confissão de Pedro. Mostra também que, para «entrar na sua glória» (Lc 24, 26), tem de passar pela cruz em Jerusalém. Moisés e Elias tinham visto a glória de Deus sobre a montanha; a Lei e os Profetas tinham anunciado os sofrimentos do Messias (Cf. Lc 24. 27). A paixão de Jesus é da vontade do Pai: o Filho age como Servo de Deus (Cf. Is 42, 1). A nuvem indica a presença do Espírito Santo:
«Tota Trinitas apparuit: Pater in voce; Filius in homine; Spiritus in nube clara – Apareceu toda a Trindade: o Pai na voz; o Filho na humanidade; o Espírito Santo na nuvem luminosa» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3. q. 45, a. 4, ad 2: Ed. Leon. 11, 433):
«Transfiguraste-Te sobre a montanha e, na medida em que disso eram capazes, os teus discípulos contemplaram a tua glória, ó Cristo Deus; para que, quando Te vissem crucificado, compreendessem que a tua paixão era voluntária, e anunciassem ao mundo que Tu és verdadeiramente a irradiação do Pai» (Liturgia bizantina, Kontakion na Festa da Transfiguração: «Mênaîa toû bólou eniautoû», v. 6 (Romae 1901) p. 341).
556. No limiar da vida pública, o batismo; no limiar da Páscoa, a transfiguração. Pelo batismo de Jesus «declaratum fuit mysterium primae regenerationis – foi declarado o mistério da (nossa) primeira regeneração» – o nosso Batismo; e a transfiguração «est sacramentum secundae regenerationis – é o sacramento da (nossa) segunda regeneração» – a nossa própria ressurreição (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3, q. 45. a. 4, ad 2: Ed. Leon. 11, 433). Desde agora, nós participamos na ressurreição do Senhor pelo Espírito Santo que atua nos sacramentos do Corpo de Cristo. A transfiguração dá-nos um antegozo da vinda gloriosa de Cristo, «que transfigurará o nosso corpo miserável para o conformar com o seu corpo glorioso» (Fl 3, 21). Mas lembra-nos também que temos de passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus» (Act 14, 22):
«Era isso que Pedro ainda não tinha compreendido, quando manifestava o desejo de ficar com Cristo no cimo da montanha (Cf. Lc 9. 33). – Isso, Ele to reservou, Pedro, para depois da morte. Mas agora, Ele próprio te diz: Desce para sofrer na Terra, para servir na Terra, para ser desprezado e crucificado na Terra. A Vida desce para se fazer matar: o Pão desce para passar fome; o Caminho desce para se cansar de andar; a Fonte desce para ter sede; – e tu recusas-te a sofrer?» (320).
A diversidade dos pecados (1852-1853)
Segunda-feira
1852. É grande a variedade dos pecados. A Sagrada Escritura fornece-nos várias listas. A Epístola aos Gálatas opõe as obras da carne aos frutos do Espírito:
«As obras da natureza decaída (“carne”) são claras: imoralidade, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, inimizades, discórdias, ciúmes, fúrias, rivalidades, dissensões, facciosismos, invejas, excessos de bebida e de comida e coisas semelhantes a estas. Sobre elas vos previno, como já vos tinha prevenido: os que praticam ações como estas, não herdarão o Reino de Deus» (Gl 5, 19-21) (Cf. Rm 1, 28-32; 1 Cor 6, 9-10; Ef 5, 3-5; Cl 3, 5-9; 1 Tm 1, 9-10; 2 Tm 3, 2-5).
1853. Os pecados podem distinguir-se segundo o seu objeto, como todo o ato humano; ou segundo as virtudes a que se opõem; por excesso ou por defeito; ou segundo os mandamentos que violam. Também podem agrupar-se segundo outros critérios: os que dizem respeito a Deus, ao próximo, à própria pessoa do pecador; pecados espirituais e carnais: ou, ainda, pecados por pensamentos, palavras, obras ou omissões. A raiz do pecado está no coração do homem, na sua vontade livre, conforme o ensinamento do Senhor:
«do coração é que provêm pensamentos malévolos, assassínios, adultérios, fornicações, roubos, falsos testemunhos, maledicências – coisas que tornam o homem impuro» (Mt 15, 19).
Mas é também no coração que reside a caridade, princípio das obras boas e puras, que o pecado ofende.
A gravidade do pecado – pecado mortal e venial (1854-1860)
Terça-feira
1854. Os pecados devem ser julgados segundo a sua gravidade. A distinção entre pecado mortal e pecado venial, já perceptível na Escritura (Cf. 1 Jo 5, 16-17), impôs-se na Tradição da Igreja. A experiência dos homens corrobora-a.
1855. O pecado mortal destrói a caridade no coração do homem por uma infracção grave à Lei de Deus. Desvia o homem de Deus, que é o seu último fim, a sua bem-aventurança, preferindo-Lhe um bem inferior. O pecado venial deixa subsistir a caridade, embora ofendendo-a e ferindo-a.
1856. O pecado mortal, atacando em nós o princípio vital que é a caridade, torna necessária uma nova iniciativa da misericórdia de Deus e uma conversão do coração que normalmente se realiza no quadro do sacramento da Reconciliação:
«Quando […] a vontade se deixa atrair por uma coisa de si contrária à caridade, pela qual somos ordenados para o nosso fim último, o pecado, pelo seu próprio objeto, deve considerar-se mortal […], quer seja contra o amor de Deus (como a blasfémia, o perjúrio, etc.), quer contra o amor do próximo (como o homicídio, o adultério, etc.) […] Em contrapartida, quando a vontade do pecador por vezes se deixa levar para uma coisa que em si é desordenada, não sendo todavia contrária ao amor de Deus e do próximo (como uma palavra ociosa, um risco supérfluo, etc.), tais pecados são veniais» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 88. a. 2, e: Ed. Leon. 7, 135).
1857. Para que um pecado seja mortal, requerem-se, em simultâneo, três condições:
«É pecado mortal o que tem por objeto uma matéria grave, e é cometido com plena consciência e de propósito deliberado» (João Paulo II. Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 17: AAS 77 (1985) 221).
1858. A matéria grave é precisada pelos dez Mandamentos, segundo a resposta que Jesus deu ao jovem rico:
«Não mates, não cometas adultério, não furtes, não levantes falsos testemunhos, não cometas fraudes, honra pai e mãe» (Mc 10, 18)
A gravidade dos pecados é maior ou menor: um homicídio é mais grave que um roubo. A qualidade das pessoas lesadas também entra em linha de conta: a violência cometida contra pessoas de família é, por sua natureza, mais grave que a exercida contra estranhos.
1859. Para que o pecado seja mortal tem de ser cometido com plena consciência e total consentimento. Pressupõe o conhecimento do carácter pecaminoso do ato, da sua oposição à Lei de Deus. E implica também um consentimento suficientemente deliberado para ser uma opção pessoal. A ignorância simulada e o endurecimento do coração (Cf. Mc 3, 5-6; Lc 16, 19-31) não diminuem, antes aumentam, o carácter voluntário do pecado.
1860. A ignorância involuntária pode diminuir, ou mesmo desculpar, a imputabilidade duma falta grave. Mas parte-se do princípio de que ninguém ignora os princípios da lei moral, inscritos na consciência de todo o homem. Os impulsos da sensibilidade e as paixões podem também diminuir o carácter voluntário e livre da falta. O mesmo se diga de pressões externas e de perturbações patológicas. O pecado cometido por malícia, por escolha deliberada do mal, é o mais grave.
A gravidade do pecado – pecado mortal e venial, II (1861-1864)
Quarta-feira
1861. O pecado mortal é uma possibilidade radical da liberdade humana, tal como o próprio amor. Tem como consequência a perda da caridade e a privação da graça santificante, ou seja, do estado de graça. E se não for resgatado pelo arrependimento e pelo perdão de Deus, originará a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no Inferno, uma vez que a nossa liberdade tem capacidade para fazer escolhas definitivas, irreversíveis. No entanto, embora nos seja possível julgar se um ato é, em si, uma falta grave, devemos confiar o juízo sobre as pessoas à justiça e à misericórdia de Deus.
1862. Comete-se um pecado venial quando, em matéria leve, não se observa a medida prescrita pela lei moral ou quando, em matéria grave, se desobedece à lei moral, mas sem pleno conhecimento ou sem total consentimento.
1863. O pecado venial enfraquece a caridade, traduz um afeto desordenado aos bens criados, impede o progresso da pessoa no exercício das virtudes e na prática do bem moral; e merece penas temporais. O pecado venial deliberado e não seguido de arrependimento, dispõe, a pouco e pouco, para cometer o pecado mortal. No entanto, o pecado venial não quebra a aliança com Deus e é humanamente reparável com a graça de Deus.
«Não priva da graça santificante, da amizade com Deus, da caridade, nem, portanto, da bem-aventurança eterna» (João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 17: AAS 77 (1985) 221).
«Enquanto vive na carne, o homem não é capaz de evitar totalmente o pecado, pelo menos os pecados leves. Mas estes pecados, que chamamos leves, não os tenhas por insignificantes. Se os tens por insignificantes quando os pesas, treme quando os contas. Muitos objectos leves fazem uma massa pesada; muitas gotas de água enchem um rio; muitos grãos fazem um monte. Onde, então, está a nossa esperança? Antes de mais, na confissão…» (Santo Agostinho, In epistulam Iohannis Parthos tractatus, 1, 6: PL 35, 1982).
1864. «Todo o pecado ou blasfémia será perdoado aos homens, mas a blasfémia contra o Espírito não lhes será perdoada» (Mt 12, 31) (Cf. Mc 3. 29; Lc 12, 10)
Não há limites para a misericórdia de Deus, mas quem recusa deliberadamente receber a misericórdia de Deus, pelo arrependimento, rejeita o perdão dos seus pecados e a salvação oferecida pelo Espírito Santo (Cf. João Paulo II, Enc. Dominum et vivificantem, 46: AAS 78 (1986) 864-865). Tal endurecimento pode levar à impenitência final e à perdição eterna.
A proliferação do pecado (1865-1869)
Quinta-feira
1865. O pecado arrasta ao pecado; gera o vício, pela repetição dos mesmos actos. Daí resultam as inclinações perversas, que obscurecem a consciência e corrompem a apreciação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e reforçar-se, embora não possa destruir radicalmente o sentido moral.
1866. Os vícios podem classificar-se segundo as virtudes a que se opõem, ou relacionando-os com os pecados capitais que a experiência cristã distinguiu, na sequência de São João Cassiano (Cf. São Cassiano, Conlatio, 5, 2: CSEL 13, 121 (PL 49, 611)) e São Gregório Magno (Cf. São Gregório Magno, Moralia in Job, 31, 45, 87: CCL 143B, 1610 (PL 76, 621)). Chamam-se capitais, porque são geradores doutros pecados e doutros vícios. São eles: a soberba, a avareza, a inveja, a ira, a luxúria, a gula e a preguiça ou negligência (acédia).
1867. A tradição catequética lembra também a existência de «pecados que bradam ao céu». Bradam ao céu: o sangue de Abel (Cf. Gn 4. 10); o pecado dos sodomitas (Cf. Gn 18, 20; 19, 13); o clamor do povo oprimido no Egito (Cf. Ex 3, 7-10); o lamento do estrangeiro, da viúva e do órfão (Cf. Ex 22, 20-22); a injustiça para com o assalariado (Cf. Dt 24, 14-15; Tg 5, 4).
1868. O pecado é um ato pessoal. Mas, além disso, nós temos responsabilidade nos pecados cometidos por outros, quando neles cooperamos:
– tomando parte neles, direta e voluntariamente;
– ordenando-os. aconselhando-os, aplaudindo-os ou aprovando-os;
– não os denunciando ou não os impedindo, quando a isso obrigados;
– protegendo os que praticam o mal.
1869. Assim, o pecado torna os homens cúmplices uns dos outros, faz reinar entre eles a concupiscência, a violência e a injustiça. Os pecados provocam situações sociais e instituições contrárias à Bondade divina; as «estruturas de pecado» são expressão e efeito dos pecados pessoais e induzem as suas vítimas a que, por sua vez, cometam o mal. Constituem, em sentido analógico, um «pecado social» (João Paulo II, Ex. ap. Reconciliatio et paenitentia, 16: AAS 77 (1985) 216).
O Reino de Deus está próximo (541-542)
Sexta-feira
541. «Depois de João ter sido preso, Jesus partiu para a Galileia. Aí proclamava a Boa-Nova da vinda de Deus, nestes termos: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: convertei-vos e acreditai na Boa-Nova!”» (Mc 1, 14-15). «Por isso, Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai, deu começo na terra ao Reino dos céus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6).
Ora a vontade do Pai é «elevar os homens à participação da vida divina» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 2: AAS 57 (1965) 5-6). E fá-lo reunindo os homens em torno do seu Filho, Jesus Cristo. Esta reunião é a Igreja, a qual é na terra «o germe e o princípio» do Reino de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 8).
542. Cristo está no centro desta reunião dos homens na «família de Deus». Reúne-os à sua volta pela sua palavra, pelos seus sinais que manifestam o Reino de Deus, pelo envio dos discípulos. E realizará a vinda do seu Reino sobretudo pelo grande mistério da sua Páscoa: a sua morte de cruz e a sua ressurreição.
«E Eu, uma vez elevado da Terra, atrairei todos a Mim» (Jo 12, 32)
Todos os homens são chamados a esta união com Cristo (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6).
O anúncio do Reino de Deus (543-546)
Sábado
543. Todos os homens são chamados a entrar no Reino. Anunciado primeiro aos filhos de Israel (Cf. Mt 10, 5-7), este Reino messiânico é destinado a acolher os homens de todas as nações (Cf. Mt 8, 11; 28, 19). Para ter acesso a ele, é preciso acolher a Palavra de Jesus:
«A Palavra do Senhor compara-se à semente lançada ao campo: aqueles que a ouvem com fé e entram a fazer parte do pequeno rebanho de Cristo, já receberam o Reino; depois, por força própria, a semente germina e cresce até ao tempo da messe» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 5: AAS 57 (1965) 7).
544. O Reino é dos pobres e pequenos, quer dizer, dos que o acolheram com um coração humilde. Jesus foi enviado para «trazer a Boa-Nova aos pobres» (Lc 4, 18) (Cf. Lc 7, 22). Declara-os bem-aventurados, porque «é deles o Reino dos céus» (Mt 5, 3). Foi aos «pequenos» que o Pai se dignou revelar o que continua oculto aos sábios e inteligentes (Cf. Mt 11, 25). Jesus partilha a vida dos pobres, desde o presépio até à cruz: sabe o que é sofrer a fome (Cf. Mc 2, 23-26: Mt 21, 18), a sede (Cf. Jo 4, 6-7: 19, 28Cf. Jo 4, 6-7: 19, 28) e a indigência (Cf. Lc 9, 58). Mais ainda: identifica-se com os pobres de toda a espécie, e faz do amor activo para com eles a condição da entrada no seu Reino (Cf. Mt 25, 31-46).
545. Jesus convida os pecadores para a mesa do Reino:
«Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores» (Mc 2, 17) (Cf. 1 Tm 1, 15)
Convida-os à conversão sem a qual não se pode entrar no Reino, mas por palavras e atos, mostra-lhes a misericórdia sem limites do Seu Pai para com eles e a imensa «alegria que haverá no céu, por um só pecador que se arrependa» (Lc 15, 7). A prova suprema deste amor será o sacrifício da sua própria vida, «pela remissão dos pecados» (Mt 26, 28).
546. Jesus chama para entrar no Reino, por meio de parábolas, traço característico do seu ensino (Cf. Mc 4, 33-34). Por meio delas, convida para o banquete do Reino (Cf. Mt 22, 1-14), mas exige também uma opção radical: para adquirir o Reino é preciso dar tudo (Cf. Mt 13, 44-45). As palavras não bastam, exigem-se atos (Cf. Mt 21, 28-32). As parábolas são, para o homem, uma espécie de espelho: como é que ele recebe a Palavra? Como chão duro, ou como terra boa? (Cf. Mt 13, 3-9) Que faz ele dos talentos recebidos? (Cf. Mt 25, 14-30) Jesus e a presença do Reino neste mundo estão secretamente no coração das parábolas. É preciso entrar no Reino, quer dizer, tornar-se discípulo de Cristo, para «conhecer os mistérios do Reino dos céus» (Mt 13, 11). Para os que ficam «fora» (Mc 4, 11), tudo permanece enigmático (288).
III Semana da Quaresma
Os sinais do Reino de Deus (547-550)
Domingo
547. Jesus acompanha as suas palavras com numerosos «milagres, prodígios e sinais» (Act 2,22), os quais manifestam que o Reino está presente n’Ele. Comprovam que Ele é o Messias anunciado (Cf. Lc 7. 18-23).
548. Os sinais realizados por Jesus testemunham que o Pai O enviou (Cf. Jo 5, 36; 10, 25). Convidam a crer n’Ele (Cf. Jo 10, 38). Aos que se Lhe dirigem com fé, concede-lhes o que pedem (Cf. Mc 5, 25-34; 10, 52: etc). Assim, os milagres fortificam a fé n’Aquele que faz as obras do seu Pai: testemunham que Ele é o Filho de Deus (Cf. Jo 10, 31-38). Mas também podem ser «ocasião de queda» (Cf. Mt 11, 6). Eles não pretendem satisfazer a curiosidade nem desejos mágicos. Apesar de os seus milagres serem tão evidentes, Jesus é rejeitado por alguns (Cf. Jo 11, 47-48); chega mesmo a ser acusado de agir pelo poder dos demónios (Cf. Mc 3, 22).
549. Ao libertar certos homens dos males terrenos da fome (Cf. Jo 6, 5-15), da injustiça (Cf. Lc 19, 8) da doença e da morte (Cf. Mt 11, 5) – Jesus realizou sinais messiânicos; no entanto, Ele não veio para abolir todos os males deste mundo (Cf. Lc 12, 13-14; Jo 18, 36), mas para libertar os homens da mais grave das escravidões, a do pecado (Cf. Jo 8, 34-36), que os impede de realizar a sua vocação de filhos de Deus e é causa de todas as servidões humanas.
550. A vinda do Reino de Deus é a derrota do reino de Satanás (Cf. Mt 12, 26):
«Se é pelo Espírito de Deus que Eu expulso os demónios, então é porque o Reino de Deus chegou até vós» (Mt 12, 28).
Os exorcismos de Jesus libertam os homens do poder dos demónios (Cf. Lc 8, 26-39). E antecipam a grande vitória de Jesus sobre «o príncipe deste mundo» (Cf. Jo 12, 31). É pela cruz de Cristo que o Reino de Deus vai ser definitivamente estabelecido: «Regnavit a ligno Deus – Deus reinou desde o madeiro» (Venâncio Fortunato, Hino «Vexilla Regis»: MGH 1/4/1, 34 (PL 88, 96)).
A justificação (1987-1991)
Segunda-feira
1987. A graça do Espírito Santo tem o poder de nos justificar, isto é, de nos lavar dos nossos pecados e de nos comunicar «a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo» (Cf. Rm 3, 22) e pelo Batismo (Cf. Rm 6, 3-4):
«Se morremos com Cristo, acreditamos que também com Ele viveremos, sabendo que, uma vez ressuscitado dos mortos, Cristo já não morre: a morte já não tem domínio sobre Ele. Porque, na morte que sofreu, Cristo morreu para o pecado de uma vez para sempre: mas a sua vida é uma vida para Deus. Assim vós também, considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Cristo Jesus» (Rm 6, 8- l l ).
1988. Pelo poder do Espírito Santo, nós tomamos parte na paixão de Cristo, morrendo para o pecado, e na sua ressurreição, nascendo para uma vida nova. Somos os membros do seu corpo, que é a Igreja (Cf. 1 Cor 12), os sarmentos enxertados na videira, que é Ele próprio (Cf. Jo 15, 1-4):
«É pelo Espírito que nós temos parte em Deus. […] Pela participação no Espírito, tornamo-nos participantes da natureza divina […]. É por isso que aqueles em quem habita o Espírito são divinizados» (Santo Atanásio de Alexandria, Epistula ad Serapionem. 1, 24: PG 26, 585-588).
1989. A primeira obra da graça do Espírito Santo é a conversão, que opera a justificação, segundo a mensagem de Jesus no princípio do Evangelho:
«Convertei-vos, que está perto o Reino dos céus» (Mt 4, 17)
Sob a moção da graça, o homem volta-se para Deus e desvia-se do pecado, acolhendo assim o perdão e a justiça do Alto.
«A justificação comporta, portanto, a remissão dos pecados, a santificação e a renovação do homem interior» (Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 7: DS 1528).
1990. A justificação desliga o homem do pecado, que está em contradição com o amor de Deus, e purifica-lhe o coração. A justificação continua a iniciativa da misericórdia de Deus, que oferece o perdão; reconcilia o homem com Deus; liberta-o da escravidão do pecado e cura-o.
1991. A justificação é, ao mesmo tempo, acolhimento da justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo. Justiça designa, aqui, a retidão do amor divino. Com a justificação, são difundidas nos nossos corações a fé, a esperança e a caridade, e é-nos concedida a obediência à vontade divina.
A justificação, II (1992-1995)
Terça-feira
1992. A justificação foi-nos merecida pela paixão de Cristo, que na cruz Se ofereceu como hóstia viva, santa e agradável a Deus, e cujo sangue se tornou instrumento de propiciação pelos pecados de todos os homens. A justificação é concedida pelo Batismo, sacramento da fé. Conforma-nos com a justiça de Deus que nos torna interiormente justos pelo poder da sua misericórdia. E tem por fim a glória de Deus e de Cristo, e o dom da vida eterna (Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 7: DS 1529):
«Mas agora, foi sem a Lei que se manifestou a justiça de Deus, atestada pela Lei e pelos Profetas: a justiça que vem para todos os crentes, mediante a fé em Jesus Cristo. É que não há diferença alguma: todos pecaram e estão privados da glória de Deus. Sem o merecerem, são justificados pela sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus. Deus ofereceu-o para, nele, pelo seu sangue, se realizar a expiação que atua mediante a fé: foi assim que Ele mostrou a sua justiça, ao perdoar os pecados cometidos outrora, no tempo da divina paciência. Deus mostra assim a sua justiça no tempo presente, porque Ele é justo e justifica quem tem fé em Jesus» (Rm 3, 21-26).
1993. A justificação estabelece a colaboração entre a graça de Deus e a liberdade do homem. Do lado do homem, exprime-se no assentimento da fé à Palavra de Deus que convida à conversão, e na cooperação da caridade com o impulso do Espírito Santo que se lhe adianta e o guarda:
«Quando Deus move o coração do homem pela iluminação do Espírito Santo o homem não fica sem fazer nada ao receber esta inspiração, que, aliás, pode rejeitar: no entanto, também não pode, sem a graça de Deus, caminhar, por sua livre vontade, para a justiça na sua presença» (Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 5: DS 1525).
1994. A justificação é a obra mais excelente do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus e concedido pelo Espírito Santo. Santo Agostinho pensa que «a justificação do ímpio é obra maior que a criação do céu e da terra»; porque «o céu e a terra passarão, ao passo que a justificação e a salvação dos eleitos permanecerão» (Santo Agostinho, In Iohannis evangelium tractatus, 72, 3: CCL 36, 508 (PL 35, 1823)). Pensa mesmo que a justificação dos pecadores é mais importante que a criação dos anjos em justiça, pelo tacto de testemunhar uma maior misericórdia.
1995. O Espírito Santo é o mestre interior. Fazendo nascer o «homem interior» (Cf. Rm 7, 22; Ef 3,16) a justificação implica a santificação de todo o ser:
«Pois, como pusestes os vossos membros ao serviço da impureza e do mal para cometer a iniquidade, assim ponde agora os vossos membros ao serviço da justiça para chegar à santidade. […] Mas agora, libertos do pecado e feitos servos de Deus, tendes por fruto a santidade: e o termo é a vida eterna» (Rm 6, 19-22).
A graça (1996-2000)
Quarta-feira
1996. A nossa justificação vem da graça de Deus. A graça é o favor, o socorro gratuito que Deus nos dá, a fim de respondermos ao seu chamamento para nos tornarmos filhos de Deus (Cf. Jo 1, 12-18) filhos adoptivos (Cf. Rm 8, 14-17) participantes da natureza divina (Cf. 2 Pe 1, 3-4) e da vida eterna (Cf. Jo 17, 3).
1997. A graça é uma participação na vida de Deus, introduz-nos na intimidade da vida trinitária: pelo Batismo, o cristão participa na graça de Cristo, cabeça do seu corpo; como «filho adotivo», pode doravante chamar «Pai» a Deus, em união como seu Filho Unigénito; e recebe a vida do Espírito, que lhe infunde a caridade e forma a Igreja.
1998. Esta vocação para a vida eterna é sobrenatural. Depende inteiramente da iniciativa gratuita de Deus, porque só Ele pode revelar-Se e dar-Se a Si mesmo. E ultrapassa as capacidades da inteligência e as forças da vontade humana, como de qualquer criatura (Cf. 1 Cor 2, 7-9).
1999. A graça de Cristo é dom gratuito que Deus nos faz da sua vida, infundida pelo Espírito Santo na nossa alma para a curar do pecado e a santificar. É a graça santificante ou deificante, recebida no Batismo. É, em nós, a nascente da obra de santificação (Cf. Jo 4, 14; 7, 38-39):
«Por isso, se alguém está em Cristo, é uma nova criação. O que era antigo passou: eis que surgiram coisas novas! Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por meio de Cristo» (2 Cor 5, 17-18).
2000. A graça santificante é um dom habitual, uma disposição estável e sobrenatural, que aperfeiçoa a alma, mesmo para a tornar capaz de viver com Deus e de agir por seu amor. Devemos distinguir a graça habitual, disposição permanente para viver e agir segundo o apelo divino, e as graças atuais, que designam as intervenções divinas, quer na origem da conversão, quer no decurso da obra de santificação.
A graça, II (2001-2003)
Quinta-feira
2001. A preparação do homem para acolher a graça é já obra da graça. Esta é necessária para suscitar e sustentar a nossa colaboração na justificação pela fé e na santificação pela caridade. Deus acaba em nós o que começou, «porque é Ele próprio que começa, fazendo com que queiramos e é Ele que acaba, cooperando com aqueles que assim querem» (Santo Agostinho, De gratia et libero arbítrio, 17, 33: PL 44, 901):
É certo que nós também trabalhamos, mas não fazemos mais do que cooperar com Deus que trabalha, porque a sua misericórdia nos precedeu. Precedeu-nos para sermos curados e continua a acompanhar-nos para que, uma vez curados, sejamos vivificados. Precede-nos para que sejamos chamados, segue-nos para que sejamos glorificados, precede-nos para que vivamos segundo a piedade, segue-nos para que vivamos para sempre com Ele, porque sem Ele nada podemos fazer» (Santo Agostinho, De natura et gratia, 31, 35: CSEL 49, 258-259 (PL 44, 264)).
2002. A livre iniciativa de Deus reclama a resposta livre do homem, porque Deus criou o homem à sua imagem, conferindo-lhe, com a liberdade, o poder de O conhecer e de O amar. Só livremente é que a sua alma entra na comunhão do amor. Deus toca imediatamente e move diretamente o coração do homem. Colocou no homem uma aspiração à verdade e ao bem, que só Ele pode satisfazer. As promessas da «vida eterna» correspondem a esta aspiração, para além de toda a esperança.
«Se Tu, após as tuas obras muito boas, […] descansaste no sétimo dia, foi para nos dizer de antemão, pela voz do Teu Livro, que no termo das nossas obras, que “são muito boas” pelo simples facto de teres sido Tu quem no-las deu, também nós repousaremos em Ti, no Sábado da vida eterna» (Santo Agostinho, Confissões, 13, 36, 51: CCL 27, 272 (PL 32, 868)).
2003. A graça é, antes de tudo e principalmente, o dom do Espírito que nos justifica e nos santifica. Mas também compreende os dons que o Espírito nos dá, para nos associar à sua obra, para nos tornar capazes de colaborar na salvação dos outros e no crescimento do corpo Místico de Cristo, que é a Igreja. São as graças sacramentais, dons próprios dos diferentes sacramentos. São, além disso, as graças especiais, também chamadas «carismas», segundo o termo grego empregado por São Paulo e que significa favor, dom gratuito, benefício (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 12: AAS 57 (1965) 16-17). Qualquer que seja o seu carácter, por vezes extraordinário, como o dom dos milagres ou das línguas, os carismas estão ordenados para a graça santificante e têm por finalidade o bem comum da Igreja. Estão ao serviço da caridade que edifica a Igreja (Cf. 1 Cor 12).
A graça, III (2004-2005)
Sexta-feira
2004. Entre as graças especiais, devem mencionar-se as graças de estado, que acompanham o exercício das responsabilidades da vida cristã e dos ministérios no seio da Igreja:
«Possuímos dons diferentes, conforme a graça que nos foi dada. Quem tem o dom da profecia, comunique-o em harmonia com a fé: quem tem o dom do ministério, exerça as funções do ministério: quem tem o dom do ensino, ensine: quem tem o dom de exortar, exorte; quem tem a missão de repartir, faça-o com desinteresse; quem preside, faça-o com zelo; quem exerce a misericórdia, faça-o com alegria» (Rm 12, 6-8).
2005. Sendo, como é, de ordem sobrenatural, a graça escapa nossa experiência e só pode ser conhecida pela fé. Não podemos, pois, basear-nos nos nossos sentimentos nem nas nossas obras, para daí concluirmos que estamos justificados e salvos (Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, c. 9: DS 1533-1534). No entanto, segundo a palavra do Senhor, que diz: «Pelos seus frutos os conhecereis» (Mt 7, 20), a consideração dos benefícios de Deus na nossa vida e na vida dos santos oferece-nos uma garantia de que a graça de Deus opera em nós e nos incita a uma fé cada vez maior e a uma atitude de pobreza confiante:
Encontramos uma das mais belas ilustrações desta atitude na resposta de Santa Joana d’Arc a uma pergunta capciosa dos seus juízes eclesiásticos:
«Interrogada sobre se sabe se está na graça de Deus, responde; “Se não estou, Deus nela me ponha: se estou, Deus nela me guarde”» (Santa Joana D’Arc: Dito: Procès de condannation, ed. P. Tisset (Paris, 1969) p. 62).
A santidade cristã (2012-2016)
Sábado
2012. «Deus concorre em tudo para o bem daqueles que O amam […]. Porque os que Ele de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem do seu Filho, para que Ele seja o Primogénito de muitos irmãos. E aqueles que predestinou, também os chamou; e aqueles que chamou, também os justificou; e aqueles que justificou, também os glorificou» (Rm 8, 28-30).
2013. «Os cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 40: AAS 57 (1965) 45).
Todos são chamados à santidade:
«Sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5, 48):
«Para alcançar esta perfeição, empreguem os fiéis as forças recebidas segundo a medida em que Cristo as dá, a fim de que […] obedecendo em tudo à vontade do Pai, se consagrem com toda a alma à glória do Senhor e ao serviço do próximo. Assim crescerá em frutos abundantes a santidade do povo de Deus, como patentemente se manifesta na história da Igreja, com a vida de tantos santos» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 40: AAS 57 (1965) 45).
2014. O progresso espiritual tende para a união cada vez mais íntima com Cristo. Esta união chama-se «mística», porque participa no mistério de Cristo pelos sacramentos – «os santos mistérios» – e, n’Ele, no mistério da Santíssima Trindade. Deus chama-nos todos a esta íntima união com Ele, mesmo que graças especiais ou sinais extraordinários desta vida mística somente a alguns sejam concedidos, para manifestar o dom gratuito feito a todos.
2015. O caminho desta perfeição passa pela cruz. Não há santidade sem renúncia e combate espiritual (Cf. 2 Tm 4). O progresso espiritual implica a ascese e a mortificação, que conduzem gradualmente a viver na paz e na alegria das bem-aventuranças:
«Aquele que sobe, nunca mais pára de ir de princípio em princípio, por princípios que não têm fim. Aquele que sobe nunca mais deixa de desejar aquilo que já conhece» (São Gregório de Nissa, In Canticum homilia 8: Gregorii Nysseni opera, ed. W. Jaeger – H. Langerbeck, v. 6 (Leiden 1960) p. 247 (PG 44, 941)).
2016. Os filhos da santa Igreja, nossa Mãe, esperam justamente a graça da perseverança final e a recompensa de Deus seu Pai pelas boas obras realizadas com a sua graça, em comunhão com Jesus (Cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustificatione, can. 26: DS 1576). Guardando a mesma regra de vida, os crentes partilham a «bem-aventurada esperança» dos que a misericórdia divina reúne na «Cidade santa, a nova Jerusalém, que desce do céu, como noiva adornada para o seu Esposo» (Ap 21, 2).
IV Semana da Quaresma
Jesus, o Senhor (446-451)
Domingo
446. Na tradução grega dos Livros do Antigo Testamento, o nome inefável sob o qual Deus Se revelou a Moisés (Cf. Ex 3, 14), YHWH, é traduzido por « Kyrios» («Senhor»). Senhor torna-se, desde então, o nome mais habitual para designar a própria divindade do Deus de Israel. É neste sentido forte que o Novo Testamento utiliza o título de «Senhor», tanto para o Pai como também – e aí é que está a novidade – para Jesus, assim reconhecido como sendo Ele próprio Deus (Cf. 1 Cor 2, 8).
447. O próprio Jesus veladamente atribui a Si mesmo este título, quando discute com os fariseus sobre o sentido do Salmo 110 (Cf. Mt 22, 41-46; cf. também Act 2. 34-36; Heb 1, 13), e também, de modo explícito, ao dirigir-Se aos Apóstolos (Cf. Jo 13, 13). Ao longo de toda a vida pública, os seus gestos de domínio sobre a natureza, sobre as doenças, sobre os demónios, sobre a morte e o pecado, demonstravam a sua soberania divina.
448. Muitíssimas vezes, nos evangelhos, aparecem pessoas que se dirigem a Jesus chamando-lhe «Senhor». Este título exprime o respeito e a confiança dos que se aproximam de Jesus e d’Ele esperam socorro e cura (Cf. Mt 8, 2: 14, 30; 15, 22: etc). Pronunciado sob a moção do Espírito Santo, exprime o reconhecimento do Mistério divino de Jesus (Cf. Lc 1, 43; 2, 11). No encontro com Jesus ressuscitado, transforma-se em adoração:
«Meu Senhor e meu Deus» (Jo 20, 28)
Assume então uma conotação de amor e afeição, que vai ficar como típica da tradição cristã:
«E o Senhor!» (Jo 21, 7).
449. Ao atribuir a Jesus o título divino de Senhor, as primeiras confissões de fé da Igreja afirmam, desde o princípio (Cf. Act 2, 34-36), que o poder, a honra e a glória, devidos a Deus Pai, também são devidos a Jesus (Cf. Rm 9, 5; Tt 2, 13: Ap 5, 13), porque Ele é «de condição divina» (Fl 2, 6) e o Pai manifestou esta soberania de Jesus ressuscitando-O de entre os mortos e exaltando-O na sua glória (Cf. Rm 10, 9; 1 Cor 12, 3; Fl 2. 9-11).
450. Desde o princípio da história cristã, a afirmação do senhorio de Jesus sobre o mundo e sobre a história (Cf. Ap 1, 15) significa também o reconhecimento de que o homem não deve submeter a sua liberdade pessoal, de modo absoluto, a nenhum poder terreno, mas somente a Deus Pai e ao Senhor Jesus Cristo: César não é o «Senhor»(Cf.Mc 12, 17; Act 5, 29).
«A Igreja crê… que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontra no seu Senhor e Mestre» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 10; AAS 58 (1966) 1033; cf. ibid., 45: AAS 58 (1966) 1066).
451. A oração cristã é marcada pelo título de «Senhor», quer no convite à oração: «O Senhor esteja convosco», quer na conclusão da mesma: «Por nosso Senhor Jesus Cristo», quer ainda pelo grito cheio de confiança e de esperança: «Maranatha» («O Senhor vem!») ou «Maranatha» («Vem, Senhor!») (1 Cor 16, 22): «Amen, vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 20).
Era preciso que Cristo padecesse (571-573)
Segunda-feira
571. O mistério pascal da cruz e ressurreição de Cristo está no centro da Boa-Nova que os Apóstolos, e depois deles a Igreja, devem anunciar ao mundo. O desígnio salvífico de Deus cumpriu-se de «una vez por todas» (Heb 9, 26) pela morte redentora do seu Filho Jesus Cristo.
572. A Igreja permanece fiel à «interpretação de todas as Escrituras» dada pelo próprio Jesus, tanto antes como depois da sua Páscoa (Cf. Lc 24, 27, 44-45).
«Não tinha o Messias de sofrer tudo isto, para entrar na sua glória?» (Lc 24, 26)
Os sofrimentos de Jesus tomaram a sua forma histórica concreta, pelo facto de Ele ter sido «rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas» (Mc 8, 31), que «O entregaram aos pagãos para ser escarnecido, flagelado e crucificado» (Mt 20, 19).
573. A fé pode, portanto, esforçar-se por investigar as circunstâncias da morte de Jesus, fielmente transmitidas pelos evangelhos (Cf. II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum, 19; AAS 58 (1966) 826-827) e esclarecidas por outras fontes históricas, para melhor compreender o sentido da redenção.
Jesus e Israel (574-576)
Terça-feira
574. Desde o princípio do ministério público de Jesus, fariseus e partidários de Herodes, com sacerdotes e escribas, puseram-se de acordo para lhe dar a morte (Cf. Mc 3, 6). Por alguns dos seus atos (expulsões de demónios (Cf. Mt 12, 24); perdão dos pecados (Cf. Mc 2, 7) curas em dia de sábado (Cf. Mc 3, 1-6); interpretação original dos preceitos de pureza legal (Cf. Mc 7, 14-23): trato familiar com publicanos e pecadores públicos (Cf. Mc2, 14-17), Jesus pareceu a alguns, mal intencionados, suspeito de possessão diabólica (Cf. Mc 3, 22: Jo 8, 48: 10, 20). Foi acusado de blasfémia (Cf. Mc 2, 7; Jo 5, 18; 10, 33) e de falso profetismo (Cf. Jo 7, 12; 52), crimes religiosos que a Lei castigava com a pena de morte por apedrejamento (Cf. Jo 8, 59; 10, 31).
575. Muitas atitudes e palavras de Jesus foram, portanto, «sinal de contradição» (Cf. Lc 2, 34) para as autoridades religiosas de Jerusalém, a quem o Evangelho de São João muitas vezes chama simplesmente «os Judeus» (CL Jo 1, 19; 2, 18; 5, 10; 7, 13; 9, 22 18, 12: 19, 38; 20, 19), mais ainda do que para o comum do Povo de Deus (Cf. Jo 7, 48-49). Sem dúvida que as suas relações com os fariseus não foram unicamente polémicas: são fariseus que O previnem do perigo que corre (Cf. Lc 13, 31). Jesus louva alguns de entre eles, como o escriba de Mc 12, 34, e em várias ocasiões come em casa de fariseus (Cf. Lc 7, 36; 14, 1). Jesus confirma doutrinas partilhadas por esta elite religiosa do povo de Deus: a ressurreição dos mortos (Cf. Mt 22, 23-34; Lc 20, 39) formas de piedade (esmola, jejum e oração (Cf. Mt 6, 2-18)) e o hábito de se dirigir a Deus como Pai, o carácter central do mandamento do amor de Deus e do próximo (Cf. Mc 12, 28-34).
576. Aos olhos de muitos em Israel, parece que Jesus procede contra as instituições essenciais do Povo eleito:
– a submissão à Lei, na totalidade dos seus preceitos escritos e, para os fariseus, na interpretação da tradição oral;
– a centralidade do templo de Jerusalém, como lugar santo em que Deus habita de maneira privilegiada;
– a fé no Deus único, cuja glória nenhum homem pode partilhar.
Jesus e a Lei de Moisés (577-579)
Quarta-feira
577. Jesus fez uma solene advertência no início do sermão da montanha, ao apresentar a Lei dada por Deus no Sinai, quando da primeira Aliança, à luz da graça da Nova Aliança:
«Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição. Em verdade vos digo: Antes que passem o céu e a Terra, não passará da Lei a mais pequena letra ou o mais pequeno sinal, sem que tudo se cumpra. Portanto, se alguém transgredir um só destes mandamentos, por mais pequeno que seja, e ensinar assim aos homens, será o menor no Reino dos céus. Mas aquele que os praticar e ensinar, será grande no Reino dos céus» (Mt 5, 17-19).
578. Jesus, o Messias de Israel e, portanto, o maior no Reino dos céus, fazia questão de cumprir a Lei, executando-a integralmente até nos mais pequenos preceitos, segundo as suas próprias palavras. Foi, mesmo, o único a poder fazê-lo perfeitamente (Cf. Jo 8, 46). Os Judeus, segundo a sua própria confissão, não puderam nunca cumprir integralmente a Lei sem violação do mínimo preceito (Cf. Jo 7, 19; Act 13, 38-41; 15, 10). Por isso é que, em cada festa anual da Expiação, os filhos de Israel pediam a Deus perdão pelas suas transgressões da Lei. Com efeito, a Lei constitui um todo e, como lembra São Tiago, «quem observa toda a Lei, mas falta num só mandamento, torna-se réu de todos os outros» (Tg 2, 10) (Cf. Gl 3, 10; 5, 3).
579. Este princípio da integralidade da observância da Lei, não só na letra mas também no espírito, era caro aos fariseus. Tomando-o extensivo a Israel, conduziram muitos judeus do tempo de Jesus a um zelo religioso extremo (Cf. Rm 10, 2). E um tal zelo, se não se ficasse por uma casuística «hipócrita» (Cf. Mt 15, 3-7; Lc 11, 39-54), com certeza que prepararia o povo para esta inaudita intervenção de Deus, que será o cumprimento perfeito da Lei pelo único justo representante de todos os pecadores (Cf. Is 53, 11: Heb 9, 15).
Jesus e a Lei de Moisés, II (580-582)
Quinta-feira
580. O cumprimento perfeito da Lei só podia ser obra do divino Legislador, nascido sujeito à Lei na pessoa do Filho (Cf. Gl 4, 4). Em Jesus, a Lei já não aparece gravada em tábuas de pedra, mas «no íntimo do coração» (Jr 31, 33) do Servo, o qual, proclamando «fielmente o direito» (Is 42, 3), se tornou «a aliança do povo» (Is 42, 6). Jesus cumpriu a Lei até ao ponto de tomar sobre Si «a maldição da Lei» (Cf. Gl 3, 13) em que incorrem aqueles que não «praticam todos os preceitos da Lei» (Cf. Gl 3, 10); porque «a morte de Cristo foi para remir as faltas cometidas durante a primeira Aliança» (Heb 9, 15).
581. Jesus apareceu aos olhos dos Judeus e dos seus chefes espirituais como um «rabbi» (Cf. Jo 3. 2; Mt 22, 23-24. 34-36). Muitas vezes argumentou, no quadro da interpretação rabínica da Lei (Cf. Mt 9, 12; 12, 5: Mc 2, 23-27; Lc 6, 6-9; Jo 7, 22-23). Mas, ao mesmo tempo, Jesus tinha forçosamente de Se confrontar com os doutores da Lei porque não Se contentava com propor a sua interpretação a par das deles: «ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas» (Mt 7, 28-29). N’Ele, era a própria Palavra de Deus, que Se fizera ouvir no Sinai, para dar a Moisés a Lei escrita, que de novo Se fazia ouvir sobre a montanha das bem-aventuranças (Cf. Mt 5, 1). Esta Palavra de Deus não aboliu a Lei, mas cumpriu-a, ao fornecer, de modo divino, a sua interpretação última:
«Ouvistes que foi dito aos antigos […] Eu, porém, digo-vos» (Mt 5, 33-34)
Com esta mesma autoridade divina, desaprova certas «tradições humanas» (Cf. Mc 7, 8) dos fariseus, que «anulam a Palavra de Deus» (Cf. Mc 7, 13).
582. Indo mais longe, Jesus cumpriu a lei sobre a pureza dos alimentos, tão importante na vida quotidiana judaica, explicando o seu sentido «pedagógico» Cf. Gl 3, 24) por uma interpretação divina:
«Não há nada fora do homem que, ao entrar nele, o possa tornar impuro […] – e assim declarava puros todos os alimentos – […]. O que sai do homem é que o toma impuro. Pois, do interior do coração dos homens é que saem os pensamentos perversos» (Mc 7, 18-21)
Proporcionando, com autoridade divina, a interpretação definitiva da Lei, Jesus colocou-Se numa situação de confronto com certos doutores da Lei, que não aceitavam a sua interpretação, muito embora garantida pelos sinais divinos que a acompanhavam (Cf. Jo 5, 36; 10 25. 37-38; 12, 37). Isto vale sobretudo para a questão do sábado: Jesus lembra, e muitas vezes com argumentos rabínicos (Cf. Mc 2, 25-27; Jo 7, 22-24), que o repouso sabático não é violado pelo serviço de Deus (Cf. Mt 12, 5; Nm 28, 9) ou do próximo (Cf. Lc 13, 15-16; 14, 3-4) que as suas curas realizam.
Jesus e o Templo (583-584)
Sexta-feira
583. Jesus, como antes d’Ele os profetas, professou pelo templo de Jerusalém o mais profundo respeito. Ali foi apresentado por José e Maria, quarenta dias depois do seu nascimento (Cf. Lc 2, 22-39). Na idade de doze anos, decidiu ficar no templo para lembrar aos seus pais que tinha de Se ocupar das coisas de seu Pai (Cf. Lc 2, 46-49). Ao templo subiu todos os anos, ao menos pela Páscoa, durante a vida oculta (Cf. Lc 2, 41). O seu próprio ministério público foi ritmado pelas peregrinações a Jerusalém nas grandes festas judaicas (Cf. Jo 2, 13-14; 5, 1.14; 7, 1.10.14; 8, 2; 10, 22-23).
584. Jesus subiu ao templo como quem sobe ao lugar privilegiado de encontro com Deus. O templo é para Ele a casa do seu Pai, uma casa de oração, e indigna-Se com o facto de o átrio exterior se ter tornado lugar de negócio (Cf. Mt 21, 13). Se expulsa os vendilhões do templo é pelo amor zeloso a seu Pai:
«Não façais da casa do meu Pai casa de comércio». «Os discípulos recordaram-se de que estava escrito: “O zelo pela tua casa devorar-me-á” (Sl 69, 10)» (Jo 2, 16-17).
Depois da ressurreição, os Apóstolos guardaram para com o templo um respeito religioso (Cf. Act 2, 46; 3. 1; 5, 20-21; etc).
Jesus e o Templo, II (585-586)
Sábado
585. No entanto, nas vésperas da sua paixão, Jesus anunciou a ruína deste esplêndido edifício, do qual não ficaria pedra sobre pedra (Cf. Mt 24, 1-2). Há aqui o anúncio dum sinal dos últimos tempos, que vão iniciar-se com a sua própria Páscoa (Cf. Mt 24, 3: Lc 13, 35). Mas esta profecia pôde ser referida de modo deturpado por falsas testemunhas, quando do interrogatório a que Jesus foi sujeito em casa do sumo-sacerdote (Cf. Mc 14, 57-58) e ser-Lhe lançada em rosto, como injúria, quando agonizava, pregado na cruz (Cf. Mt 27, 39-40).
586. Longe de ter sido contra o templo (Cf. Mt 8, 4; 23, 21; Lc 17, 14; Jo 4, 22) onde proclamou o essencial da sua doutrina (Cf. Jo 18, 20), Jesus quis pagar o imposto do templo, associando a Si Pedro (Cf. Mt 17, 24-27), que Ele acabara de estabelecer como pedra basilar da sua Igreja futura (Cf. Mt 16, 18). Mais ainda: identificou-Se com o templo, apresentando-Se como a morada definitiva de Deus entre os homens (Cf. Jo 2, 21; Mt 12, 6). Por isso é que a sua entrega à morte corporal (Cf. Jo 2, 18-22) prenuncia a destruição do templo, a qual vai assinalar a entrada numa nova idade da história da salvação:
«Vai chegar a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai» (Jo 4, 21) (Cf. Jo 4, 23-24; Mt 27, 51: Heb 9, 11; Ap 21, 22).
V Semana da Quaresma
Jesus e a sua rejeição pelos judeus (587-589)
Domingo
587. Se a Lei e o templo de Jerusalém puderam ser ocasião de «contradição» (Cf. Lc 2, 34) entre Jesus e as autoridades religiosas de Israel, o seu papel na redenção dos pecados, obra divina por excelência, foi, para essas autoridades, a verdadeira pedra de escândalo (Cf. Lc 20, 17-18; Sl 118, 22).
588. Jesus escandalizou os fariseus por comer com os publicanos e os pecadores (Cf. Lc 5. 30) tão familiarmente como com eles (Cf. Lc 7, 36; 11, 37; 14, 1). Contra aqueles «que se consideravam justos e desprezavam os demais» (Lc 18, 9) (Cf. Jo 7, 49; 9, 34) Jesus afirmou:
«Eu não vim chamar os justos, vim chamar os pecadores, para que se arrependam» (Lc 5, 32).
E foi mais longe, afirmando, diante dos fariseus, que, sendo o pecado universal (Cf. Jo 8, 33-36), cegam-se a si próprios (Cf. Jo 9. 40-41) aqueles que pretendem não precisar de salvação.
589. Jesus escandalizou, sobretudo, por ter identificado a sua conduta misericordiosa para com os pecadores com a atitude do próprio Deus a respeito dos mesmos (Cf. Mt 9, 13; Os 6, 6). Chegou, até, a dar a entender que, sentando-Se à mesa dos pecadores (Cf. Lc 15, 1-2), os admitia no banquete messiânico (Cf. Lc 15. 23-32). Mas foi muito particularmente ao perdoar os pecados que Jesus colocou as autoridades religiosas de Israel perante um dilema. É que, como essas autoridades justamente dizem, apavoradas, «só Deus pode perdoar os pecados» (Mc 2, 7). Jesus ao perdoar os pecados, ou blasfema por ser um homem que se faz igual a Deus (Cf. Jo 5, 18: 10, 33), ou diz a verdade e a Sua pessoa torna então presente e revela o nome de Deus (Cf. Jo 17, 6.26).
Jesus e a sua rejeição pelos judeus, II (590-591)
Segunda-feira
590. Só a identidade divina da pessoa de Jesus é que pode justificar uma exigência tão absoluta como esta: «Quem não está comigo, está contra Mim» (Mt 12, 30); o mesmo se diga de quando afirma ser «mais que Jonas,… mais que Salomão» (Mt 12, 41-42), «mais que o templo» (Cf. Mt 12, 6); de quando lembra, a respeito de si próprio, que Davi chamou ao Messias o seu Senhor (Cf. Mc 12, 36-37); de quando afirma: «Antes de Abraão existir, “Eu sou”» (Jo 8, 58); e ainda mais: «Eu e o Pai somos um» (Jo 10, 30).
591. Jesus pediu às autoridades religiosas de Jerusalém que acreditassem n’Ele, por causa das obras do seu Pai que Ele fazia (Cf. Jo 10, 36-38). Mas tal acto de fé tinha de passar por uma misteriosa morte para si mesmo, a qual desse lugar a um novo «nascimento do Alto» (Cf. Jo 3, 7), por atracção da graça divina (Cf. Jo 6, 44). Tal exigência de conversão, face a um tão surpreendente cumprimento das promessas (Cf. Is 53, 1), permite compreender o trágico desdém do Sinédrio, ao sentenciar que Jesus merecia a morte como blasfemo (Cf. Mc 3, 6; Mt 26, 64-66). Os membros do Sinédrio agiam assim, ao mesmo tempo por «ignorância» (Cf. Lc 23, 34; Act 3, 17-18) e pelo «endurecimento» (Cf. Mc 3, 5; Rm 11, 25) da sua «incredulidade» (Cf. Rm 11, 20).
O processo de Jesus (595-596)
Terça-feira
595. Entre as autoridades religiosas de Jerusalém, não somente se encontravam o fariseu Nicodemos (Cf. Jo 7, 50) e o notável José de Arimateia, discípulos ocultos de Jesus (Cf. Jo 19, 38-39), mas também, durante muito tempo, houve dissensões a respeito d’Ele (Cf. Jo 9, 16-17; 10, 19-21) ao ponto de, na própria véspera da paixão. João poder dizer deles que «um bom número acreditou n’ Ele», embora de modo assaz imperfeito (Jo 12, 42); o que não é nada de admirar, tendo-se presente que, no dia seguinte ao de Pentecostes, «um grande número de sacerdotes se submetia à fé» (Act 6, 7) e «alguns homens do partido dos fariseus tinham abraçado a fé» (Act 15, 5), de tal modo que São Tiago podia dizer a São Paulo que «muitos milhares entre os judeus abraçaram a fé e todos têm zelo pela Lei» (Act 21, 20).
596. As autoridades religiosas de Jerusalém não foram unânimes na atitude a adoptar a respeito de Jesus (Cf. Jo 9, 16; 10, 19). Os fariseus ameaçaram de excomunhão aqueles que O seguissem (Cf. Jo 9, 22). Aos que temiam que «todos acreditassem n’Ele e os romanos viessem destruir o templo e a nação» (Jo 11, 48), o sumo sacerdote Caifás propôs, profetizando:
«E do vosso interesse que morra um só homem pelo povo e não pereça a nação inteira» (Jo 11, 50)
O Sinédrio, tendo declarado Jesus «réu de morte» (Cf. Mt 26, 66) como blasfemo, mas tendo perdido o direito de condenar à morte fosse quem fosse (Cf. Jo 18, 31), entregou Jesus aos romanos, acusando-O de revolta política (Cf. Lc 23, 2) — o que O colocava em pé de igualdade com que Barrabás, acusado de «sedição» (Lc 23, 19). São também de carácter político as ameaças que os sumos-sacerdotes fazem a Pilatos, pressionando-o a condenar Jesus à morte (Cf. Jo 19, 12.15.21).
A responsabilidade dos judeus pela morte de Jesus (597)
Quarta-feira
597. Tendo em conta a complexidade histórica do processo de Jesus, manifestada nas narrativas evangélicas, e qualquer que tenha sido o pecado pessoal dos intervenientes no processo (Judas, o Sinédrio, Pilatos), que só Deus conhece, não se pode atribuir a responsabilidade do mesmo ao conjunto dos judeus de Jerusalém, apesar da gritaria duma multidão manipulada (Cf. Mc 15, 11) e das censuras globais contidas nos apelos à conversão, depois do Pentecostes (Cf. Act 2, 23.36; 3, 13-14; 4, 10; 5, 30; 7, 52; 10, 39; 13, 27-28; 1 Ts 2, 14-15). O próprio Jesus, perdoando na cruz (Cf. Lc 23, 34) e Pedro a seu exemplo, apelaram para «a ignorância» (Cf. Act 3, 17) dos judeus de Jerusalém e mesmo dos seus chefes. Menos ainda é possível estender a responsabilidade ao conjunto dos judeus no espaço e no tempo, a partir do grito do povo: «Que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos» (Mt 27, 25), que é uma fórmula de ratificação (Cf. Act 5, 28; 18, 6):
Por isso, a Igreja declarou no II Concílio do Vaticano:
«Não se pode, todavia, imputar indistintamente a todos os judeus que então viviam, nem aos judeus do nosso tempo, o que na sua paixão se perpetrou. […] Nem por isso os judeus devem ser apresentados como reprovados por Deus e malditos, como se tal coisa se concluísse da Sagrada Escritura» (II Concílio do Vaticano, Decl. Nostra aetate, 4: AAS 58 (1966) 743).
Todos os pecadores, autores da Paixão de Cristo (598)
Quinta-feira
598. A Igreja, no magistério da sua fé e no testemunho dos seus santos, nunca esqueceu que «os pecadores é que foram os autores, e como que os instrumentos, de todos os sofrimentos que o divino Redentor suportou» (CatRom 1, 5, 11. p. 64: Cf. Heb 12, 3). Partindo do princípio de que os nossos pecados atingem Cristo em pessoa (Cf. Mt 25, 45; Act 9, 4-5), a Igreja não hesita em imputar aos cristãos a mais grave responsabilidade no suplício de Jesus, responsabilidade que eles muitas vezes imputaram unicamente aos judeus:
«Devemos ter como culpados deste horrível crime os que continuam a recair nos seus pecados. Porque foram os nossos crimes que fizeram nosso Senhor Jesus Cristo suportar o suplício da cruz, é evidente que aqueles que mergulham na desordem e no mal crucificam de novo em seu coração, tanto quanto deles depende, o Filho de Deus, pelos seus pecados, expondo-O à ignomínia. E temos de reconhecer: o nosso crime, neste caso, é maior que o dos judeus. Porque eles, como afirma o Apóstolo, «se tivessem conhecido a Sabedoria de Deus, não leriam crucificado o Senhor da glória» (1 Cor 2, 8); ao passo que nós, pelo contrário, fazemos profissão de O conhecer: e, quando O renegamos pelos nossos actos, de certo modo levantamos contra Ele as nossas mãos assassinas» (CatRom 1, 5, 11, p. 64).
«Não foram os demónios que O pregaram na cruz, mas tu com eles O crucificaste, e ainda agora O crucificas quando te deleitas nos vícios e pecados» (São Francisco de Assis, Admonitia 5, 3: Opuscula Sancti Patris Francisci Assisiensis, ed. G. Esser (Grottaferrata 1978) p. 66. [Fontes Franciscanas I (Braga. Editorial Franciscana. 1994) p. 114]).
Jesus, entregue segundo o desígnio de Deus (599-601)
Sexta-feira
599. A morte violenta de Jesus não foi fruto do acaso, nem coincidência infeliz de circunstâncias várias. Faz parte do mistério do desígnio de Deus, como Pedro explica aos judeus de Jerusalém, logo no seu primeiro discurso no dia de Pentecostes:
«Depois de entregue, segundo o desígnio determinado e a previsão de Deus» (Act 2, 23).
Esta linguagem bíblica não significa que os que «entregaram Jesus» (Cf. Act 3, 13) foram simples actores passivos dum drama previamente escrito por Deus.
600. A Deus, todos os momentos do tempo estão presentes na sua actualidade. Por isso, Ele estabelece o seu desígnio eterno de «predestinação», incluindo nele a resposta livre de cada homem à sua graça:
«Na verdade, Herodes e Pôncio Pilatos uniram-se nesta cidade, com as nações pagãs e os povos de Israel, contra o vosso santo Servo Jesus, a quem ungistes (Cf. Sl 2, 1-2). Cumpriram assim tudo o que o vosso poder e os vossos desígnios tinham de antemão decidido que se realizasse» (Act 4, 27-28)
Deus permitiu os actos resultantes da sua cegueira (Cf. Mt 26, 54; Jo 18, 36: 19, 11), como fim de levar a cabo o seu plano de salvação (Cf. Act 3, 17-18).
601. Este plano divino de salvação, pela entrega à morte do «Servo, o Justo» (Cf. Is 53, 11: Act 3, 14), tinha sido de antemão anunciado na Escritura como um mistério de redenção universal, quer dizer, de resgate que liberta os homens da escravidão do pecado (Cf. Is 53, 11-12; Jo 8. 34-3) São Paulo professa, numa confissão de fé que diz ter «recebido» (Cf. 1 Cor 15, 3), que «Cristo morreu pelos nossos pecados segundo as Escrituras» (1 Cor 15, 3) (Cf. também Act 3, 18; 7, 52; 13, 29; 26, 22-23). A morte redentora de Jesus deu cumprimento sobretudo à profecia do Servo sofredor (Cf. Is 53. 7-8; Act 8, 32-35). O próprio Jesus apresentou o sentido da sua vida e da sua morte à luz do Servo sofredor (Cf. Mt 20, 28). Após a sua ressurreição, deu esta interpretação das Escrituras aos discípulos de Emaús (Cf. Lc 24, 25-27) e depois aos próprios Apóstolos (Cf. Lc 24, 44-45).
A subida de Jesus a Jerusalém (557-558)
Sábado
557. «Ora, como se aproximavam os dias de Jesus ser levado deste mundo, Ele tomou a firme resolução de Se dirigir a Jerusalém» (Lc 9, 51) (Cf. Jo 13, 1).
Por esta decisão, indicava que subia para Jerusalém pronto para lá morrer. Já por três vezes tinha anunciado a sua paixão e a sua ressurreição (Cf. Mc 8, 31-33; 9, 31-32; 10, 32-34). E ao dirigir-Se para Jerusalém, declara:
«não se admite que um profeta morra fora de Jerusalém» (Lc 13, 33).
558. Jesus recorda o martírio dos profetas que tinham sido entregues à morte em Jerusalém (Cf. Mt 23, 37a). No entanto, continua a convidar Jerusalém a reunir-se à sua volta:
«Quantas vezes Eu quis agrupar os teus filhos como a galinha junta os seus pintainhos sob as asas!… Mas vós não quisestes» (Mt 23, 37b)
Quando já avista Jerusalém, chora sobre ela (Cf. Lc 19, 41) e exprime, uma vez mais, o desejo do seu coração:
«Se neste dia também tu tivesses conhecido o que te pode trazer a paz! Mas agora isto está oculto aos teus olhos» (Lc 19, 42).
SEMANA SANTA
Começamos a Semana Santa, durante a qual a Igreja celebra os santos Mistérios de nossa Redenção. É ela a preparação última para a Ressurreição de nosso Divino Salvador. Correspondendo à sua alta significação, distingue-se esta Semana por comoventes cerimônias.
Cada dia é privilegiado, de sorte que nenhuma festa pode ser celebrada durante esta semana. As Orações, os Cânticos, as Leituras nos Ofícios e nas Santas Missas relembram os grandes Mistérios de nossa Redenção.
No Domingo, chamado de Ramos, comemoramos a solene entrada de Jesus em Jerusalém e sua aclamação pelo povo dos judeus.
Na Quarta-feira, o grande sinédrio resolve condenar Jesus à morte e Judas vende por isso o seu Mestre por trinta dinheiros.
Na Quinta-feira, assistimos à Última Ceia, ao Lava-pés, à instituição do Sacrifício e do Sacramento da Eucaristia. E acompanhamos a Jesus em oração ao Horto das Oliveiras, vendo a sua prisão e a fuga dos discípulos.
Sexta-feira Santa é o dia da condenação do Salvador, de sua Crucifixão e Morte na Cruz.
Sábado Santo é o descanso do Senhor na sepultura e o raiar do dia da Ressurreição.
Como vemos, a Igreja se aprofunda mais e mais nos insondáveis mistérios da Paixão do Salvador, até que a nossa tristeza atinge o mais alto grau nos últimos três dias. Os sinos se calam, os altares são despojados das toalhas. A história da Paixão nos é narrada pelos quatro Evangelistas. O Apóstolo São Paulo nos exorta para toda a Semana, a participarmos dos sentimentos de Nosso Senhor e de sua Igreja, dizendo na Epístola de Domingo de Ramos:
“Hoc enim sentite in vobis quod et in Christo Jesu – Tende em vós os mesmos sentimentos que teve Jesus Cristo”
Cuidemos que esta semana seja para nós verdadeiramente santa, esforçando-nos por uma vida mais perfeita para que possamos participar dos frutos de nossa Redenção. Evitemos as distrações supérfluas, para que o nosso espírito possa estar junto a Jesus. Enquanto for possível, assistamos às cerimônias e atos litúrgicos destes dias.
Como os catecúmenos, preparamo-nos para renovar e avivar em nós a graça batismal. Como os penitentes públicos dos antigos tempos, tenhamos bem vivos os sentimentos de dor e arrependimento por nossos pecados, e com toda a Santa Igreja, tenhamos firme esperança na vitória final, na Ressurreição de Jesus Cristo para uma vida melhor.
Domingo de Ramos
É o domingo que precede à festa da Páscoa e dá início à Semana Santa. Domingo de Ramos, Páscoa florida, Domingo das Palmas, assim chamado porque antes da Missa principal se realiza a bênção dos Ramos com procissão.
Desta bênção e desta procissão, já encontramos vestígios claros no século V.
Se deveras queremos compreender a liturgia deste domingo, cumpre colocarmo-nos bem no meio do cenário onde se vai desenrolar o doloroso drama, e, para que possamos atingir esse objetivo, útil será recordarmos os acontecimentos dos últimos dias da vida do Divino Salvador aqui na terra.
Jesus à frente de uma romaria vai de Jericó a Betânia, onde se hospeda com seus amigos Lázaro, Maria e Marta, que, para O homenagearem, dão um banquete. É nessa ocasião que Maria unge com arômatas a cabeça de Jesus. Indignado com esse desperdício, Judas rompe com seu Mestre. Muita gente vem a Betânia para ver a Jesus e a Lázaro ressuscitado. Com estas multidões parte Jesus no dia seguinte em direção a Jerusalém, passando pelo monte das Oliveiras.
Festiva é sua entrada, como narra o Evangelho. O povo aclama o Messias. Honras dignas de um Rei são-Lhe tributadas, enquanto os fariseus cada vez mais enraivecem. Contemplando a cidade, Jesus chora, lastimando-lhe a infidelidade e a sorte triste que a espera. Entra solenemente no templo, mas nessa mesma tarde regressa a Betânia.
Esses são os principais fatos históricos em que se firma a liturgia deste domingo, que consta de duas partes bem distintas:
1.ª Bênção e procissão dos Ramos – Alegre e triunfal. Porque nela aclamamos o Cristo, Rei e vencedor.
2.ª A Santa Missa – Profundamente triste. Porque nela contemplamos o Homem das dores.
Bênção e Procissão de Ramos
Os discípulos e o povo cortaram ramos de palmeiras e oliveiras e os espalharam pelo chão em homenagem ao seu Rei. Comemorarndo esse fao, a Igreja benze hoje esses ramos. As Orações exprimem muito bem o seu simbolismo, a Paixão de Jesus Cristo, e também a imagem da vida do Cristo, de seus combates e vicissitudes, da paz e da misericórdia de Deus. São, além disso, um sacramental que recebemos das mãos do Sacerdote e devemos guardar religiosamente em nossas casas. Durante o ano eles nos lembram que somos destinados ao combate, à luta com o Cristo. Devemos crescer, como a palmeira e a oliveira, ricos em virtudes e boas obras, e assim também seremos vencedores com o Cristo.
Procissão dos Ramos
Terminada a bênção, faz-se a procissão de ramos, que simboliza a entrada triunfal de Jesus como Rei e Vencedor na Jerusalém celeste.
A procissão, entre cânticos, sai da Igreja, e, ao voltar, encontra as portas fechadas. Coro e cantores, alternadamente, entoam um hino vibrante de louvor ao Cristo Rei. E com razão. Foi Ele quem, subindo ao trono da Cruz, descerrou novamente as portas do céu. E por isso quando o subdiácono bate três vezes com a haste da Cruz à porta da Igreja, ela se abre. Por esta cerimônia se amplia o simbolismo da procissão. A humanidade inteira bate com a Cruz do Cristo às portas do céu que se abrem ao ingresso de todos, até o o dia do último juízo.
A Santa Missa
A Missa, neste dia é celebrada em Roma, na basílica de São João de Latrão. É na Igreja do Santíssimo Redentor que principiamos a celebração do Mistério augusto da Redenção: a Paixão e a Morte de nosso Divino Salvador.
Todos os textos são repassados de pungente tristeza. A Igreja nos apresenta a imagem dolorosa da Paixão e Morte de Nosso Senhor. Está diante de nós o Homem das dores. Os Cânticos são queixas em sua boca. As Leituras narram a sua Paixão (Evangelho).
Três pregadores se unem para nos descrever a Paixão:
Davi, no Salmo 21 (Trato), São Paulo, que não quer falar senão do Cristo, e Cristo Crucificado (Espístola) e São Mateus, cuja história da Paixão lemos em lugar do Evangelho.
Meditando este drama e mais ainda, unindo-nos à Paixão do Salvador, pedimos a pariticipação à paciência de Jesus Cristo, para merecermos um dia alcançar a glória de sua Ressurreição. Jesus nos convida (Ofertório). Digamos com Ele: Pai, faça-se a vossa vontade (Communio).
Segunda-feira da Semana Santa
O Salvador se prepara para sua Paixão (Cânticos). Enquanto Judas se resolve a trair Jesus, Maria Madalena unge o Mestre querido “para a sepultura”. Também nós podemos seguir o exemplo de Maria, ungindo os pés do Salvador, o que, no dizer de Santo Agostinho, significa:
“Cuidar dos pobres e levar uma vida santa”
A Santa Padroeira da igreja estacional é outro exemplo para nós, pois distribuiu todos os seus bens pelos pobres.
Terça-feira da Semana Santa
Os primeiros Cristãos reuniam-se outrora provavelmente em casa de Santa Prisca, no Monte Aventino (igreja estacional). Conforme a tradição, era o próprio São Pedro quem presidia essas reuniões. São Marcos, o discípulo do primeiro Papa, nos descreve a Paixão de Jesus e fala particularmente da negação de São Pedro, que assim, humildemente, confessa a sua culpa. A Cruz de Jesus Cristo é para nós motivo de glória (Introito).
Quarta-feira da Semana Santa
Não pode a Igreja olvidar nestes dias da Paixão de seu Salvador, a sua Mãe Santíssima, que tão grande parte teve na obra da Redenção. É por isso que nos reunimos no maior santuário erguido em sua honra. Maria acompanha a seu Filho e a nós, nestes dais, e sofre com Ele e conosco. Nos antigos tempos esse dia era de exame para os catecúmenos e ainda hoje se conservam as três Leituras. Jesus Cristo padece como vemos nas Leituras e nos Cânticos, mas o fim dos seus sofrimentos é a glória (Introito).
Quinta-feira Santa
Feria-Quinta in Caena Dómini, isto é, Quinta-feira da Ceia do Senhor, eis como a Liturgia designa o dia de hoje. Este nome nos indica o grande acontecimento que a Santa Igreja comemora: a instituição do Sacrifício e Sacramento da Eucaristia e do Sacramento da Ordem.
Como no Domingo de Ramos, reunimo-nos em São João de Latrão, Mãe de todas as igrejas de Roma e do Universo, a mais nobre e mais antiga basílica, catedral do supremo Pastor da Igreja. Nela se conserva e venera ainda hoje a mesa em que o Divino Salvador celebrou a Última Ceia. O altar de nossa igreja é uma continuação daquela venerável mesa.
A Missa é festiva, com os paramentos brancos. Canta-se o Glória, durante o qual tocam festivamente os sinos, que depois emudecem até o Glória no Sábado Santo.
Poucas passagens há no ano eclesiástico, tão impressionantes e comovedoras para o coração do crente, quanto esta Missa, em que se mesclam alegria imensa e profunda tristeza.
Hoje só é celebrada uma Santa Missa, durante a qual todos os Sacerdotes (e todos os cristãos assim o deveriam fazer) recebem a sua Comunhão Pascal da mão do Celebrante. Este consagra duas Hóstias grandes, das quais conserva uma, que, depois da Missa, é levada processionalmente ao altar da exposição, ornado de flores e de luzes. Faz-se a adoração do Santíssimo Sacramento, sem interrupção, até a Missa do dia seguinte, em que esta hóstia é consumida pelo Celebrante.
Depois da procissão, não há mais Santíssimo no Tabernáculo cuja porta fica aberta em sinal de tristeza. Apaga-se a lâmpada do Santíssimo e faz-se a denudação dos altares, significando pesar porque Jesus Cristo se afastou.
Nas catedrais, os Bispos consagram neste dia os santos óleos: o óleo dos enfermos, o Santo Crisma, e o óleo dos catecúmenos. Da união com o Santo Sacrifício, renovação do Sacrifício do Calvário, todos os Sacramentos recebem a sua força.
Na antiguidade cristã, era feita neste dia, a reconciliação dos pecadores que tinham recebido as cinzas no início da Quaresma e durante este tempo haviam feito penitência. Na Missa recebiam o Sacramento da união, a santa Comunhão pascal.
Sexta-feira Santa
O Ofício solene de hoje é celebrado na basílica chamada Santa Cruz em Jerusalém. Representa esta basílica a cidade de Jerusalém, e, conservando-se nela uma das principais relíquias do Santo Lenho, mais particularmente relembra o lugar em que Jesus foi crucificado. O imperador Constantino transformou o palácio de Santa Helena em igreja, agradecendo a vitória que alcançara sobre seu adversário, “no sinal do Cristo”, em 312.
Feria Sexta in Parasceve, é o nome do dia de hoje na liturgia romana. Parasceve, preparação para o grande Sábado. Para nós, preparação para a Ressurreição.
Neste dia, a Igreja não celebra o Santo Sacrifício da Missa. Em sinal de luto e para realçar mais a morte de Nosso Senhor na Cruz, ela congrega os fiéis em redor do Sumo Sacerdote que se oferece como Vítima dos pecados do mundo. É dia de luto universal, em que os nossos corações compassivos se convertem ao seu Deus e Salvador, e deste modo com Ele se preparam para a Ressurreição. O Ofício divino se divide em três partes:
1.ª As Leituras e Orações solenes;
2.ª A Adoração da Cruz, e
3.ª A Missa dos Pré-santificados.
As Leituras e Orações Solenes
Esta primeira parte tem a forma de uma antiga missa de catecúmenos. Tudo respira luto e tristeza. O altar está, a princípio, sem luzes e sem toalha. Os sacerdotes entram, em silêncio, e logo se prostram aos pés do altar, representando a humanidade do pecado. Só então se estende uma toalha sobre o altar. Levantam-se os Sacerdotes e começam as leituras do Antigo Testamento e o canto da Paixão segundo São João. Seguem-se as admoestações e orações solenes que a Igreja, Mãe da humanidade, Esposa do Cristo e Sacerdotisa do Altíssimo, faz quase que ao pé da Cruz, pela humanidade inteira. São súplicas ardentes que ela dirige a Deus, pelo Papa, pela hierarquia eclesiástica, por todos os fiéis, pelos hereges, judeus e pagãos.
E assim são preparados os corações, e as almas se tornam dispostas para a parte mais importante e solene do dia.
Adoração da Cruz
A solenidade com que a Santa Igreja reveste as cerimônias da adoração da Santa Cruz, mostra a solicitude e seu amor para com o Mistério de nossa Redenção.
São três atos sucessivos que o Celebrante faz, subindo de cada vez, mais um degrau e aproximando-se mais do altar, de cada vez descobrindo mais uma parte da Cruz, e cantando em tom mais alto o Ecce lignum Crucis – Eis o lenho da Cruz, do qual pendeu a salvação do mundo.
É a representação do drama da Crucifixão. Jesus foi pregado na Cruz. Cinde e adoremo-lO! Todos os Sacerdotes e fiéis, dois a dois, de pés descalços, aproximam-se, fazem três genuflexões e beijam os pés do Crucificado, nosso Redentor.
Enquanto todos adoram, os cantores e o coro, alternadamente, cantam os Impropérios, queixas de Jesus ao seu povo infiel. Elas se dirigem também a nós e nos concitam a uma sincera e humilde conversão.
Unimo-nos a Jesus Crucificado e com Ele, rendemos o nosso culto de adoração ao Deus Santo, forte e imortal, e satisfazemos por nossos pecados.
Missa dos Pré-santificados
Em seguida à Adoração da Cruz, encaminham-se todos à capela em que no dia anterior foi exposto o Santíssimo Sacramento. A grande Hóstia consagrada na véspera (pré-santificada) é levado ao Altar-mór onde é consumida pelo Celebrante, único a comungar nesta Missa.
Sábado Santo
O Sábado Santo ou Sábado de Aleluia para a primitiva Igreja era um dia de silêncio e recolhimento. Tal como na Sexta-feira Santa, não se celebrava o Santo Sacrifício da Missa. Só ao escurecer começava-se a celebrar a Vigília da Páscoa, que muitas vezes, se prolongava até a madrugada do domingo, terminando com a Missa da Ressurreição. Já no fim da antiga era cristã as cerimônias eram iniciadas às duas horas da tarde. Na idade média, pelo meio dia. Finalmente, em nossos tempos, logo no Sábado de manhã, ressoa o júbilo da Páscoa.
Todo o cerimonial deste dia é dedicado à celebração do glorioso Mistério da Ressurreição de Jesus Cristo e o renascimento do Cristo (ressurreição espiritual) pelo Batismo e pela Penitência. A Páscoa não deve constituir somente uma comemoração. Cumpre que seja uma repetição e, portanto, uma realidade. Jesus Cristo ressuscita nos membros do seu Corpo místico, na Santa Igreja, nos fiéis. Jesus Cristo, em cada um de nós. O grande pensamento deste dia está expresso nas cerimônias, que se compõem de cinco partes: a Bênção do fogo, o Louvor da Páscoa e Bênção do Círio pascal, as Profecias, a Bênção da Pia batismal (antigamente o Batismo dos catecúmenos) e finalmente a Santa Missa.
A Bênção do Fogo
O fogo é imagem de Jesus Cristo, que disse: Eu sou a Luz do mundo. E na santa noite de Natal veio Ele ao mundo para iluminar os que estavam imersos nas trevas: mas as trevas não compreenderam a Luz.
Nos dias anteriores, no Ofício das trevas, simbolizado pelo apagar das velas, vimos, pouco a pouco, o desaparecer da luz do mundo. Silenciosa e triste está a Santa Igreja em usa viuvez. Despidos os seus altares, solitários os seus tabernáculos. Um dia e uma noite em que as trevas imperam. Seguir-se-á outra noite? Sim, mas para triunfo da Luz! Noite misteriosa, noite feliz!
Importa, pois, celebrar a liturgia do Sábado Santo, ao menos em espírito, durante a noite.
Para a bênção do fogo, o clero e o povo se encaminham para as portas da Igreja, onde da pedra se extrai o fogo, que é abençoado pelo Celebrante, o qual benze também os cinco grãos de incenso que significam as cinco chagas de Nosso Senhor e serão fixados no Círio pascal. O diácono acende no fogo uma vela, e é ele quem, revestido da dalmática, em sinal de alegria, anuncia a Ressurreição. Três vezes canta: Lumen Christi – Luz do Cristo, acendendo sucessivamente as velas da serpentina.
Três vezes para a procissão e todos se ajoelham, adorando a Luz do mundo: Jesus Cristo. A procissão chega então ao altar.
Á hora marcada, o Celebrante dirige-se com os ministros, processionalmente, à porta da igreja, onde benze o lume novo.
O Louvor da Páscoa e Bênção do Círio pascal
O diácono se prepara para anunciar solenemente as festas pascais e benzer o Círio. O Celebrante lhe dá a bênção.
Ao canto triunfal Exsúltet, aparece o próprio Cristo, simbolizado pelo Círio pascal. Neste instante resplandece toda a Igreja no fulgor de suas luminárias. É este o momento solene da Ressurreição, da vitória da Luz sobre as trevas.
Após a fixação, em forma de cruz, dos cinco grãos de incenso no Círio pascal pelo diácono, este acende o Círio com uma das velas da serpentina. Esta ação significa o momento da Ressurreição do Cristo, quando a força divina reanimou o seu Corpo.
Jesus Cristo ressuscita. Ressuscitemos com Ele para uma vida nova!
No início do Ano eclesiástico, São Paulo nos delineia o programa de nossas vidas: Revesti-vos do Cristo (Rm 13, 14). Cumpre-se agora em nós esta palavra, pois o mesmo Apóstolo diz: “Todos vós que fostes batizados em Cristo, fostes revestidos do Cristo”. Vivamos, pois, a vida do Cristo.
Profecias
São tiradas da Sagrada Escritura e nos falam da criação e do governo do mundo, da força das águas e da regeneração interior. Estas leituras foram escolhidas para servir de instrução aos catecúmenos que iam receber os sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia. A nós lembram a graça batismal recebida e nos animam a conservá-la e a renová-la.
Bênção da Pia Batismal
É apenas uma parte da antiga cerimônia, que consistia principalmente no Batismo dos catecúmenos, que durante toda a Quaresma, se preparavam para a recepção deste Sacramento. Coloquemo-nos na situação destes catecúmenos, e deste modo poderemos renovar, ressuscitar e fortalecer em nós as graças batismais.
“Como o cervo suspira pelos mananciais das águas, assim por Vós suspira a minha alma, ó Deus”
Cantando estas palavras, encaminhavam-se todos, Sacerdotes e catecúmenos, para a pia batismal. Depois da bênção procedia-se ao solene Batismo dos catecúmenos, que revestidos de suas túnicas brancas, e com lâmpadas ardentes, dirigiam-se então para o altar, cantando as Ladainhas de Todos os Santos.
A Santa Missa
O pensamento fundamental da Missa de hoje é este: Jesus Cristo ressuscitou nos neófitos, e também em todos nós que nos preparamos durante a quaresma e a Semana Santa, pela Confissão e pela Comunhão pascais.
A entrada messiânica de Jesus em Jerusalém (559-560)
Domingo de Ramos
559. Como vai Jerusalém acolher o seu Messias? Embora tenha sempre evitado as tentativas populares de O fazerem rei (Cf. Jo 6, 15), Jesus escolheu o momento e preparou os pormenores da sua entrada messiânica na cidade de «Davi, seu pai» (Lc 1, 32) (Cf. Mt 21, 1-11). E é aclamado como filho de David e como aquele que traz a salvação («Hosanna» quer dizer «então salva!», «dá a salvação»). Ora, o «rei da glória» (Sl 24, 7-10) entra na «sua cidade», «montado num jumento» (Zc 9, 9). Não conquista a filha de Sião, figura da sua Igreja, nem pela astúcia nem pela violência, mas pela humildade que dá testemunho da verdade (Cf. Jo 18, 37). Por isso é que, naquele dia, os súbditos do seu Reino, são as crianças (Cf. Mt 21, 15-16; Sl 8, 3) e os «pobres de Deus», que O aclamam, tal como os anjos O tinham anunciado aos pastores (Cf. Lc 19, 38: 2, 14). A aclamação deles: «Bendito o que vem em nome do Senhor» (Sl 118, 26) é retomada pela Igreja no «Sanctus» da Liturgia Eucarística, a abrir o memorial da Páscoa do Senhor.
560. A entrada de Jesus em Jerusalém manifesta a vinda do Reino que o Rei-Messias vai realizar pela Páscoa da sua morte e da sua ressurreição. É com a sua celebração, no Domingo de Ramos, que a Liturgia da Igreja começa a Semana Santa.
“Deus o fez pecado por causa de nós” (602-603)
Segunda-feira da Semana Santa
602. Consequentemente, Pedro pôde formular assim a fé apostólica no plano divino da salvação:
«fostes resgatados da vã maneira de viver herdada dos vossos pais, pelo sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeito nem mancha, predestinado antes da criação do mundo e manifestado nos últimos tempos por nossa causa» (1 Pe1, 18-20)
Os pecados dos homens, que se seguiram ao pecado original, foram castigados com a morte (Cf. Rm 5, 12: 1 Cor 15, 56). Enviando o seu próprio Filho na condição de escravo (Cf. Fl 2, 7), que era a de uma humanidade decaída e votada à morte por causa do pecado (Cf. Rm 8, 3), «a Cristo, que não conhecera o pecado, Deus fê-lo pecado por amor de nós, para que, em Cristo, nos tornássemos justos aos olhos de Deus» (2 Cor 5, 21).
603. Jesus não conheceu a reprovação como se tivesse pecado pessoalmente (Cf. Jo 8, 46). Mas, no amor redentor que constantemente O unia ao Pai (Cf. Jo 8, 29), assumiu-nos no afastamento do nosso pecado em relação a Deus a ponto de, na cruz, poder dizer em nosso nome:
«Meu Deus, meu Deus, por que Me abandonaste?» (Mc 15, 34) (Cf. Sl 22, 1).
Tendo-O feito solidário conosco, pecadores, «Deus não poupou o seu próprio Filho, mas entregou-O para morrer por nós todos» (Rm 8, 32), para que fôssemos «reconciliados com Ele pela morte do seu Filho» (Rm 5, 10).
O amor redentor universal de Deus (604-605)
Terça-feira da Semana Santa
604. Entregando o seu Filho pelos nossos pecados, Deus manifesta que o seu plano sobre nós é um desígnio de amor benevolente, independente de qualquer mérito da nossa parte:
«Nisto consiste o amor: não fomos nós que amámos a Deus, foi Deus que nos amou a nós e enviou o seu Filho como vítima de propiciação pelos nossos pecados» (1 Jo 4, 10) (Cf. 1 Jo 4, 19).
«Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores» (Rm 5, 8).
605. Este amor é sem exclusão. Jesus lembrou-o ao terminar a parábola da ovelha perdida:
«Assim, não é da vontade do meu Pai, que está nos céus, que se perca um só destes pequeninos» (Mt 18, 14)
E afirma «dar a Sua vida em resgate pela multidão» (Mt 20, 28). Esta última expressão não é restritiva: simplesmente contrapõe o conjunto da humanidade à pessoa única do redentor, que Se entrega para a salvar (Cf. Rm 5, 18-19). No seguimento dos Apóstolos (Cf. 2 Cor 5, 15: 1 Jo 2, 2), a Igreja ensina que Cristo morreu por todos os homens, sem excepção:
«Não há, não houve, nem haverá nenhum homem pelo qual Cristo não tenha sofrido» (Concílio de Quiercy (ano 853). De libero arbitrio hominis et de praedestinatione, canon 4: DS 624).
Toda a vida de Cristo é oferenda ao Pai (606-607)
Quarta-feira da Semana Santa
606. O Filho de Deus, «descido do céu, não para fazer a sua vontade mas a do seu Pai, que O enviou» (Cf. Jo 6. 38), «diz, ao entrar no mundo: […] Eis-me aqui, […] ó Deus, para fazer a tua vontade. […] E em virtude dessa mesma vontade, é que nós fomos santificados, pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, feita de uma vez para sempre» (Heb 10, 5-10). Desde o primeiro instante da sua Encarnação, o Filho faz seu o plano divino de salvação, no desempenho da sua missão redentora:
«O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou e realizar a sua obra» (Jo 4, 34).
O sacrifício de Jesus «pelos pecados do mundo inteiro» (1 Jo 2, 2) é a expressão da sua comunhão amorosa com o Pai:
«O Pai ama-Me, porque Eu dou a minha vida» (Jo 10, 17).
«O mundo tem de saber que amo o Pai e procedo como o Pai Me ordenou» (Jo 14, 31).
607. Este desejo de fazer seu o plano do amor de redenção do seu Pai, anima toda a vida de Jesus (Cf. Lc 12, 50; 22, 15: Mt 16, 21-23). A sua paixão redentora é a razão de ser da Encarnação:
«Pai, salva-Me desta hora! Mas por causa disto, é que Eu cheguei a esta hora» (Jo 12, 27).
«O cálice que o Pai Me deu, não havia de bebê-lo?» (Jo 18, 11).
E ainda na cruz, antes de «tudo estar consumado» (Jo 19, 30), diz:
«Tenho sede» (Jo 19, 28).
Tríduo Pascal
A instituição da Eucaristia (1337-1340)
Quinta-feira Santa
1337. Tendo amado os seus, o Senhor amou-os até ao fim. Sabendo que era chegada a hora de partir deste mundo para regressar ao Pai, no decorrer duma refeição, lavou-lhes os pés e deu-lhes o mandamento do amor (Cf. Jo 13, 1-17). Para lhes deixar uma garantia deste amor, para jamais se afastar dos seus e para os tornar participantes da sua Páscoa, instituiu a Eucaristia como memorial da sua morte e da sua ressurreição, e ordenou aos seus Apóstolos que a celebrassem até ao seu regresso, «constituindo-os, então, sacerdotes do Novo Testamento» (Concílio de Trento, Sess. 22ª, Doctrina de ss. Missae Sacrificio, c. 1: DS 1740).
1338. Os três evangelhos sinópticos e São Paulo transmitiram-nos a narração da instituição da Eucaristia. Por seu lado, São João refere as palavras de Jesus na sinagoga de Cafarnaum, palavras que preparam a instituição da Eucaristia: Cristo designa-se a si próprio como o pão da vida, descido do céu (Cf. Jo 6, 13 ).
1339. Jesus escolheu a altura da Páscoa para cumprir o que tinha anunciado em Cafarnaum: dar aos seus discípulos o seu corpo e o seu sangue:
«Veio o dia dos Ázimos, em que devia imolar-se a Páscoa. [Jesus] enviou então a Pedro e a João, dizendo: “Ide preparar-nos a Páscoa, para que a possamos comer” […]. Partiram pois, […] e prepararam a Páscoa. Ao chegar a hora, Jesus tomou lugar à mesa, e os Apóstolos com Ele. Disse-lhes então: “Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de padecer. Pois vos digo que não voltarei a comê-la, até que ela se realize plenamente no Reino de Deus”. […] Depois, tomou o pão e, dando graças, partiu-o, deu-lho e disse-lhes: “Isto é o Meu corpo, que vai ser entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim”. No fim da ceia, fez o mesmo com o cálice e disse: “Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós”» (Lc 22, 7-20) (Cf. Mt 26, 17-29; Mc 14, 12-25; 1 Cor 11, 23-25).
1340. Celebrando a última ceia com os seus Apóstolos, no decorrer do banquete pascal, Jesus deu o seu sentido definitivo à Páscoa judaica. Com efeito, a passagem de Jesus para o seu Pai, pela sua morte e ressurreição – a Páscoa nova – é antecipada na ceia e celebrada na Eucaristia, que dá cumprimento a Páscoa judaica e antecipa a Páscoa final da Igreja na glória do Reino.
A oferta livre da vida de Jesus (608-614)
Sexta-feira Santa
608. Depois de ter aceitado dar-Lhe o batismo como aos pecadores (Cf. Lc 3, 21; Mt 3, 14-15), João Batista viu e mostrou em Jesus o «Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Cf. Jo 1, 29.36). Manifestou deste modo que Jesus é, ao mesmo tempo, o Servo sofredor, que Se deixa levar ao matadouro sem abrir a boca (Cf. Is 53, 7: Jr 11,19), carregando os pecados das multidões (Cf. Is 53, 12), e o cordeiro pascal, símbolo da redenção de Israel na primeira Páscoa (Cf. Ex 12, 3-14; Jo 19, 36; 1 Cor 5, 7), Toda a vida de Cristo manifesta a sua missão:
«servir e dar a vida como resgate pela multidão» (Cf. Mc 10, 45).
609. Ao partilhar, no seu coração humano, o amor do Pai para com os homens, Jesus «amou-os até ao fim» (Jo 13, 1), «pois não há maior amor do que dar a vida por aqueles que se ama» (Jo 15, 13). Assim, no sofrimento e na morte, a sua humanidade tornou-se instrumento livre e perfeito do seu amor divino, que quer a salvação dos homens (Cf. Heb 2, 10.17-18; 4, 15; 5, 7-9). Com efeito, Ele aceitou livremente a sua paixão e morte por amor do Pai e dos homens a quem o Pai quer salvar:
«Ninguém Me tira a vida. Sou Eu que a dou espontaneamente» (Jo 10, 18).
Daí, a liberdade soberana do Filho de Deus, quando Ele próprio vai ao encontro da morte (Cf. Jo 18, 4-6; Mt 26, 53).
610. Jesus exprimiu de modo supremo a oblação livre de Si mesmo na refeição que tornou com os doze Apóstolos (Cf. Mt 26, 20), na «noite em que foi entregue» (1 Cor 11, 23). Na véspera da sua paixão, quando ainda era livre, Jesus fez desta última Ceia com os Apóstolos o memorial da sua oblação voluntária ao Pai (Cf. 1 Cor 5, 7) para a salvação dos homens:
«Isto é o meu Corpo, que vai ser entregue por vós» (Lc 22, 19). «Isto é o meu “Sangue da Aliança”, que vai ser derramado por uma multidão, para remissão dos pecados» (Mt 26, 28).
611. A Eucaristia, que neste momento instituiu, será o «memorial» (Cf. 1 Cor 11, 25) do seu sacrifício. Jesus incluiu os Apóstolos na sua própria oferenda e pediu-lhes que a perpetuassem (Cf. Lc 22, 19). Desse modo, instituiu os Apóstolos como sacerdotes da Nova Aliança:
«Eu consagro-me por eles, para que também eles sejam consagrados na verdade» (Jo 17, 19) (Cf. Concílio de Trento, Sess. 22ª, Doctrina de sanctissimo Missae Sacriftcio, canon 2: DS 1752: Sess. 23ª, Doctrina de sacramento Ordinis, c. 1: DS 1764).
612. O cálice da Nova Aliança, que Jesus antecipou na Ceia, oferecendo-Se a Si mesmo (Cf. Lc 22, 20), é aceite seguidamente por Jesus das mãos do Pai, na agonia no Getsémani (Cf. Mt 26, 42), fazendo-Se «obediente até à morte» (Fl 2, 8) (Cf. Heb 5, 7-8). Na sua oração, Jesus diz:
«Meu Pai, se é possível, que se afaste de Mim este cálice […]» (Mt 26, 39)
Exprime desse modo o horror que a morte representa para a sua natureza humana. Com efeito, esta, como a nossa, está destinada à vida eterna. Mas, diferentemente da nossa, é perfeitamente isenta do pecado (Cf. Heb 4, 15) que causa a morte (Cf. Rm 5, 12). E, sobretudo, é assumida pela pessoa divina do «Príncipe da Vida» (Cf. Act 3, 15), do «Vivente» (Cf. Ap 1, 18; Jo 1, 4; 5, 26). Aceitando, com a sua vontade humana, que se faça a vontade do Pai (Cf. Mt 26, 42) aceita a sua morte enquanto redentora, para «suportar os nossos pecados no seu corpo, no madeiro da cruz» (1 Pe 2, 24).
613. A morte de Cristo é, ao mesmo tempo, o sacrifício pascal que realiza a redenção definitiva dos homens (Cf. 1 Cor 5, 7; Jo 8, 34-36) por meio do «Cordeiro que tira o pecado do mundo» (Cf. Jo 1, 29: 1 Pe 1, 19), e o sacrifício da Nova Aliança (Cf. 1 Cor 11, 25) que restabelece a comunhão entre o homem e Deus (Cf. Ex 24, 8), reconciliando-o com Ele pelo «sangue derramado pela multidão, para a remissão dos pecados» (Cf. Mt 26, 28; Lv 16, 15-16).
614. Este sacrifício de Cristo é único, leva à perfeição e ultrapassa todos os sacrifícios (Cf. Heb 10, 10). Antes de mais, é um dom do próprio Deus Pai: é o Pai que entrega o seu Filho para nos reconciliar consigo (Cf. 1 Jo 4, 10). Ao mesmo tempo, é oblação do Filho de Deus feito homem, que livremente e por amor (Cf. Jo 15, 13) oferece a sua vida (Cf. Jo 10, 17-18) ao Pai pelo Espírito Santo (Cf. Heb 9, 14) para reparar a nossa desobediência.
Cristo desceu aos infernos (631-635)
Sábado Santo
631. «Jesus desceu às regiões inferiores da Terra. Aquele que desceu é precisamente o mesmo que subiu» (Ef 4, 9-10)
O Símbolo dos Apóstolos confessa, num mesmo artigo da fé, a descida de Cristo a mansão dos mortos e a sua ressurreição dos mortos ao terceiro dia, porque, na sua Páscoa, é da profundidade da morte que Ele faz jorrar a vida:
«Christus, Filius tuus,
qui, regressos ab inferis,
humano generi serenus illuxit,
et vivit et regnat in saecula saeculorum. Amen».
«Jesus Cristo, vosso Filho,
que, ressuscitando de entre os mortos,
iluminou o género humano com a sua luz e a sua paz
e vive glorioso pelos séculos dos séculos. Amém»
(Vigília Pascal, Precónio Pascal («Exsultet»): Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 273 e 275 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 292 e 295]).
632. As frequentes afirmações do Novo Testamento, segundo as quais Jesus «ressuscitou de entre os mortos» (1 Cor 15, 20) (Cf. Act 3, 15; Rm 8, 11), pressupõem que, anteriormente à ressurreição, Ele tenha estado na mansão dos mortos (Cf. Heb 13, 20) este o sentido primeiro dado pela pregação apostólica à descida de Jesus à mansão dos mortos: Jesus conheceu a morte, como todos os homens, e foi ter com eles à morada dos mortos. Porém, desceu lá como salvador proclamando a Boa-Nova aos espíritos que ali estavam prisioneiros (Cf. 1 Pe 3, 18-19).
633. A morada dos mortos, a que Cristo morto desceu, é chamada pela Escritura os infernos, Sheol ou Hades (Cf. Fl 2, 10; Act 2, 24: Ap 1, 18; Ef 4, 9), porque aqueles que aí se encontravam estavam privados da visão de Deus (Cf. Sl 6, 6; 88, 11-13). Tal era o caso de todos os mortos, maus ou justos, enquanto esperavam o Redentor (Cf. Sl 89, 49; 1 Sm 28, 19: Ez 32, 17-32), o que não quer dizer que a sua sorte fosse idêntica, como Jesus mostra na parábola do pobre Lázaro, recebido no «seio de Abraão» (Cf. Lc 16, 22-26).
«Foram precisamente essas almas santas, que esperavam o seu libertador no seio de Abraão, que Jesus Cristo libertou quando desceu à mansão dos mortos» (CatRom 1. 6. 3. p. 71)
Jesus não desceu à mansão dos mortos para de lá libertar os condenados (Cf. Concílio de Roma (ano 745), De descensu Christi ad inferos: DS 587), nem para abolir o inferno da condenação (Cf. Bento XII, Libellus, Cum dudum (1341). 18: DS 1011; Clemente VI, Ep. Super quibusdam (ano 1351), c. 15, 13: DS 1077), mas para libertar os justos que O tinham precedido (Cf. IV Concílio de Toledo (ano 633). Capitulum, 1: DS 485; Mt 27, 52-53).
634. «A Boa-Nova foi igualmente anunciada aos mortos…» (1 Pe 4, 6)
A descida à mansão dos mortos é o cumprimento, até à plenitude, do anúncio evangélico da salvação. É a última fase da missão messiânica de Jesus, fase condensada no tempo, mas imensamente vasta no seu significado real de extensão da obra redentora a todos os homens de todos os tempos e de todos os lugares, porque todos aqueles que se salvaram se tornaram participantes da redenção.
635. Cristo, portanto, desceu aos abismos da morte (Cf Mt 12, 40; Rm 10, 7; Ef 4, 9), para que «os mortos ouvissem a voz do Filho do Homem e os que a ouvissem, vivessem» (Jo 5, 25). Jesus, «o Príncipe da Vida» (Cf. Act 3, 15), «pela sua morte, reduziu à impotência aquele que tem o poder da morte, isto é, o Diabo, e libertou quantos, por meio da morte, se encontravam sujeitos à servidão durante a vida inteira» (Heb 2, 14-15). Desde agora, Cristo ressuscitado «detém as chaves da morte e do Hades» (Ap 1, 18) e «ao nome de Jesus todos se ajoelhem, no céu, na terra e nos abismos» (Fl 2, 10).
«Um grande silêncio reina hoje sobre a terra; um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o rei dorme. A terra estremeceu e ficou silenciosa, porque Deus adormeceu segundo a carne e despertou os que dormiam há séculos […]. Vai à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Quer visitar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte. Vai libertar Adão do cativeiro da morte. Ele que é ao mesmo tempo seu Deus e seu filho […] “Eu sou o teu Deus, que por ti me fiz teu filho […] Desperta tu que dormes, porque Eu não te criei para que permaneças cativo no reino dos mortos: levanta-te de entre os mortos; Eu sou a vida dos mortos”» (Antiga homilia para Sábado Santo: PG 43. 440.452.461 [Sábado Santo, 2ª Leitura do Ofício de Leituras: Liturgia das Horas, s. 2 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 454-4551).
TEMPO PASCAL
Oitava da Páscoa
No terceiro dia, ressuscitou dos mortos (638)
Páscoa da Ressurreição do Senhor
638. «Nós vos anunciamos a Boa-Nova de que a promessa feita aos nossos pais, a cumpriu Deus para nós, seus filhos, ao ressuscitar Jesus» (Act 13, 32-33)
A ressurreição de Jesus é a verdade culminante da nossa fé em Cristo, acreditada e vivida como verdade central pela primeira comunidade cristã, transmitida como fundamental pela Tradição, estabelecida pelos documentos do Novo Testamento, pregada como parte essencial do mistério pascal, ao mesmo tempo que a cruz:
«Cristo ressuscitou dos mortos.
Pela Sua morte venceu a morte,
e aos mortos deu a vida»
(Liturgia bizantina, Tropário no dia de Páscoa: «Pentêkostárion» (Romae 1884) p.6).
A Ressurreição de Jesus, fato histórico (639)
Segunda-feira
639. O mistério da ressurreição de Cristo é um acontecimento real, com manifestações historicamente verificadas, como atesta o Novo Testamento. Já São Paulo, por volta do ano 56, pôde escrever aos Coríntios:
«Transmiti-vos, em primeiro lugar, o mesmo que havia recebido: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras: a seguir, apareceu a Pedro, depois aos Doze» (1 Cor 15, 3-4)
O Apóstolo fala aqui da tradição viva da ressurreição, de que tinha tomado conhecimento após a sua conversão, às portas de Damasco (Cf. Act 9, 3-18).
O túmulo vazio (640)
Terça-feira
640. «Por que motivo procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Não está aqui, ressuscitou» (Lc 24, 5-6)
No quadro dos acontecimentos da Páscoa, o primeiro elemento que se nos oferece é o sepulcro vazio. Isso não é, em si, uma prova direta. A ausência do corpo de Cristo do sepulcro poderia explicar-se doutro modo (Cf. Jo 20, l3; Mt 28, 11-15). Apesar disso, o sepulcro vazio constitui, para todos, um sinal essencial. A descoberta do facto pelos discípulos foi o primeiro passo para o reconhecimento do facto da ressurreição. Foi, primeiro, o caso das santas mulheres (Cf. Lc 24, 3. 22-23), depois o de Pedro (Cf. Lc 24, 12). «O discípulo que Jesus amava» (Jo 20, 2) afirma que, ao entrar no sepulcro vazio e ao descobrir «os lençóis no chão» (Jo 20, 6), «viu e acreditou» (Cf. Jo 20, 8); o que supõe que ele terá verificado, pelo estado em que ficou o sepulcro vazio, que a ausência do corpo de Jesus não podia ter sido obra humana e que Jesus não tinha simplesmente regressado a uma vida terrena, como fora o caso de Lázaro (Cf. Jo 11, 44).
As aparições do Ressuscitado (641-644)
Quarta-feira
641. Maria Madalena e as santas mulheres, que vinham para acabar de embalsamar o corpo de Jesus (Cf. Mc 16, l ; Lc 24, 1), sepultado à pressa por causa do início do «Sábado», no fim da tarde de Sexta-feira Santa (Cf. Jo 19, 31.42), foram as primeiras pessoas a encontra-se com o Ressuscitado (Cf. Mt 28, 9-10; Jo 20, 11-18). Assim, as mulheres foram as primeiras mensageiras da ressurreição de Cristo para os próprios Apóstolos (Cf. Lc 24, 9-10). Em seguida, foi a eles que Jesus apareceu: primeiro a Pedro, depois aos Doze (Cf. 1 Cor 15, 5). Pedro, incumbido de consolidar a fé dos seus irmãos (Cf. Lc 22, 31-32), vê, portanto, o Ressuscitado antes deles e é com base no seu testemunho que a comunidade exclama:
«Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão» (Lc 24, 34.36).
642. Tudo quanto aconteceu nestes dias pascais empenha cada um dos Apóstolos – e muito particularmente Pedro – na construção da era nova, que começa na manhã do dia de Páscoa. Como testemunhas do Ressuscitado, eles são as pedras do alicerce da sua Igreja. A fé da primeira comunidade dos crentes está fundada no testemunho de homens concretos, conhecidos dos cristãos e, a maior parte, vivendo ainda entre eles. Estas «testemunhas da ressurreição de Cristo» (Cf. Act 1, 22) são, em primeiro lugar, Pedro e os Doze. Mas há outros: Paulo fala claramente de mais de quinhentas pessoas às quais Jesus apareceu em conjunto, além de Tiago e de todos os Apóstolos (Cf. 1 Cor 15, 4-8).
643. Perante estes testemunhos, é impossível interpretar a ressurreição de Cristo fora da ordem física e não a reconhecer como um facto histórico. Resulta, dos factos, que a fé dos discípulos foi submetida à prova radical da paixão e morte de cruz do seu Mestre, por este de antemão anunciada (Cf. Lc 22, 31-32). O abalo provocado pela paixão foi tão forte que os discípulos (pelo menos alguns) não acreditaram imediatamente na notícia da ressurreição. Longe de nos apresentar uma comunidade tomada de exaltação mística, os evangelhos apresentam-nos os discípulos abatidos (de «rosto sombrio»: Lc 24, 17) e apavorados (Cf. Jo 20, 19). Foi por isso que não acreditaram nas santas mulheres, regressadas da sua visita ao túmulo, e «as suas narrativas pareceram-lhe um desvario» (Lc 24, 11) (Cf. Mc 16, 11.13). Quando Jesus apareceu aos onze, na tarde do dia de Páscoa, «censurou-lhes a falta de fé e a teimosia em não quererem acreditar naqueles que O tinham visto ressuscitado» (Mc 16, 14).
644. Mesmo confrontados com a realidade de Jesus Ressuscitado, os discípulos ainda duvidam (Cf. Lc 24,38) de tal modo isso lhes parecia impossível: julgavam ver um fantasma (Cf. Lc 24, 37).
«Por causa da alegria, estavam ainda sem querer acreditar e cheios de assombro» (Lc 24, 41)
Tomé experimentará a mesma provação da dúvida (Cf. Jo 20, 24-27), e quando da última aparição na Galileia, referida por Mateus, «alguns ainda duvidavam» (Mt 28, 17).É por isso que a hipótese, segundo a qual a ressurreição teria sido um «produto» da fé (ou da credulidade) dos Apóstolos, é inconsistente. Pelo contrário, a sua fé na ressurreição nasceu — sob a ação da graça divina da experiência direta da realidade de Jesus Ressuscitado.
A Ressurreição de Jesus, acontecimento transcendente (645-647)
Quinta-feira
645. Jesus Ressuscitado estabeleceu com os seus discípulos relações diretas, através do contato físico (Cf. Lc 24, 39; Jo 20, 27) e da participação na refeição (Cf. Lc 24, 30.41-43: Jo 21, 9.13-15). Desse modo, convida-os a reconhecer que não é um espírito (Cf. Lc 24, 39), e sobretudo a verificar que o corpo ressuscitado, com o qual se lhes apresenta, é o mesmo que foi torturado e crucificado, pois traz ainda os vestígios da paixão (Cf. Lc 24, 40: Jo 20, 20.27). No entanto, este corpo autêntico e real possui, ao mesmo tempo, as propriedades novas dum corpo glorioso: não está situado no espaço e no tempo, mas pode, livremente, tornar-se presente onde e quando quer (Cf. Mt 28, 9.16-17; Lc 24, 15.36; Jo 20, 14.19-26; 21, 4), porque a sua humanidade já não pode ser retida sobre a terra e já pertence exclusivamente ao domínio divino do Pai (Cf. Jo 20, 17). Também por este motivo, Jesus Ressuscitado é soberanamente livre de aparecer como quer: sob a aparência dum jardineiro (Cf. Jo 20, 14-15) ou «com um aspecto diferente» (Mc 16, 12) daquele que era familiar aos discípulos; e isso, precisamente, para lhes despertar a fé (Cf. Jo 20, 14.16; 21, 4.7).
646. A ressurreição de Cristo não foi um regresso à vida terrena, como no caso das ressurreições que Ele tinha realizado antes da Páscoa: a filha de Jairo, o jovem de Naim e Lázaro. Esses factos eram acontecimentos milagrosos, mas as pessoas miraculadas reencontravam, pelo poder de Jesus, uma vida terrena «normal»: em dado momento, voltariam a morrer. A ressurreição de Cristo é essencialmente diferente. No seu corpo ressuscitado, Ele passa do estado de morte a uma outra vida, para além do tempo e do espaço. O corpo de Cristo é, na ressurreição, cheio do poder do Espírito Santo; participa da vida divina no estado da sua glória, de tal modo que São Paulo pode dizer de Cristo que Ele é o «homem celeste» (Cf. 1 Cor 15, 35-50).
647. «Oh noite bendita! – canta o «Exultet» pascal – única a ter conhecimento do tempo e da hora em que Cristo ressuscitou do sepulcro» (Vigília Pascal, Precónio Pascal («Exsultet» ): Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 272 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 290 e 294])
Com efeito, ninguém foi testemunha ocular do acontecimento da ressurreição propriamente dita e nenhum evangelista o descreve. Ninguém pôde dizer como ela se deu, fisicamente. Ainda menos a sua essência mais íntima, a passagem a uma outra vida, foi perceptível aos sentidos. Acontecimento histórico comprovado pelo sinal do túmulo vazio e pela realidade dos encontros dos Apóstolos com Cristo Ressuscitado, nem por isso a ressurreição deixa de estar, naquilo em que transcende e ultrapassa a história, no próprio centro do mistério da fé. Foi por isso que Cristo Ressuscitado não Se manifestou ao mundo (Cf. Jo 14, 22), mas aos discípulos, «aos que com Ele tinham subido da Galileia a Jerusalém» e que «são agora testemunhas de Jesus junto do povo» (Act 13, 31).
A Ressurreição, obra da Santíssima Trindade (648-650)
Sexta-feira
648. A ressurreição de Cristo é objeto de fé, na medida em que é uma intervenção transcendente do próprio Deus na criação e na história. Nela, as três pessoas divinas agem em conjunto e manifestam a sua originalidade própria: realizou-se pelo poder do Pai, que «ressuscitou» (Act 2, 24) Cristo seu Filho, e assim introduziu de modo perfeito a sua humanidade – com o seu corpo – na Trindade. Jesus foi divinamente revelado «Filho de Deus em todo o seu poder, pela sua ressurreição de entre os mortos» (Rm 1, 4). São Paulo insiste na manifestação do poder de Deus (Cf. Rm 6, 4; 2 Cor 13, 4: Fl 3. 10; Ef 1, 19-22; Heb 7, 16) por obra do Espírito, que vivificou a humanidade morta de Jesus e a chamou ao estado glorioso de Senhor.
649. Quanto ao Filho, Ele opera a sua própria ressurreição em virtude do seu poder divino. Jesus anuncia que o Filho do Homem deverá sofrer muito, e depois ressuscitar (no sentido ativo da palavra (Cf. Mc 8, 31; 9. 9.31; 10. 34)). Aliás, é d’Ele esta afirmação explícita:
«Eu dou a minha vida para retomá-la […] Tenho o poder de a dar e o poder de a retomar» (Jo 10, 17-18).
«Nós cremos que Jesus morreu e depois ressuscitou» (1 Ts 4, 14).
650. Os Santos Padres contemplam a ressurreição a partir da pessoa divina de Cristo, que ficou unida à sua alma e ao seu corpo, separados entre si pela morte:
«Pela unidade da natureza divina, que continua presente em cada uma das duas partes do homem, estas unem-se de novo. Assim, a morte é produzida pela separação do composto humano e a ressurreição pela união das duas partes separadas» (São Gregório de Nissa, De tridui inter mortem et resurrectionem Domini nostri Iesu Christi spatio: Gregorii Nysseni opera, ed. W. Jaeger — H. Langerbeck, V. 9 (Leiden 1967) p. 293- 294 (PG 46, 417B): cf. também Statuta Ecelesiae Antigua: DS 325: Anastásio II, Ep. In prolixitate epistulae: DS 359: Santo Hormisda. Ep. Inter ea quae: DS 369: XI Concílio de Toledo, Symbolum: DS 539).
Sentido e alcance salvífico da Ressurreição (651-655)
Sábado
651. «Se Cristo não ressuscitou, então a nossa pregação é vã e também é vã a vossa fé» (1 Cor 15, 14)
A ressurreição constitui, antes de mais, a confirmação de tudo quanto Cristo em pessoa fez e ensinou. Todas as verdades, mesmo as mais inacessíveis ao espírito humano, encontram a sua justificação se, ressuscitando, Cristo deu a prova definitiva, que tinha prometido, da sua autoridade divina.
652. A ressurreição de Cristo é o cumprimento das promessas do Antigo Testamento (Cf. Lc 24, 26-27. 44-48) e do próprio Jesus, durante a sua vida terrena (Cf. Mt 28, 6; Mc 16, 7; Lc 24, 6-7). A expressão «segundo as Escrituras» (Cf. 1 Cor 15, 3-4: Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150) indica que a ressurreição de Cristo cumpriu essas predições.
653. A verdade da divindade de Jesus é confirmada pela ressurreição. Ele tinha dito:
«Quando elevardes o Filho do Homem, então sabereis que “Eu Sou”» (Jo 8, 28)
A ressurreição do Crucificado demonstrou que Ele era verdadeiramente «Eu Sou», o Filho de Deus e Ele próprio Deus. São Paulo pôde declarar aos judeus:
«E nós vos anunciamos a Boa-Nova de que a promessa feita aos nossos pais, cumpriu-a Deus para os filhos deles ao ressuscitar Jesus, como justamente está escrito no Salmo segundo: “Tu és meu Filho, Eu gerei-Te hoje”» (Act 13, 32-33) (Cf. Sl, 2, 7)
O mistério da ressurreição de Cristo está estreitamente ligado ao mistério da Encarnação do Filho de Deus. É dele o cumprimento, segundo o desígnio eterno de Deus.
654. Existe um duplo aspecto no mistério pascal: pela sua morte, Cristo liberta-nos do pecado; pela sua ressurreição, abre-nos o acesso a uma nova vida. Esta é, antes de mais, a justificação, que nos repõe na graça de Deus (Cf. Rm 4, 25), «para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos […], também nós vivamos uma vida nova» (Rm 6, 4). Esta consiste na vitória sobre a morte do pecado e na nova participação na graça (Cf. Ef 2, 4-5; 1 Pe 1, 3); realiza a adoção filial, porque os homens tornam-se irmãos de Cristo, como o próprio Jesus chama aos discípulos depois da ressurreição:
«Ide anunciar aos meus irmãos» (Mt 28, 10) (Cf. Jo 20, 17)
Irmãos, não por natureza, mas por dom da graça, porque esta filiação adoptiva proporciona uma participação real na vida do Filho, plenamente revelada na sua ressurreição.
655. Finalmente, a ressurreição de Cristo – e o próprio Cristo Ressuscitado – é princípio e fonte da nossa ressurreição futura:
«Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram […]. Do mesmo modo que em Adão todos morreram, assim também em Cristo serão todos restituídos à vida» (1 Cor 15, 20-22).
Na expectativa de que isto se realize, Cristo Ressuscitado vive no coração dos seus fiéis. N’Ele, os cristãos «saboreiam as maravilhas do mundo vindouro» (Heb 6, 5) e a sua vida é atraída por Cristo para o seio da vida divina (Cf. Cl 3, 1-3), «para que os vivos deixem de viver para si próprios, mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles» (2 Cor 5, 15).
II Semana do Tempo Pascal
O mistério pascal, centro do ano litúrgico (1168-1171)
Domingo
1168. Partindo do Tríduo Pascal, como da sua fonte de luz, o tempo novo da ressurreição enche todo o ano litúrgico da sua claridade. Progressivamente, dum lado e doutro desta fonte, o ano é transfigurado pela liturgia. Ele é realmente o ano da graça do Senhor (Cf. Lc 4, 19). A economia da salvação realiza-se no quadro do tempo, mas a partir do seu cumprimento na Páscoa de Jesus e da efusão do Espírito Santo, o fim da história é antecipado, pregustado, e o Reino de Deus entra no nosso tempo.
1169. É por isso que a Páscoa não é simplesmente uma festa entre outras: é a «festa das festas», a «solenidade das solenidades», tal como a Eucaristia é o sacramento dos sacramentos (o grande sacramento). Santo Atanásio chama-lhe «o grande domingo» (Santo Atanásio de Alexandria, Epistula festivalis 1 (em 329), 10: PG 26, 1366), tal como a Semana Santa é chamada no Oriente «a semana maior». O mistério da ressurreição, em que Cristo aniquilou a morte, penetra no nosso velho tempo com a sua poderosa energia, até que tudo Lhe seja submetido.
1170. No Concílio de Niceia (em 325), todas as Igrejas acordaram em que a Páscoa cristã fosse celebrada no domingo a seguir à lua cheia (14 de Nisan), depois do equinócio da Primavera. Devido a diferentes métodos usados para calcular o dia 14 de Nisan, a data da Páscoa nem sempre coincide nas Igrejas do Ocidente e do Oriente. Por isso, estas Igrejas procuram hoje um acordo, para chegarem de novo a celebrar numa data comum o dia da ressurreição do Senhor.
1171. O ano litúrgico é o desenrolar dos diferentes aspectos do único mistério pascal. Isto vale particularmente para o ciclo das festas em torno do mistério da Encarnação (Anunciação, Natal, Epifania), que comemoram o princípio da nossa salvação e nos comunicam as primícias do mistério da Páscoa.
O sacramento do Batismo (1213-1216)
Segunda-feira
1213. O santo Batismo é o fundamento de toda a vida cristã, o pórtico da vida no Espírito («vitae spiritualis ianua – porta da vida espiritual») e a porta que dá acesso aos outros sacramentos. Pelo Batismo somos libertos do pecado e regenerados como filhos de Deus: tornamo-nos membros de Cristo e somos incorporados na Igreja e tornados participantes na sua missão (Cf. Concílio de Florença, Decretum pro Armenis: DS 1314: CIC can 204, § 1. 849; CCEO can 675 § 1).
«Baptismos est sacramentam regeneratiorais per aquam in Verbo – O Batismo pode definir-se como o sacramento da regeneração pela água e pela Palavra» (CatRom 2, 2, 5, p. 179).
1214. Chama-se Batismo, por causa do rito central com que se realiza: batizar (baptizeis, em grego) significa «mergulhar», «imergir». A «imersão» na água simboliza a sepultura do catecúmeno na morte de Cristo, de onde sai pela ressurreição com Ele (Cf. Rm 6, 3-4; Cl 2, 12) como «nova criatura» (2 Cor 5, 17; Gl 6, 15).
1215. Este sacramento é também chamado «banho da regeneração e da renovação no Espírito Santo» (Tt 3, 5), porque significa e realiza aquele nascimento da água e do Espírito, sem o qual «ninguém pode entrar no Reino de Deus» (Jo 3, 5).
1216. «Este banho é chamado iluminação, porque aqueles que recebem este ensinamento [catequético] ficam com o espírito iluminado…» (São Justino, Apologia 1, 61: CA 1, 168 (PG 6, 421)
Tendo recebido no Batismo o Verbo, «luz verdadeira que ilumina todo o homem» (Jo 1, 9), o batizado, «depois de ter sido iluminado» (Cf. Heb 10, 32), tornou-se «filho da luz» (Cf. 1 Ts 5, 5) e ele próprio «luz» (Ef 5, 8):
«O Batismo é o mais belo e magnífico dos dons de Deus […] Chamamos-lhe dom, graça, unção, iluminação, veste de incorruptibilidade, banho de regeneração, selo e tudo o que há de mais precioso. Dom, porque é conferido àqueles que não trazem nada: graça, porque é dado mesmo aos culpados: batismo, porque o pecado é sepultado nas águas; unção, porque é sagrado e régio (como aqueles que são ungidos); iluminação, porque é luz irradiante; veste, porque cobre a nossa vergonha; banho, porque lava; selo, porque nos guarda e é sinal do senhorio de Deus» (São Gregório Nazianzo, Oratio 40, 3-4: SC 358, 202-204 (PG 36, 361-364)).
As prefigurações do Batismo na Antiga Aliança (1217-1222)
Terça-feira
1217. Na liturgia da Vigília Pascal, a quando da bênção da água batismal, a Igreja faz solenemente memória dos grandes acontecimentos da história da salvação que prefiguravam já o mistério do Batismo:
«Senhor nosso Deus: pelo vosso poder invisível, realizais maravilhas nos vossos sacramentos. Ao longo dos tempos, preparastes a água para manifestar a graça do Batismo» (Vigília Pascal, Bênção da água: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 283 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 315]).
1218. Desde o princípio do mundo, a água, esta criatura humilde e admirável, é a fonte da vida e da fecundidade. A Sagrada Escritura vê-a como «incubada» pelo Espírito de Deus (Cf. Gn 1, 2):
«Logo no princípio do mundo, o vosso Espírito pairava sobre as águas, para que já desde então concebessem o poder de santificar» (Vigília Pascal, Bênção da água: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970). p. 283 [A tradução oficial portuguesa desta oração não inclui a metáfora da «concepção»: «Logo no princípio do mundo, o vosso Espírito pairava sobre as águas, prefigurando o seu poder de santificar»: Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 315]).
1219. A Igreja viu na arca de Noé uma prefiguração da salvação pelo Batismo. Com efeito, graças a ela, «um pequeno grupo, ao todo oito pessoas, foram salvas pela água» (1 Pe 3, 20):
«Nas águas do dilúvio, destes-nos uma imagem do Batismo, sacramento da vida nova, porque as águas significam ao mesmo tempo o fim do pecado e o princípio da santidade» (Vigília Pascal, Bênção da água: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 283 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992. 3151).
1220. Se a água de nascente simboliza a vida, a água do maré um símbolo da morte. Por isso é que podia prefigurar o mistério da cruz. E por este simbolismo, o Batismo significa a comunhão com a morte de Cristo.
1221. É sobretudo a travessia do Mar Vermelho, verdadeira libertação de Israel da escravidão do Egipto, que anuncia a libertação operada pelo Batismo:
«Aos filhos de Abraão fizestes atravessar a pé enxuto o Mar Vermelho, para que esse povo, liberto da escravidão, fosse a imagem do povo santo dos batizados» (Vigília Pascal, Bênção da água: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 283 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 315]).
1222. Finalmente, o Batismo é prefigurado na travessia do Jordão, graças à qual o povo de Deu- recebe o dom da terra prometida à descendência de Abraão, imagem da vida eterna. A promessa desta herança bem-aventurada cumpre-se na Nova Aliança.
A iniciação cristã (1229-1233)
Quarta-feira
1229. Desde o tempo dos Apóstolos que tornar-se cristão requer um caminho e uma iniciação com diversas etapas. Este itinerário pode ser percorrido rápida ou lentamente. Mas deverá sempre incluir certos elementos essenciais: o anúncio da Palavra, o acolhimento do Evangelho que implica a conversão, a profissão de fé, o Batismo, a efusão do Espírito Santo, o acesso à comunhão eucarística.
1230. Esta iniciação tem variado muito no decurso dos séculos e segundo as circunstâncias. Nos primeiros séculos da Igreja, a iniciação cristã conheceu grande desenvolvimento, com um longo período de catecumenato e uma série de ritos preparatórios que escalonavam liturgicamente o caminho da preparação catecumenal, desembocando na celebração dos sacramentos da iniciação cristã.
1231. Nas regiões onde o Batismo das crianças se tomou largamente a forma habitual da celebração deste sacramento, esta transformou-se num ato único, que integra, de um modo muito abreviado, as etapas preliminares da iniciação cristã. Pela sua própria natureza, o Batismo das crianças exige um catecumenato pós-batismal. Não se trata apenas da necessidade duma instrução posterior ao Batismo mas do desenvolvimento necessário da graça batismal no crescimento da pessoa. É o espaço próprio da catequese.
1232. O II Concílio do Vaticano restaurou, para a Igreja latina, «o catecumenato dos adultos, distribuído em várias fases» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 64: AAS 56 (1964) 117). O respectivo ritual encontra-se no Ordo initiationis christianae adultorum (1972). Aliás, o Concílio permitiu que, «para além dos elementos de iniciação próprios da tradição cristã», se admitam, em terras de missão, «os elementos de iniciação usados por cada um desses povos, na medida em que puderem integrar-se no rito cristão» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 65: AAS 56 (1964) 117; cf. Ibid., 37-40: AAS 56 (1964) 110-111).
1233. Hoje em dia, portanto, em todos os ritos latinos e orientais, a iniciação cristã dos adultos começa com a sua entrada no catecumenato, para atingir o ponto culminante na celebração única dos três sacramentos, Batismo, Confirmação e Eucaristia (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 14: AAS 58 (1966) 963: CIC can. 851.865 866). Nos ritos orientais, a iniciação cristã das crianças na infância começa no Batismo, seguido imediatamente da Confirmação e da Eucaristia, enquanto no rito romano a mesma iniciação prossegue durante os anos de catequese, para terminar, mais tarde, com a Confirmação e a Eucaristia, ponto culminante da sua iniciação cristã (Cf. CIC can. 851, 2. 868).
Mistagogia da celebração do Batismo (1234-1245)
Quinta-feira
1234. O sentido e a graça do sacramento do Batismo aparecem claramente nos ritos da sua celebração. Seguindo, com participação atenta, os gestos e as palavras desta celebração, os fiéis são iniciados nas riquezas que este sacramento significa e realiza em cada novo batizado.
1235. O sinal da cruz, no princípio da celebração, manifesta a marca de Cristo impressa naquele que vai passar a pertencer-Lhe, e significa a graça da redenção que Cristo nos adquiriu pela sua cruz.
1236. O anúncio da Palavra de Deus ilumina com a verdade revelada os candidatos e a assembleia e suscita a resposta da fé, inseparável do Batismo. Na verdade, o Batismo é, de modo particular, o «sacramento da fé», uma vez que é a entrada sacramental na vida da fé.
1237. E porque o Batismo significa a libertação do pecado e do diabo, seu instigador, pronuncia-se sobre o candidato um ou vários exorcismo. Ele é ungido com o óleo dos catecúmenos ou, então, o celebrante impõe-lhe a mão e ele renuncia expressamente a Satanás. Assim preparado, pode professar a fé da Igreja, à qual será «confiado» pelo Batismo (Cf. Rm 6, 17).
1238. A água batismal é então consagrada por uma oração de epiclese (ou no próprio momento, ou na Vigília Pascal). A Igreja pede a Deus que, pelo seu Filho, o poder do Espírito Santo desça a esta água, para que os que nela forem batizados «nasçam da água e do Espírito» (Jo 3, 5).
1239. Segue-se o rito essencial do sacramento: o batismo propriamente dito, que significa e realiza a morte para o pecado e a entrada na vida da Santíssima Trindade, através da configuração com o mistério pascal de Cristo. O Batismo é realizado, do modo mais significativo, pela tríplice imersão na água batismal; mas, desde tempos antigos, pode também ser conferido derramando por três vezes água sobre a cabeça do candidato.
1240. Na Igreja latina, esta tríplice infusão é acompanhada pelas palavras do ministro:
«N., eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo».
Nas liturgias orientais, estando o catecúmeno voltado para o Oriente, o sacerdote diz:
«O servo de Deus N. é batizado em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo»
E à invocação de cada pessoa da Santíssima Trindade, mergulha-o e retira-o da água.
1241. A unção com o santo crisma, óleo perfumado que foi consagrado pelo bispo, significa o dom do Espírito Santo ao novo batizado. Ele tornou-se cristão, quer dizer, «ungido» pelo Espírito Santo, incorporado em Cristo, que foi ungido sacerdote, profeta e rei (Cf. Ordo Baptismi parvulorum, 62 (Typis Polyglottis Vaticanis 1969) p. 32 [Celebração do Batismo das crianças, 62, Segunda edição típica (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa, 1994), p.61)).
1242. Na liturgia das Igrejas do Oriente, a unção pós-batismal é o sacramento da Crismação (Confirmação). Na liturgia romana, anuncia uma segunda unção com o santo Crisma, que será dada pelo bispo: o sacramento da Confirmação que, por assim dizer, «confirma» e completa a unção batismal.
1243. A veste branca simboliza que o batizado «se revestiu de Cristo» (Cf. Gl 3, 27): ressuscitou com Cristo. A vela, acesa no círio pascal, significa que Cristo iluminou o neófito. Em Cristo, os batizados são «a luz do mundo» (Mt 5, 14) (Cf. Fl 2, 15).
O recém-batizado é agora filho de Deus no seu Filho Único e pode dizer a oração dos filhos de Deus: O Pai-Nosso.
1244. A primeira Comunhão eucarística. Tornado filho de Deus, revestido da veste nupcial, o neófito é admitido «ao banquete das núpcias do Cordeiro» e recebe o alimento da vida nova, o corpo e sangue de Cristo. As Igrejas orientais conservam uma consciência viva da unidade da iniciação cristã, dando a sagrada Comunhão a todos os novos batizados e confirmados, mesmo às criancinhas, lembrando a palavra do Senhor:
«Deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis» (Mc 10, 14)
A Igreja latina, que reserva o acesso à sagrada Comunhão para aqueles que atingiram o uso da razão, exprime a abertura do Batismo em relação à Eucaristia aproximando do altar a criança recém-batizada para a oração do Pai Nosso.
1245. A celebração do Batismo conclui-se com a bênção solene. Aquando do Batismo de recém-nascidos, a bênção da mãe ocupa um lugar especial.
O Batismo dos adultos (1246-1249)
Sexta-feira
1246. «Todo o ser humano ainda não batizado – e só ele – é capaz de receber o Batismo» (CIC can.864; cf. CCEO. can.679).
1247. Desde os princípios da Igreja, o Batismo dos adultos é a situação mais corrente nas terras onde o anúncio do Evangelho ainda é recente. O catecumenato (preparação para o Batismo) tem, nesse caso, um lugar importante; sendo iniciação na fé e na vida cristã, deve dispor para o acolhimento do dom de Deus no Batismo, Confirmação e Eucaristia.
1248. O catecumenato, ou formação dos catecúmenos, tem por finalidade permitir a estes, em resposta à iniciativa divina e em união com uma comunidade eclesial, conduzir à maturidade a sua conversão e a sua fé. Trata-se duma «formação e de uma aprendizagem de toda a vida cristã», mediante a qual os discípulos se unem com Cristo seu mestre. Por conseguinte, sejam os catecúmenos convenientemente iniciados no mistério da salvação, na prática dos costumes evangélicos, e, com ritos sagrados a celebrar em tempos sucessivos, sejam introduzidos na vida da fé, da Liturgia e da caridade do povo de Deus» ( II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 14: AAS 58 (1966) 962-963; cf. Ordo initiationis christianae adultorum, Praenotanda 19 (Typis Polyglottis Vaticanis 1972) p. 11 Iniciação cristã dos adultos. Segunda Edição, Preliminares, 19 (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa. 1996) p. 26-27); Ibid., De tempore catechumenatus eiusque ritibus 98, p. 36 [Ibid.. O tempo do catecumenado e os seus ritos 98, p. 66]).
1249. Os catecúmenos «estão já unidos à Igreja», já são da casa de Cristo, e, não raro, eles levam já uma vida de fé, de esperança e de caridade» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 14: AAS 58 (1966) 963).
«A mãe Igreja já os abraça como seus, com amor e solicitude» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 14: AAS 57 (1965) 19: cf. CIC can. 206.788).
O Batismo das crianças (1250-1252)
Sábado
1250. Nascidas com uma natureza humana decaída e manchada pelo pecado original, as crianças também têm necessidade do novo nascimento no Batismo para serem libertas do poder das trevas e transferidas para o domínio da liberdade dos filhos de Deus (Cf. Cl 1, 12-14), a que todos os homens são chamados. A pura gratuidade da graça da salvação é particularmente manifesta no Batismo das crianças. Por isso, a Igreja e os pais privariam, a criança da graça inestimável de se tornar filho de Deus, se não lhe conferissem o Batismo pouco depois do seu nascimento (Cf. CIC can. 867: CCEO can. 868. § 1).
1251. Os pais cristãos reconhecerão que esta prática corresponde, também, ao seu papel de sustentar a vida que Deus lhes confiou (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15-16; Ibid., 41: AAS 57 (1965) 47; Id., Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1067-1069; CIC can. 774. § 2. 1136).
1252. A prática de batizar as crianças é tradição imemorial da Igreja. Explicitamente atestada desde o século II, é no entanto bem possível que, desde o princípio da pregação apostólica, quando «casas» inteiras receberam o Batismo se tenham batizado também as crianças (Cf. Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Pastoralis actio, 4: AAS 72 (1980) 1139).
III Semana do Tempo Pascal
Fé e Batismo (1253-1255)
Domingo
1253. O Batismo é o sacramento da fé (Cf. Mc 16, 16). Mas a fé tem necessidade da comunidade dos crentes. Só na fé da Igreja é que cada um dos fiéis pode crer. A fé que se requer para o Batismo não é uma fé perfeita e amadurecida, mas um princípio chamado a desenvolver-se. Ao catecúmeno ou ao seu padrinho pergunta-se:
«Que pedis à Igreja de Deus?»
E ele responde:
«A fé!».
1254. Em todos os batizados, crianças ou adultos, a fé deve crescer depois do Batismo. É por isso que a Igreja celebra todos os anos, na Vigília Pascal, a renovação das promessas do Batismo. A preparação para o Batismo conduz apenas ao umbral da vida nova. O Batismo é a fonte da vida nova em Cristo, donde jorra toda a vida cristã.
1255. Para que a graça batismal possa desenvolver-se, é importante a ajuda dos pais. Esse é também o papel do padrinho ou da madrinha, que devem ser pessoas de fé sólida, capazes e preparados para ajudar o novo batizado, criança ou adulto, no seu caminho de vida cristã (Cf. CIC can. 872-874). O seu múnus é um verdadeiro ofício eclesial (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 67: AAS 56 (1964) 118). Toda a comunidade eclesial tem uma parte de responsabilidade no desenvolvimento e na defesa da graça recebida no Batismo.
A necessidade do Batismo (1257-1261)
Segunda-feira
1257. O próprio Senhor afirma que o Batismo é necessário para a salvação (Cf. Jo 3, 5. Por isso, ordenou aos seus discípulos que anunciassem o Evangelho e batizassem todas as nações (Cf. Mt 28, 20. Cf. Concílio de Trento, Sess. 7°, Decretum de sacramentis, Canones de sacramento Baptismi, can. 5: DS 1618; II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 14: AAS 57 (1965) 18: ID., Decr. Ad gentes, 5: AAS 58 (1966) 951-952). O Batismo é necessário para a salvação de todos aqueles a quem o Evangelho foi anunciado e que tiveram a possibilidade de pedir este sacramento (Cf. Mc 16, 16). A Igreja não conhece outro meio senão o Batismo para garantir a entrada na bem-aventurança eterna. Por isso, tem cuidado em não negligenciar a missão que recebeu do Senhor de fazer «renascer da água e do Espírito» todos os que podem ser batizados. Deus ligou a salvação ao sacramento do Batismo; mas Ele próprio não está prisioneiro dos seus sacramentos.
1258. Desde sempre, a Igreja tem a firme convicção de que aqueles que sofrem a morte por causa da fé, sem terem recebido o Batismo, são batizados pela sua morte por Cristo e com Cristo. Este Batismo de sangue, tal como o desejo do Batismo ou Batismo de desejo, produz os frutos do Batismo, apesar de não ser sacramento.
1259. Para os catecúmenos que morrem antes do Batismo, o seu desejo explícito de o receber, unido ao arrependimento dos seus pecados e à caridade, garante-lhes a salvação, que não puderam receber pelo sacramento.
1260. «Com efeito, já que Cristo morreu por todos e a vocação última de todos os homens é realmente uma só, a saber, a divina, devemos manter que o Espírito Santo a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal, por um modo só de Deus conhecido» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes. 22: AAS 58 (1966) 1043; cf. In.. Const. dogm. Lumen Gentium, 16: AAS 57 (1965) 20; In. Decr. Ad gentes, 7: AAS 58 (1966) 955).
Todo o homem que, na ignorância do Evangelho de Cristo e da sua Igreja, procura a verdade e faz a vontade de Deus conforme o conhecimento que dela tem, pode salvar-se. Podemos supor que tais pessoas teriam desejado explicitamente o Batismo se dele tivessem conhecido a necessidade.
1261. Quanto às crianças que morrem sem Batismo, a Igreja não pode senão confiá-las à misericórdia de Deus, como o faz no rito do respectivo funeral. De facto, a grande misericórdia de Deus, «que quer que todos os homens se salvem» (1 Tm 2, 4), e a ternura de Jesus para com as crianças, que O levou a dizer: «Deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis» (Mc 10, 14), permitem-nos esperar que haja um caminho de salvação para as crianças que morrem sem Batismo. Por isso, é mais premente ainda o apelo da Igreja a que não se impeçam as criancinhas de virem a Cristo, pelo dom do santo Batismo.
A graça do Batismo (1262-1266)
Terça-feira
1262. Os diferentes efeitos do Batismo são significados pelos elementos sensíveis do rito sacramental. A imersão na água evoca os simbolismos da morte e da purificação, mas também da regeneração e da renovação. Os dois efeitos principais são, pois, a purificação dos pecados e o novo nascimento no Espírito Santo (Cf. Act 2, 38: Jo 3, 5).
1263. Pelo Batismo todos os pecados são perdoados: o pecado original e todos os pecados pessoais, bem como todas as penas devidas ao pecado (Cf. Concílio de Florença, Decretum pro Armenis: DS 1316). Com efeito, naqueles que foram regenerados, nada resta que os possa impedir de entrar no Reino de Deus: nem o pecado de Adão, nem o pecado pessoal, nem as consequências do pecado, das quais a mais grave é a separação de Deus.
1264. No batizado permanecem, no entanto, certas consequências temporais do pecado, como os sofrimentos, a doença, a morte, ou as fragilidades inerentes à vida, como as fraquezas de carácter, etc., assim como uma inclinação para o pecado a que a Tradição chama concupiscência ou, metaforicamente, a «isca» ou «aguilhão» do pecado («fomes peccati»):
«Deixada para os nossos combates, a concupiscência não pode fazer mal àqueles que, não consentindo nela, resistem corajosamente pela graça de Cristo. Bem pelo contrário, “aquele que tiver combatido segundo as regras será coroado” (2 Tm 2, 5)» (Concílio de Trento, Decretum de peccato originali, can. 5: DS 1515).
1265. O Batismo não somente purifica de todos os pecados, como faz também do neófito «uma nova criatura» (Cf. 2 Cor 5, 17), um filho adoptivo de Deus (Cf. Gl 4, 5-7), tornado «participante da natureza divina» (Cf. 2 Pe 1, 4), membro de Cristo (Cf. 1 Cor 6, 15; 12, 27) e co-herdeiro com Ele (Cf. Rm 8, 17), templo do Espírito Santo (Cf. 1 Cor 6, 19).
1266. A Santíssima Trindade confere ao batizado a graça santificante, a graça da justificação, que
– o torna capaz de crer em Deus, esperar n’Ele e O amar, pelas virtudes teologais;
– lhe dá o poder de viver e agir sob a moção do Espírito Santo e pelos dons do Espírito Santo;
– lhe permite crescer no bem, pelas virtudes morais. Assim, todo o organismo da vida sobrenatural do cristão tem a sua raiz no santo Batismo.
A graça do Batismo, II (1267-1271)
Quarta-feira
1267. O Batismo faz de nós membros do corpo de Cristo.
«Desde então […], somos nós membros uns dos outros.» (Ef 4, 25)
O Batismo incorpora na Igreja. Das fontes batismais nasce o único povo de Deus da Nova Aliança, que ultrapassa todos os limites naturais ou humanos das nações, das culturas, das raças e dos sexos:
«Por isso é que todos nós fomos batizados num só Espírito, para formarmos um só corpo» (1 Cor 12, 13).
1268. Os batizados tornaram-se «pedras vivas» para «a edificação dum edifício espiritual, para um sacerdócio santo» (1 Pe 2, 5). Pelo Batismo, participam no sacerdócio de Cristo, na sua missão profética e real, são «raça eleita, sacerdócio de reis, nação santa, povo que Deus tornou seu», para anunciar os louvores d’Aquele que os «chamou das trevas à sua luz admirável» (1 Pe 2, 9). O Batismo confere a participação no sacerdócio comum dos fiéis.
1269. Feito membro da Igreja, o batizado já não se pertence a si próprio (Cf. 1 Cor 6, 19) mas Aquele que morreu e ressuscitou por nós (Cf. 2 Cor 5, 15). A partir daí, é chamado a submeter-se aos outros (Cf. Ef 5, 21: 1 Cor 16, 15-16), a servi-los (Cf. Jo 13, 12-15) na comunhão da Igreja, a ser «obediente e dócil» aos chefes da Igreja (Cf. Heb 13, 17) e a considerá-los com respeito e afeição (Cf. 1 Ts 5, 12-13). Assim como o Batismo é fonte de responsabilidade e deveres, assim também o batizado goza de direitos no seio da Igreja: direito a receber os sacramentos, a ser alimentado com a Palavra de Deus e a ser apoiado com outras ajudas espirituais da Igreja (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 37: AAS 57 (1965) 42-43; CIC can. 208-223: CCEO can 675, § 2).
1270. Os batizados, «regenerados [pelo Batismo] para serem filhos de Deus, devem confessar diante dos homens a fé que de Deus receberam por meio da Igreja» e participar na atividade apostólica e missionária do povo de Deus (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 17: AAS 57 (1965) 21; Id., Decr. Ad gentes. 7: AAS 58 (1966) 956; Ibid., 23: AAS 58 (1966) 974-975).
1271. O Batismo constitui o fundamento da comunhão entre todos os cristãos, mesmo com aqueles que ainda não estão em plena comunhão com a Igreja Católica:
«Pois aqueles que crêem em Cristo e foram devidamente batizados, estão numa certa comunhão, embora não perfeita, com a Igreja Católica justificados no Batismo pela fé, são incorporados em Cristo, e, por isso, com direito se honram com o nome de cristãos e justamente são reconhecidos pelos filhos da Igreja Católica como irmãos no Senhor» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 3: AAS 57 (1965) 93).
«O Batismo, pois, constitui o vínculo sacramental da unidade vigente entre todos os que por ele foram regenerados» (II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 22: AAS 57 (1965)105).
A graça do Batismo, III (1272-1274)
Quinta-feira
1272. Incorporado em Cristo pelo Batismo, o batizado é configurado com Cristo (Cf. Rm 8, 29). O Batismo marca o cristão com um selo espiritual indelével («charactere») da sua pertença a Cristo. Esta marca não é apagada por nenhum pecado, embora o pecado impeça o Batismo de produzir frutos de salvação (Cf. Concílio de Trento, Sess. 7ª, Decretum de sacramentis, Canones de sacramentis in genere, can. 9: DS 1609: Ibid., Canones de sacramento Baptismi. can. 6: DS 1619). Ministrado uma vez por todas, o Batismo não pode ser repetido.
1273. Incorporados na Igreja pelo Batismo, os fiéis receberam o carácter sacramental que os consagra para o culto religioso cristão (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11:AAS 57 (1965) 16). O selo batismal capacita e compromete os cristãos a servir a Deus mediante uma participação viva na santa liturgia da Igreja, e a exercer o seu sacerdócio batismal pelo testemunho duma vida santa e duma caridade eficaz (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 10: AAS 57 (1965) 15-16).
1274. O «selo do Senhor» («dominicus character») (Cf. Santo Agostinho, Epistula 98, 5: CSEL 34, 527 (PL 33, 362)) é o selo com que o Espírito Santo nos marcou «para o dia da redenção» (Ef 4, 30) (Cf. Ef 1, 13-14; 2 Cor 1, 21-22).
«O Batismo é, efetivamente, o selo da vida eterna» (Santo Ireneu de Lião, Demonstratio praedicationis apostolicae, 3: SC 62, 32).
O fiel que tiver «guardado o selo» até ao fim, quer dizer, que tiver permanecido fiel às exigências do seu Batismo, poderá partir «marcado pelo sinal da fé» (Oração Eucarística I ou Cânone Romano: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 454 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 521]), com a fé do seu Batismo, na expectativa da visão bem-aventurada de Deus – consumação da fé – e na esperança da ressurreição.
Um só Batismo para a remissão dos pecados (977-980)
Sexta-feira
977. Nosso Senhor ligou o perdão dos pecados à fé e ao Batismo:
«Ide por todo o mundo e proclamai a Boa-Nova a todas as criaturas. Quem acreditar e for batizado será salvo» (Mc 16, 15-16)
O Batismo é o primeiro e principal sacramento do perdão dos pecados, porque nos une a Cristo, que morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação (Cf. Rm 4, 25), a fim de que «também nós vivamos numa vida nova» (Rm 6, 4).
978. «No momento em que fazemos a nossa primeira profissão de fé, ao receber o santo Batismo que nos purifica, o perdão que recebemos é tão pleno e total que não fica absolutamente nada por apagar, quer da falta original, quer das faltas cometidas de própria vontade por ação ou omissão; nem qualquer pena a suportar para as expiar […]. Mas apesar disso, a graça do Batismo não isenta ninguém de nenhuma das enfermidades da natureza. Pelo contrário, resta-nos ainda combater os movimentos da concupiscência, que não cessam de nos arrastar para o mal» (CatRom 1, 11, 3, P.123).
979. Neste combate contra a inclinação para o mal, quem seria suficientemente forte e vigilante para evitar todas as feridas do pecado?
«Portanto, se era necessário que a Igreja tivesse o poder de perdoar os pecados, era também necessário que o Batismo não fosse para ela o único meio de se servir destas chaves do Reino dos céus que tinha recebido de Jesus Cristo; era necessário que fosse capaz de perdoar as faltas a todos os penitentes que tivessem pecado, até mesmo ao último dia da sua vida» (CatRom1, 11, 4, p. 123).
980. É pelo sacramento da Penitência que o batizado pode ser reconciliado com Deus e com a Igreja:
«Os Santos Padres tiveram razão quando chamaram à Penitência um “batismo laborioso” (São Gregório de Nazianzo, Oratio 39, 17: SC 358, 188 (PG 36, 356)). Este sacramento da Penitência é necessário para a salvação daqueles que caíram depois do Batismo, tal como o próprio Batismo o é para os que ainda não foram regenerados» (Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento Paenitentiae, c. 2: DS 1672).
A virgindade por causa do Reino (1618-1620)
Sábado
1618. Cristo é o centro de toda a vida cristã. A união com Ele prevalece sobre todas as outras, quer se trate de laços familiares, quer sociais (Cf. Lc 14, 26; Mc 10, 28-31). Desde o princípio da Igreja, houve homens e mulheres que renunciaram ao grande bem do matrimónio, para seguirem o Cordeiro aonde quer que Ele vá (Cf. Ap 14, 4), para cuidarem das coisas do Senhor, para procurarem agradar-Lhe para saírem ao encontro do Esposo que vem (Cf. 1 Cor 7, 32). O próprio Cristo convidou alguns a seguirem-n’O neste modo de vida, de que Ele é o modelo:
«Há eunucos que nasceram assim do seio materno; há os que foram feitos eunucos pelos homens; e há os que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus. Quem puder entender, entenda!» (Mt 19, 12).
1619. A virgindade por amor do Reino dos céus é um desenvolvimento da graça batismal, um sinal poderoso da preeminência da união com Cristo e da espera fervorosa do seu regresso, um sinal que lembra também que o matrimónio é uma realidade do tempo presente, que é passageiro (Cf. Mc 12, 25: 1 Cor 7, 31).
1620. Quer, o sacramento do Matrimónio, quer a virgindade por amor do Reino de Deus, vêm do próprio Senhor. É Ele que lhes dá sentido e concede a graça indispensável para serem vividos em conformidade com a sua vontade (Cf. Mt 19, 3-12). A estima pela virgindade por amor do Reino (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 42: AAS 57 (1965) 48: Id., Decr. Perfectae caritatis, 12 AAS 58 (1966) 707: In., Decr. Optatam totius, 10: AAS 58 (1966) 720-721) e o sentido cristão do matrimónio são inseparáveis e favorecem-se mutuamente:
«Denegrir o Matrimónio é, ao mesmo tempo, diminuir a glória da virgindade: enaltecê-lo é realçar a admiração devida à virgindade […] Porque, no fim de contas, o que só em comparação com um mal parece bom, não pode ser um verdadeiro bem: mas o que ainda é melhor do que bens incontestados, esse é que é o bem por excelência» (São João Crisóstomo, De Virginitate 10, 1: SC 125, 122 (PG 48, 540): cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiares consortio, 16: AAS 74 (1982) 98)
IV Semana do Tempo Pascal
O sacramento da Ordem (1536-1538)
Domingo
1536. A Ordem é o sacramento graças ao qual a missão confiada por Cristo aos Apóstolos continua a ser exercida na Igreja, até ao fim dos tempos: é, portanto, o sacramento do ministério apostólico. E compreende três graus: o episcopado, o presbiterado e o diaconado.
1537. A palavra Ordem, na antiguidade romana, designava corpos constituídos no sentido civil, sobretudo o corpo dos que governavam, Ordinatio designa a integração num ordo. Na Igreja existem corpos constituídos, que a Tradição, não sem fundamento na Sagrada Escritura (Cf. Heb 5, 6; 7, 11: Sl 110, 4), designa, desde tempos antigos, com o nome de táxeis (em grego), ordines (em latim): a liturgia fala assim do ordo episcoporum – ordem dos bispos –,do ordo presbyterorum – ordem dos presbíteros – e do ordo diaconorum –ordem dos diáconos. Há outros grupos que também recebem este nome de ordo: os catecúmenos, as virgens, os esposos, as viúvas…
1538. A integração num destes corpos da Igreja fazia-se através dum rito chamado ordinatio, acto religioso e litúrgico que era uma consagração, uma bênção ou um sacramento. Hoje, a palavra ordinatio é reservada ao ato sacramental que integra na ordem dos bispos, dos presbíteros e dos diáconos, e que ultrapassa a simples eleição, designação, delegação ou instituição pela comunidade, pois confere um dom do Espírito Santo que permite o exercício dum «poder sagrado» (sacra potestas) (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 10: AAS 57 11965) 14) que só pode vir do próprio Cristo, pela sua Igreja. A ordenação também é chamada consecratio consagração –, porque é um pôr à parte e uma investidura feita pelo próprio Cristo para a sua Igreja. A imposição das mãos do bispo, com a oração consecratória, constituem o sinal visível desta consagração.
O sacerdócio da Antiga Aliança (1539-1543)
Segunda-feira
1539. O povo eleito foi constituído por Deus como «um reino de sacerdotes e uma nação consagrada» (Ex 19, 6) (Cf. Is 61, 6). Mas, dentro do povo de Israel, Deus escolheu uma das doze tribos, a de Levi, segregada para o serviço litúrgico (Cf. Nm 1, 48-53) o próprio Deus é a sua parte na herança (Cf. Js 13, 33). Um rito próprio consagrou as origens do sacerdócio da Antiga Aliança (Cf. Ex 29, 1-30; Lv 8). Nela, os sacerdotes são «constituídos em favor dos homens, nas coisas respeitantes a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados» (Cf. Heb 5, 1).
1540. Instituído para anunciar a Palavra de Deus (Cf. Ml 2, 7-9) e para restabelecer a comunhão com Deus pelos sacrifícios e a oração, aquele sacerdócio é, no entanto, impotente para operar a salvação, precisando de repetir sem cessar os sacrifícios, sem poder alcançar uma santificação definitiva (Cf. Heb 5, 3; 7, 27; 10, 1-4) a qual só o sacrifício de Cristo havia de conseguir.
1541. Apesar disso, no sacerdócio de Aarão e no serviço dos levitas, assim como na instituição dos setenta «Anciãos» (Cr. Nm 11, 24-25), a liturgia da Igreja vê prefigurações do ministério ordenado da Nova Aliança. Assim, no rito latino, a Igreja pede, na oração consecratória da ordenação dos bispos:
«Senhor Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo […] por vossa palavra e vosso dom instituístes a Igreja com as suas normas fundamentais, eternamente predestinastes a geração dos justos que havia de nascer de Abraão, estabelecestes príncipes e sacerdotes, e não deixastes sem ministério o vosso santuário…» (Pontificale Romanum. De Ordinatione Episcopi, presbyterorum et diaconorum. De Ordinatione Episcopi. Prex ordinationis, 47, editio typica altera (Typis Polyglottis Vaticanis1990) p.24 [Ordenação do Bispo, dos presbíteros e dos diáconos. Oração de ordenação do Bispo, 47 (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa.1992) 40]).
1542. Na ordenação dos presbíteros, a Igreja reza:
«Senhor, Pai santo, […] já na Antiga Aliança se desenvolveram funções sagradas que eram sinais do sacramento novo. A Moisés e a Aarão, que pusestes à frente do povo para o conduzirem e santificarem, associastes como seus colaboradores outros homens também escolhidos por Vós. No deserto, comunicastes o espírito de Moisés a setenta homens prudentes, com o auxílio dos quais ele governou mais facilmente o vosso povo. Do mesmo modo, as graças abundantes concedidas a Aarão. Vós as transmitistes a seus filhos, a fim de não faltarem sacerdotes, segundo a Lei, para oferecer os sacrifícios do templo, sombra dos bens futuros…» (Pontificale Romanum. De Ordinatione Episcopi, presbyterorum et diaconorum. De Ordinatione presbyterorum. Prex ordinationis, 159, editio typica altera (Typis Polyglottis Vaticanis1990) p. 91-92 [Ordenação do Bispo, dos presbíteros e dos diáconos. Oração de ordenação dos presbíteros, 159 (Coimbra, Gráfica de Coimbra Conferência Episcopal Portuguesa, 1992) p. 104]).
1543. E na oração consecratória para a ordenação dos diáconos, a Igreja confessa:
«Senhor, Pai santo, […] é o novo templo que se edifica quando estabeleceis os três graus dos ministros sagrados para servirem ao vosso nome, como já na primeira Aliança escolhestes os filhos de Levi, para o serviço do templo antigo» (Pontificale Romanum. De Ordinatione Episcopi, presbyterorum et diaconorum. De Ordinatione diaconorum. Prex ordinationis, 207, editio typica altera (Typis Polyglottis Vaticanis1990) p. 121 [Ordenação do Bispo, dos presbíteros e dos diáconos. Oração de ordenação dos diáconos, 207 (Coimbra, Gráfica de Coimbra Conferência Episcopal Portuguesa, 1992) p. 179]).
O sacerdócio único de Cristo (1544-1547)
Terça-feira
1544. Todas as prefigurações do sacerdócio da Antiga Aliança encontram a sua realização em Jesus Cristo, «único mediador entre Deus e os homens» (1 Tm 2, 5). Melquisedec, «sacerdote do Deus Altíssimo» (Gn 14, 18), é considerado pela Tradição cristã como uma prefiguração do sacerdócio de Cristo, único «Sumo-Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec» (Heb 5, l0; 6, 20), «santo, inocente, sem mancha» (Heb 7, 26), que «com uma única oblação, tornou perfeitos para sempre os que foram santificados» (Heb 10, 14), isto é, pelo único sacrifício da sua cruz.
1545. O sacrifício redentor de Cristo é único, realizado uma vez por todas. E no entanto, é tornado presente no sacrifício eucarístico da Igreja. O mesmo se diga do sacerdócio único de Cristo, que é tornado presente pelo sacerdócio ministerial, sem diminuição da unicidade do sacerdócio de Cristo:
«e por isso, só Cristo é verdadeiro sacerdote, sendo os outros seus ministros» («Et ideo solus Christus est verus sacerdos, alii autem ministri eius»: S. Tomás de Aquino, Commentarium in epistolam ad Hebraeos, c. 7. lect. 4: Opera ommnia, v. 21 (Parisiis 1876) p. 647).
1546. Cristo, sumo sacerdote e único mediador, fez da Igreja «um reino de sacerdotes para Deus seu Pai» (Cf. Ap 1, 6; 5, 9-10; 1 Pe 2, 5.9). Toda a comunidade dos crentes, como tal, é uma comunidade sacerdotal. Os fiéis exercem o seu sacerdócio baptismal através da participação, cada qual segundo a sua vocação própria, na missão de Cristo, sacerdote, profeta e rei. É pelos sacramentos do Baptismo e da Confirmação que os fiéis são «consagrados para serem […] um sacerdócio santo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 10: AAS 57 (1965) 14).
1547. O sacerdócio ministerial ou hierárquico dos bispos e dos presbíteros e o sacerdócio comum de todos os fiéis – embora «um e outro, cada qual segundo o seu modo próprio, participem do único sacerdócio de Cristo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 10: AAS 57 (1965) 14) – são, no entanto, essencialmente diferentes ainda que sendo «ordenados um para o outro» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 10: AAS 57 (1965) 14). Em que sentido? Enquanto o sacerdócio comum dos fiéis se realiza no desenvolvimento da vida baptismal – vida de fé, esperança e caridade, vida segundo o Espírito – o sacerdócio ministerial está ao serviço do sacerdócio comum, ordena-se ao desenvolvimento da graça baptismal de todos os cristãos. É um dos meios pelos quais Cristo não cessa de construir e guiar a sua igreja. E é por isso que é transmitido por um sacramento próprio, que é o sacramento da Ordem.
O sacerdócio ministerial (1548-1553)
Quarta-feira
1548. No serviço eclesial do ministro ordenado, é o próprio Cristo que está presente à sua Igreja, como Cabeça do seu corpo, Pastor do seu rebanho, Sumo-Sacerdote do sacrifício redentor, mestre da verdade. É o que a Igreja exprime quando diz que o padre, em virtude do sacramento da Ordem, age in persona Christi Capitis – na pessoa de Cristo Cabeça (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 10: AAS 57 (1965) 14: Ibid., 28 AAS 57 (1965) 34: Id., Const. Sacrosanctum Concilium, 33 AAS 56 ( 1964) 108: In.. Decr. Christus Dominus, 11 AAS 58 (1966) 677: Id.. Decr. Presbyterorum ordinis, 2:. AAS 58 (1966) 992: Ibid. 6: AAS 58 (1966) 999):
«É o mesmo Sacerdote, Jesus Cristo, de quem realmente o ministro faz as vezes. Se realmente o ministro é assimilado ao Sumo-Sacerdote, em virtude da consagração sacerdotal que recebeu, goza do direito de agir pelo poder do próprio Cristo que representa ‘virtute ac persona ipsius Christi‘» (Pio XII. Enc. Mediator Dei: AAS 39 (1947) 548).
«Cristo é a fonte de todo o sacerdócio: pois o sacerdócio da [antiga] lei era figura d’Ele, ao passo que o sacerdote da nova lei age na pessoa d’Ele» («Christus est fons totius sacerdotii: nam sacerdos legalis erat figura ipsius, sacerdos autem novae leis in persona ipsius operatur»: São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3, q. 22, a. 4. e: Ed. Leon. 11, 260).
1549. Pelo ministério ordenado, especialmente dos bispos e padres, a presença de Cristo como cabeça da Igreja torna-se visível no meio da comunidade dos crentes (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 21: AAS 57 ( 1965) 24). Segundo a bela expressão de Santo Inácio de Antioquia, o bispo é týpos toû Patrós, como que a imagem viva de Deus Pai (Cf. Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Trallianos 3, 1: SC 10bis, 96 (Funk 1, 244) Id., Epistula ad Magnesios 6, 1: SC 10bis, 84 (Funk 1, 234)).
1550. Esta presença de Cristo no seu ministro não deve ser entendida como se este estivesse premunido contra todas as fraquezas humanas, contra o afã de domínio, contra os erros, isto é, contra o pecado. A força do Espírito Santo não garante do mesmo modo todos os actos do ministro. Enquanto que nos sacramentos esta garantia é dada, de maneira que nem mesmo o pecado do ministro pode impedir o fruto da graça, há muitos outros actos em que a condição humana do ministro deixa vestígios, que nem sempre são sinal de fidelidade ao Evangelho e podem, por conseguinte, prejudicar a fecundidade apostólica da Igreja.
1551. Este sacerdócio é ministerial.
«O encargo que o Senhor confiou aos pastores do seu Povo é um verdadeiro serviço» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 24: AAS 57 (1965) 29).
Refere-se inteiramente a Cristo e aos homens. Depende inteiramente de Cristo e do seu sacerdócio único, e foi instituído em favor dos homens e da comunidade da Igreja. O sacramento da Ordem comunica «um poder sagrado», que não é senão o de Cristo. O exercício desta autoridade deve, pois, regular-se pelo modelo de Cristo, que por amor Se fez o último e servo de todos (Cf. Mc 10, 43-45; 1 Pe 5,3).
«O Senhor disse claramente que o cuidado dispensado ao seu rebanho seria uma prova de amor para com Ele» (São João Crisóstomo, De sacerdotio 2, 4: SC 272, 118 (PG 48, 635); cf. Jo 21, 15-17).
1552. O sacerdócio ministerial não tem somente o encargo de representar Cristo. cabeça da Igreja, perante a assembleia dos fiéis; age também em nome de toda a Igreja, quando apresenta a Deus a oração da mesma Igreja (Cf. II Concílio do Vaticano, Sacrosanctum Concilium, 33: AAS 56 (1964) 108) e, sobretudo, quando oferece o sacrifício eucarístico (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 10: AAS 57 (1965) 14).
1553. «Em nome de toda a Igreja» não quer dizer que os sacerdotes sejam os delegados da comunidade. A oração e a oferenda da Igreja são inseparáveis da oração e da oferenda de Cristo, sua cabeça. É sempre o culto de Cristo na e pela sua Igreja. É toda a Igreja, corpo de Cristo, que ora e se oferece, «por Cristo, com Cristo, em Cristo», na unidade do Espírito Santo, a Deus Pai. Todo o corpo, caput et memora – cabeça e membros –, ora e oferece-se; e, por isso, aqueles que, no corpo, são de modo especial os ministros, chamam-se ministros não apenas de Cristo, mas também da Igreja. É porque representa Cristo, que o sacerdócio ministerial pode representar a Igreja.
O Matrimônio no desígnio de Deus (1601-1605)
Quinta-feira
1601. «O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si a comunhão íntima de toda a vida, ordenado por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole, entre os batizados foi elevado por Cristo Senhor à dignidade de sacramento» (CIC can. 1055. § 1).
1602. A Sagrada Escritura começa pela criação do homem e da mulher, à imagem e semelhança de Deus (Cf. Gn 1, 26-27), e termina com a visão das «núpcias do Cordeiro» (Ap 19, 9) (Cf. Ap 19, 7). Do princípio ao fim, a Escritura fala do matrimónio e do seu «mistério», da sua instituição e do sentido que Deus lhe deu, da sua origem e da sua finalidade, das suas diversas realizações ao longo da história da salvação, das suas dificuldades nascidas do pecado e da sua renovação «no Senhor» (1 Cor 7, 39), na Nova Aliança de Cristo e da Igreja (Cf. Ef 5, 32-32).
1603. «A íntima comunidade da vida e do amor conjugal foi fundada pelo Criador e dotada de leis próprias […]. O próprio Deus é o autor do matrimónio» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1067).
A vocação para o matrimónio está inscrita na própria natureza do homem e da mulher, tais como saíram das mãos do Criador. O matrimónio não é uma instituição puramente humana, apesar das numerosas variações a que esteve sujeito no decorrer dos séculos, nas diferentes culturas, estruturas sociais e atitudes espirituais. Tais diversidades não devem fazer esquecer os traços comuns e permanentes. Muito embora a dignidade desta instituição nem sempre e nem por toda a parte transpareça com a mesma clareza (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 47: AAS 58 11966) 1067), existe, no entanto, em todas as culturas, um certo sentido da grandeza da união matrimonial. Porque «a saúde da pessoa e da sociedade está estreitamente ligada a uma situação feliz da comunidade conjugal e familiar» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 47: AAS 58 (1966) 1067).
1604. Deus, que criou o homem por amor, também o chamou ao amor, vocação fundamental e inata de todo o ser humano. Porque o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Cf. Gn 1, 27) que é amor (1 Jo 4, 8.16). Tendo-os Deus criado homem e mulher, o amor mútuo dos dois torna-se imagem do amor absoluto e indefectível com que Deus ama o homem. É bom, muito bom, aos olhos do Criador (Cf Gn 1, 31). E este amor, que Deus abençoa, está destinado a ser fecundo e a realizar-se na obra comum do cuidado da criação:
«Deus abençoou-os e disse-lhes: “Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a”» (Gn 1, 28).
1605. Que o homem e a mulher tenham sido criados um para o outro, afirma-o a Sagrada Escritura:
«Não é bom que o homem esteja só» (Gn 2, 18)
A mulher, «carne da sua carne» (Cf. Gn 2, 23), isto é, sua igual, a criatura mais parecida com ele, é-lhe dada por Deus como uma auxiliar» (Cf Gn 2, 18), representando assim aquele «Deus que é o nosso auxílio» (Cf. Sl 121, 2).
«Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher: e os dois serão uma só carne» (Gn 2, 24)
Que isto significa uma unidade indefectível das duas vidas, o próprio Senhor o mostra, ao lembrar qual foi, «no princípio», o desígnio do Criador (Cf Mt 19, 4):
«Portanto, já não são dois, mas uma só carne» (Mt 19, 6).
O casamento no Senhor (1612-1617)
Sexta-feira
1612. A aliança nupcial entre Deus e o seu povo Israel tinha preparado a Aliança nova e eterna, pela qual o Filho de Deus, encarnando e dando a sua vida, uniu a Si, de certo modo, toda a humanidade por Ele salva (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042), preparando assim as «núpcias do Cordeiro» (Cf. Ap 19, 7. 9).
1613. No umbral da sua vida pública, Jesus realiza o seu primeiro sinal –a pedido da sua Mãe – por ocasião duma festa de casamento (Cf. Jo 2, 1-11). A Igreja atribui uma grande importância à presença de Jesus nas bodas de Caná. Ela vê nesse facto a confirmação da bondade do matrimónio e o anúncio de que, doravante, o matrimónio seria um sinal eficaz da presença de Cristo.
1614. Na sua pregação, Jesus ensinou sem equívocos o sentido original da união do homem e da mulher, tal como o Criador a quis no princípio: a permissão de repudiar a sua mulher, dada por Moisés, era uma concessão à dureza do coração (Cf. Mt 19, 8): a união matrimonial do homem e da mulher é indissolúvel: foi o próprio Deus que a estabeleceu:
«Não separe, pois, o homem o que Deus uniu» (Mt 19, 6).
1615. Esta insistência inequívoca na indissolubilidade do vínculo matrimonial pôde criar perplexidade e aparecer como uma exigência impraticável (Cf. Mt 19, 10). No entanto, Jesus não impôs aos esposos um fardo impossível de levar e pesado demais (Cf. Mt 11, 29-30), mais pesado que a Lei de Moisés. Tendo vindo restabelecer a ordem original da criação, perturbada pelo pecado, Ele próprio dá a força e a graça de viver o matrimónio na dimensão nova do Reino de Deus. É seguindo a Cristo, na renúncia a si próprios e tornando a sua cruz (Cf. Mc 8, 34), que os esposos poderão «compreender» (Cf. Mt 19, 11) o sentido original do matrimónio e vivê-lo com a ajuda de Cristo. Esta graça do Matrimónio cristão é fruto da cruz de Cristo, fonte de toda a vida cristã.
1616. É o que o Apóstolo Paulo nos dá a entender, quando diz: «Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela, a fim de a santificar» (Ef 5, 25-26): e acrescenta imediatamente: «”Por isso o homem deixará o pai e a mãe para se unir à sua mulher e serão os dois uma só carne”. É grande este mistério, digo-o em relação a Cristo e à Igreja» (Ef 5, 31-32).
1617. Toda a vida cristã tem a marca do amor esponsal entre Cristo e a Igreja. Já o Baptismo, entrada no povo de Deus, é um mistério nupcial: é, por assim dizer, o banho de núpcias (Cf. Ef 5, 26-27) que precede o banquete das bodas, a Eucaristia. O Matrimónio cristão, por sua vez, torna-se sinal eficaz, sacramento da aliança de Cristo com a Igreja. E uma vez que significa e comunica a graça desta aliança, o Matrimónio entre baptizados é um verdadeiro sacramento da Nova Aliança (Cf. Concílio de Trento, Sess. 24ª. Doctrina de sacramento Matrimonii: DS 1800; CIC can. 1055, § I).
A celebração do Matrimônio (1621-1624)
Sábado
1621. No rito latino, a celebração do Matrimónio entre dois fiéis católicos tem lugar normalmente no decorrer da santa Missa, em virtude da ligação de todos os sacramentos com o mistério pascal de Cristo (Cf. II Concílio do Vaticano, Sacrosanctum Concilium, 61:AAS 56 (1964) 116-117). Na Eucaristia realiza-se o memorial da Nova Aliança, pela qual Cristo se uniu para sempre à Igreja, sua esposa bem-amada, por quem se entregou (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 6: AAS 57 (1965) 9). Por isso, é conveniente que os esposos selem o seu consentimento à doação recíproca pela oferenda das próprias vidas, unindo-a à oblação de Cristo pela sua Igreja, tornada presente no sacrifício eucarístico, e recebendo a Eucaristia, para que, comungando o mesmo corpo e o mesmo sangue de Cristo, «formem um só corpo» em Cristo (Cf. 1 Cor 10, 17).
1622. «Enquanto ação sacramental de santificação, a celebração litúrgica do Matrimónio […] deve ser por si mesma válida, digna e frutuosa» (João Paulo II, Ex. ap. Familiares consortio, 67: AAS 74 (1982) 162).
Por isso, é conveniente que os futuros esposos se preparem para a celebração do seu Matrimónio, recebendo o sacramento da Penitência.
1623. Segundo a tradição latina, são os esposos quem, como ministros da graça de Cristo, mutuamente se conferem o sacramento do Matrimónio, ao exprimirem, perante a Igreja, o seu consentimento. Nas tradições das Igrejas orientais, os sacerdotes que oficiam – Bispos ou presbíteros – são testemunhas do mútuo consentimento manifestado pelos esposos (Cf. CCEO can. 817), mas a sua bênção também é necessária para a validade do sacramento (CCEO can. 828).
1624. As diversas liturgias são ricas em orações de bênção e de epiclese, pedindo a Deus a sua graça e invocando a sua bênção sobre o novo casal, especialmente sobre a esposa. Na epiclese deste sacramento, os esposos recebem o Espírito Santo como comunhão do amor de Cristo e da Igreja (Cf Ef 5, 32). É Ele o selo da aliança de ambos, a nascente sempre oferecida do seu amor, a força pela qual se renovará a sua fidelidade.
V Semana do Tempo Pascal
O consentimento matrimonial (1625-1632)
Domingo
1625. Os protagonistas da aliança matrimonial são um homem e uma mulher baptizados, livres para contrair Matrimónio e que livremente exprimem o seu consentimento. «Ser livre» quer dizer:
– não ser constrangido;
– não estar impedido por nenhuma lei natural nem eclesiástica.
1626. A Igreja considera a permuta dos consentimentos entre os esposos como o elemento indispensável «que constitui o Matrimónios (CIC can. 1057. § 1). Se faltar o consentimento, não há Matrimónio.
1627. O consentimento consiste num «ato humano pelo qual os esposos se dão e se recebem mutuamente» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1067; CIC can. 1057, § 2):
«Eu recebo-te por minha esposa. Eu recebo-te por meu esposo» (Ordo celebrandi Matrimonium, 62, Editio typica altera (Typis Polyglottis Vaticanas 1991) p. 17 [Celebração do Matrimónio, 62, Segunda edição típica (Coimbra, Gráfica de Coimbra — Conferência Episcopal Portuguesa 1993) p.31]). Este consentimento, que une os esposos entre si, tem a sua consumação no facto de os dois «se tornarem uma só carne» (Cf. Gn 2, 24; Mc 10, 8: Ef 5, 31).
1628. O consentimento deve ser um ato da vontade de cada um dos contraentes, livre de violência ou de grave temor externo (Cf. CIC can. 1103). Nenhum poder humano pode substituir-se a este consentimento (Cf. CIC can. 1057, § 1). Faltando esta liberdade, o matrimónio é inválido.
1629. Por este motivo (ou por outras razões, que tornem nulo ou não realizado o casamento) (Cf. CIC can. 1083-1108), a Igreja pode, depois de examinada a situação pelo tribunal eclesiástico competente, declarar «a nulidade do Matrimónio», ou seja, que o Matrimónio nunca existiu. Em tal caso, os contraentes ficam livres para se casarem, salvaguardadas as obrigações naturais resultantes da união anterior (Cf. CIC can. 1071, § 1, 3).
1630. O sacerdote (ou o diácono), que assiste à celebração do Matrimónio, recebe o consentimento dos esposos em nome da Igreja e dá a bênção da Igreja. A presença do ministro da Igreja (bem como das testemunhas) exprime visivelmente que o Matrimónio é uma realidade eclesial.
1631. É por esse motivo que, normalmente, a Igreja exige para os seus fiéis a forma eclesiástica da celebração do Matrimónio ( Cf. Concílio de Trento, Sess. 24ª, Decretum “Tametsi “: DS 1813-1816: CIC can. 1108). Muitas razões concorrem para explicar esta determinação:
– o Matrimónio sacramental é um ato litúrgico. Portanto, é conveniente que seja celebrado na liturgia pública da Igreja;
– o Matrimónio introduz num ordo eclesial, cria direitos e deveres na Igreja, entre os esposos e para com os filhos;
– uma vez que o Matrimónio é um estado de vida na Igreja, é necessário que haja a certeza a respeito dele (daí a obrigação de haver testemunhas);
– o carácter público do consentimento protege o «sim» uma vez dado e ajuda a permanecer-lhe fiel.
1632. Para que o «sim» dos esposos seja um ato livre e responsável, e para que a aliança matrimonial tenha bases humanas e cristãs sólidas e duradoiras, é de primordial importância a preparação para o matrimónio:
O exemplo e o ensino dados pelos pais e pelas famílias continuam a ser o caminho privilegiado desta preparação.
O papel dos pastores e da comunidade cristã, como «família de Deus», é indispensável para a transmissão dos valores humanos e cristãos do Matrimónio e da família (Cf. CIC can. 1063), e isto tanto mais quanto é certo que, nos nossos dias, muitos jovens conhecem a experiência de lares desfeitos, que já não garantem suficientemente aquela iniciação:
«Os jovens devem ser conveniente e oportunamente instruídos, sobretudo no seio da própria família, acerca da dignidade, missão e exercício do amor conjugal. Deste modo, educados na estima pela castidade, poderão passar, chegada a idade conveniente, de um noivado honesto para o matrimónio» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 49: AAS 58 (1966) 1070).
Os efeitos do sacramento do Matrimônio (1638-1642)
Segunda-feira
1638. « Do Matrimónio válido origina-se entre os cônjuges um vínculo de sua natureza perpétuo e exclusivo: no matrimónio cristão, além disso, são os cônjuges robustecidos e como que consagrados por um sacramento peculiar para os deveres e dignidade do seu estado» (CIC can.1134).
1639. O consentimento, pelo qual os esposos mutuamente se dão e se recebem, é selado pelo próprio Deus (Cf. Mc 10, 9). Da sua aliança «nasce uma instituição, também à face da sociedade, tornada firme e estável pela lei divina» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1067). A aliança dos esposos é integrada na aliança de Deus com os homens:
«O autêntico amor conjugal é assumido no amor divino» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1068).
1640. O vínculo matrimonial é, portanto, estabelecido pelo próprio Deus, de maneira que o matrimónio ratificado e consumado entre baptizados não pode jamais ser dissolvido. Este vínculo, resultante do acto humano livre dos esposos e da consumação do matrimónio, é, a partir de então, uma realidade irrevogável e dá origem a uma aliança garantida pela fidelidade de Deus. A Igreja não tem poder para se pronunciar contra esta disposição da sabedoria divina (Cf. CIC can. 1141).
1641. Os esposos cristãos, «no seu estado de vida e na sua ordem, têm, no povo de Deus, os seus dons próprios» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16). Esta graça própria do sacramento do Matrimónio destina-se a aperfeiçoar o amor dos cônjuges e a fortalecer a sua unidade indissolúvel. Por meio desta graça, «eles auxiliam-se mutuamente para chegarem à santidade pela vida conjugal e pela procriação e educação dos filhos» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15-16: cf. Ibid., 41:.AAS 57 (1965) 47).
1632. Cristo é a fonte desta graça.
«Assim como outrora Deus veio ao encontro do seu povo com unia aliança de amor e fidelidade, assim agora o Salvador dos homens e Esposo da Igreja vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do Matrimónio» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1068).
Fica com eles, dá-lhes a coragem de O seguirem tomando sobre si a sua cruz, de se levantarem depois das quedas, de se perdoarem mutuamente, de levarem o fardo um do outro (Cf. Gl 6, 2), de serem «submissos um ao outro no temor de Cristo» (Ef 5, 21) e de se amarem com um amor sobrenatural, delicado e fecundo. Nas alegrias do seu amor e da sua vida familiar, Ele dá-lhes, já neste mundo, um antegosto do festim das núpcias do Cordeiro:
«Onde irei buscar forças para descrever, de modo satisfatório, a felicidade do Matrimónio que a Igreja une, que a oblação eucarística confirma e a bênção sela? Os anjos proclamam-no, o Pai celeste ratifica-o […] Que jugo o de dois cristãos, unidos por uma só esperança, um único desejo, uma única disciplina, um mesmo serviço! Ambos filhos do mesmo Pai, servos do mesmo Senhor; nada os separa, nem no espírito nem na carne; pelo contrário, eles são verdadeiramente dois numa só carne. Ora, onde a carne á só uma, também um só é o espírito» (Tertuliano, Ad Uxorem 2, 8. 6-7: CCL 1, 393 (PL 1, 1415-1416): cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 13: AAS 74 (1982) 94).
Os bens e as exigências do amor conjugal (1643-1651)
Terça-feira
1643. «O amor conjugal comporta um todo em que entram todas as componentes da pessoa – apelo do corpo e do instinto, força do sentimento e da afectividade, aspiração do espírito e da vontade –; visa uma unidade profundamente pessoal – aquela que, para além da união numa só carne, conduz à formação dum só coração e duma só alma –; exige a indissolubilidade e a fidelidade na doação recíproca definitiva; e abre-se à fecundidade. Trata-se, é claro, das características normais de todo o amor conjugal natural, mas com um significado novo que não só as purifica e consolida, mas as eleva ao ponto de fazer delas a expressão de valores especificamente cristãos» (João Paulo II, Ex. ap. Familiares consortio, 13: AAS 74 (1982) 96).
1644. Pela sua própria natureza, o amor dos esposos exige a unidade e a indissolubilidade da sua comunidade de pessoas, a qual engloba toda a sua vida: «assim, já não são dois, mas uma só carne» (Mt 19, 6) (Cf. Gn 2, 24).
«Eles são chamados a crescer sem cessar na sua comunhão, através da fidelidade quotidiana à promessa da mútua doação total que o Matrimónio implica» (João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 19: AAS 74 (1982) 101).
Esta comunhão humana é confirmada, purificada e aperfeiçoada pela comunhão em Jesus Cristo, conferida pelo sacramento do Matrimónio; e aprofunda-se pela vida da fé comum e pela Eucaristia recebida em comum.
1645. «A igual dignidade pessoal, que se deve reconhecer à mulher e ao homem no amor pleno que têm um pelo outro, manifesta claramente a unidade do Matrimónio, confirmada pelo Senhor» (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 49: AAS 58 (1966) 1070).
A poligamia é contrária a esta igual dignidade e ao amor conjugal, que é único e exclusivo (João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 19: AAS 74 (1982) 102).
1646. Pela sua própria natureza, o amor conjugal exige dos esposos uma fidelidade inviolável. Esta é uma consequência da doação de si mesmos que os esposos fazem um ao outro. O amor quer ser definitivo. Não pode ser «até nova ordem».
«Esta união íntima, enquanto doação recíproca de duas pessoas, tal como o bem dos filhos, exigem a inteira fidelidade dos cônjuges e reclamam a sua união indissolúvel» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1068).
1647. O motivo mais profundo encontra-se na fidelidade de Deus à sua aliança, de Cristo à sua Igreja. Pelo sacramento do Matrimónio, os esposos ficam habilitados a representar esta fidelidade e a dar testemunho dela. Pelo sacramento, a indissolubilidade do Matrimónio adquire um sentido novo e mais profundo.
1648. Pode parecer difícil, e até impossível, ligar-se por toda a vida a um ser humano. Por isso mesmo, é da maior importância anunciar a boa-nova de que Deus nos ama com um amor definitivo e irrevogável, de que os esposos participam neste amor que os conduz e sustém e de que, pela sua fidelidade, podem ser testemunhas do amor fiel de Deus. Os esposos que, com a graça de Deus, dão este testemunho, muitas vezes em condições bem difíceis, merecem a gratidão e o amparo da comunidade eclesial (João Paulo II. Ex. ap. Familiaris consortio, 20: AAS 74 (1982) 104).
1649. No entanto, há situações em que a coabitação matrimonial se torna praticamente impossível pelas mais diversas razões. Em tais casos, a Igreja admite a separação física dos esposos e o fim da coabitação. Mas os esposos não deixam de ser marido e mulher perante Deus: não são livres de contrair nova união. Nesta situação difícil, a melhor solução seria, se possível, a reconciliação. A comunidade cristã é chamada a ajudar estas pessoas a viverem cristãmente a sua situação, na fidelidade ao vínculo do seu Matrimónio, que continua indissolúvel (Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 83: AAS 74 (1982) 184; CIC can. 1151-1155).
1650. Hoje em dia e em muitos países, são numerosos os católicos que recorrem ao divórcio, em conformidade com as leis civis, e que contraem civilmente uma nova união. A Igreja mantém, por fidelidade à palavra de Jesus Cristo («quem repudia a sua mulher e casa com outra comete adultério em relação à primeira; e se uma mulher repudia o seu marido e casa com outro, comete adultério»: Mc 10, 11-12), que não pode reconhecer como válida uma nova união, se o primeiro Matrimónio foi válido. Se os divorciados se casam civilmente, ficam numa situação objectivamente contrária à lei de Deus. Por isso, não podem aproximar-se da comunhão eucarística, enquanto persistir tal situação. Pelo mesmo motivo, ficam impedidos de exercer certas responsabilidades eclesiais. A reconciliação, por meio do sacramento da Penitência, só pode ser dada àqueles que se arrependerem de ter violado o sinal da Aliança e da fidelidade a Cristo e se comprometerem a viver em continência completa.
1651. Com respeito a cristãos que vivem nesta situação e que muitas vezes conservam a fé e desejam educar cristãmente os seus filhos, os sacerdotes e toda a comunidade devem dar provas duma solicitude atenta, para que eles não se sintam separados da Igreja, em cuja vida podem e devem participar como baptizados que são:
«Serão convidados a ouvir a Palavra de Deus, a assistir ao sacrifício da Missa, a perseverar na oração, a prestar o seu contributo às obras de caridade e às iniciativas da comunidade em prol da justiça, a educar os seus filhos na fé cristã, a cultivar o espírito de penitência e a cumprir os actos respectivos, a fim de implorarem, dia após dia, a graça de Deus» (João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 84: AAS 74 (1982) 185).
A abertura à fecundidade (1652-1654)
Quarta-feira
1652. «Pela sua própria natureza, a instituição matrimonial e o amor conjugal estão ordenados à procriação e à educação dos filhos, que constituem o ponto alto da sua missão e a sua coroa»
«Os filhos são, sem dúvida, o mais excelente dom do Matrimónio e contribuem muitíssimo para o bem dos próprios pais. O mesmo Deus que disse: “não é bom que o homem esteja só” (Gn 2, 18) e que “desde o princípio fez o homem varão e mulher” (Mt 19, 4), querendo comunicar-lhe uma participação especial na sua obra criadora, abençoou o homem e a mulher dizendo: “Sede fecundos e multiplicai-vos” (Gn 1, 28). Por isso, o culto autêntico do amor conjugal e toda a vida familiar que dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do Matrimónio, tendem a que os esposos, com fortaleza de ânimo, estejam dispostos a colaborar com o amor do Criador e do Salvador, que, por meio deles, aumenta continuamente e enriquece a sua família» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 50: AAS 58 (1966) 1070-1071).
1653. A fecundidade do amor conjugal estende-se aos frutos da vida moral, espiritual e sobrenatural que os pais transmitem aos filhos pela educação. Os pais são os principais e primeiros educadores dos seus filhos (II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum educationis, 3: AAS 58 (1966) 731). Neste sentido, a missão fundamental do Matrimónio e da família é estar ao serviço da vida (Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 28: AAS 74(1982) 114).
1654. Os esposos a quem Deus não concedeu a graça de ter filhos podem, no entanto, ter uma vida conjugal cheia de sentido, humana e cristãmente falando. O seu Matrimónio irradiar uma fecundidade de caridade, de acolhimento e de sacrifício.
A igreja doméstica (1655-1658)
Quinta-feira
1655. Cristo quis nascer e crescer no seio da Sagrada Família de José e de Maria. A Igreja outra coisa não é senão a «família de Deus». Desde as suas origens, o núcleo aglutinante da Igreja era, muitas vezes, constituído por aqueles que, «com toda a sua casa», se tinham tornado crentes» (Cf At 18, 8). Quando se convertiam, desejavam que também «toda a sua casa» fosse salva (Cf. At 16, 31; 11, 14). Estas famílias, que passaram a ser crentes, eram pequenas ilhas de vida cristã no meio dum mundo descrente.
1656. Nos nossos dias, num mundo muitas vezes estranho e até hostil à fé, as famílias crentes são de primordial importância, como focos de fé viva e irradiante. É por isso que o II Concílio do Vaticano chama à família, segundo uma antiga expressão, «Ecclesia domestica – Igreja doméstica» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16; cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 21: AAS 74 (1982) 105). É no seio da família que os pais são, «pela palavra e pelo exemplo […], os primeiros arautos da fé para os seus filhos, ao serviço da vocação própria de cada um e muito especialmente da vocação consagrada» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16).
1657. É aqui que se exerce, de modo privilegiado, o sacerdócio baptismal do pai de família, da mãe, dos filhos, de todos os membros da família, «na recepção dos sacramentos, na oração e acção de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade efectiva» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium,10: AAS 57 (1965) 15). O lar é, assim, a primeira escola de vida cristã e «uma escola de enriquecimento humano» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 52: AAS 58 (1966) 1073). É aqui que se aprende a tenacidade e a alegria no trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso e sempre renovado, e, sobretudo, o culto divino, pela oração e pelo oferecimento da própria vida.
1658. Não podem esquecer-se, também, certas pessoas que estão, em virtude das condições concretas em que têm de viver, muitas vezes sem assim o terem querido, particularmente próximas do coração de Cristo, e que merecem, portanto, a estima e a solicitude atenta da Igreja, particularmente dos pastores: o grande número de pessoas celibatárias. Muitas delas ficam sem família humana, frequentemente devido a condições de pobreza. Algumas vivem a sua situação no espírito das bem-aventuranças, servindo a Deus e ao próximo de modo exemplar. Mas a todas é necessário abrir as portas dos lares, «igrejas domésticas», e da grande família que é a Igreja.
«Ninguém se sinta privado de família neste mundo: a Igreja é casa e família para todos, especialmente para quantos estão “cansados e oprimidos” (Mt 11, 28)» (João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 85: AAS 74 (1982) 187).
O sacramento da Confirmação (1285-1289)
Sexta-feira
1285. Com o Baptismo e a Eucaristia, o sacramento da Confirmação constitui o conjunto dos «sacramentos da iniciação cristã», cuja unidade deve ser salvaguardada. Por isso, é preciso explicar aos fiéis que a recepção deste sacramento é necessária para a plenitude da graça baptismal (Cf. Ordo Confirmationis, Praenotanda 1 (Typis Polyglottis Vaticanas 1973) p. 16 [Celebração da Confirmação, Preliminares 1 (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa, 1991) p. 21]). Com efeito, os baptizados «pelo sacramento da Confirmação, são mais perfeitamente vinculados à Igreja, enriquecidos com uma força especial do Espírito Santo e deste modo ficam mais estritamente obrigados a difundir e a defender a fé por palavras e obras, como verdadeiras testemunhas de Cristo» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15: cf. Ordo Confirmationis, Praenotanda 2 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 16 [Celebração da Confirmação, Preliminares 2 (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa, 1991) p. 21]).
1286. No Antigo Testamento, os profetas anunciaram que o Espírito do Senhor repousaria sobre o Messias esperado (Cf. Is 11. 2), em vista da sua missão salvífica (Cf. Lc 4, 16-22; Is 61, 1). A descida do Espírito Santo sobre Jesus, aquando do seu baptismo por João, foi o sinal de que era Ele o que havia de vir, de que era o Messias, o Filho de Deus (Cf. Mt 3, 13-17; Jo 1, 33-34). Concebido pelo poder do Espírito Santo, toda a sua vida e toda a sua missão se realizam numa comunhão total com o mesmo Espírito Santo, que o Pai Lhe dá «sem medida» (Jo 3, 34).
1287. Ora, esta plenitude do Espírito não devia permanecer unicamente no Messias: devia ser comunicada a todo o povo messiânico (Cf. Ez 36, 25-27; Jo 3, 1-2). Repetidas vezes, Cristo prometeu esta efusão do Espírito promessa que cumpriu, primeiro no dia de Páscoa (Cf. Jo 20, 22) e depois, de modo mais esplêndido, no dia de Pentecostes (Cf. Act 2, 1-4). Cheios do Espírito Santo, os Apóstolos começaram a proclamar «as maravilhas de Deus» (Act 2, 11) e Pedro declarou que esta efusão do Espírito era o sinal dos tempos messiânicos (Cf. Act 2, 17-18). Aqueles que então acreditaram na pregação apostólica, e se fizeram baptizar, receberam, por seu turno, o dom do Espírito Santo (Cf. Act 2, 38).
1288. «A partir de então, os Apóstolos, para cumprirem a vontade de Cristo, comunicaram aos neófitos, pela imposição das mãos, o dom do Espírito para completar a graça do Baptismo (101). É por isso que, na Epístola aos Hebreus, se menciona, entre os elementos da primeira instrução cristã, a doutrina sobre os Baptismos e também sobre a imposição das mãos (102). A imposição das mãos é justificadamente reconhecida, pela Tradição católica, como a origem do sacramento da Confirmação que, de certo modo, perpetua na Igreja a graça do Pentecostes» (103).
1289. Bem cedo, para melhor significar o dom do Espírito Santo, se acrescentou à imposição das mãos uma unção com óleo perfumado (crisma). Esta unção ilustra o nome de «cristão», que significa «ungido», e que vai buscar a sua origem ao próprio nome de Cristo, aquele que «Deus ungiu com o Espírito Santo» (Act 10, 38). E este rito da unção mantém-se até aos nossos dias, tanto no Oriente como no Ocidente. É por isso que, no Oriente, este sacramento se chama crismação (= unção do crisma), ou myron, que significa «crisma». No Ocidente, o nome de Confirmação sugere que este sacramento confirma o Baptismo e, ao mesmo tempo, consolida a graça baptismal.
Os sinais e o rito da Confirmação (1293-1296)
Sábado
1293. No rito deste sacramento, convém considerar o sinal da unção e o que essa unção designa e imprime: o selo espiritual.
A unção, na simbologia bíblica e antiga, é rica de numerosas significações: o óleo é sinal de abundância (Cf. Dt 11, 14; etc) e de alegria (Cf. Sl 23, 5: 104, 15), purifica (unção antes e depois do banho) e torna ágil (unção dos atletas e lutadores): é sinal de cura, pois suaviza as contusões e as feridas (Cf. Is 1, 6: Lc 10, 34) e torna radiante de beleza, saúde e força.
1294. Todos estes significados da unção com óleo se reencontram na vida sacramental. A unção antes do Baptismo, com o óleo dos catecúmenos, significa purificação e fortalecimento; a unção dos enfermos exprime cura e conforto. A unção com o santo crisma depois do Baptismo, na Confirmação e na Ordenação, é sinal duma consagração. Pela Confirmação, os cristãos, quer dizer, os que são ungidos, participam mais na missão de Jesus Cristo e na plenitude do Espírito Santo de que Ele está repleto, a fim de que toda a sua vida espalhe «o bom odor de Cristo» (Cf. 2 Cor 2, 15).
1295. Por esta unção, o confirmando recebe «a marca», o selo do Espírito Santo. O selo é o símbolo da pessoa (Cf. Gn 38, 18; Cf . 8, 6), sinal da sua autoridade (Cf. Gn 41, 42), da sua propriedade sobre um objecto (Cf. Dt 32. 34). Era assim que se marcavam os soldados com o selo do seu chefe e também os escravos com o do seu dono. O selo autentica um acto jurídico (Cf. 1 Rs 21, 8) ou um documento (Cf. Jr 32, 10) e, eventualmente, torna-o secreto (Cf. Is 29, 11).
1296. O próprio Cristo se declara marcado com o selo do Pai (Cf. Jo 6, 27). O cristão também está marcado com um selo:
«Foi Deus que nos concedeu a unção, nos marcou também com o seu selo e depôs as arras do Espírito em nossos corações» (2 Cor 1, 21-22) (Cf. Ef 1, 13; 4, 30).
Este selo do Espírito Santo marca a pertença total a Cristo, a entrega para sempre ao seu serviço, mas também a promessa da protecção divina na grande prova escatológica (Cf. Ap 7, 2-3; 9. 4; Ez 9, 4-6).
VI Semana do Tempo Pascal
A celebração da Confirmação (1297-1301)
Domingo
1297. Um momento importante que precede a celebração da Confirmação, mas que, de certo modo, faz parte dela, é a consagração do santo crisma. É o bispo que, em Quinta-Feira Santa, no decorrer da missa crismal, consagra o santo crisma para toda a sua diocese. Nas Igrejas do Oriente, esta consagração é mesmo reservada ao Patriarca:
A liturgia de Antioquia exprime assim a epiclese da consagração do santo crisma (myron, em grego):
«[Pai (…), envia o Teu Espírito Santo] sobre nós e sobre este óleo que está diante de nós e consagra-o, para que seja para todos os que com ele forem ungidos e marcados, myron santo, myron sacerdotal, myron real, unção de alegria, a veste da luz, o manto da salvação, o dom espiritual, a santificação das almas e dos corpos, a felicidade imperecível, o selo indelével, o escudo da fé, o capacete invencível contra todas as obras do Adversário» (Pontificale iuxta ritum Syrorum Occidentalium id est Antiochiae, Pars I, Versio latina (Typis Polyglottis Vaticanis 1941) p. 36-37).
1298. Quando a Confirmação é celebrada separadamente do Baptismo, como acontece no rito romano, a Liturgia do sacramento começa pela renovação das promessas do Baptismo e pela profissão de fé dos confirmandos. Assim se evidencia claramente que a Confirmação se situa na continuação do Baptismo (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 71: AAS 56 (1964) 118). No caso do Baptismo dum adulto, este recebe imediatamente a Confirmação e participa na Eucaristia (Cf. CIC can. 866).
1299. No rito romano, o bispo estende as mãos sobre o grupo dos confirmandos, gesto que, desde o tempo dos Apóstolos, é sinal do dom do Espírito. E o bispo invoca assim a efusão do Espírito:
«Deus todo-poderoso, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, pela água e pelo Espírito Santo, destes uma vida nova a estes vossos servos e os libertastes do pecado, enviai sobre eles o Espírito Santo Paráclito; dai-lhes, Senhor, o espírito de sabedoria e de inteligência, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de ciência e de piedade, e enchei-os do espírito do vosso temor. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo» (Ordo Confirmationis, 25 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973). p. 26 [Celebração da Confirmação, 25 (Coimbra, Gráfica de Coimbra — Conferência Episcopal Portuguesa, 1991) p. 33]).
1300. Segue-se o rito essencial do sacramento. No rito latino, «o sacramento da Confirmação é conferido pela unção do santo crisma sobre a fronte, feita com a imposição da mão, e por estas palavras:
«Accipe signaculum doni Spiritus Sancti – Recebe por este sinal o
Espírito Santo, o Dom de Deus» (Paulo VI. Const. Ap. Divinae consortium naturae: AAS 63 (1971) 657 [Celebração da Confïrmação, Const. ap. sobre o Sacramento da Confirmação (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa. 1991) p. 19]).
Nas Igrejas orientais de rito bizantino, a unção do myron faz-se depois duma oração de epiclese, sobre as partes mais significativas do corpo: a fronte, os olhos, o nariz, os ouvidos, os lábios, o peito, as costas, as mãos e os pés, sendo cada unção acompanhada da fórmula:
«Σφραγίζ δωραζ Πυεύματζ Άγίoυ» («Signaculum doni Spiritus Sancti – Selo do dom que é o Espírito Santo» ) (Rituale per le Chiese orientali di rito bizantino in lingua greca, Pars 1 (Libreria Editrice Vaticana 1954) p. 36).
1301. O ósculo da paz, com que termina o rito do sacramento, significa e manifesta a comunhão eclesial com o bispo e com todos os fiéis (Cf. Santo Hipólito, Traditio apostolica, 21: ed. B. Botte (Münster i.W. 1989) p. 54).
Os efeitos da Confirmação (1302-1305)
Segunda-feira
1302. Ressalta desta celebração que o efeito do sacramento da Confirmação é uma efusão especial do Espírito Santo, tal como outrora foi concedida aos Apóstolos, no dia de Pentecostes.
1303. Por esse facto, a Confirmação proporciona crescimento e aprofundamento da graça baptismal:
– enraíza-nos mais profundamente na filiação divina, que nos leva a dizer « Abba! Pai!» (Rm 8, 15);
– une-nos mais firmemente a Cristo;
– aumenta em nós os dons do Espírito Santo;
– torna mais perfeito o laço que nos une à Igreja (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15);
– dá-nos uma força especial do Espírito Santo para propagarmos e defendermos a fé, pela palavra e pela acção, como verdadeiras testemunhas de Cristo, para confessarmos com valentia o nome de Cristo, e para nunca nos envergonharmos da cruz (Cf. Concílio de Florença, Decretum por Armenis: DS 1319: II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15; Ibid., 12: AAS 57 (1965) 16):
«Lembra-te, pois, de que recebeste o sinal espiritual, o espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de ciência e de piedade, o espírito do santo temor, e guarda o que recebeste. Deus Pai marcou-te com o seu sinal, o Senhor Jesus Cristo confirmou-te e pôs no teu coração o penhor do Espírito» (Santo Ambrósio, De mysteriis, 7, 42: CSEL 73, 106 (PL 16, 402-403)).
1304. Tal como o Baptismo, de que é a consumação, a Confirmação é dada uma só vez. Com efeito, a Confirmação imprime na alma uma marca espiritual indelével, o «carácter» (Cf. Concílio de Trento, Decretum de sacramentis. Canones de sacramentis in genere, can. 9: DS 1609), que é sinal de que Jesus Cristo marcou um cristão com o selo do seu Espírito, revestindo-o da fortaleza do Alto, para que seja sua testemunha (Cf. Lc 24, 48-49).
1305. O «carácter» aperfeiçoa o sacerdócio comum dos fiéis, recebido no Baptismo, e «o confirmado recebe a força de confessar a fé de Cristo publicamente e como em virtude dum encargo oficial (quasi ex officio)» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae 3, q. 72, a. 5. ad 2: Ed. Leon. 12. 130).
Creio no Espírito Santo (683-684)
Terça-feira
683. «Ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor” a não ser pela acção do Espírito Santo» (1Cor 12, 3). «Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: “Abbá! Pai!’» (Gl 4, 6).
Este conhecimento da fé só é possível no Espírito Santo. Para estar em contacto com Cristo, é preciso primeiro ter sido tocado pelo Espírito Santo. É Ele que nos precede e suscita em nós a fé. Em virtude do nosso Baptismo, primeiro sacramento da fé, a Vida, que tem a sua fonte no Pai e nos é oferecida no Filho, é-nos comunicada, íntima e pessoalmente, pelo Espírito Santo na Igreja:
O Baptismo «dá-nos a graça do novo nascimento em Deus Pai, por meio do Filho no Espírito Santo. Porque aqueles que têm o Espírito de Deus são conduzidos ao Verbo, isto é, ao Filho: mas o Filho apresenta-os ao Pai, e o Pai dá-lhes a incorruptibilidade. Portanto, sem o Espírito não é possível ver o Filho de Deus, e sem o Filho ninguém tem acesso ao Pai, porque o conhecimento do Pai é o Filho, e o conhecimento do Filho de Deus faz-se pelo Espírito Santo»(Santo Ireneu de Lião, Demonstratio praedicationis apostolicae, 7: SC 62, 41-42).
684. O Espírito Santo, pela sua graça, é o primeiro no despertar da nossa fé e na vida nova que consiste em conhecer o Pai e Aquele que Ele enviou, Jesus Cristo (Cf. Jo 17, 3). No entanto, Ele é o último na revelação das Pessoas da Santíssima Trindade. São Gregário de Nazianzo, «o Teólogo», explica esta progressão pela pedagogia da «condescendência» divina:
«O Antigo Testamento proclamava manifestamente o Pai e mais obscuramente o Filho. O Novo manifestou o Filho e fez entrever a divindade do Espírito. Agora, porém, o próprio Espírito vive connosco e manifesta-se a nós mais abertamente. Com efeito, quando ainda não se confessava a divindade do Pai, não era prudente proclamar abertamente o Filho: e quando a divindade do Filho ainda não era admitida, não era prudente acrescentar o Espírito Santo como um fardo suplementar, para empregar uma expressão um tanto ousada […] É por avanços e progressões “de glória em glória ” que a luz da Trindade brilhará em mais esplendorosas claridades» (São Gregório de Nazianzo, Oratio 31 (Theologica 5), 26: SC 250, 326 (PG 36, 161-164)).
Creio no Espírito Santo, II (685-686)
Quarta-feira
685. Crer no Espírito é, portanto, professar que o Espírito Santo é uma das Pessoas da Santíssima Trindade, consubstancial ao Pai e ao Filho, «adorado e glorificado com o Pai e o Filho» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150). É por isso que tratamos do mistério divino do Espírito Santo na «teologia» trinitária. Portanto, aqui só trataremos do Espírito Santo no âmbito da «economia» divina.
686. O Espírito Santo age juntamente com o Pai e o Filho, desde o princípio até à consumação do desígnio da nossa salvação. Mas é nestes «últimos tempos», inaugurados com a Encarnação redentora do Filho, que Ele é revelado e dado, reconhecido e acolhido como Pessoa. Então, esse desígnio divino, consumado em Cristo, «Primogénito» e Cabeça da nova criação, poderá tomar corpo na humanidade pelo Espírito derramado: a Igreja, a comunhão dos santos, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne, a vida eterna.
Creio no Espírito Santo, III (687-688)
Quinta-feira
687. «Ninguém conhece o que há em Deus, senão o Espírito de Deus» (1 Cor 2, 11).
Ora, o seu Espírito, que O revela, faz-nos conhecer Cristo, seu Verbo, sua Palavra viva; mas não Se diz a Si próprio. Aquele que «falou pelos profetas» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150) faz-nos ouvir a Palavra do Pai. Mas a Ele, nós não O ouvimos. Não O conhecemos senão no movimento em que Ele nos revela o Verbo e nos dispõe a acolhê-Lo na fé. O Espírito de verdade, que nos «revela» Cristo, «não fala de Si próprio» ( Cf. Jo 16, 13. ). Tal escondimento, propriamente divino, explica porque é que «o mundo não O pode receber, porque não O vê nem O conhece», enquanto aqueles que crêem em Cristo O conhecem, porque habita com eles e está neles (Jo 14, 17).
688. A Igreja, comunhão viva na fé dos Apóstolos que ela transmite, é o lugar do nosso conhecimento do Espírito Santo:
— Nas Escrituras, que Ele inspirou:
— na Tradição, de que os Padres da Igreja são testemunhas sempre actuais;
— no Magistério da Igreja, que Ele assiste;
— na liturgia sacramental, através das suas palavras e dos seus símbolos, em que o Espírito Santo nos põe em comunhão com Cristo;
— na oração, em que Ele intercede por nós;
— nos carismas e ministérios, pelos quais a Igreja é edificada;
— nos sinais de vida apostólica e missionária;
— no testemunho dos santos, nos quais Ele manifesta a sua santidade e continua a obra da salvação.
A missão conjunta do Filho e do Espírito (689-690)
Sexta-feira
689. Aquele que o Pai enviou aos nossos corações, o Espírito do seu Filho (Cf. Gl 4, 6), é realmente Deus. Consubstancial ao Pai e ao Filho, é d’Eles inseparável, tanto na vida íntima da Trindade como no seu dom de amor pelo mundo. Mas ao adorar a Santíssima Trindade, vivificante, consubstancial e indivisível, a fé da Igreja professa também a distinção das Pessoas. Quando o Pai envia o seu Verbo, envia sempre o seu Espírito: missão conjunta na qual o Filho e o Espírito Santo são distintos mas inseparáveis. Sem dúvida, é Cristo quem aparece, Ele que é a Imagem visível de Deus invisível; mas é o Espírito Santo quem O revela.
690. Jesus é Cristo, «ungido», porque o Espírito é d’Ele a Unção; e tudo quanto acontece a partir da Encarnação, decorre desta plenitude (Cf. Jo 3, 34). Finalmente, quando Cristo é glorificado (Cf. Jo 7, 39), pode, por sua vez, enviar de junto do Pai, o Espírito, aos que crêem n’Ele: comunica-lhes a sua glória (Cf. Jo 17, 22), quer dizer, o Espírito Santo que O glorifica (Cf. Jo 16, 14). A missão conjunta desenvolver-se-á, a partir desse momento, nos filhos adoptados pelo Pai no Corpo do seu Filho: a missão do Espírito de adopção consistirá em uni-los a Cristo e fazê-los viver n’ Ele:
«A unção sugere… que não há nenhuma distância entre o Filho e o Espírito. Com efeito, do mesmo modo que entre a superfície do corpo e a unção do óleo, nem a razão nem os sentidos encontram qualquer entremeio, assim é imediato o contacto do Filho com o Espírito, de tal modo que aquele que vai tomar contacto com o Filho pela fé, tem que contactar primeiro com o óleo. Com efeito, não há pane alguma que esteja despida do Espírito Santo. É por isso que a confissão do Senhorio do Filho se faz no Espírito Santo para aqueles que a recebem, pois o Espírito vem, de todos os lados, ao encontro daqueles que se aproximam pela fé» (São Gregório de Nissa, Adversus Macedonianos de Spiritu Sancto, 16: Gregorii Nysseni
opera, ed. W. Jaeger-H. Langerbeck, V. 3/1 (Leiden 1958) p. 102-103 (PG 45, 1321)).
Jesus subiu aos céus (659-661)
Sábado
659. «Então, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus» (Mc 16, 19).
O corpo de Cristo foi glorificado desde o momento da sua ressurreição, como o provam as propriedades novas e sobrenaturais de que, a partir de então, ele goza permanentemente (Cf. Lc 24. 31; Jo 20, 19.26). Mas, durante os quarenta dias em que vai comer e beber familiarmente com os discípulos (Cf. Act 10, 41) e instruí-los sobre o Reino (Cf. Act 1, 3), a sua glória fica ainda velada sob as aparências duma humanidade normal (Cf. Mc 16, 12; Lc 24. 15; Jo 20, 14-15; 21, 4). A última aparição de Jesus termina com a entrada irreversível da sua humanidade na glória divina, simbolizada pela nuvem (Cf. Act 1, 9; também Lc 9. 34-35; Ex 13, 22) e pelo céu (Cf. Lc 24, 51). onde a partir de então, está sentado à direita de Deus (Cf. Mc 16, 19; Act 2, 33; 7. 56: também Sl 110, 1). Só de modo absolutamente excepcional e único é que Se mostrará a Paulo, «como a um aborto» (1 Cor 15, 8), numa última aparição que o constitui Apóstolo (Cf. 1 Cor 9, 1: Gl 1, 16).
660. O carácter velado da glória do Ressuscitado, durante este tempo, transparece na sua misteriosa palavra a Maria Madalena:
« […] ainda não subi para o Pai. Vai ter com os meus irmãos e diz-lhes que vou subir para o meu Pai e vosso Pai, para o meu Deus e vosso Deus» (Jo 20, 17).
Isto indica uma diferença entre a manifestação da glória de Cristo Ressuscitado e a de Cristo exaltado à direita do Pai. O acontecimento da ascensão, ao mesmo tempo histórico e transcendente, marca a transição duma para a outra.
661. Esta última etapa continua intimamente unida à primeira, isto é, à descida do céu realizada na Encarnação. Só Aquele que «saiu do Pai» pode «voltar para o Pai»: Cristo (Cf. Jo 16, 28).
«Ninguém subiu ao céu senão Aquele que desceu do céu: o Filho do Homem» (Jo 3, 13) (Cf. Ef 4, 8-10).
Abandonada às suas forças naturais, a humanidade não tem acesso à «Casa do Pai» (Cf. Jo 14, 2), à vida e à felicidade de Deus. Só Cristo Ode abrir ao homem este acesso:
«subindo aos céus, como nossa cabeça e primogénito, deu-nos a esperança de irmos um dia ao seu encontro, como membros do seu corpo» (Prefácio de Ascensão, I: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 410 [Missal Romano. Gráfica de Coimbra 1992. 474]).
VII Semana do Tempo Pascal
Ascensão do Senhor: Está sentado à direita do Pai (662-664)
Domingo
662. «E Eu, uma vez elevado da terra, atrairei todos a Mim» (Jo 12, 32). A elevação na cruz significa e anuncia a elevação da ascensão aos céus. É o princípio dela, Jesus Cristo, o único sacerdote da nova e eterna Aliança, «não entrou num santuário feito por homens […]. Entrou no próprio céu, a fim de agora se apresentar diante de Deus em nosso favor» (Heb 9, 24). Nos céus, Cristo exerce permanentemente o seu sacerdócio, «sempre vivo para interceder a favor daqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus» (Heb 7, 25). Como «sumo sacerdote dos bens futuros» (Heb 9, 11), Ele é o centro e o ator principal da liturgia que honra o Pai que está nos céus (Cf. Ap 4, 6-11).
663. Doravante, Cristo está sentado à direita do Pai:
«Por direita do Pai entendemos a glória e a honra da divindade, em cujo seio Aquele que, antes de todos os séculos, existia como Filho de Deus, como Deus e consubstancial ao Pai, tomou assento corporalmente desde que encarnou e o seu corpo foi glorificado» (São João Damasceno, Expositio fidei, 75 [De fide Orthodoxa 4, 2]: PTS 12. 173 (PG 94, 104D)).
664. Sentar-se à direita do Pai significa a inauguração do Reino messiânico, cumprimento da visão do profeta Daniel a respeito do Filho do Homem:
«Foi-Lhe entregue o domínio, a majestade e a realeza, e todos os povos, nações e línguas O serviram. O seu domínio é um domínio eterno, que não passará jamais, e a sua realeza não será destruída» (Dn 7, 14).
A partir deste momento, os Apóstolos tornaram-se as testemunhas do «Reino que não terá fim» (Cf. Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150).
O Espírito Santo e a Igreja na liturgia (1091-1092)
Segunda-feira
1091. Na liturgia, o Espírito Santo é o pedagogo da fé do povo de Deus, o artífice das «obras-primas de Deus» que são os sacramentos da Nova Aliança. O desejo e a obra do Espírito no coração da Igreja é que nós vivamos da vida de Cristo ressuscitado. Quando Ele encontra em nós a resposta da fé que suscitou, realiza-se uma verdadeira cooperação. E, por ela, a liturgia torna-se a obra comum do Espírito Santo e da Igreja.
1092. Nesta dispensação sacramental do mistério de Cristo, o Espírito Santo age do mesmo modo que nos outros tempos da economia da salvação: prepara a Igreja para o encontro com o seu Senhor; lembra e manifesta Cristo à fé da assembleia; torna presente e atualiza o mistério de Cristo pelo seu poder transformante; e finalmente, enquanto Espírito de comunhão, une a Igreja à vida e à missão de Cristo.
O Espírito Santo prepara para acolher a Cristo (1093-1098)
Terça-feira
1093. O Espírito Santo realiza, na economia sacramental, as figuras da Antiga Aliança. Uma vez que a Igreja de Cristo estava «admiravelmente preparada na história do povo de Israel e na Antiga Aliança» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 2: AAS 57 (1965) 6), a liturgia da Igreja conserva, como parte integrante e insubstituível, fazendo-os seus, elementos do culto dessa Antiga Aliança:
– principalmente a leitura do Antigo Testamento;
– a oração dos Salmos;
– e sobretudo, o memorial dos acontecimentos salvíficos e das realidades significativas, que encontraram o seu cumprimento no mistério de Cristo (a Promessa e a Aliança, o Êxodo e a Páscoa, o Reino e o Templo, o Exílio e o regresso).
1094. É com base nesta harmonia dos dois Testamentos (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 14-16: AAS 58 (1966) 824-625) que se articula a catequese pascal do Senhor (Cf. Lc 24, 13-49) e, depois, a dos Apóstolos e dos Padres da Igreja. Esta catequese desvenda o que estava oculto sob a letra do Antigo Testamento: o mistério de Cristo. É chamada «tipológica», porque revela a novidade de Cristo a partir das «figuras» (tipos) que a anunciavam nos factos, palavras e símbolos da primeira Aliança. Por esta releitura no Espírito de verdade a partir de Cristo, as figuras são desvendadas (Cf. 2 Cor 3, 14-16). Assim, o dilúvio e a arca de Noé prefiguravam a salvação pelo Baptismo (Cf. 1 Pe 3, 21), tal como a nuvem, a travessia do Mar Vermelho e a água do rochedo eram figura dos dons espirituais de Cristo (Cf. 1 Cor 10, 1-6); e o maná do deserto prefigurava a Eucaristia, «o verdadeiro Pão do céu» (Jo 6, 48).
1095. É por isso que a Igreja, especialmente por ocasião dos tempos do Advento, da Quaresma e sobretudo na noite da Páscoa, relê e revive todos estes grandes acontecimentos da história da salvação no «hoje» da sua liturgia. Isso, porém, exige igualmente que a catequese ajude os fiéis a abrirem-se a esta inteligência «espiritual» da economia da salvação, tal como a liturgia da Igreja a manifesta e no-la faz viver.
1096. Liturgia judaica e liturgia cristã. Um melhor conhecimento da fé e da vida religiosa do povo judeu, tal como ainda agora são professadas e vividas, pode ajudar a compreender melhor certos aspectos da liturgia cristã. Para os judeus, tal como para os cristãos, a Sagrada Escritura é uma parte essencial das suas liturgias: para a proclamação da Palavra de Deus, a resposta a esta Palavra, a oração de louvor e de intercessão por vivos e mortos, o recurso à misericórdia divina. A liturgia da Palavra, na sua estrutura própria, encontra a sua origem na oração judaica. A Oração das Horas e outros textos e formulários litúrgicos têm nela os seus paralelos, assim como as próprias fórmulas das nossas orações mais veneráveis, como o Pai Nosso. As orações eucarísticas inspiram-se também em modelos de tradição judaica. A relação entre a liturgia judaica e a liturgia cristã, como igualmente a diferença dos respectivos conteúdos, são particularmente visíveis nas grandes festas do ano litúrgico, como a Páscoa. Tanto os cristãos como os judeus celebram a Páscoa: a Páscoa da história, virada para o futuro, entre os judeus: a Páscoa consumada na morte e ressurreição de Cristo, entre os cristãos – embora sempre na esperança da sua consumação definitiva.
1097. Na liturgia da Nova Aliança, toda a ação litúrgica, especialmente a celebração da Eucaristia e dos sacramentos, é um encontro entre Cristo e a Igreja. A assembleia litúrgica recebe a sua unidade da «comunhão do Espírito Santo», que reúne os filhos de Deus no único corpo de Cristo. Ultrapassa todas as afinidades humanas, raciais, culturais e sociais.
1098. A assembleia deve preparar-se para o encontro com o seu Senhor, ser «um povo bem disposto» (Cf. Lc 1, 17). Esta preparação dos corações é obra comum do Espírito Santo e da assembleia, particularmente dos seus ministros. A graça do Espírito Santo procura despertar a fé, a conversão do coração e a adesão à vontade do Pai. Estas disposições pressupõem-se para receber outras graças oferecidas na própria celebração, e para os frutos de vida nova que ela é destinada a produzir em seguida.
O Espírito Santo recorda o mistério de Cristo (1099-1103)
Quarta-feira
1099. O Espírito e a Igreja cooperam para manifestar Cristo e a sua obra de salvação na liturgia. Principalmente na Eucaristia, e analogicamente nos outros sacramentos, a liturgia é o memorial do mistério da salvação. O Espírito Santo é a memória viva da Igreja (Cf. Jo 14, 26).
1100. A Palavra de Deus. O Espírito Santo lembra à assembleia litúrgica, em primeiro lugar, o sentido do acontecimento salvífico, dando vida à Palavra de Deus, que é anunciada para ser recebida e vivida:
«É enorme a importância da Sagrada Escritura na celebração da liturgia. Porque é a ela que se vão buscar as leituras que se explicam na homilia e os salmos para cantar; com o seu espírito e da sua inspiração nasceram as preces, as orações e os hinos litúrgicos: dela tiram a sua capacidade de significação as ações e os sinais» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosactum Concilium, 24: AAS 56 (1964) 106-107).
1101. É o Espírito Santo que dá aos leitores e ouvintes, segundo a disposição dos seus corações, a inteligência espiritual da Palavra de Deus. Através das palavras, acções e símbolos, que formam a trama duma celebração, o Espírito Santo põe os fiéis e os ministros em relação viva com Cristo, Palavra e Imagem do Pai, de modo a poderem fazer passar para a sua vida o sentido daquilo que ouvem, vêem e fazem na celebração.
1102. «É pela Palavra da salvação […] que a fé é alimentada no coração dos fiéis; e é mercê da fé que tem início e se desenvolve a reunião dos fiéis» (II Concílio do Vaticano, Decr. Presbiterorum ordinis, 4: AAS 58 (1966) 996).
O anúncio da Palavra de Deus não se fica por um ensinamento: faz apelo à resposta da fé, enquanto assentimento e compromisso, em vista da aliança entre Deus e o seu povo. É ainda o Espírito Santo que dá a graça da fé, a fortifica e a faz crescer na comunidade. A assembleia litúrgica é, antes de mais, comunhão na fé.
1103. A anamnese. A celebração litúrgica refere-se sempre às intervenções salvíficas de Deus na história.
«A economia da revelação realiza-se por meio de ações e palavras intimamente relacionadas entre si […]; as palavras […] declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 2: AAS 58 (1966) 818).
Na liturgia da Palavra, o Espírito Santo «lembra» à assembleia tudo quanto Cristo fez por nós. Segundo a natureza das acções litúrgicas e as tradições rituais das Igrejas, uma celebração «faz memória» das maravilhas de Deus numa anamnese mais ou menos desenvolvida. O Espírito Santo, que assim desperta a memória da Igreja, suscita então a acção de graças e o louvor (doxologia).
O Espírito Santo atualiza o mistério de Cristo (1104-1107)
Quinta-feira
1104. A liturgia cristã não se limita a recordar os acontecimentos que nos salvaram: atualiza-os, torna-os presentes. O mistério pascal de Cristo celebra-se, não se repete; as celebrações é que se repetem. Mas em cada uma delas sobrevém a efusão do Espírito Santo, que atualiza o único mistério.
1105. A epiclese («invocação sobre») é a intercessão mediante a qual o sacerdote suplica ao Pai que envie o Espírito santificador para que as oferendas se tornem o corpo e o sangue de Cristo e para que, recebendo-as, os fiéis se tornem eles próprios uma oferenda viva para Deus.
1106. Juntamente com a anamnese, a epiclese é o coração de qualquer celebração sacramental, e mais particularmente da Eucaristia:
«Tu perguntas como é que o pão se torna corpo de Cristo, e o vinho [..] sangue de Cristo? Por mim, digo-te: o Espírito Santo irrompe e realiza isso que ultrapassa toda a palavra e todo o pensamento. […] Baste-te ouvir que é pelo Espírito Santo, do mesmo modo que é da Santíssima Virgem e pelo Espírito Santo que o Senhor, por Si mesmo e em Si mesmo, assumiu a carne» (São João Damasceno, Expositio fidei, 86 [De fide orthodoxa, 4, 13]: PTS 12, 194-195 (PG 94, 1141.1145)).
1107. O poder transformante do Espírito Santo na liturgia apressa a vinda do Reino e a consumação do mistério da salvação. Na expectativa e na esperança. Ele faz-nos realmente antecipar a comunhão plena da Santíssima Trindade. Enviado pelo Pai, que atende a epiclese da Igreja, o Espírito dá a vida aos que O acolhem e constitui para eles, desde já, as «arras» da sua herança (Cf. Ef 1, 14; 2 Cor 1, 22).
A comunhão do Espírito Santo (1108-1109)
Sexta-feira
1108. A finalidade da missão do Espírito Santo em toda a ação litúrgica é pôr-nos em comunhão com Cristo, para formarmos o seu corpo. O Espírito Santo é como que a seiva da Videira do Pai, que dá fruto nos sarmentos (Cf. Jo 15, 1-17; Gl 5, 22). Na liturgia, realiza-se a mais íntima cooperação do Espírito Santo com a Igreja. Ele, Espírito de comunhão, permanece indefectivelmente na Igreja, e é por isso que a Igreja é o grande sacramento da comunhão divina que reúne os filhos de Deus dispersos. O fruto do Espírito na liturgia é, inseparavelmente, comunhão com a Santíssima Trindade e comunhão fraterna (Cf. 1 Jo 1, 3-7).
1109. A epiclese é também oração pelo pleno efeito da comunhão da assembleia no mistério de Cristo. «A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo» (2 Cor 13, 13) devem estar sempre connosco e dar frutos, para além da celebração eucarística. Por isso, a Igreja pede ao Pai que envie o Espírito Santo, para que faça da vida dos fiéis uma oferenda viva para Deus pela transformação espiritual à imagem de Cristo, pela preocupação com a unidade da Igreja e pela participação na sua missão, mediante o testemunho e o serviço da caridade.
Vinde, Espírito Santo (2670-2672)
Sábado
2670. «Ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor”, a não ser pela ação do Espírito Santo» (1 Cor 12, 3). Todas as vezes que começamos a orar a Jesus, é o Espírito Santo que, pela sua graça preveniente, nos atrai para o caminho da oração. Uma vez que Ele nos ensina a orar lembrando-nos Cristo, como orar-Lhe a Ele próprio? A Igreja convida-nos, pois, a implorar cada dia o Espírito Santo, especialmente no princípio e no fim de qualquer ato importante.
«Se o Espírito Santo não deve ser adorado, como é que Ele me diviniza pelo Batismo? E se deve ser adorado, não há-de ser objecto dum culto particular?» (São Gregório de Nazianzo, Oratio 31 (theologica 5), 28: SC 250, 332 (PG 36, 165)).
2671. A forma tradicional de pedir o Espírito é invocar o Pai, por Cristo, nosso Senhor, para que nos dê o Espírito Consolador (Cf. Lc 11, 13). Jesus insiste nesta petição em seu nome no próprio momento em que promete o dom do Espírito de verdade (Cf. Jo 14, 17; 15, 26; 16, 13). Mas também é tradicional a oração mais simples e mais directa: «Vinde, Espírito Santo». Cada tradição litúrgica desenvolveu-a em antífonas e hinos:
«Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor» (Solenidade de Pentecostes, Antífona do «Magnificat» nas I Vésperas: Liturgia Horarum, editio typica, v. 2 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 798 [Liturgia das Horas, v. 2 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 930]; cf. Solenidade de Pentecostes, Sequência na Missa do dia: Lectionarium, v. 1, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970) p. 855-856 [Leccionário Dominical. Ano A (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa, 1993) p. 238]).
«Rei celeste, Espírito consolador, Espírito da verdade, presente em toda a parte e tudo enchendo, tesouro de todo o bem e fonte da vida, vem, habita em nós, purifica-nos e salva-nos, Tu que és Bom!» (Ofício das Horas Bizantino, Vésperas do dia de Pentecostes, Sticherum 4: Pentêkostárion (Rome 1884) p. 394).
2672. O Espírito Santo, cuja unção impregna todo o nosso ser, é o mestre interior da oração cristã. É o artífice da tradição viva da oração. Há, é certo, tantos caminhos na oração como orantes; mas é o mesmo Espírito que age em todos e com todos. É na comunhão do Espírito Santo que a oração cristã é oração na Igreja.
O Espírito Santo, Dom de Deus (731-736)
Domingo de Pentecostes
731. No dia de Pentecostes (no termo das sete semanas pascais), a Páscoa de Cristo completou-se com a efusão do Espírito Santo que Se manifestou, Se deu e Se comunicou como Pessoa divina: da sua plenitude, Cristo Senhor derrama em profusão o Espírito (Cf. Act 2, 33-36).
732. Neste dia, revelou-Se plenamente a Santíssima Trindade. A partir deste dia, o Reino anunciado por Cristo abre-se aos que n’Ele crêem. Na humildade da carne e na fé, eles participam já na comunhão da Santíssima Trindade. Pela sua vinda, que não cessará jamais, o Espírito Santo faz entrar no mundo nos «últimos tempos», no tempo da Igreja, no Reino já herdado mas ainda não consumado:
«Nós vimos a verdadeira Luz, recebemos o Espírito celeste, encontrámos a verdadeira fé: adoramos a Trindade indivisível, porque foi Ela que nos salvou» (Liturgia bizantina, Oficio das Horas, Vésperas de Pentecostes, Sticherum 4: Pentekostárion (Romae 1884) p. 390).
733. «Deus é Amor» (1 Jo 4, 8.16) e o Amor é o primeiro dom, que contém todos os outros. Este amor «derramou-o Deus nos nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5).
734. Uma vez que estamos mortos, ou pelo menos feridos pelo pecado, o primeiro efeito do dom do Amor é a remissão dos nossos pecados. E é a comunhão do Espírito Santo (2 Cor 13, 13) que, na Igreja, restitui aos baptizados a semelhança divina perdida pelo pecado.
735. Ele dá-nos então as «arras» ou as «primícias» da nossa herança (Cf. Rm 8, 23; 2 Cor 1, 22): a própria vida da Santíssima Trindade, que consiste em amar «como Ele nos amou» (Cf. 1 Jo 4, 11-12). Este amor (a caridade de que se fala em 1 Cor 13) é o princípio da vida nova em Cristo, tornada possível graças ao facto de termos «recebido uma força vinda do alto, a do Espírito Santo» (Act 1, 8).
736. É graças a esta força do Espírito que os filhos de Deus podem dar fruto. Aquele que nos enxertou na verdadeira Vide far-nos-á dar «os frutos do Espírito: caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, auto-domínio» (Gl 5, 22-23). «O Espírito é a nossa vida»: quanto mais renunciarmos a nós próprios (Cf. Mt 16, 24-26), mais «caminharemos segundo o Espírito» (Cf. Gl 5, 25):
«Pela comunhão com Ele, o Espírito Santo torna-nos espirituais, recoloca-nos no paraíso, reconduz-nos ao Reino dos céus e à adopção filial, dá-nos a confiança de chamar Pai a Deus e de participar na graça de Cristo, de ser chamados filhos da luz e de tomar parte na glória eterna» (São Basílio Magno, Liber de Spiritu Sancto 15, 36: SC 17bis. 370 (PG 32, 132)).
As obras divinas e as missões trinitárias (257-260)
Santíssima Trindade (domingo depois de Pentecostes)
257. «O lux beata Trinitas et principalis Unitas! – Ó Trindade. Luz ditosa, ó primordial Unidade!» (Hino das II Vésperas de Domingo, nas semanas 2 e 4: Liturgia Horarum, editio typica, 3 (Typis Poliglottis Vaticanis Poliglottis Vaticanis 1974) p. 632 e 879 [Este hino está traduzido na ed. portuguesa: Liturgia das Horas (Gráfica de Coimbra 1983), v. 3, p. 86 e N. 4, p. 86]).
Deus é eterna bem-aventurança, vida imortal, luz sem ocaso. Deus é amor: Pai, Filho e Espírito Santo. Livremente. Deus quer comunicar a glória da sua vida bem-aventurada. Tal é o «mistério da sua vontade» (Ef 1, 9) que Ele concebeu antes da criação do mundo em seu Filho muito-amado, uma vez que nos «destinou de antemão a que nos tornássemos seus filhos adoptivos por Jesus Cristo» (Ef 1, 5), quer dizer, a sermos «conformes à imagem do seu Filho» (Rm 8, 29), graças ao «Espírito que faz de vós filhos adoptivos» (Rm 8, 15). Este desígnio é uma «graça que nos foi dada […] desde toda a eternidade» (2 Tm 1, 9), a qual procede imediatamente do amor trinitário. E este amor manifesta-se na obra da criação, em toda a história da salvação depois da queda, e nas missões do Filho e do Espírito, continuadas pela missão da Igreja (II Concílio de Vaticano, Decr. Ad gentes, 2-9: AAS 58 (1966) 948-958).
258. Toda a economia divina é obra comum das três pessoas divinas. Assim como não tem senão uma e a mesma natureza, a Trindade não tem senão uma e a mesma operação (II Concílio de Constantinopla (ano 553), Anathematismi de tribus Capitulis, 1: DS 421).
«O Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três princípios das criaturas, mas um só princípio» (Concílio de Florença, Decretum pro Incobitis (ano 1442): DS 1331)
No entanto, cada pessoa divina realiza a obra comum segundo a sua propriedade pessoal. É assim que a Igreja confessa, na sequência do Novo Testamento (Cf. 1 Cor 8, 6), «um só Deus e Pai, de Quem são todas as coisas; um só Senhor Jesus Cristo, para Quem são todas as coisas; e um só Espírito Santo, em Quem são todas as coisas» (II Concílio de Constantinopla (ano 553). Anathematismi de tribus Capitulis, 1: DS 421). São sobretudo as missões divinas da Encarnação do Filho e do dom do Espírito Santo que manifestam as propriedades das pessoas divinas.
259. Obra ao mesmo tempo comum e pessoal, toda a economia divina faz conhecer não só a propriedade das pessoas divinas, mas também a sua única natureza. Por isso, toda a vida cristã é comunhão com cada uma das pessoas divinas, sem de modo algum as separar. Todo aquele que dá glória ao Pai, fá-lo pelo Filho no Espírito Santo: todo aquele que segue Cristo, fá-lo porque o Pai o atrai (Cf. Jo 6. 44) e o Espírito o move (Cf. Rm 8, 14).
260. O fim último de toda a economia divina é o acesso das criaturas à unidade perfeita da bem-aventurada Trindade (Cf. Jo 17, 21-23). Mas já desde agora nós somos chamados a ser habitados pela Santíssima Trindade:
«Quem me tem amor, diz o Senhor, porá em prática as minhas palavras. Meu Pai amá-lo-á; Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada» (Jo 14, 23):
«Ó meu Deus, Trindade que eu adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente de mim, para me estabelecer em Vós, imóvel e pacifica como se já a minha alma estivesse na eternidade. Que nada possa perturbar a minha paz, nem fazer-me sair de Vós, ó meu Imutável, mas que cada minuto me leve mais longe na profundeza do vosso mistério! Pacificai a minha alma, fazei dela o vosso céu, vossa morada querida e o lugar do vosso repouso. Que nunca ai eu Vos deixe só, mas que esteja lá inteiramente, toda desperta na minha fé, toda em adoração, toda entregue à vossa ação criadora» (Beata Isabel da Trindade, Élévation à la Trinité: Écrits spirituels. 50. ed. M. M. Philipon (Paris 1949), p. 80. [Escritos espirituais (Oeiras, Edições Carmelo 1989) p. 327]).
O Sacramento da Eucaristia (1322-1327)
Santíssimo Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo (quinta-feira depois da Santíssima Trindade)
1322. A sagrada Eucaristia completa a iniciação cristã. Aqueles que foram elevados à dignidade do sacerdócio real pelo Baptismo e configurados mais profundamente com Cristo pela Confirmação, esses, por meio da Eucaristia, participam, com toda a comunidade, no próprio sacrifício do Senhor.
1323. «O nosso Salvador instituiu na última ceia, na noite em que foi entregue, o sacrifício eucarístico do seu corpo e sangue, para perpetuar pelo decorrer dos séculos, até voltar, o sacrifício da cruz, confiando à Igreja, sua esposa amada, o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da glória futura» (II Concílio do Vaticano, Sacrosactum concilium, 47: .AAS 56 (1964) 113).
1324. A Eucaristia é «fonte e cume de toda a vida cristã» (1II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15).
«Os restantes sacramentos, assim como todos os ministérios eclesiásticos e obras de apostolado, estão vinculados com a sagrada Eucaristia e a ela se ordenam. Com efeito, na santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, nossa Páscoa» (II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum ordinis, 5: AAS 58 (1966) 997).
1325. «A comunhão de vida com Deus e a unidade do povo de Deus, pelas quais a Igreja é o que é, são significados e realizados pela Eucaristia. Nela se encontra o cume, ao mesmo tempo, da acção pela qual Deus, em Cristo, santifica o mundo, e do culto que no Espírito Santo os homens prestam a Cristo e, por Ele, ao Pai» (Sagrada Congregação dos Ritos, Instr. Eucharisticum mysterium, 6: AAS 59 (1967) 545).
1326. Enfim, pela celebração eucarística, unimo-nos desde já à Liturgia do céu e antecipamos a vida eterna, quando «Deus for tudo em todos» (1 Cor 15, 18 ).
1327. Em síntese, a Eucaristia é o resumo e a súmula da nossa fé:
«A nossa maneira de pensar está de acordo com a Eucaristia: e, por sua vez, a Eucaristia confirma a nossa maneira de pensar» (Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses 4, 18, 5: SC 100, 610 (PG 7, 1028)).
O corpo e o Coração do Verbo encarnado (476-478)
Sagrado Coração de Jesus (sexta-feira após o 2º domingo depois de Pentecostes)
476. Uma vez que o Verbo Se fez carne, assumindo uma verdadeira natureza humana, o corpo de Cristo era circunscrito (Cf. Concílio de Latrão (ano 649). Canon 4: DS 504). Portanto, o rosto humano de Jesus pode ser «pintado» (Cf. Gl 3, 1). No VII Concílio ecuménico (Concílio de Nicéia (ano 787), Act. 7ª, Definitio de sacris imaginibus: DS 600-603), a Igreja reconheceu como legítimo que ele fosse representado em santas imagens.
477. Ao mesmo tempo, a Igreja sempre reconheceu que, no corpo de Jesus, «Deus que, por sua natureza, era invisível, tornou-Se visível aos nossos olhos» (Prefácio do Natal II: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 396 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 458]). Com efeito, as particularidades individuais do corpo de Cristo exprimem a pessoa divina do Filho de Deus. Este fez seus os traços do seu corpo humano, de tal modo que, pintados numa imagem sagrada, podem ser venerados porque o crente que venera a sua imagem, «venera nela a pessoa nela representada» (Concílio de Nicéia, Act.7ª, Definitio de sacris imaginibus: DS 601).
478. Jesus conheceu-nos e amou-nos, a todos e a cada um, durante a sua vida, a sua agonia e a sua paixão, entregando-Se por cada um de nós:
«O Filho de Deus amou-me e entregou-Se por mim» (Gl 2, 20).
Amou-nos a todos com um coração humano. Por esse motivo, o Sagrado Coração de Jesus, trespassado pelos nossos pecados e para nossa salvação (Cf. Jo 19, 34), «praecipuus consideratur index et symbolus… illius amoris, quo divinus Redemptor aeternum Patrem hominesque universos continenter adamat é considerado sinal e símbolo por excelência… daquele amor com que o divino Redentor ama sem cessar o eterno Pai e todos os homens» (Pio XII, Enc. Haurietis aquas: DS 3924: cf. ID.. Enc. Mystici corporis: DS 3812).
Tempo Comum
1ª Semana do Tempo Comum
Sei em quem pus minha fé (150-152)
Segunda-feira
150. Antes de mais, a fé é uma adesão pessoal do homem a Deus. Ao mesmo tempo, e inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade revelada por Deus. Enquanto adesão pessoal a Deus e assentimento à verdade por Ele revelada, a fé cristã difere da fé numa pessoa humana. É justo e bom confiar totalmente em Deus e crer absolutamente no que Ele diz. Seria vão e falso ter semelhante fé numa criatura (Cf. Jr 17, 5-6; Sl 40, 5; 146, 3-4).
151. Para o cristão, crer em Deus é crer inseparavelmente n’Aquele que Deus enviou – «no seu Filho muito amado» em quem Ele pôs todas as suas complacências (Cf. Mc 1 , 11): Deus mandou-nos que O escutássemos (Cf. Mc 9, 7). O próprio Senhor disse aos seus discípulos:
«Acreditais em Deus, acreditai também em Mim» (Jo 14, 1)
Podemos crer em Jesus Cristo, porque Ele próprio é Deus, o Verbo feito carne:
«A Deus, nunca ninguém O viu. O Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer» (Jo 1, 18).
Porque «viu o Pai» (Jo 6, 46), Ele é o único que O conhece e O pode revelar (Cf. Mt 11, 27).
152. Não é possível acreditar em Jesus Cristo sem ter parte no seu Espírito. É o Espírito Santo que revela aos homens quem é Jesus. Porque «ninguém é capaz de dizer: “Jesus é Senhor”, a não ser pela acção do Espírito Santo» (1 Cor 12, 3).
«O Espírito penetra todas as coisas, até o que há de mais profundo em Deus […]. Ninguém conhece o que há em Deus senão o Espírito de Deus» (1 Cor 2, 10-11)
Só Deus conhece inteiramente Deus. Nós cremos no Espírito Santo, porque Ele é Deus.
A fé e a inteligência (156-159)
Terça-feira
156. O motivo de crer não é o facto de as verdades reveladas aparecerem como verdadeiras e inteligíveis à luz da nossa razão natural. Nós cremos «por causa da autoridade do próprio Deus revelador, que não pode enganar-se nem enganar-nos» (I Concílio Vaticano, Const. dogm.Dei Filius. c. 3: DS 3008).
«Contudo, para que a homenagem da nossa fé fosse conforme à razão, Deus quis que os auxílios interiores do Espírito Santo fossem acompanhados de provas exteriores da sua Revelação» (I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 3: DS 3009)
Assim, os milagres de Cristo e dos santos (Cf. Mc 16, 20; Heb 2, 4), as profecias, a propagação e a santidade da Igreja, a sua fecundidade e estabilidade «são sinais certos da Revelação, adaptados à inteligência de todos» ( I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 3: DS 3009), «motivos de credibilidade», mostrando que o assentimento da fé não é, «de modo algum, um movimento cego do espírito» (I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 3: DS 3010).
157. A fé é certa, mais certa que qualquer conhecimento humano, porque se funda na própria Palavra de Deus, que não pode mentir. Sem dúvida, as verdades reveladas podem parecer obscuras à razão e à experiência humanas; mas «a certeza dada pela luz divina é maior do que a dada pela luz da razão natural» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae II-II. q. 171, 5, 3um: Ed. Leon. 10, 373).
«Dez mil dificuldades não fazem uma só dúvida» (J. H. Newman, Apologia pro vita sua, c. 5. ed. M. J. Svaglic, Oxford 1967, p. 210).
158. «A fé procura compreender» (Santo Anselmo da Cantuária, Proslogion. Prooemium: Opera omnia, ed. F. S. Schmitt. v. 1, Edimburgo 1946, p. 94): é inerente à fé o desejo do crente de conhecer melhor Aquele em quem acreditou, e de compreender melhor o que Ele revelou; um conhecimento mais profundo exigirá, por sua vez, uma fé maior e cada vez mais abrasada em amor. A graça da fé abre «os olhos do coração» (Ef 1, 18) para uma inteligência viva dos conteúdos da Revelação, isto é, do conjunto do desígnio de Deus e dos mistérios da fé, da íntima conexão que os Liga entre si e com Cristo, centro do mistério revelado. Ora, para «que a compreensão da Revelação seja cada vez mais profunda, o mesmo Espírito Santo aperfeiçoa sem cessar a fé, mediante os seus dons» (II Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 5: AAS 58 (1966) 819). Assim, conforme o dito de Santo Agostinho, «eu creio para compreender e compreendo para crer melhor» (Santo Agostinho, Sermão 43, 7, 9: CCL 41. 512 (PL 38. 258)).
159. Fé e ciência.
«Muito embora a fé esteja acima da razão, nunca pode haver verdadeiro desacordo entre ambas: o mesmo Deus, que revela os mistérios e comunica a fé, também acendeu no espírito humano a luz da razão. E Deus não pode negar-Se a Si próprio, nem a verdade pode jamais contradizer a verdade» (I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 4: DS 3017).
«É por isso que a busca metódica, em todos os domínios do saber, se for conduzida de modo verdadeiramente científico e segundo as normas da moral, jamais estará em oposição à fé: as realidades profanas e as da fé encontram a sua origem num só e mesmo Deus. Mais ainda: aquele que se esforça, com perseverança e humildade, por penetrar no segredo das coisas, é como que conduzido pela mão de Deus, que sustenta todos os seres e faz que eles sejam o que são, mesmo que não tenha consciência disso» (II Concílio Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 36: AAS 58 ((966) 1054).
A liberdade, necessidade e perseverança na fé (160-162)
Quarta-feira
160. Para ser humana, «a resposta da fé, dada pelo homem a Deus, deve ser voluntária. Por conseguinte, ninguém deve ser constrangido a abraçara fé contra vontade. Efetivamente, o ato de fé é voluntário por sua própria natureza» (II Concílio Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 10: AAS 58 (1966) 936; cf. CIC cân. 748 § 2).
«E certo que Deus chama o homem a servi-Lo em espírito e verdade; mas, se é verdade que este apelo obriga o homem em consciência, isso não quer dizer que o constranja […]. Isto foi evidente, no mais alto grau, em Jesus Cristo» (II Concílio Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 11: AAS 58 (1966) 936).
De facto, Cristo convidou à fé e à conversão, mas de modo nenhum constrangeu alguém.
«Deu testemunho da verdade, mas não a impôs pela força aos seus contraditores. O seu Reino […] dilata-se graças ao amor, pelo qual, levantado na cruz, Cristo atrai a Si todos os homens (II Concílio Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 11: AAS 58 (1966) 937)».
161. Para obter a salvação é necessário acreditar em Jesus Cristo e n’Aquele que O enviou para nos salvar (Cf. Mc 16, 16; Jo 3, 36: 6, 40: etc).
«Porque “sem a fé não é possível agradar a Deus” (Heb 11, 6) e chegar a partilhar a condição de filhos seus; ninguém jamais pode justificar-se sem ela e ninguém que não “persevere nela até ao fim” (Mt 10, 22; 24, 13) poderá alcançar a vida eterna» (I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c 3: DS 3012; cf. Concílio de Trento, Sess. 6ª, Decretum de iustiftcatione, c. 8: DS 1532).
162. A fé á um dom gratuito de Deus ao homem. Mas nós podemos perder este dom inestimável. Paulo adverte Timóteo a respeito dessa possibilidade:
«Combate o bom combate, guardando a fé e a boa consciência; por se afastarem desse princípio é que muitos naufragaram na fé» (1 Tm 1, 18-19).
Para viver, crescer e perseverar até ao fim na fé, temos de a alimentar com a Palavra de Deus; temos de pedir ao Senhor que no-la aumente ( Cf. Mc 9, 24; Lc 17, 5: 22, 32); ela deve «agir pela caridade» (Gl 5, 6) (Cf. Tg 2, 14-26), ser sustentada pela esperança (Cf. Rm 15, 13) e permanecer enraizada na fé da Igreja.
A fé, começo da vida eterna em nós (163-165)
Quinta-feira
163. A fé faz que saboreemos, como que de antemão, a alegria e a luz da visão beatifica, termo da nossa caminhada nesta Terra. Então veremos Deus «face a face» (1 Cor 13, 12), «tal como Ele é» (1 Jo 3, 2). A fé, portanto, é já o princípio da vida eterna:
«Enquanto, desde já, contemplamos os benefícios da fé, como reflexo num espelho, é como se possuíssemos já as maravilhas que a nossa fé nos garante havermos de gozar um dia» (São Basílio Magno, Liber de Spiritu Sancto, 15, 36: SC 17bis. 370 (PG 32, 132); cf. São Tomás de Aquino, Summa Theologiae II-II, q. 4, a. I. c: Ed. Leon. 8. 44).
164. Por enquanto porém, «caminhamos pela fé e não vemos claramente» (2 Cor 5, 7), e conhecemos Deus «como num espelho, de maneira confusa, […] imperfeita» (1 Cor, 13, 12). Luminosa por parte d’Aquele em quem ela crê, a fé é muitas vezes vivida na obscuridade, e pode ser posta à prova. O mundo em que vivemos parece muitas vezes bem afastado daquilo que a ,fé nos diz: as experiências do mal e do sofrimento, das injustiças e da morte parecem contradizer a Boa-Nova, podem abalar a fé e tornarem-se, em relação a ela, uma tentação.
165. É então que nos devemos voltar para as testemunhas da fé: Abraão, que acreditou, «esperando contra toda a esperança» (Rm 4, 18); a Virgem Maria que, na «peregrinação da fé» (Cf. II Concílio Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 58: AAS 57 (1965) 61), foi até à «noite da fé» (João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 17: AAS 79 (1987) 381), comungando no sofrimento do seu Filho e na noite do seu sepulcro (João Paulo II, Enc. Redemptoris Mater, 18: AAS 79 (1987) 382-383); e tantas outras testemunhas da fé:
«envoltos em tamanha nuvem de testemunhas, devemos desembaraçar-nos de todo o fardo e do pecado que nos cerca, e correr com constância o risco que nos é proposto, fixando os olhos no guia da nossa fé, o qual a leva à perfeição» (Heb 12, 1-2).
A fé, ato pessoal e eclesial (166-171)
Sexta-feira
166. A fé é um acto pessoal, uma resposta livre do homem à proposta de Deus que Se revela. Mas não é um acto isolado. Ninguém pode acreditar sozinho, tal como ninguém pode viver só. Ninguém se deu a fé a si mesmo, como ninguém a si mesmo se deu a vida. Foi de outrem que o crente recebeu a fé; a outrem a deve transmitir. O nosso amor a Jesus e aos homens impele-nos a falar aos outros da nossa fé. Cada crente é, assim, um elo na grande cadeia dos crentes. Não posso crer sem ser amparado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo também para amparar os outros na fé.
167. «Eu creio» (Símbolo dos Apóstolos: DS 30): é a fé da Igreja, professada pessoalmente por cada crente, principalmente por ocasião do Baptismo. «Nós cremos» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150 (no original grego)): é a fé da Igreja, confessada pelos bispos reunidos em Concílio ou, de modo mais geral, pela assembleia litúrgica dos crentes. «Eu creio»: é também a Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus pela sua fé e nos ensina a dizer: «Eu creio», «Nós cremos».
168. É, antes de mais, a Igreja que crê, e que assim suporta, nutre e sustenta a minha fé. É primeiro a Igreja que, por toda a parte, confessa o Senhor («Te per orbem terrarum sancta confitetur Ecclesia» – «A Santa Igreja anuncia por toda a terra a glória do vosso nome» – como cantamos no «Te Deum»). Com ela e nela, também nós somos atraídos e levados a confessar: «Eu creio», «Nós cremos». É da Igreja que recebemos a fé e a vida nova em Cristo, pelo Baptismo. No Ritual Romano, o ministro do Baptismo pergunta ao catecúmeno: «Que vens pedir à Igreja de Deus?» E ele responde: – «A fé». – «Para que te serve a fé?» – «Para alcançar a vida eterna» ( Iniciação cristã dos adultos, 75. 2ª edição, Gráfica de Coimbra 1996. p. 48: Ibid., 247, p. 153).
169. A salvação vem só de Deus. Mas porque é através da Igreja que recebemos a vida da fé, a Igreja é nossa Mãe. «Cremos que a Igreja é como que a mãe do nosso novo nascimento, mas não cremos na Igreja como se ela fosse a autora da nossa salvação» (Fausto de Riez, De Spiritu sancto 1, 2: CSEL 21, 104 (l, 1: PL 62.11)). É porque é nossa Mãe, é também a educadora da nossa fé.
170. Não acreditamos em fórmulas, mas sim nas realidades que as fórmulas exprimem e que a fé nos permite «tocar».
«O acto [de fé] do crente não se detém no enunciado, mas na realidade [enunciada]» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae 11-II, q. I. a. 2. ad 2: Ed Leon. 8. 11).
No entanto, é através das fórmulas da fé que nos aproximamos dessas realidades. As fórmulas permitem-nos exprimir e transmitir a fé, celebrá-la em comunidade, assimilá-la e dela viver cada vez mais.
171. A Igreja, que é «coluna e apoio da verdade» (1 Tm 3, 15), guarda fielmente a fé transmitida aos santos de uma vez por todas (Cf. Jd 3). É ela que guarda a memória das palavras de Cristo. É ela que transmite, de geração em geração, a confissão de fé dos Apóstolos. Tal como uma mãe ensina os seus filhos a falar e, dessa forma, a compreender e a comunicar, a Igreja, nossa Mãe, ensina-nos a linguagem da fé, para nos introduzir na inteligência e na vida da fé.
Uma só fé (172-175)
Sábado
172. Desde há séculos, através de tantas línguas, culturas, povos e nações, a Igreja não cessa de confessar a sua fé única, recebida de um só Senhor, transmitida por um só Baptismo, enraizada na convicção de que todos os homens têm apenas um só Deus e Pai (Cf. Ef 4, 4-6). Santo Ireneu de Lião, testemunha desta fé, declara:
173. «A Igreja, embora dispersa por todo o mundo até aos confins da Terra, tendo recebido dos Apóstolos e dos seus discípulos a fé, […] guarda [esta pregação e esta fé] com tanto cuidado como se habitasse numa só casa; nela crê de modo idêntico, como tendo um só coração e uma só alma; prega-a e ensina-a e transmite-a com voz unânime, como se tivesse uma só boca» (Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses I. 10, 1-2: SC 264, 154-158 (PG 7, 550-551)).
174. «Através do mundo, as línguas diferem: mas o conteúdo da Tradição é um só e o mesmo. Nem as Igrejas estabelecidas na Germania têm outra fé ou outra tradição, nem as que se estabeleceram entre os Iberos ou entre os Celtas, as do Oriente, do Egipto ou da Líbia, nem as que se fundaram no centro do mundo» (Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses I. 10. 2: SC 264, 158-160 (PG 7, 531-534)). «A mensagem da Igreja é verídica e sólida, porque nela aparece um só e o mesmo caminho de salvação, em todo o mundo» (Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses V, 20. 1: SC 153, 254-256 (PG 7, 1177)).
175. Esta fé, «que recebemos da Igreja, guardamo-la nós cuidadosamente, porque sem cessar, sob a acção do Espírito de Deus, tal como um depósito de grande valor encerrado num vaso excelente, ela rejuvenesce e faz rejuvenescer o próprio vaso que a contém» (Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses III. 24, 1: SC 211, 472 (PG 7, 966)).
2ª Semana do Tempo Comum
Os Símbolos da fé (185-197)
Domingo
185. Quem diz «Creio» afirma: «dou a minha adesão àquilo em que nós cremos». A comunhão na fé tem necessidade duma linguagem comum da fé, normativa para todos e a todos unindo na mesma confissão de fé.
186. Desde a origem, a Igreja apostólica exprimiu e transmitiu a sua própria fé em fórmulas breves e normativas para todos (Cf. Rm 10, 9; 1 Cor 15, 3-5; etc). Mas bem cedo a Igreja quis também recolher o essencial da sua fé em resumos orgânicos e articulados, destinados sobretudo aos candidatos ao Baptismo.
«Esta síntese da fé não foi feita segundo as opiniões humanas: mas recolheu-se de toda a Escritura o que nela há de mais importante, para apresentar na integra aquilo e só aquilo que a fé ensina. E, tal como a semente de mostarda contém, num pequeno grão, numerosos ramos, do mesmo modo este resumo da fé encerra em algumas palavras todo o conhecimento da verdadeira piedade contido no Antigo e no Novo Testamento» (São Cirilo de Jerusalém, Catechese illuminandorum 5, 12: Opera, v. 1. ed. G. C. Reischl (Monaci 1848), p. 150 (PG 33. 521-524)).
187. A estas sínteses da fé chamamos-lhes «profissões de fé», porque resumem a fé professada pelos cristãos. Chamamos-lhes «Credo», pelo facto de elas normalmente começarem pela palavra: «Creio». Igualmente lhes chamamos «símbolos da fé».
188. A palavra grega «symbolon» significava a metade dum objecto partido (por exemplo, um selo), que se apresentava como um sinal de identificação. As duas partes eram justapostas para verificar a identidade do portador. O «símbolo da fé» é, pois, um sinal de identificação e de comunhão entre os crentes. «Symbolon» também significa resumo, colectânea ou sumário. O «símbolo da fé» é o sumário das principais verdades da fé. Por isso, serve de ponto de referência primário e fundamental da catequese.
189. A primeira «profissão de fé» faz-se por ocasião do Baptismo. O «símbolo da fé» é, antes de mais nada, o símbolo baptismal. E uma vez que o Baptismo é conferido «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28, 19), as verdades da fé professadas por ocasião do Baptismo articulam-se segundo a sua referência às três pessoas da Santíssima Trindade.
190. O Símbolo divide-se, portanto, em três partes: «na primeira, trata da Primeira Pessoa divina e da obra admirável da criação: na segunda, da Segunda Pessoa divina e do mistério da Redenção dos homens; na terceira, da Terceira Pessoa divina, fonte e princípio da nossa santificação» (Cat Rom I, I, 4. p. 20). São estes «os três capítulos do nosso selo [baptismal]» (Santo Ireneo, Demonstratio apostolicae praedicationis, 100: SC 62. 170).
191. O Símbolo «está estruturado em três partes […] subdivididas em fórmulas variadas e muito adequadas. Segundo uma comparação frequentemente empregada pelos Padres, chamamos-lhes artigos. De facto, assim como nos nossos membros há certas articulações que os distinguem e separam, do mesmo modo, nesta profissão de fé, foi com razão e propriedade que se deu o nome de artigos às verdades que devemos crer em particular e de modo distinto» (Cat Rom I. 1, 4. p. 20). Segundo uma antiga tradição, já atestada por Santo Ambrósio, é costume enumerar doze artigos do Credo, simbolizando, com o número dos doze Apóstolos, o conjunto da fé apostólica (Cf. Santo Ambrósio10, Explanatio Symboli, 8: CSEL 73, 10-11 (PL 17. 1196)).
192. Foram numerosas, ao longo dos séculos, e correspondendo sempre às necessidades das diferentes épocas, as profissões ou símbolos da fé: os símbolos das diferentes Igrejas apostólicas e antigas (Cf. Symbola fidei ab Ecclesia antiqua recepta: DS 1-64), o símbolo «Quicumque», chamado de Santo Atanásio (Cf. DS 75-76), as profissões de fé de certos concílios (Toledo (XI Concílio de Toledo: DS 525-541); Latrão (IV Concílio de Latrão: DS 800-802): Lião (II Concílio de Lião: DS 851-861) Trento (Professio ftdei Tridentina: DS 1862-1870)) ou de certos papas, como a «Fides Damasi» (Cf. DS 71-72) ou o «Credo do Povo de Deus», de Paulo VI (1968) (Sollemnis Professio fidei: AAS 60 (1968) 433-445).
193. Nenhum dos símbolos dos diferentes períodos da vida da Igreja pode ser considerado ultrapassado ou inútil. Todos nos ajudam a abraçar e a aprofundar hoje a fé de sempre, através dos diversos resumos que dela se fizeram.
Entre todos os símbolos da fé, há dois que têm um lugar muito especial na vida da Igreja:
194. O Símbolo dos Apóstolos, assim chamado porque se considera, com justa razão, o resumo fiel da fé dos Apóstolos. É o antigo símbolo baptismal da Igreja de Roma. A sua grande autoridade vem-lhe deste facto:
«É o símbolo adoptado pela Igreja romana, aquela em que Pedro, o primeiro dos Apóstolos, teve a sua cátedra, e para a qual ele trouxe a expressão da fé comum» (Santo Ambrósio, Explanatio Symboli, 7: CSEL 73. 10 (PL 17, 1196)).
195. O Símbolo dito de Niceia-Constantinopla deve a sua grande autoridade ao facto de ser proveniente desses dois primeiros concílios ecuménicos (dos anos de 325 e 381). Ainda hoje continua a ser comum a todas as grandes Igrejas do Oriente e do Ocidente.
196. A exposição da fé, que vamos fazer, seguirá o Símbolo dos Apóstolos, que constitui, por assim dizer, «o mais antigo catecismo romano». Entretanto, a nossa exposição será completada por constantes referências ao Símbolo Niceno-Constantinopolitano, muitas vezes mais explícito e pormenorizado.
197. Como no dia do nosso Baptismo, quando toda a nossa vida foi confiada «a esta regra de doutrina» (Rm 6, 17), acolhemos o Símbolo da nossa fé que dá a vida. Recitar com fé o Credo é entrar em comunhão com Deus Pai, Filho e Espírito Santo. E é também entrar em comunhão com toda a Igreja, que nos transmite a fé e em cujo seio nós acreditamos:
«Este Símbolo é o selo espiritual […], é a meditação do nosso coração e a sentinela sempre presente; é, sem dúvida, o tesouro da nossa alma» (Santo Ambrósio, Explanatio Symboli, 7: CSEL 73. 3 (PL 17, 1193)).
Creio em um só Deus (198-202)
Segunda-feira
198. A nossa profissão de fé começa por Deus, porque Deus é «o Primeiro e o Último» (Is 44, 6), o Princípio e o Fim de tudo. O Credo começa por Deus Pai, porque o Pai é a Primeira Pessoa divina da Santíssima Trindade; o nosso Símbolo começa pela criação do céu e da terra, porque a criação é o princípio e o fundamento de todas as obras de Deus.
199. «Creio em Deus»: é esta a primeira afirmação da profissão de fé e também a mais fundamental. Todo o Símbolo fala de Deus; ao falar também do homem e do mundo, fá-lo em relação a Deus. Os artigos do Credo dependem todos do primeiro, do mesmo modo que todos os mandamentos são uma explicitação do primeiro. Os outros artigos fazem-nos conhecer melhor a Deus, tal como Ele progressivamente Se revelou aos homens.
«Os fiéis professam, antes de mais nada, crer em Deus»(CatRom I. 2, 6, p. 23).
200. É com estas palavras que começa o Símbolo Niceno-Constantinopolitano. A confissão da unicidade de Deus, que radica na Revelação divina da Antiga Aliança, é inseparável da confissão da existência de Deus e tão fundamental como ela. Deus é único; não há senão um só Deus:
«A fé cristã crê e professa que há um só Deus, por natureza, por substância e por essência» (CatRom I. 2, 8, p. 26).
201. A Israel, seu povo eleito, Deus revelou-Se como sendo único:
«Escuta, Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças» (Dt 6, 4-5)
Por meio dos profetas, Deus faz apelo a Israel e a todas as nações para que se voltem para Ele, o Único:
«Voltai-vos para Mim, e sereis salvos, todos os confins da terra, porque Eu sou Deus e não há outro […] Diante de Mim se hão-de dobrar todos os joelhos, em Meu nome hão-de jurar todas as línguas. E dirão: “Só no Senhor existem a justiça e o poder”» (Is 45, 22-24) (Cf. Fl 2, 10-11).
202. O próprio Jesus confirma que Deus é «o único Senhor», e que é necessário amá-Lo «com todo o coração, com toda a alma, com todo o entendimento e com todas as forças» (Cf. Mc 12, 29-30). Ao mesmo tempo, dá a entender que Ele próprio é «o Senhor» (Cf. Mc 12, 35-37). Confessar que «Jesus é o Senhor» é próprio da fé cristã. Isso não vai contra a fé num Deus Único. Do mesmo modo, crer no Espírito Santo, «que é Senhor e dá a Vida», não introduz qualquer espécie de divisão no Deus único:
«Nós acreditamos com firmeza e afirmamos simplesmente que há um só Deus verdadeiro, imenso e imutável, incompreensível, todo-poderoso e inefável. Pai e Filho e Espírito Santo: três Pessoas, mas uma só essência, uma só substância ou natureza absolutamente simples» (IV Concílio de Latrão, Cap. 1. De fide catholica: DS 800).
Deus revela seu nome (203-209)
Terça-feira
203. Deus revelou-Se ao seu povo Israel, dando-lhe a conhecer o seu nome. O nome exprime a essência, a identidade da pessoa e o sentido da sua vida. Deus tem um nome. Não é uma força anónima. Dizer o seu nome é dar-Se a conhecer aos outros; é, de certo modo, entregar-Se a Si próprio, tornando-Se acessível, capaz de ser conhecido mais intimamente e de ser invocado pessoalmente.
204. Deus revelou-Se progressivamente e sob diversos nomes ao seu povo; mas foi a revelação do nome divino feita a Moisés na teofania da sarça ardente, no limiar do êxodo e da Aliança do Sinai, que se impôs como sendo a revelação fundamental, tanto para a Antiga como para a Nova Aliança.
205. Do meio duma sarça que arde sem se consumir, Deus chama por Moisés. E diz-lhe:
«Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob» (Ex 3, 6).
Deus é o Deus dos antepassados, Aquele que tinha chamado e guiado os patriarcas nas suas peregrinações. É o Deus fiel e compassivo, que se lembra deles e das promessas que lhes fez. Ele vem para libertar da escravidão os seus descendentes. É o Deus que, para além do espaço e do tempo, pode e quer fazê-lo, e empenhará a Sua omnipotência na concretização deste desígnio.
Moisés disse a Deus: «Vou então procurar os filhos de Israel e dizer-lhes: ” O Deus de vossos pais enviou-me a vós”. Mas se me perguntarem qual é o seu nome, que hei-de responder-lhes? Deus disse a Moisés: «Eu sou Aquele que sou». E prosseguiu: «Assim falarás aos filhos de Israel: Aquele que tem por nome “Eu sou” é que me enviou a vós […] … Será este o meu nome para sempre, nome que ficará de memória para todas as gerações» (Ex 3, 13-15).
206. Ao revelar o seu nome misterioso de YHWH, «Eu sou Aquele que É», ou «Eu sou Aquele que Sou», ou ainda «Eu sou quem Eu sou», Deus diz Quem é e com que nome deve ser chamado. Este nome divino é misterioso, tal como Deus é mistério. E, ao mesmo tempo, um nome revelado e como que a recusa dum nome. É assim que Deus exprime melhor o que Ele é, infinitamente acima de tudo o que podemos compreender ou dizer: Ele é o «Deus escondido» (Is 45, 15), o seu nome é inefável (Cf. Jz 13, 1), e é o Deus que Se faz próximo dos homens.
207. Ao revelar o seu nome, Deus revela ao mesmo tempo a sua fidelidade, que é de sempre e para sempre, válida tanto para o passado («Eu sou o Deus de teu pai» – Ex 3, 6), como para o futuro («Eu estarei contigo» – Ex 3, 12). Deus, que revela o seu nome como sendo «Eu sou», revela-Se como o Deus que está sempre presente junto do seu povo para o salvar.
208. Perante a presença atraente e misteriosa de Deus, o homem descobre a sua pequenez. Diante da sarça ardente, Moisés descalça as sandálias e cobre o rosto face à santidade divina (Cf. Ex 3, 5-6). Ante a glória do Deus três vezes santo, Isaías exclama:
«Ai de mim, que estou perdido, pois sou um homem de lábios impuros» (Is 6, 5)
Perante os sinais divinos realizados por Jesus. Pedro exclama:
«Afasta-Te de mim, Senhor, porque eu sou um pecador» (Lc 5, 8)
Mas porque Deus é santo, pode perdoar ao homem que se descobre pecador diante d’Ele:
«Não deixarei arder a minha indignação […]. É que Eu sou Deus, e não homem, o Santo que está no meio de vós» (Os 11, 9)
E o apóstolo João dirá também:
«Tranquilizaremos diante d’Ele, o nosso coração, se o nosso coração vier a acusar-nos. Pois Deus é maior do que o nosso coração e conhece todas as coisas» (1 Jo 3, 19-20).
209. Por respeito pela santidade de Deus, o povo de Israel não pronuncia o seu nome. Na leitura da Sagrada Escritura, o nome revelado é substituído pelo título divino de «Senhor» («Adonai», em grego «Kyrios»). É sob este título que será aclamada a divindade de Jesus: «Jesus é o Senhor».
Deus revela seu nome, II (210-213)
Quarta-feira
210. Depois do pecado de Israel, que se afastou de Deus para adorar o bezerro de ouro (Cf. Ex 32), Deus atende a intercessão de Moisés e aceita caminhar no meio dum povo infiel, manifestando deste modo o seu amor (Cf. Ex 33, 12-17). A Moisés, que Lhe pede a graça de ver a sua glória. Deus responde:
«Farei passar diante de ti toda a minha bondade (beleza) e proclamarei diante de ti o nome de YHWH» (Ex 33, 18-19)
E o Senhor passa diante de Moisés e proclama:
«O Senhor, o Senhor [YHWH, YHWH] é um Deus clemente e compassivo, sem pressa para se indignar e cheio de misericórdia e fidelidade» (Ex 34, 6)
Moisés confessa, então, que o Senhor é um Deus de perdão» (Cf. Ex 34, 9).
211. O nome divino «Eu sou» ou «Ele é» exprime a fidelidade de Deus, que, apesar da infidelidade do pecado dos homens e do castigo que merece, «conserva a sua benevolência em favor de milhares de pessoas» (Ex 34, 7). Deus revela que é «rico de misericórdia» (Ef 2, 4), ao ponto de entregar o seu próprio Filho. Dando a vida para nos libertar do pecado, Jesus revelará que Ele mesmo é portador do nome divino:
«Quando elevardes o Filho do Homem, então sabereis que Eu sou» (Jo 8, 28).
212. No decorrer dos séculos, a fé de Israel pôde desenvolver e aprofundar as riquezas contidas na revelação do nome divino. Deus é único, fora d’Ele não há deuses (Cf. Is 44, 6). Ele transcende o mundo e a história. Foi Ele que fez o céu e a terra; «eles hão-de passar, mas Vós permaneceis; tal como um vestido, eles se vão gastando […] Vós, porém, sois sempre o mesmo e os vossos anos não têm fim» (Sl 102, 27-28). N’Ele «não há variação nem sombra de mudança» (Tg 1, 17). Ele é «Aquele que é», desde sempre e para sempre; e assim, permanece sempre fiel a Si mesmo e às suas promessas.
213. A revelação do nome inefável «Eu sou Aquele que sou» encerra, portanto, a verdade que só Deus «É». Foi nesse sentido que já a tradução dos Setenta e, na sua sequência, a Tradição da Igreja. compreenderam o nome divino: Deus é a plenitude do Ser e de toda a perfeição, sem princípio nem fim. Enquanto todas as criaturas d’Ele receberam todo o ser e o ter, só Ele é o seu próprio Ser, e Ele é por Si mesmo tudo o que Ele é.
Deus, “Aquele que É”, é Verdade e Amor (214-221)
Quinta-feira
214. Deus, «Aquele que É», revelou-Se a Israel como Aquele que é «cheio de misericórdia e fidelidade» (Ex 34, 6). Estas duas palavras exprimem, de modo sintético, as riquezas do nome divino. Em todas as suas obras, Deus mostra a sua benevolência, a sua bondade, a sua graça, o seu amor; mas também a sua credibilidade, a sua constância, a sua fidelidade, a sua verdade.
«Hei-de louvar o vosso nome pela vossa bondade e fidelidade» (Sl 138, 2) (Cf. Sl 85, 11)
Ele é a verdade, porque «Deus é luz, e n’Ele não há trevas nenhumas» (1 Jo 1, 5); Ele é «Amor», como ensina o apóstolo João (1 Jo 4, 8).
215. «A verdade é princípio da vossa palavra, é eterna toda a sentença da vossa justiça» (Sl 119, 160).
«Decerto, Senhor Deus, Vós é que sois Deus e dizeis palavras de verdade» (2 Sm 7, 28); é por isso que as promessas de Deus se cumprem sempre (Cf. Dt 7, 9). Deus é a própria verdade; as suas palavras não podem enganar. É por isso que nos podemos entregar com toda a confiança e em todas as coisas à verdade e à fidelidade da sua palavra. O princípio do pecado e da queda do homem foi uma mentira do tentador, que o levou a duvidar da palavra de Deus, da sua benevolência e da sua fidelidade.
216. A verdade de Deus é a sua sabedoria, que comanda toda a ordem da criação e governo do mundo (Cf. Sb 13, 1-9). Só Deus que, sozinho, criou o céu e a terra (Cf. Sl 115, 15) pode dar o conhecimento verdadeiro de todas as coisas criadas na sua relação com Ele (Cf. Sb 7, 17-21).
217. Deus é igualmente verdadeiro quando Se revela: todo o ensinamento que vem de Deus é «doutrina de verdade» (Ml 2, 6). Quando Ele enviar o seu Filho ao mundo, será «para dar testemunho da verdade» (Jo 18, 37):
«Sabemos […] que veio o Filho de Deus e nos deu entendimento para conhecermos o Verdadeiro» (1 Jo 5, 20) (1Cf. Jo 17, 3).
218. No decorrer da sua história, Israel pôde descobrir que Deus só tinha uma razão para Se lhe ter revelado e o ter escolhido, de entre todos os povos, para ser o seu povo: o seu amor gratuito (Cf. Dt 4, 37; 7, 8: 10, 15). E Israel compreendeu, graças aos seus profetas, que foi também por amor que Deus não deixou de o salvar (Cf. Is 43, 1-7) e de lhe perdoar a sua infidelidade e os seus pecados (Cf. Os 2).
219. O amor de Deus para com Israel é comparado ao amor dum pai para com o seu filho (Cf. Os 11, 1). Este amor é mais forte que o de uma mãe para com os seus filhos (Cf. Is 49, 14-15). Deus ama o seu povo, mais que um esposo a sua bem-amada (Cf. Is 62, 4-5); este amor vencerá mesmo as piores infidelidades (Cf. Ez 16; Os 11); e chegará ao mais precioso de todos os dons:
«Deus amou de tal maneira o mundo, que lhe entregou o seu Filho Único» (Jo 3, 16).
220. O amor de Deus é «eterno» (Is 54, 8):
«Ainda que as montanhas se desloquem e vacilem as colinas, o meu amor não te abandonará» (Is 54, 10). «Amei-te com amor eterno: por isso, guardei o meu favor para contigo» (Jr 31, 3).
221. São João irá ainda mais longe, ao afirmar: «Deus é Amor» (1 Jo 4, 8, 16): a própria essência de Deus é Amor. Ao enviar, na plenitude dos tempos, o seu Filho único e o Espírito de Amor, Deus revela o seu segredo mais íntimo “: Ele próprio é eternamente permuta de amor: Pai, Filho e Espírito Santo; e destinou-nos a tomar parte nessa comunhão.
O alcance da fé no Deus único (222-227)
Sexta-feira
222. Crer em Deus, o Único, e amá-Lo com todo o nosso ser, tem consequências imensas para toda a nossa vida:
223. É conhecer a grandeza e a majestade de Deus: «Deus é grande demais para que O possamos conhecer» (Job 36, 26). É por isso que Deus deve ser «o primeiro a ser servido» (Santa Joana D’Arc, Dito: Procès de condamnation, ed. P. Tisset–Y.Lanhers. v. I (Paris 1960) p. 280 e 288).
224. É viver em acção de graças: Se Deus é o Único, tudo o que nós somos e tudo quanto possuímos vem d’Ele:
«Que possuis que não tenhas recebido?» (1 Cor 4, 7). «Como agradecerei ao Senhor tudo quanto Ele me deu?» (Sl 116, 12).
225. É conhecer a unidade e a verdadeira dignidade de todos os homens: todos eles foram feitos «à imagem e semelhança de Deus» (Gn 1, 26).
226. É fazer bom uso das coisas criadas: A fé no Deus único leva-nos a usar de tudo quanto não for Ele, na medida em que nos aproximar d’Ele, e a desprender-nos de tudo, na medida em que d’Ele nos afastar (Cf. Mt 5, 29-30: 16. 24: 19. 23-24):
«Meu Senhor e meu Deus, tira-me tudo o que me afasta de Ti.
Meu Senhor e meu Deus, dá-me tudo o que me aproxima de Ti.
Meu Senhor e meu Deus, desapega-me de mim mesmo, para que eu me dê todo a Ti» (S. Nicolau de Flüe, Bruder-Klausen-Gebet, apud R. Amschwand, Bruder Klaus. Ergänzungsband zum Quellenwerk von R. Durrer (Sarnen 1987). p. 215).
227. É ter confiança em Deus, em todas as circunstâncias, mesmo na adversidade. Uma oração de Santa Teresa de Jesus exprime admiravelmente tal atitude:
«Nada te perturbe / Nada te espante
Tudo passa / Deus não muda
A paciência tudo alcança / Quem a Deus tem
nada lhe falta / Só Deus basta» (Santa Teresa de Jesus. Poesía. 9: Biblioteca Mística Carmelitana. v. 6 (Burgos 1919). p. 90. [Santa Teresa de Jesus, Obras Completas (Paço de Arcos. Edições Carmelo 1994) p. 1390]).
O Todo-Poderoso (268-271)
Sábado
268. De todos os atributos divinos, só a omnipotência é nomeada no Símbolo: confessá-la é de grande alcance para a nossa vida. Nós acreditamos que ela é universal, porque Deus, que tudo criou (Cf. Gn 1, 1; Jo 1, 3), tudo governa e tudo pode; amorosa, porque Deus é nosso Pai (Cf. Mt 6, 9); misteriosa, porque só a fé a pode descobrir, quando «ela actua plenamente na fraqueza» (2 Cor 12, 9) (Cf. 1 Cor 1,18).
269. As Sagradas Escrituras confessam, a cada passo, o poder universal de Deus. Ele é chamado «o Poderoso de Jacob» (Gn 49, 24; Is 1, 24: etc.) «o Senhor dos Exércitos», «o Forte, o Poderoso» (SI 24, 8-10). Se Deus é omnipotente «no céu e na terra» (Sl 135, 6), é porque foi Ele quem os fez. Portanto, nada Lhe é impossível (Cf. Jr 32, 17; Lc 1, 37) e Ele dispõe à vontade da sua obra (Cf. Jr 27, 5); Ele é o Senhor do Universo, cuja ordem foi por Ele estabelecida e Lhe permanece inteiramente submissa e disponível; Ele é o Senhor da história; governa os corações e os acontecimentos segundo a sua vontade (Cf. Est 4c. 17: Pr 21, 1;Tb 13, 2):
«O vosso poder imenso sempre vos assiste – e quem poderá resistir à força do Vosso braço?» (Sb 11, 21).
270. Deus é o Pai todo-poderoso. A sua paternidade e o seu poder esclarecem-se mutuamente. Com efeito, Ele mostra a sua omnipotência paterna pelo modo como cuida das nossas necessidades (Cf. Mt 6, 32) pela adopção filial que nos concede («serei para vós um Pai e vós sereis para Mim filhos e filhas, diz o Senhor todo poderoso»: 2 Cor 6, 18); enfim, pela sua infinita misericórdia, pois mostra o seu poder no mais alto grau, perdoando livremente os pecados.
271. A omnipotência divina não é, de modo algum, arbitrária:
«Em Deus, o poder e a essência, a vontade e a inteligência, a sabedoria e a justiça, são uma só e a mesma coisa, de modo que nada pode estar no poder divino que não possa estar na justa vontade de Deus ou na sua sábia inteligência» (São Tomás De Aquino, Summa theologiae 1, q. 25, a. 5, ad 1: Ed Leon. 4, 297).
3ª Semana do Tempo Comum
O mistério da aparente impotência de Deus (272-274)
Domingo
272. A fé em Deus Pai todo-poderoso pode ser posta à prova pela experiência do mal e do sofrimento. Por vezes, Deus pode parecer ausente e incapaz de impedir o mal. Ora, Deus Pai revelou a sua omnipotência do modo mais misterioso, na humilhação voluntária e na ressurreição de seu Filho, pelas quais venceu o mal. Por isso, Cristo crucificado é «força de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens» (1 Cor 1, 25). Foi na ressurreição e na exaltação de Cristo que o Pai «exerceu a eficácia da [sua] poderosa força» e mostrou a «incomensurável grandeza que representa o seu poder para nós, os crentes» (Ef 1, 19-22).
273. Só a fé pode aderir aos caminhos misteriosos da omnipotência de Deus. Esta fé gloria-se nas suas fraquezas, para atrair a si o poder de Cristo (97). Desta fé é modelo supremo a Virgem Maria, pois acreditou que «a Deus nada é impossível» (Lc 1, 37) e pôde proclamar a grandeza do Senhor:
«O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas; ‘Santo’ – é o seu nome» (Lc 1, 49).
274. «Portanto, nada é mais próprio para firmar a nossa fé e a nossa esperança do que a convicção, profundamente arraigada nas nossas almas, de que nada é impossível a Deus. Tudo o que [o Credo] seguidamente nos propõe para crer, as coisas maiores, as mais incompreensíveis, bem como as mais sublimes e mais acima das leis ordinárias da Natureza, basta que a nossa razão tenha a ideia da omnipotência divina para as admitir facilmente e sem hesitação alguma» (CatRom I, 2, 13, p. 31).
O Criador (279-281)
Segunda-feira
279. «No princípio, Deus criou o céu e a terra» (Gn 1, 1). É com estas palavras solenes que começa a Sagrada Escritura. E o Símbolo da fé retoma-as, confessando a Deus, Pai todo-poderoso, como «Criador do céu e da terra» (Símbolo dos Apóstolos: DS 30), «de todas as coisas, visíveis e invisíveis» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150). Vamos, portanto, falar primeiro do Criador, depois da sua criação, e, finalmente, da queda do pecado, de que Jesus, Filho de Deus, nos veio Libertar.
280. A criação é o fundamento de «todos os desígnios salvíficos de Deus», «o princípio da história da salvação» (Cf. Sagrada Congregação do Clero, Directorium catechisticum generale, 51: AAS 64 (1972) 128), que culmina em Cristo. Por seu lado, o mistério de Cristo derrama sobre o mistério da criação a luz decisiva; revela o fim, em vista do qual «no princípio Deus criou o céu e a terra» (Gn 1, 1): desde o princípio, Deus tinha em vista a glória da nova criação em Cristo (Cf. Rm 8, 18-23).
281. É por isso que as leituras da Vigília Pascal, celebração da nova criação em Cristo, começam pela narrativa da criação. Do mesmo modo, na liturgia bizantina, a narrativa da criação constitui sempre a primeira leitura das vigílias das grandes festas do Senhor. Segundo o testemunho dos antigos, a instrução dos catecúmenos para o Baptismo segue o mesmo caminho (Cf. Egria, Itinerarium seu Peregrinatio ad loca sancta 46, 2: SC 296, 308: PLS 1, 1089-1090: Santo Agostinho. De catechizandis rudibus 3, 5: CCL 46. 124 (PL 40, 313)).
A catequese sobre a criação (282-289)
Terça-feira
282. A catequese sobre a criação reveste-se duma importância capital. Diz respeito aos próprios fundamentos da vida humana e cristã, porque torna explícita a resposta da fé cristã à questão elementar que os homens de todos os tempos têm vindo a pôr-se:
«De onde vimos?»
«Para onde vamos?»
«Qual a nossa origem?»
«Qual o nosso fim?»
«Donde vem e para onde vai tudo quanto existe?»
As duas questões, da origem e, do fim, são inseparáveis. E são decisivas para o sentido e para a orientação da nossa vida e do nosso proceder.
283. A questão das origens do mundo e do homem tem sido objecto de numerosas investigações científicas, que enriqueceram magnificamente os nossos conhecimentos sobre a idade e a dimensão do cosmos, a evolução dos seres vivos, o aparecimento do homem. Tais descobertas convidam-nos, cada vez mais, a admirar a grandeza do Criador e a dar-Lhe graças por todas as suas obras, e pela inteligência e saber que dá aos sábios e investigadores. Estes podem dizer com Salomão:
«Foi Ele quem me deu a verdadeira ciência de todas as coisas, a fim de conhecer a constituição do Universo e a força dos elementos […], porque a Sabedoria, que tudo criou, mo ensinou» (Sb 7, 17-21).
284. O grande interesse atribuído a estas pesquisas é fortemente estimulado por uma questão de outra ordem, que ultrapassa o domínio próprio das ciências naturais. Porque não se trata apenas de saber quando e como surgiu materialmente o cosmos, nem quando é que apareceu o homem; mas, sobretudo, de descobrir qual o sentido de tal origem: se foi determinada pelo acaso, por um destino cego ou uma fatalidade anónima, ou, antes, por um Ser transcendente, inteligente e bom, chamado Deus. E se o mundo provém da sabedoria e da bondade de Deus, qual a razão do mal? De onde vem ele? Quem é por ele responsável? E será que existe uma libertação do mesmo?
285. Desde os princípios que a fé cristã teve de defrontar-se com respostas, diferentes da sua, sobre a questão das origens. De facto, nas religiões e nas culturas antigas encontram-se muitos mitos relativos às origens. Certos filósofos disseram que tudo é Deus, que o mundo é Deus, ou que a evolução do mundo é a evolução de Deus (panteísmo): outros disseram que o mundo é uma emanação necessária de Deus, brotando de Deus como duma fonte e a Ele voltando; outros, ainda, afirmaram a existência de dois princípios eternos, o bem e o mal, a luz e as trevas, em luta permanente (dualismo, maniqueísmo). Segundo algumas destas concepções, o mundo (pelo menos o mundo material) seria mau, produto duma decadência e, portanto, objecto de repúdio ou de superação (gnose); outras admitem que o mundo tenha sido feito por Deus, mas à maneira dum relojoeiro que, depois de o ter feito, o abandonou a si mesmo (deísmo); outras, finalmente, rejeitam qualquer origem transcendente do mundo e vêem nele o puro jogo duma matéria que teria existido sempre (materialismo). Todas estas tentativas dão testemunho da permanência e universalidade do problema das origens. É uma busca própria do homem.
286. Não há dúvida de que a inteligência humana é capaz de encontrar uma resposta para a questão das origens. Com efeito, a existência de Deus Criador pode ser conhecida com certeza pelas suas obras, graças à luz da razão humana (Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Fillius, De Revelatione. canon I: DS 3026), mesmo que tal conhecimento muitas vezes seja obscurecido e desfigurado pelo erro. E é por isso que a fé vem confirmar e esclarecer a razão na compreensão exacta desta verdade:
«Pela fé, sabemos que o mundo foi organizado pela palavra de Deus, de modo que o que se vê provém de coisas invisíveis» (Heb 11, 3).
287. A verdade da criação é tão importante para toda a vida humana que Deus, na sua bondade, quis revelar ao seu povo tudo quanto é salutar conhecer-se a esse propósito. Para além do conhecimento natural, que todo o homem pode ter do Criador (Cf. Act 17, 24-29; Rm 1, 19-20), Deus revelou progressivamente a Israel o mistério da criação. Deus, que escolheu os patriarcas, que fez sair Israel do Egito e que, escolhendo Israel, o criou e formou (Cf. Is 43, 1) revela-Se como Aquele a quem pertencem todos os povos da terra e toda a terra, como sendo o único que «fez o céu e a terra» (Sl 115, 15; 124, 8; 134, 3).
288. Assim, a revelação da criação é inseparável da revelação e da realização da Aliança de Deus, o Deus Único, com o seu povo. A criação é revelada como o primeiro passo para esta Aliança, como o primeiro e universal testemunho do amor omnipotente de Deus (Cf. Gn 15, 5; Jr 33, 19-26). Por isso, a verdade da criação é expressa com vigor crescente na mensagem dos profetas (Cf. Is 44, 24), na oração dos salmos (Cf. S1 104) e da liturgia, na reflexão da sabedoria (Cf. Pr 8. 22-31) do Povo eleito.
289. Entre tudo quanto a Sagrada Escritura nos diz sobre a criação, os três primeiros capítulos do Génesis ocupam um lugar único. Do ponto de vista literário, estes textos podem ter diversas fontes. Os autores inspirados puseram-nos no princípio da Escritura, de maneira a exprimirem, na sua linguagem solene, as verdades da criação, da sua origem e do seu fim em Deus, da sua ordem e da sua bondade, da vocação do homem, e enfim, do drama do pecado e da esperança da salvação. Lidas à luz de Cristo, na unidade da Sagrada Escritura e na Tradição viva da Igreja, estas palavras continuam a ser a fonte principal para a catequese dos mistérios do «princípio»: criação, queda, promessa da salvação.
A criação, obra da Santíssima Trindade (290-292)
Quarta-feira
290. «No princípio, Deus criou o céu e a terra». Três coisas são afirmadas nestas primeiras palavras da Escritura: Deus eterno deu um princípio a tudo quanto existe fora d’Ele. Só Ele é criador (o verbo «criar» – em hebraico «bara» – tem sempre Deus por sujeito). E tudo quanto existe (expresso pela fórmula «o céu e a terra») depende d’ Aquele que lhe deu o ser.
291. «No princípio era o Verbo […] e o Verbo era Deus […] Tudo se fez por meio d’Ele e, sem Ele, nada se fez» (Jo 1, 1-3). O Novo Testamento revela que Deus tudo criou por meio do Verbo eterno, seu Filho muito-amado. Foi n’Ele «que foram criados todos os seres que há nos céus e na terra […]. Tudo foi criado por seu intermédio e para Ele. Ele é anterior a todas as coisas, e todas se mantêm por Ele» (Cl 1, 16-17). A fé da Igreja afirma igualmente a acção criadora do Espírito Santo: Ele é Aquele «que dá a vida» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150), «o Espírito Criador» (Veni, Creator Spiritus), a «Fonte de todo o bem» (Liturgia Bizantina. Tropário das Vésperas de Pentecostes: Pentêkostáriom (Rome 1883). 408).
292. Insinuada no Antigo Testamento (Cf. Sl 33, 6; 104. 30; Gn 1, 2-3) revelada na Nova Aliança, a acção criadora do Filho e do Espírito Santo, inseparavelmente unida à do Pai, é claramente afirmada pela regra de fé da Igreja: «Existe um só Deus. Ele é o Pai, é Deus, é o Criador, o Autor, o Ordenador. Fez todas as coisas por Si mesmo, quer dizer, pelo Seu Verbo e pela sua Sabedoria» (Santo Irineu de Lião, Adversus haereses, 2, 30, 9: SC 294, 318-320 (PG 7, 822)) «pelo Filho e pelo Espírito» que são como «as suas mãos» (Ibidem, 4, 20, 1: SC 100, 626 (PG 7, 1032)). A criação é obra comum da Santíssima Trindade.
O mundo foi criado para a glória de Deus (293-294)
Quinta-feira
293. É uma verdade fundamental, que a Escritura e a Tradição não cessam de ensinar e de celebrar:
«O mundo foi criado para glória de Deus» (I Concílio Vaticano, Const dogm. Dei Filius. De Deo rerum omnium Creatore, canon 5: DS 3025).
Deus criou todas as coisas, explica São Boaventura, «non propter gloriam augendam, sed propter gloriam manifestandam et propter gloriam suam communicandam – Não para aumentar a Sua glória, mas para a manifestar e para a comunicar» (São Boavenura, In secundum librum Sententiarum, dist. 1. p. 2. a. 2, q. 1. concl.: Opera omnia, v. 2 (Ad Claras Aquas 1885), p. 44). Para criar, Deus não tem outra razão senão o seu amor e a sua bondade:
«Aperta manu clave amoris creaturae prodierunt – As criaturas saíram da mão (de Deus) aberta pela chave do amor» (São Tomás de Aquino, Commentum in secundum librum Sententiarum, Prologus: Opera omnia, v. 8 (Parisiis 1873), p. 2).
E o I Concílio do Vaticano explica:
«Na sua bondade e pela sua força omnipotente, não para aumentar a sua felicidade nem para adquirir a sua perfeição, mas para a manifestar pelos bens que concede às suas criaturas, Deus, no seu libérrimo desígnio, criou do nada simultaneamente e desde o princípio do tempo uma e outra criatura — a espiritual e a corporal» (I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 1: DS 3002).
294. A glória de Deus está em que se realize esta manifestação e esta comunicação da sua bondade, em ordem às quais o mundo foi criado. Fazer de nós «filhos adoptivos por Jesus Cristo. Assim aprouve à sua vontade, para que fosse enaltecida a glória da sua graça» (Ef 1, 5-6):
«Porque a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus: se a revelação de Deus pela criação já proporcionou a vida a todos os seres que vivem na terra, quanto mais a manifestação do Pai pelo Verbo proporciona a vida aos que vêem a Deus!» (Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses 4, 20, 7: SC 100, 648 (PG 7, 1037)).
O fim último da criação é que Deus Pai, «criador de todos os seres, venha finalmente a ser tudo em todos’ (1 Cor 15, 28), provendo, ao mesmo tempo, à sua glória e à nossa felicidade» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes. 2: AAS 58 (1966) 948).
O mistério da criação (295-301)
Sexta-feira
295 Acreditamos que Deus criou o mundo segundo a sua sabedoria (Cf. Sb 9, 9). O mundo não é fruto duma qualquer necessidade, dum destino cego ou do acaso. Acreditamos que ele procede da vontade livre de Deus, que quis fazer as criaturas participantes do seu Ser, da sua sabedoria e da sua bondade: «porque Vós criastes todas as coisas e, pela vossa vontade, elas receberam a existência e foram criadas» (Ap 4, 11).
«Como são grandes, Senhor, as vossas obras! Tudo fizestes com sabedoria» (Sl 104, 24). «O Senhor é bom para com todos e a sua misericórdia estende-se a todas as criaturas» (Sl 145, 9).
296. Acreditamos que Deus não precisa de nada preexistente, nem de qualquer ajuda, para criar (I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius, c. 1: DS 3002). A criação tão pouco é uma emanação necessária da substância divina (I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius, De Deo rerum omnium Creatore, canones 1-4: DS 3023-3024). Deus cria livremente «do nada» (IV Concílio de Latrão, Cap. 2. De fide catholica: DS 800; I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius,. Const. dogm. Dei Filiu.s, De Deo rerum omnium Creatore, canon 5: DS 3025):
«Que haveria de extraordinário, se Deus tivesse tirado o mundo duma matéria preexistente? Um artista humano, quando se lhe dá um material, faz dele o que quer. O poder de Deus, porém, mostra-se precisamente quando parte do nada para fazer tudo o que quer» (São Teófilo de Antioquia, Ad Autolycum, 2. 4; SC 20. 102 (PG 6. 1052)).
297. A fé na criação a partir «do nada» é testemunhada na Escritura como uma verdade cheia de promessa e de esperança. É assim que a mãe dos sete filhos os anima ao martírio:
«Não sei como aparecestes no meu seio; não fui eu que vos dei a respiração e a vida, nem fui eu que dispus os membros que compõem cada um de vós. Por isso, o Criador do mundo, que formou o homem à nascença e concebeu todas as coisas na sua origem, vos dará novamente, na sua misericórdia, a respiração e a vida, uma vez que vos desprezais agora a vós próprios, por amor às suas leis […] Peço-te, meu filho, que olhes para o céu e para a terra. Vê todas as coisas que neles se encontram, para saberes que Deus não as fez do que já existia, e que o mesmo sucede com o género humano» (2 Mac 7, 22-23.28).
298. Uma vez que Deus pode criar «do nada», também pode, pelo Espírito Santo, dar a vida da alma aos pecadores, criando neles um coração puro e a vida do corpo aos defuntos, pela ressurreição. Ele que «dá a vida aos mortos e chama o que não existe como se já existisse» (Rm 4, 17). E como, pela sua palavra, pôde fazer que das trevas brilhasse a luz (Cf. Gn 1, 3), pode também dar a luz da fé aos que a ignoram (Cf. 2 Cor 4, 6).
299. Uma vez que Deus cria com sabedoria, a criação possui ordem.
«Dispusestes tudo com medida, número e peso» (Sb 11, 20).
Criada no Verbo e pelo Verbo eterno, «que é a imagem do Deus invisível» (Cl 1, 15), a criação destina-se e orienta-se para o homem, imagem de Deus (Cf. Cf. Gn 1, 26), chamado ele próprio a uma relação pessoal com Deus. A nossa inteligência, participante da luz do intelecto divino, pode entender o que Deus nos diz pela sua criação (Cf. Sl 19, 2-5), sem dúvida com grande esforço e num espírito de humildade e de respeito perante o Criador e a sua obra (Cf. Jó 42, 3). Saída da bondade divina, a criação partilha dessa bondade («E Deus viu que isto era bom […] muito bom»: Gn 1, 4. 10. 12. 18. 21. 31). Porque a criação é querida por Deus como um dom orientado para o homem, como herança que lhe é destinada e confiada. A Igreja, em diversas ocasiões, viu-se na necessidade de defender a bondade da criação, mesmo a do mundo material (Cf. São Leão Magno, Ep Quam laudabiliter: DS 286: I Concílio de Braga, Anathematismi praesertim contra Priscillianistas, 5-13: DS 455-463: IV Concílio de Latrão, Cap. 2, De fide catholica: DS 800; Concílio de Florença, Decretam pro Iacobitis: DS 1333. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 1: DS 3002).
300. Deus é infinitamente maior do que todas as suas obras (Cf. Sir 43, 30):
«A vossa majestade está acima dos céus» (Sl 8, 2), «insondável é a sua grandeza» (Sl 145, 3).
Mas, porque Ele é o Criador soberano e livre, causa primeira de tudo quanto existe, está presente no mais íntimo das suas criaturas:
«É n’Ele que vivemos, nos movemos e existimos» (Act 17, 28)
Segundo as palavras de Santo Agostinho, Ele é «superior summo meo et interior intimo meo — Deus está acima do que em mim há de mais elevado e é mais interior do que aquilo que eu tenho de mais íntimo» (Santo Agostinho, Confissões, 3, 6, 11: CCL 27, 33 (PL 32, 688)).
301. Depois da criação, Deus não abandona a criatura a si mesma. Não só lhe dá o ser e o existir, mas a cada instante a mantém no ser, lhe dá o agir e a conduz ao seu termo. Reconhecer esta dependência total do Criador é fonte de sabedoria e de liberdade, de alegria e de confiança:
«Vós amais tudo quanto existe e não tendes aversão a coisa alguma que fizestes: se tivésseis detestado alguma criatura, não a teríeis formado. Como poderia manter-se qualquer coisa, se Vós não quisésseis? Como é que ela poderia durar, se não a tivésseis chamado à existência? Poupais tudo, porque tudo é vosso, ó Senhor, que amais a vida» (Sb 11, 24-26)
A Divina Providência (302-314)
Sábado
302. A criação tem a sua bondade e a sua perfeição próprias, mas não saiu totalmente acabada das mãos do Criador. Foi criada «em estado de caminho» («in statu viae») para uma perfeição última ainda a atingir e a que Deus a destinou. Chamamos divina Providência às disposições pelas quais Deus conduz a sua criação em ordem a essa perfeição:
«Deus guarda e governa, pela sua Providência, tudo quanto criou, “atingindo com força dum extremo ao outro e dispondo tudo suavemente” (Sb 8, 1). Porque “tudo está nu e patente a seus olhos” (Heb 4, 13), mesmo aquilo que depende da futura acção livre das criaturas» (I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 1: DS 3003).
303. É unânime, a este respeito, o testemunho da Escritura: a solicitude da divina Providência é concreta e imediata, cuida de tudo, desde os mais insignificantes pormenores até aos grandes acontecimentos do mundo e da história. Os livros santos afirmam, com veemência, a soberania absoluta de Deus no decurso dos acontecimentos: «Tudo quanto Lhe aprouve, o nosso Deus o fez, no céu e na terra» (Sl 115, 3); e de Cristo se diz: «que abre e ninguém fecha, e fecha e ninguém abre» (Ap 3, 7); «há muitos projectos no coração do homem, mas é a vontade do Senhor que prevalece» (Pr 19, 21).
304. É assim que, muitas vezes, vemos o Espírito Santo, autor principal da Sagrada Escritura, atribuir a Deus certas acções, sem mencionar causas-segundas. Isso não é «uma maneira de dizer» primitiva, mas sim um modo profundo de afirmar o primado de Deus e o seu senhorio absoluto sobre a história e sobre o mundo (Cf. Is 10, 5-15: 45, 5-7: Dt 32, 39: Sir 11, 14) e de ensinar a ter confiança n’Ele. A oração dos Salmos é, aliás, a grande escola desta confiança (Cf. Sl 22; 32; 35; 103; 138; etc).
305. Jesus reclama um abandono filial à Providência do Pai celeste, que cuida das mais pequenas necessidades dos seus filhos:
«Não vos inquieteis, dizendo: Que havemos de comer? Que havemos de beber? […] Bem sabe o vosso Pai celeste que precisais de tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo» (Mt 6, 31-33) (Cf. Mt 10, 29-31).
306. Deus é o Senhor soberano dos seus planos. Mas, para a realização dos mesmos, serve-Se também do concurso das criaturas. Isto não é um sinal de fraqueza, mas da grandeza e bondade de Deus omnipotente. É que Ele não só permite às suas criaturas que existam, mas confere-lhes a dignidade de agirem por si mesmas, de serem causa e princípio umas das outras e de cooperarem, assim, na realização do seu desígnio.
307. Aos homens, Deus concede mesmo poderem participar livremente na sua Providência, confiando-lhes a responsabilidade de «submeter» a terra e dominá-la (Cf. Gn 1, 26-28). Assim lhes concede que sejam causas inteligentes e livres, para completar a obra da criação, aperfeiçoar a sua harmonia, para o seu bem e o dos seus semelhantes. Cooperadores muitas vezes inconscientes da vontade divina, os homens podem entrar deliberadamente no plano divino, pelos seus actos e as suas orações, como também pelos seus sofrimentos (Cf. Cl 1, 24). Tornam-se, então, plenamente «colaboradores de Deus» (1 Cor 3, 9)(Cf. 1 Ts 3, 2) e do seu Reino (Cf. Cl 4, 11).
308. Esta é uma verdade inseparável da fé em Deus Criador: Deus age em toda a acção das suas criaturas. É Ele a causa-primeira, que opera nas e pelas causas-segundas:
«É Deus que produz em nós o querer e o operar, segundo o seu beneplácito» (Fl 2, 13)(Cf. 1 Cor 12, 6)
Longe de diminuir a dignidade da criatura, esta verdade realça-a. Tirada «do nada» pelo poder, sabedoria e bondade de Deus, a criatura separada da sua origem, nada pode, porque «a criatura sem o Criador esvai-se» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes. 36: AAS 58 (1966) 1054). Muito menos pode atingir o seu fim último, sem a ajuda da graça (Cf. Mt 19, 26: Jo 15, 5; Fl 4, 13).
309. Se Deus Pai todo-poderoso, Criador do mundo ordenado e bom, tem cuidado com todas as suas criaturas, porque é que o mal existe? A esta questão, tão premente como inevitável, tão dolorosa como misteriosa, não é possível dar uma resposta rápida e satisfatória. É o conjunto da fé cristã que constitui a resposta a esta questão: a bondade da criação, o drama do pecado, o amor paciente de Deus que vem ao encontro do homem pelas suas alianças, pela Encarnação redentora de seu Filho, pelo dom do Espírito, pela agregação à Igreja, pela força dos sacramentos, pelo chamamento à vida bem-aventurada, à qual as criaturas livres são de antemão convidadas a consentir, mas à qual podem, também de antemão, negar-se, por um mistério terrível. Não há nenhum pormenor da mensagem cristã que não seja, em parte, resposta ao problema do mal.
310. Mas, porque é que Deus não criou um mundo tão perfeito que nenhum mal pudesse existir nele? No seu poder infinito, Deus podia sempre ter criado um mundo melhor (Cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1, q. 25, a. 6: Ed. Leon. 4, 298-299). No entanto, na sua sabedoria e bondade infinitas, Deus quis livremente criar um mundo «em estado de caminho» para a perfeição última. Este devir implica, no desígnio de Deus, juntamente com o aparecimento de certos seres, o desaparecimento de outros; o mais perfeito, com o menos perfeito; as construções da natureza, com as suas destruições. Com o bem físico também existe, pois, o mal físico, enquanto a criação não tiver atingido a perfeição (São Tomás de Aquino, Summa contra gentiles, 3, 71: Ed. Leon. 14. 209-211).
311. Os anjos e os homens, criaturas inteligentes e livres, devem caminhar para o seu último destino por livre escolha e amor preferencial. Podem, por conseguinte, desviar-se. De facto, pecaram. Foi assim que entrou no mundo o mal moral, incomensuravelmente mais grave que o mal físico. Deus não é, de modo algum, nem directa nem indirectamente, causa do mal moral (Cf. Santo Agostinho, De libero arbitrio, 1, 1, 1: CCL 29, 211 (PL 32. 1221-1223): Santo Tomás de Aquino, Summa theologiae, 1-2, q. 79, a. l: Ed. Leon. 7, 76-77). No entanto, permite-o por respeito pela liberdade da sua criatura e misteriosamente sabe tirar dele o bem:
«Deus todo-poderoso […] sendo soberanamente bom, nunca permitiria que qualquer mal existisse nas suas obras se não fosse suficientemente poderoso e bom para do próprio mal, fazer surgir o bem» (Santo Agostinho, Enchiridion de fide, spe et caritate. 3. 11: CCL 46, 53 (PL 40, 236)).
312. Assim, com o tempo, é possível descobrir que Deus, na sua omnipotente Providência, pode tirar um bem das consequências dum mal (mesmo moral), causado pelas criaturas:
«Não, não fostes vós – diz José a seus irmãos – que me fizestes vir para aqui. Foi Deus. […] Premeditastes contra mim o mal: o desígnio de Deus aproveitou-o para o bem […] e um povo numeroso foi salvo» (Gn, 45, 8; 50, 20) (Cf. Tb 2. 12-18 vulg).
Do maior mal moral jamais praticado, como foi o repúdio e a morte do Filho de Deus, causado pelos pecados de todos os homens, Deus, pela superabundância da sua graça (Cf. Rm 5, 20), tirou o maior dos bens: a glorificação de Cristo e a nossa redenção. Mas nem por isso o mal se transforma em bem.
313. «Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8, 28). O testemunho dos santos não cessa de confirmar esta verdade:
Assim, Santa Catarina de Sena diz aos «que se escandalizam e se revoltam contra o que lhes acontece»: «Tudo procede do amor, tudo está ordenado para a salvação do homem, e não com nenhum outro fim» (Santa Catarina de Sena, ll dialogo della Divina provvidenza, 138: ed. G. Cavallini (Roma 1995) p. 441).
E S. Tomás Moro, pouco antes do seu martírio, consola a filha com estas palavras: «Nada pode acontecer-me que Deus não queira. E tudo o que Ele quer, por muito mau que nos pareça, é, na verdade, muito bom»(Margarita Roper, Epistola ad Aliciam Alington (Agosto 1534): The Correspondence of Sir Thomas More, ed. E. F. Rogers (Princeton 1947), p. 531-532. [Texto no Ofício de Leituras da memória de São Tomás Moro a 22 de Junho]).
E Juliana de Norwich: «Compreendi, pois, pela graça de Deus, que era necessário ater-me firmemente à fé […] e crer, com não menos firmeza, que todas as coisas serão para bem […]». «Thou shalt see thyself that all manner of thing shall be well» (Juliana de Norwich, Revelatio 13, 32: A Book of Showings to the Anchoress Julian of Norwich. ed. E. Colledge — J. Walsh, vol.. 2 (Toronto 1978), p. 426 e 422).
314. Nós cremos firmemente que Deus é o Senhor do mundo e da história. Muitas vezes, porém, os caminhos da sua Providência são-nos desconhecidos. Só no fim, quando acabar o nosso conhecimento parcial e virmos Deus «face a face» (1 Cor 13, 12), é que nos serão plenamente conhecidos os caminhos pelos quais, mesmo através do mal e do pecado, Deus terá conduzido a criação ao repouso desse Sábado (Cf. Gn 2. 2) definitivo, em vista do qual criou o céu e a terra.
4ª Semana do Tempo Comum
O mundo visível (337-341)
Domingo
337. Foi o próprio Deus que criou o mundo visível, com toda a sua riqueza, a sua diversidade e a sua ordem. A Sagrada Escritura apresenta a obra do Criador, simbolicamente, como uma sequência de seis dias «de trabalho» divino, que terminam no «repouso» do sétimo dia (Cf. Gn 1, 1-2, 4). O texto sagrado ensina, a respeito da criação, verdades reveladas por Deus para a nossa salvação (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 11: AAS 58 (1966) 823), as quais permitem «conhecer a natureza última e o valor de todas as criaturas e a sua ordenação para a glória de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 36: AAS 57 (1965) 41).
338. Nada existe que não deva a sua existência a Deus Criador: O mundo começou quando foi tirado do nada pela Palavra de Deus: todos os seres existentes, toda a Natureza, toda a história humana radicam neste acontecimento primordial: é a própria génese, pela qual o mundo foi constituído e o tempo começado (Cf. Santo Agostinho, De genesi contra Manichaeos, 1, 2, 4: PL 36, 175).
339. Cada criatura possui a sua bondade e perfeição próprias. Acerca de cada uma das obras dos «seis dias» está escrito:
«E Deus viu que era bom». «Foi em virtude da própria criação que todas as coisas foram estabelecidas segundo a sua consistência, a sua verdade, a sua excelência própria, com o seu ordenamento e leis específicas» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 36: AAS 58 (1966) 1054).
As diferentes criaturas, queridas pelo seu próprio ser, reflectem, cada qual a seu modo, uma centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus. É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura, para evitar o uso desordenado das coisas, que despreza o Criador e traz consigo consequências nefastas para os homens e para o seu meio ambiente.
340. A interdependência das criaturas é querida por Deus. O sol e a lua, o cedro e a florzinha, a águia e o pardal: o espectáculo das suas incontáveis diversidades e desigualdades significa que nenhuma criatura se basta a si mesma. Elas só existem na dependência umas das outras, para se completarem mutuamente, no serviço umas das outras.
341. A beleza do Universo: A ordem e a harmonia do mundo criado resultam da diversidade dos seres e das relações existentes entre si. O homem descobre-as progressivamente como leis da natureza. Elas suscitam a admiração dos sábios. A beleza da criação reflecte a beleza infinita do Criador, a qual deve inspirar o respeito e a submissão da inteligência e da vontade humanas.
O mundo visível, II (342-349)
Segunda-feira
342. A hierarquia das criaturas é expressa pela ordem dos «seis dias», indo do menos perfeito para o mais perfeito. Deus ama todas as suas criaturas (Cf. Sl 145, 9) e cuida de cada uma, até dos passarinhos. No entanto, Jesus diz: «[Vós] valeis mais do que muitos passarinhos» (Lc 12, 7), e ainda:
«Um homem vale muito mais que uma ovelha» (Mt 12, 12).
343. O homem é o ponto culminante da obra da criação. A narrativa inspirada exprime essa realidade, fazendo nítida distinção entre a criação do homem e a das outras criaturas (Cf. Gn 1, 26).
344. Existe uma solidariedade entre todas as criaturas pelo facto de todas terem o mesmo Criador e todas serem ordenadas para a sua glória:
«Louvado sejas meu Senhor, com todas as tuas criaturas,
especialmente o meu senhor irmão Sol,
o qual faz o dia e por ele nos alumia
E ele é belo e radiante com grande esplendor:
de Ti. Altíssimo, nos dá ele a imagem […]Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água,
que é tão útil e humilde,
e preciosa e casta […]Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra,
que nos sustenta e governa,
e produz variados frutos,
com flores coloridas, e verduras […]Louvai e bendizei a meu Senhor,
e dai-lhe graças e servi-o
com grande humildade»(São Francisco de Assis. Cântico das criaturas: Opuscula sancti Patris Francisci Assisiensis, ed C. Esser (Grottaferrata 1978) p. 84-86 [Fontes Franciscanas, l Braga, Editorial Franciscana, 1994) p. 77-78]).
345. O «Sábado» – fim da obra dos «seis dias». O texto sagrado diz que «Deus concluiu, no sétimo dia, a obra que fizera» e que assim «se completaram o céu e a terra»; e no sétimo dia Deus «descansou» e santificou e abençoou este dia (Gn 2, 1-3). Estas palavras inspiradas são ricas de salutares ensinamentos:
346. Na criação, Deus estabeleceu uma base e leis que permanecem estáveis (Cf. Heb 4, 3-4) sobre as quais o crente pode apoiar-se com confiança, e que serão para ele sinal e garantia da fidelidade inquebrantável da Aliança divina (Cf. Jr 31. 35-37; 33, 19-26). Por seu lado, o homem deve manter-se fiel a esta base e respeitar as leis que o Criador nela inscreveu.
347. A criação foi feita em vista do Sábado e, portanto, do culto e da adoração de Deus. O culto está inscrito na ordem da criação (Cf. Gn 1, 14) – «Operi Dei nihil preponatur – Nada se anteponha à obra de Deus (ao culto divino)» – diz a Regra de São Bento (São Bento, Regula. 43. 3: CSEL 75, 106 (PL 66, 675)) indicando assim a justa ordem das preocupações humanas.
348. O Sábado está no coração da Lei de Israel. Guardar os Mandamentos é corresponder à sabedoria e à vontade de Deus, expressas na sua obra da criação.
349. O oitavo dia. Mas para nós, um dia novo surgiu: o dia da Ressurreição de Cristo. O sétimo dia acaba a primeira criação. O oitavo dia começa a nova criação. A obra da criação culmina, assim, na obra maior da Redenção. A primeira criação encontrou o seu sentido e cume ria nova criação em Cristo, cujo esplendor ultrapassa o da primeira (Cf. Vigília Pascal, oração depois da primeira leitura: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 276 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, p. 304]).
O homem, criado à imagem de Deus (355-358)
Terça-feira
355. «Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus. Ele o criou homem e mulher» (Gn 1, 27). O homem ocupa um lugar único na criação: é «à imagem de Deus» (I); na sua própria natureza, une o mundo espiritual e o mundo material (II); foi criado «homem e mulher» (III); Deus estabeleceu-o na sua amizade (IV).
I. «A imagem de Deus»
356. De todas as criaturas visíveis, só o homem é «capaz de conhecer e amar o seu Criador» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 12: AAS 58 (1966) 1034); é a «única criatura sobre a terra que Deus quis por si mesma» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 24: AAS 58 (1966) 1045); só ele é chamado a partilhar, pelo conhecimento e pelo amor, a vida de Deus. Com este fim foi criado, e tal é a razão fundamental da sua dignidade:
«Qual foi a razão de terdes elevado o homem a tão alta dignidade? Foi certamente o incomparável amor com que Vos contemplastes a Vós mesmo na vossa criatura e Vos enamorastes dela; porque foi por amor que a criastes, foi por amor que lhe destes um ser capaz de apreciar o vosso bem eterno» (Santa Catarina de Sena, Il dialogo della Divina provvidenza, 13: ed. G. Cavallini (Roma 1995) p. 43).
357. Porque é «à imagem de Deus», o indivíduo humano possui a dignidade de pessoa: ele não é somente alguma coisa, mas alguém. É capaz de se conhecer, de se possuir e de livremente se dar e entrar em comunhão com outras pessoas. E é chamado, pela graça, a uma Aliança com o seu Criador, a dar-Lhe uma resposta de fé e amor que mais ninguém pode dar em seu lugar.
358. Deus tudo criou para o homem (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 12: AAS 58 (1966) 1034: Ibid. 24: AAS 58 (1966) 1045; Ibid. 39: AAS 58 (1966) 1056-1057) mas o homem foi criado para servir e amar a Deus, e para Lhe oferecer toda a criação:
«Qual é, pois, o ser que vai chegar à existência rodeado de tal consideração? É o homem, grande e admirável figura vivente, mais precioso aos olhos de Deus que toda a criação; é o homem, para quem existem o céu e a terra e o mar e a totalidade da criação, e a cuja salvação Deus deu tanta importância, que, por ele, nem ao seu próprio Filho poupou. Porque Deus não desiste de tudo realizar, para fazer subir o homem até Si e fazê-lo sentar à sua direita» (São João Crisóstomo, Sermones in Genesim, 2, 1: PG 54, 587D-588A).
O homem, criado à imagem de Deus, II (359-361)
Quarta-feira
359. «Na realidade, só no mistério do Verbo Encarnado é que verdadeiramente se esclarece o mistério do homem» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042):
«São Paulo ensina-nos que dois homens estão na origem do género humano: Adão e Cristo. […] O primeiro Adão, diz ele, foi criado como um ser humano que recebeu a vida; o segundo é um ser espiritual que dá a vida. O primeiro foi criado pelo segundo, de Quem recebeu a alma que o faz viver. […] O segundo Adão gravou a sua imagem no primeiro, quando o modelou. Por isso, veio a assumir a sua função e o seu nome, para que não se perdesse aquele que fizera à sua imagem. Primeiro e último Adão: o primeiro teve princípio; o último não terá fim. Por isso é que o último é verdadeiramente o primeiro, como Ele mesmo diz: “Eu sou o Primeiro e o Último”» (São Pedro Crisólogo, Sermones 117, 1-2: CCL 24A, 709 (PL 52, 520) [2ª leit. do Ofício de Leituras de Sábado da XXIX Semana do Tempo Comum: Liturgia das Horas (Gráfica de Coimbra 1983), v. 4, p. 440]).
360. Graças à comunidade de origem, o género humano forma uma unidade. Deus «fez, a partir de um só homem todo o género humano para habitar sobre toda a face da terra» (Act 17, 26) (Cf. Tb 8, 6):
«Maravilhosa visão, que nos faz contemplar o género humano na unidade da sua origem em Deus […]; na unidade da sua natureza, em todos igualmente integrada dum corpo material e duma alma espiritual; na unidade do seu fim imediato e da sua missão no mundo; na unidade da sua habitação, a terra, de cujos bens todos os homens, por direito natural, podem servir-se para sustentar e desenvolver a vida; na unidade do seu fim sobrenatural. Deus, para o Qual todos devem tender, na unidade dos meios para atingir este fim; […] na unidade da Redenção, para todos levada a cabo por Cristo» (Pio XII, Enc. Summi Pontificatus: AAS 31 (1939) 427: II Concílio Vaticano, Decl. Nostra aetate, 1: AAS 58 (1966) 740).
361. «Esta lei de solidariedade humana e de caridade» (Pio XII. Enc. Summi Pontificatus: AAS 31 (1939) 426), sem excluir a rica variedade das pessoas, das culturas e dos povos, assegura-nos que todos os homens são verdadeiramente irmãos.
O homem, corpo e alma (362-368)
Quinta-feira
II. «Corpore et anima unus» – Unidade de corpo e alma
362. A pessoa humana, criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual. A narrativa bíblica exprime esta realidade numa linguagem simbólica, quando afirma que «Deus formou o homem com o pó da terra, insuflou-lhe pelas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se num ser vivo» (Gn 2, 7). O homem, no seu ser total, foi, portanto, querido por Deus.
363. Muitas vezes, a palavra alma designa, nas Sagradas Escrituras, a vida humana (Cf. Mt 16, 25-26; Jo 15. 13), ou a pessoa humana no seu todo (Cf. Act 2, 41). Mas designa também o que há de mais íntimo no homem (Cf. Mt 26, 38; Jo 12, 27) e de maior valor na sua pessoa (Cf. Mt 10, 28; 2 Mac 6, 30), aquilo que particularmente faz dele imagem de Deus: «alma» significa o princípio espiritual no homem.
364. O corpo do homem participa na dignidade da «imagem de Deus»: é corpo humano precisamente por ser animado pela alma espiritual, e a pessoa humana na sua totalidade é que é destinada a tornar-se, no Corpo (Místico) de Cristo, templo do Espírito (Cf. 1 Cor 6, 19-20; 15, 44-45):
«Corpo e alma, mas realmente uno, o homem, na sua condição corporal, reúne em si mesmo os elementos do mundo material, que assim nele encontram a sua consumação e nele podem louvar Livremente o seu Criador. Por isso, não é lícito ao homem menosprezar a vida do corpo. Pelo contrário, deve estimar e respeitar o seu corpo, que foi criado por Deus e que há-de ressuscitar no último dia» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 14: AAS 58 (1966) 1035).
365. A unidade da alma e do corpo é tão profunda que se deve considerar a alma como a «forma» do corpo (Cf. Concílio de Viena (ano 1312), Const. «Fidei catholicae»: DS 902); quer dizer, é graças à alma espiritual que o corpo, constituído de matéria, é um corpo humano e vivo. No homem, o espírito e a matéria não são duas naturezas unidas, mas a sua união forma uma única natureza.
366. A Igreja ensina que cada alma espiritual é criada por Deus de modo imediato (Cf. Pio XII, Enc. Humani generis (ano 1950): DS 3896; Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 8: AAS 60 (1968) 436) e não produzida pelos pais; e que é imortal (Cf. V Concílio de Latrão (ano 1513), Bulla Apostolici regiminis: DS 1440), isto é, não morre quando, na morte, se separa do corpo; e que se unirá de novo ao corpo na ressurreição final.
367. Encontra-se às vezes uma distinção entre alma e espírito. São Paulo, por exemplo, ora para que «todo o nosso ser, o espírito, a alma e o corpo», seja guardado sem mancha até à vinda do Senhor (1 Ts 5, 23). A Igreja ensina que esta distinção não introduz uma dualidade na alma (IV Concílio de Constantinopla (ano 870), canon 11: DS 657), «Espírito» significa que o homem é ordenado, desde a sua criação, para o seu fim sobrenatural (Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 2: DS 3005; II Concílio Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 22: AAS 58 (1966) 1042-1043), e que a alma é capaz de ser gratuitamente sobreelevada até à comunhão com Deus (Cf. Pio XII, Enc. Humani generis (ano 1950): DS 3891).
368. A tradição espiritual da Igreja insiste também no coração,no sentido bíblico de «fundo do ser» («nas entranhas»: Jr 31, 33) em que a pessoa se decide ou não por Deus (Cf. Dt 6, 5; 29, 3; Is 29, 13; Ez 36, 26; Mt 6, 21: Lc 8, 15; Rm 5, 5).
Homem e mulher os criou (369-373)
Sexta-feira
III. «Homem e mulher os criou»
IGUALDADE E DIFERENÇA QUERIDAS POR DEUS
369. O homem e a mulher foram criados, quer dizer, foram queridos por Deus: em perfeita igualdade enquanto pessoas humanas, por um lado; mas, por outro, no seu respectivo ser de homem e de mulher. «Ser homem», «ser mulher» é uma realidade boa e querida por Deus: o homem e a mulher têm uma dignidade inamissível e que lhes vem imediatamente de Deus, seu Criador (Cf. Gn 2, 7.22). O homem e a mulher são, com uma mesma dignidade, «à imagem de Deus». No seu «ser homem» e no seu «ser mulher», reflectem a sabedoria e a bondade do Criador.
370. Deus não é, de modo algum; à imagem do homem. Não é nem homem nem mulher. Deus é puro espírito, no Qual não há lugar para a diferença de sexos. Mas as «perfeições» do homem e da mulher reflectem qualquer coisa da infinita perfeição de Deus: as duma mãe (Cf. Is 49, 14-15; 66, 13; Sl 131, 2-3) e as dum pai e esposo (Cf. Os 11, 1-4; Jr 3, 4-19).
«UM PARA O OUTRO» – «UMA UNIDADE A DOIS»
371. Criados juntamente, o homem e a mulher são, na vontade de Deus, um para o outro. A Palavra de Deus no-lo dá a entender em diversos passos do texto sagrado.
«Não convém que o homem esteja só: vou fazer-lhe uma ajudante que se pareça com ele» (Gn 2, 18).
Nenhum dos animais pode ser este «par» do homem (Cf. Gn 2, 19-20). A mulher que Deus «molda» da costela tirada do homem e que apresenta ao homem, provoca da parte deste, uma exclamação admirativa, de amor e comunhão:
«E osso dos meus ossos e carne da minha carne» (Gn 2, 23).
O homem descobre a mulher como um outro «eu», da mesma humanidade.
372. O homem e a mulher são feitos «um para o outro»: não é que Deus os tenha feito «a meias» e «incompletos»; criou-os para uma comunhão de pessoas, em que cada um pode ser «ajuda» para o outro, uma vez que são, ao mesmo tempo, iguais enquanto pessoas («osso dos meus ossos») e complementares enquanto masculino e feminino (Cf. João Paulo II, Ep. ap. Mulieris dignitatem, 7: AAS 80 (1988) 1664-1665). No matrimónio, Deus une-os de modo que, formando «uma só carne» (Gn 2, 24), possam transmitir a vida humana: «crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra» (Gn 1, 28). Transmitindo aos seus descendentes a vida humana, o homem e a mulher, como esposos e pais, cooperam de modo único na obra do Criador (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 50: AAS 58 (1966) 1070-1071).
373. Segundo o desígnio de Deus, o homem e a mulher são vocacionados para «dominarem a terra» (Cf. Gn 1, 28) como «administradores» de Deus. Esta soberania não deve ser uma dominação arbitrária e destruidora. A imagem do Criador, «que ama tudo o que existe» (Sb 11, 24), o homem e a mulher são chamados a participar na Providência divina em relação às outras criaturas. Daí a sua responsabilidade para com o mundo que Deus lhes confiou.
O homem no Paraíso (374-379)
Sábado
IV. O homem no paraíso
374. O primeiro homem não só foi criado bom, como também foi constituído num estado de amizade com o seu Criador, e de harmonia consigo mesmo e com a criação que o rodeava; amizade e harmonia tais, que só serão ultrapassadas pela glória da nova criação em Cristo.
375. A Igreja, interpretando de modo autêntico o simbolismo da linguagem bíblica à luz do Novo Testamento e da Tradição, ensina que os nossos primeiros pais, Adão e Eva, foram constituídos num estado de santidade e de justiça originais (Cf. Concílio de Trento, Sess. 5.°. Decretum de peccato originali, canon 1: DS1511). Esta graça da santidade original era uma participação na vida divina (Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 2: AAS 57 (1965) 5-6).
376. Todas as dimensões da vida do homem eram fortalecidas pela irradiação desta graça. Enquanto permanecesse na intimidade divina, o homem não devia nem morrer (Cf. Gn 2, 17; 3, 19), nem sofrer (Cf. Gn 3, 16). A harmonia interior da pessoa humana, a harmonia entre o homem e a mulher (Cf. Gn 2, 25), enfim, a harmonia entre o primeiro casal e toda a criação, constituía o estado dito «de justiça original».
377. O «domínio» do mundo, que Deus tinha concedido ao homem desde o princípio, realizava-se, antes de mais, no próprio homem como domínio de si. O homem era integrado e ordenado em todo o seu ser, porque livre da tríplice concupiscência (Cf. 1 Jo 2, 16), que o sujeita aos prazeres dos sentidos, à ambição dos bens terrenos e à afirmação de si contra os imperativos da razão.
378. Sinal da familiaridade com Deus é o facto de Deus o colocar no jardim (Cf. Gn 2, 8). Ali vive «a fim de o cultivar e guardar» (Gn 2, 15): o trabalho não é um castigo (Cf. Gn 3, 17-19), mas a colaboração do homem e da mulher com Deus no aperfeiçoamento da criação visível.
379. Toda esta harmonia da justiça original, prevista para o homem pelo plano de Deus, será perdida pelo pecado dos nossos primeiros pais.
5ª Semana do Tempo Comum
Por que a liturgia? (1066-1068)
Domingo
1066. No Símbolo da Fé, a Igreja confessa o mistério da Santíssima Trindade e o seu «desígnio admirável» (Ef 1, 9) sobre toda a criação: o Pai realiza o «mistério da sua vontade», dando o seu Filho muito amado e o seu Espírito Santo para a salvação do mundo e para a glória do seu nome. Tal é o mistério de Cristo (Cf. Ef 3, 4), revelado e realizado na história segundo um plano, uma «disposição» sabiamente ordenada, a que São Paulo chama «a economia do mistério» (Ef 3, 9) e a que a tradição patrística chamará «a economia do Verbo encarnado» ou «economia da salvação».
1067. «Esta obra da redenção humana e da glorificação perfeita de Deus, cujo prelúdio foram as magníficas obras divinas operadas no povo do Antigo Testamento, realizou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal da sua bem-aventurada paixão, Ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão, em que, “morrendo, destruiu a morte e ressuscitando restaurou a vida”. Efectivamente, foi do lado de Cristo adormecido na cruz que nasceu “o sacramento admirável de toda a Igreja”» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 5: AAS 56 (1964) 99).
É por isso que, na liturgia, a Igreja celebra principalmente o mistério pascal, pelo qual Cristo realizou a obra da nossa salvação.
1068. É este mistério de Cristo que a Igreja proclama e celebra na sua liturgia, para que os fiéis dele vivam e dele dêem testemunho no mundo.
«A liturgia, com efeito, pela qual, sobretudo no sacrifício eucarístico, “se actua a obra da nossa redenção”, contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da, verdadeira Igreja» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 2: AAS 56 (1964) 97-98).
Que significa a palavra “liturgia” (1069-1070)
Segunda-feira
1069. Originariamente, a palavra «liturgia» significa «obra pública», «serviço por parte dele em favor do povo». Na tradição cristã, quer dizer que o povo de Deus toma parte na «obra de Deus» (Cf. Jo 17, 4). Pela liturgia, Cristo, nosso Redentor e Sumo-Sacerdote, continua na sua Igreja, com ela e por ela, a obra da nossa redenção.
1070. No Novo Testamento, a palavra «liturgia» é empregada para designar, não somente a celebração do culto divino mas também o anúncio do Evangelho (Cf. Rm 15, 16; Fl 2, 14-17.30) e a caridade em acto (Cf. Rm 15, 27; 2 Cor 9, 12; Fl 2, 25). Em todas estas situações, trata-se do serviço de Deus e dos homens. Na celebração litúrgica, a Igreja é serva, à imagem do seu Senhor, o único «Liturgo» (Cf. Heb 8, 2.6), participando no seu sacerdócio (culto) profético (anúncio) e real (serviço da caridade):
«Com razão se considera a liturgia como o exercício da função sacerdotal de Jesus Cristo. Nela, mediante sinais sensíveis e no modo próprio de cada qual, significa-se e realiza-se a santificação dos homens e é exercido o culto público integral pelo corpo Místico de Jesus Cristo, isto é, pela cabeça e pelos membros. Portanto, qualquer celebração litúrgica, enquanto obra de Cristo Sacerdote e do seu corpo que é a Igreja, é acção sagrada por excelência e nenhuma outra acção da Igreja a iguala em eficácia com o mesmo título e no mesmo grau» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 7: AAS 56 (1964) 101).
A liturgia como fonte de vida (1071-1075)
Terça-feira
1071. Obra de Cristo, a Liturgia é também uma acção da sua Igreja. Ela realiza e manifesta a Igreja como sinal visível da comunhão de Deus e dos homens por Cristo; empenha os fiéis na vida nova da comunidade, e implica uma participação «consciente, activa e frutuosa» de todos (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 11: AAS 56 (1964) 103).
1072. «A liturgia não esgota toda a acção da Igreja» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 9: AAS 56 (1964) 101). Deve ser precedida pela evangelização, pela fé e pela conversão, e só então pode produzir os seus frutos na vida dos fiéis: a vida nova segundo o Espírito, o empenhamento na missão da Igreja e o serviço da sua unidade.
1073. A liturgia é também participação na oração de Cristo, dirigida ao Pai no Espírito Santo. Nela, toda a oração cristã encontra a sua fonte e o seu termo. Pela liturgia, o homem interior lança raízes e alicerça-se no «grande amor com que o Pai nos amou» (Ef 2, 4), em seu Filho bem-amado. É a mesma «maravilha de Deus» que é vivida e interiorizada por toda a oração, «em todo o tempo, no Espírito» (Ef 6, 18).
1074. «A liturgia é simultaneamente o cume para o qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde dimana toda a sua força» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 10: AAS 56 (1964) 102).
É, portanto, o lugar privilegiado da catequese do Povo de Deus.
«A catequese está intrinsecamente ligada a toda a acção litúrgica e sacramental, pois é nos sacramentos, sobretudo na Eucaristia, que Jesus Cristo age em plenitude, em ordem à transformação dos homens» (João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae, 23: AAS 71 (1979) 1296).
1075. A catequese litúrgica visa introduzir no mistério de Cristo (ela é «mistagogia»), partindo do visível para o invisível, do significante para o significado, dos «sacramentos» para os «mistérios». Tal catequese compete aos catecismos locais e regionais; o presente catecismo, que deseja colocar-se ao serviço de toda a Igreja na diversidade dos seus ritos e das suas culturas (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 3-4: AAS 56 (1964) 98) apresentará o que é fundamental e comum a toda a Igreja a respeito da liturgia, enquanto mistério e enquanto celebração (Primeira Seção), e depois, dos sete sacramentos e sacramentais (Segunda Seção).
A liturgia, obra da Santíssima Trindade (1077-1083)
Quarta-feira
1077. «Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, nos céus, nos encheu de toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo. Foi assim que, n’ Ele, nos escolheu antes da criação do mundo, para sermos, na caridade, santos e irrepreensíveis na sua presença. Destinou-nos de antemão a que nos tornássemos seus filhos adoptivos por Jesus Cristo. Assim aprouve à sua vontade, para que fosse enaltecida a glória da sua graça, com a qual nos favoreceu em seu Filho muito amado» (Ef 1, 3-6).
1078. Abençoar é uma acção divina que dá a vida e de que o Pai é a fonte. A sua bênção é, ao mesmo tempo, palavra e dom («bene-dictio», «eu-logia»). Aplicada ao homem, tal palavra significará a adoração e a entrega ao seu Criador, em acção de graças.
1079. Desde o princípio até à consumação dos tempos, toda a obra de Deus é bênção. Desde o poema litúrgico da primeira criação até aos cânticos da Jerusalém celeste, os autores inspirados anunciam o desígnio da salvação como uma imensa bênção divina.
1080. Desde o princípio, Deus abençoa os seres vivos, especialmente o homem e a mulher. A aliança com Noé e todos os seres animados renova esta bênção de fecundidade, apesar do pecado do homem, pelo qual a terra fica «maldita». Mas é a partir de Abraão que a bênção divina penetra na história dos homens, que caminhava em direcção à morte, para a fazer regressar à vida, à sua fonte: pela fé do «pai dos crentes» que acolhe a bênção, é inaugurada a história da salvação.
1081. As bênçãos divinas manifestam-se em acontecimentos maravilhosos e salvíficos: o nascimento de Isaac, a saída do Egipto (Páscoa e Êxodo), o dom da terra prometida, a eleição de Davi, a presença de Deus no templo, o exílio purificador e o regresso do «pequeno resto». A Lei, os Profetas e os Salmos, que entretecem a liturgia do povo eleito, se por um lado recordam essas bênçãos divinas, por outro respondem-lhes com as bênçãos de louvor e acção de graças.
1082. Na liturgia da Igreja, a bênção divina é plenamente revelada e comunicada: o Pai é reconhecido e adorado como a Fonte e o Fim de todas as bênçãos da criação e da salvação; no seu Verbo – encarnado, morto e ressuscitado por nós –, Ele cumula-nos das suas bênçãos e, por Ele, derrama nos nossos corações o Dom que encerra todos os dons: o Espírito Santo.
1083. Compreende-se então a dupla dimensão da liturgia cristã, como resposta de fé e de amor às «bênçãos espirituais» com que o Pai nos gratifica. Por um lado, a Igreja, unida ao seu Senhor e «sob a acção do Espírito Santo» (Cf. Lc 10, 21), bendiz o Pai «pelo seu Dom inefável» (2 Cor 9, 15), mediante a adoração, o louvor e a acção de graças. Por outro lado, e até à consumação do desígnio de Deus, a Igreja não cessa de oferecer ao Pai «a oblação dos seus próprios dons» e de Lhe implorar que envie o Espírito Santo sobre esta oblação, sobre si própria, sobre os fiéis e sobre o mundo inteiro, a fim de que, pela comunhão na morte e ressurreição de Cristo-Sacerdote e pelo poder do Espírito, estas bênçãos divinas produzam frutos de vida, «para que seja enaltecida a glória da sua graça» (Ef 1, 6).
O Cristo glorificado (1084-1085)
Quinta-feira
1084. «Sentado à direita do Pai» e derramando o Espírito Santo sobre o seu corpo que é a Igreja, Cristo age agora pelos sacramentos, que instituiu para comunicar a sua graça. Os sacramentos são sinais sensíveis (palavras e acções), acessíveis à nossa humanidade actual. Realizam eficazmente a graça que significam, em virtude da acção de Cristo e pelo poder do Espírito Santo.
1085. Na liturgia da Igreja, Cristo significa e realiza principalmente o seu mistério pascal. Durante a sua vida terrena, Jesus anunciava pelo seu ensino e antecipava pelos seus actos o seu mistério pascal. Uma vez chegada a sua «Hora» (Cf. Jo 13, 1; 17, 1), Jesus vive o único acontecimento da história que não passa jamais: morre, é sepultado, ressuscita de entre os mortos e senta-Se à direita do Pai «uma vez por todas» (Rm 6, 10; Heb 7, 27; 9, 12). É um acontecimento real, ocorrido na nossa história, mas único; todos os outros acontecimentos da história acontecem uma vez e passam, devorados pelo passado. Pelo contrário, o mistério pascal de Cristo não pode ficar somente no passado, já que pela sua morte, Ele destruiu a morte; e tudo o que Cristo é, tudo o que fez e sofreu por todos os homens, participa da eternidade divina, e assim transcende todos os tempos e em todos se torna presente. O acontecimento da cruz e da ressurreição permanece e atrai tudo para a vida.
Liturgia terrestre e liturgia celeste (1088-1090)
Sexta-feira
1088. «Para realizar tão grande obra» – como é a dispensação ou comunicação da sua obra de salvação – «Cristo está sempre presente na sua igreja, sobretudo nas acções litúrgicas. Está presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro – “o que se oferece agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se ofereceu outrora na Cruz” – quer e sobretudo sob as espécies eucarísticas. Está presente com a sua virtude nos sacramentos, de modo que, quando alguém baptiza, é o próprio Cristo que baptiza. Está presente na sua Palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura. Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta os salmos, Ele que prometeu: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estou Eu, no meio deles” (Mt 18, 20)» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosactum Concilium, 7: AAS 56 (1964)100-101).
1089. «Em tão grande obra, pela qual Deus é perfeitamente glorificado e os homens santificados, Cristo associa sempre a Si a Igreja, sua amadíssima esposa, a qual invoca o seu Senhor e por meio d’Ele rende culto ao eterno Pai» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosactum Concilium, 7: AAS 56 (1964)101).
1090. «Na liturgia da terra, participamos, saboreando-a de antemão, na liturgia celeste, celebrada na cidade santa de Jerusalém, para a qual nos dirigimos como peregrinos e onde Cristo está sentado à direita de Deus, como ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo; com todo o exército da milícia celestial, cantamos ao Senhor um hino de glória; venerando a memória dos santos, esperamos ter alguma parte e comunhão com eles; e aguardamos o Salvador, nosso Senhor Jesus Cristo, até que Ele apareça como nossa vida e também nós apareçamos com Ele na glória» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosactum Concilium, 8: AAS 56 (1964) 101; cf. Id., Const. dogm. Lumen Gentium, 50: AAS 57 (1965) 55-57).
Os sacramentos de Cristo (1113-1116)
Sábado
1113. Toda a vida litúrgica da Igreja gravita em torno do sacrifício eucarístico e dos sacramentos (24). Há na Igreja sete sacramentos: Baptismo, Confirmação ou Crisma, Eucaristia, Penitência, Unção dos enfermos, Ordem e Matrimónio (Cf. II Concílio de Lião, Professio fidei. Michaelis Palaeologi imperatoris: DS 860; Concílio de Florença, Decretum pro Armenis: DS 1310; Concílio de Trento, Sess. 7ª, Canones de sacramentis in genere, can 1: DS 1601). Neste artigo, trata-se do que é comum aos sete sacramentos da Igreja, do ponto de vista doutrinal; o que lhes é comum sob o aspecto da celebração será exposto no capítulo II; e o que é próprio de cada um constituirá o objecto da seção II.
1114. «Aderindo à doutrina da Sagrada Escritura, às tradições apostólicas […] e ao sentir unânime dos santos Padres» (Concílio de Trento, Sess. 7ª, Decretum de sacramentis, Prooemium: DS 1600), nós professamos que «os sacramentos da nova Lei […] foram todos instituídos por nosso Senhor Jesus Cristo» (Concílio de Trento, Sess. 7ª, Canones de sacramentis in genere, can 1: DS 1601).
1115. As palavras e as acções de Jesus durante a sua vida oculta e o seu ministério público já eram salvíficas. Antecipavam o poder do seu mistério pascal. Anunciavam e preparavam o que Ele ia dar à Igreja quando tudo estivesse cumprido. Os mistérios da vida de Cristo são os fundamentos do que, de ora em diante, pelos ministros da sua Igreja, Cristo dispensa nos sacramentos, porque «o que no nosso Salvador era visível, passou para os seus mistérios» (São Leão Magno, Sermão 74. 2: CCL 138A, 457 (PL 54, 398)).
1116. «Forças que saem» do corpo de Cristo (Cf. Lc 5, 17; 6, 19; 8, 46), sempre vivo e vivificante: acções do Espírito Santo que opera no seu corpo que é a Igreja, os sacramentos são «as obras-primas de Deus», na nova e eterna Aliança.
6ª Semana do Tempo Comum
Os sacramentos da Igreja (1117-1121)
Domingo
1117. Pelo Espírito que a conduz «para a verdade total» (Jo 16, 13), a Igreja reconheceu, a pouco e pouco, este tesouro recebido de Cristo e foi-lhe precisando a « dispensação» , tal como o fez relativamente ao cânon das Sagradas Escrituras e à doutrina da fé, enquanto fiel despenseira dos mistérios de Deus (Cf. Mt 13, 52; 1 Col- 4, I). Assim, a Igreja discerniu, no decorrer dos séculos, que, entre as suas celebrações litúrgicas, há sete que são, no sentido próprio da palavra, sacramentos instituídos pelo Senhor.
1118. Os sacramentos são «da Igreja», no duplo sentido de que são «por ela» e «para ela». São «pela Igreja», porque ela é o sacramento da acção de Cristo que nela opera, graças à missão do Espírito Santo. E são «para a Igreja», são estes «sacramentos que fazem a Igreja» (Santo Agostinho, De civitate Dei 22, 17: CSEL 40/2, 625 (PL 41. 779); cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3. q. 64, a. 2. ad 3; Ed. Leon. 12, 43), porque manifestam e comunicam aos homens, sobretudo na Eucaristia, o mistério da comunhão do Deus-Amor, um em três pessoas.
1119. Formando com Cristo-Cabeça «como que uma única pessoa mística» (Pio XII, Enc. Mystici corporis: AAS 35 (1943) 226), a Igreja age nos sacramentos como «comunidade sacerdotal», «organicamente estruturada» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15): pelo Baptismo e pela Confirmação, o povo sacerdotal torna-se apto a celebrar a liturgia; e por outro lado, certos fiéis, «assinalados com a sagrada Ordem, ficam constituídos em nome de Cristo para apascentar a Igreja com a Palavra e a graça de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15).
1120. O ministério ordenado ou sacerdócio ministerial (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 14: AAS 57 (1965) 14) está ao serviço do sacerdócio baptismal. Ele garante que, nos sacramentos, é de certeza Cristo que age pelo Espírito Santo em favor da Igreja. A missão de salvação, confiada pelo Pai ao seu Filho encarnado, é confiada aos Apóstolos e, por eles, aos seus sucessores; eles recebem o Espírito de Jesus para agirem em seu nome e na sua pessoa (Cf. Jo 20. 21-23; Lc 24. 47; Mt 28, 18-20). Assim, o ministro ordenado é o laço sacramental que une a acção litúrgica àquilo que disseram e fizeram os Apóstolos e, por eles, ao que disse e fez o próprio Cristo, fonte e fundamento dos sacramentos.
1121. Os três sacramentos do Baptismo, Confirmação e Ordem conferem, além da graça, um carácter sacramental ou «selo», pelo qual o cristão participa no sacerdócio de Cristo e faz parte da Igreja segundo estados e funções diversas. Esta configuração a Cristo e à Igreja, realizada pelo Espírito, é indelével (Concílio de Trento, Sess. 7ª, Canones de sacramentis in genere, can 9: DS 1609), fica para sempre no cristão como disposição positiva para a graça, como promessa e garantia da protecção divina e como vocação para o culto divino e para o serviço da Igreja. Por isso, estes sacramentos nunca podem ser repetidos.
Os sacramentos da fé (1122-1126)
Segunda-feira
1122. Cristo enviou os Apóstolos para que, «em seu nome, pregassem a todas as nações a conversão para o perdão dos pecados» (Lc 24, 47).
«Fazei discípulos de todas as nações, baptizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28, 19).
A missão de baptizar, portanto a missão sacramental, está implicada na missão de evangelizar; porque o sacramento é preparado pela Palavra de Deus e pela fé, que é assentimento à dita Palavra:
«O povo de Deus é reunido, antes de mais, pela Palavra de Deus vivo […]. A pregação da Palavra é necessária para o próprio ministério dos sacramentos, enquanto são sacramentos da fé, que nasce e se alimenta da Palavra» (II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum ordinis, 4: AAS 58 (1966) 995-996).
1123. «Os sacramentos estão ordenados à santificação dos homens, à edificação do corpo de Cristo e, por fim, a prestar culto a Deus; como sinais, têm também a função de instruir. Não só supõem a fé, mas também a alimentam, fortificam e exprimem por meio de palavras e coisas, razão pela qual se chamam sacramentos da fé» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosactum Concilium, 59: AAS 56 (1964) 116).
1124. A fé da Igreja é anterior à fé do fiel, que é chamado a aderir a ela. Quando a Igreja celebra os sacramentos, confessa a fé recebida dos Apóstolos. Daí o adágio antigo:
«Lex orandi, lex credendi – A lei da oração é a lei da fé» (Ou: «Legem credendi lex statuat supplicandi – A lei da fé é determinada pela lei da oração», como diz Próspero de Aquitânia [século V]) (Próspero de Aquitânia [séc. V], Indiculus, c. 8: DS 246 (PL 51, 209)).
A lei da oração é a lei da fé, a Igreja crê conforme reza. A liturgia é um elemento constitutivo da Tradição santa e viva (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821).
1125. É por isso que nenhum rito sacramental pode ser modificado ou manipulado ao arbítrio do ministro ou da comunidade. Nem mesmo a autoridade suprema da Igreja pode mudar a liturgia a seu bel-prazer, mas somente na obediência da fé e no respeito religioso do mistério da liturgia.
1126. Aliás, uma vez que os sacramentos exprimem e desenvolvem a comunhão da fé na Igreja, a lex orandi é um dos critérios essenciais do diálogo que procura restaurar a unidade dos cristãos (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 2: AAS 57 (1965) 91-92: Ibid., 15: AAS 57 (1965) 101-102).
Os sacramentos da salvação (1127-1129)
Terça-feira
1127. Celebrados dignamente na fé, os sacramentos conferem a graça que significam (Cf. Concílio de Trento, Canones de sacramentis in genere, can 5: DS 1605; Ibid., can. 6: DS 1606). Eles são eficazes, porque neles é o próprio Cristo que opera: é Ele que baptiza, é Ele que age nos sacramentos para comunicar a graça que o sacramento significa. O Pai atende sempre a oração da Igreja do seu Filho, a qual, na epiclese de cada sacramento, exprime a sua fé no poder do Espírito. Tal como o fogo transforma em si tudo quanto atinge, assim o Espírito Santo transforma em vida divina tudo quanto se submete ao seu poder.
1128. É esse o sentido da afirmação da Igreja (Cf. Concílio de Trento, Canones de sacramentis in genere, can 8: DS 1608): os sacramentos actuam ex opere operato (à letra: «pelo próprio facto de a acção ser executada»), quer dizer, em virtude da obra salvífica de Cristo, realizada uma vez por todas. Segue-se daí que «o sacramento não é realizado pela justiça do homem que o dá ou que o recebe, mas pelo poder de Deus» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3, q. 68, a. 8, c.: Ed. Leon. 12, 100). Desde que um sacramento seja celebrado conforme a intenção da Igreja, o poder de Cristo e do seu Espírito age nele e por ele, independentemente da santidade pessoal do ministro. No entanto, os frutos dos sacramentos dependem também das disposições de quem os recebe.
1129. A Igreja afirma que, para os crentes, os sacramentos da Nova Aliança são necessários para a salvação (Cf. Concílio de Trento, Canones de sacramentis in genere, can 4: DS 1604). A «graça sacramental» é a graça do Espírito Santo dada por Cristo e própria de cada sacramento. O Espírito cura e transforma aqueles que O recebem, conformando-os com o Filho de Deus. O fruto da vida sacramental é que o Espírito de adopção deifique os fiéis, unindo-os vitalmente ao Filho único, o Salvador.
Os sacramentos da Vida Eterna (1130)
Quarta-feira
1130. A Igreja celebra o mistério do seu Senhor «até que Ele venha» e «Deus seja tudo em todos» (1 Cor 11, 26; 15, 28). Desde a era Apostólica, a liturgia é atraída para o seu termo pelo gemido do Espírito na Igreja: «Marana tha!» (1 Cor 16, 22). A liturgia participa, assim, no desejo de Jesus:
«Tenho ardentemente desejado comer convosco esta Páscoa […], até que ela se realize plenamente no Reino de Deus» (Lc 22, 15-16).
Nos sacramentos de Cristo, a Igreja recebe já as arras da sua herança e já participa na vida eterna, embora «aguardando a ditosa esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo» (Tt 2, 13).
«O Espírito e a esposa dizem: “Vem!” […] «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 17.20).
São Tomás de Aquino define assim as diferentes dimensões do sinal sacramental: «Sacramentum est et signum rememorativum eius quod praecessit, scilicet passionis Christi; et demonstrativum eius quod in nobis efficitur per Christi passionem, scilicet gratiae; et prognosticum, id est, praenuntiativum futurae gloriae – O sacramento é sinal rememorativo daquilo que o precedeu, ou seja, da paixão de Cristo; e demonstrativo daquilo que em nós a paixão de Cristo realiza, ou seja, da graça; e prognóstico, quer dizer, que anuncia de antemão a glória futura» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3, q. 60, a. 3 c.: Ed. Leon. 12, 6).
Os celebrantes da liturgia celeste (1137-1139)
Quinta-feira
1137. O Apocalipse de São João, lido na liturgia da Igreja, revela-nos, primeiramente, um trono preparado no céu, e Alguém sentado no trono (Cf. Ap 4, 2), «o Senhor Deus» (Is 6, 1) (Cf. Ec 1, 26-28). Depois, o Cordeiro «imolado e de pé» (Ap 5, 6) (Cf. Jo 1, 29): Cristo crucificado e ressuscitado, o único Sumo-Sacerdote do verdadeiro santuário (Cf. Heb 4, 14-15; 10, 19-21: etc), o mesmo «que oferece e é oferecido, que dá e é dado»(Liturgia Bizantina. Anáfora de São João Crisóstomo: F. E. Brigtman, Liturgies Eastern and Western (Oxford 1896) p. 378 (PG 63, 913)). Enfim, «o rio da Vida […] que corre do trono de Deus e do Cordeiro» (Ap 22, 1), um dos mais belos símbolos do Espírito Santo (Cf. Jo 4, 10-14; Ap 21, 6).
1138. «Recapitulados» em Cristo, tomam parte no serviço do louvor de Deus e na realização do seu desígnio: os Poderes celestes (Cf. Ap 4-5: Is 6, 2-3), toda a criação (os quatro viventes), os servidores da Antiga e da Nova Aliança (os vinte e quatro anciãos), o novo povo de Deus (os cento e quarenta e quatro mil) (Cf. Ap 7, 1-8; 14, 1), em particular os mártires, «degolados por causa da Palavra de Deus» (Ap 6, 9) e a santíssima Mãe de Deus (a Mulher (Cf. Ap 12); a Esposa do Cordeiro (Cf. Ap 21, 9) enfim, «uma numerosa multidão que ninguém podia contar e provinda de todas as nações, tribos, povos e línguas» (Ap 7, 9).
1139. É nesta liturgia eterna que o Espírito e a Igreja nos fazem participar, quando celebramos o mistério da salvação nos sacramentos.
A comunidade que celebra (1140-1141)
Sexta-feira
1140. É toda a comunidade, o corpo de Cristo unido à sua Cabeça, que celebra.
«As acções litúrgicas não são acções privadas, mas celebrações da Igreja, que é “o sacramento da unidade”, isto é, povo santo reunido e ordenado sob a direcção dos bispos. Por isso, tais acções pertencem a todo o corpo da Igreja, manifestam-no e afectam-no, atingindo, porém, cada um dos membros de modo diverso, segundo a variedade de estados, funções e participação actual» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 26: AAS 56 (1964) 107)
Também por isso, «sempre que os ritos comportam, segundo a natureza própria de cada qual, uma celebração comum, caracterizada pela presença e activa participação dos fiéis, inculque-se que esta deve preferir-se, na medida do possível, à celebração individual e como que privada» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 27: AAS 56 (1964) 107).
1141. A assembleia que celebra é a comunidade dos baptizados, que «pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, são consagrados para ser uma casa espiritual e um sacerdócio santo, para oferecerem, mediante todas as obras do cristão, sacrifícios espirituais» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 10: AAS 57 (1965) 14). Este «sacerdócio comum» é o de Cristo, único Sacerdote, participado por todos os seus membros (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 10: AAS 57 (1965) 14: Ibid., 34: AAS 57 (1965) 40: Id., Decr. Presbyterorum ordinis, 2: AAS 58 (1966) 991-992):
«É desejo ardente da Mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e activa participação nas celebrações litúrgicas que a própria natureza da liturgia exige e que é, por força do Baptismo, um direito e um dever do povo cristão, “raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido”(1 Pe 2, 9) (Cf. 1 Pe 2, 4-5)» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 14: AAS 56 (1964) 104).
A diversidade de ministérios (1142-1144)
Sábado
1142. Mas «nem todos os membros têm a mesma função» (Rm 12, 4). Alguns deles são chamados por Deus, na Igreja e pela Igreja, a um serviço especial da comunidade. Estes servidores são escolhidos e consagrados pelo sacramento da Ordem, pelo qual o Espírito Santo os torna aptos para agirem na pessoa de Cristo-Cabeça ao serviço de todos os membros da Igreja (Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum ordinis, 2: AAS 58 (1966) 992; Ibid. 15: AAS 58 (1966) 992: Ibid. 15: AAS 58 (1966) 1014). O ministro ordenado é como que o «ícone» de Cristo-Sacerdote. Por ser na Eucaristia que se manifesta plenamente o sacramento da Igreja, na presidência da Eucaristia aparece em primeiro lugar o ministério do bispo e, em comunhão com ele, o dos presbíteros e diáconos.
1143. Para o exercício das funções do sacerdócio comum dos fiéis, existem ainda outros ministérios particulares, não consagrados pelo sacramento da Ordem, e cuja função é determinada pelos bispos segundo as tradições litúrgicas e as necessidades pastorais.
«Também os acólitos, os leitores, os comentadores e os membros do coro desempenham um verdadeiro ministério litúrgico» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 29: AAS 56 (1964) 107).
1144. Assim, na celebração dos sacramentos, toda a assembleia é « liturga», cada qual segundo a sua função, mas «na unidade do Espírito» que age em todos.
«Nas celebrações litúrgicas, limite-se cada um, ministro ou simples fiel, ao exercer o seu ofício, a fazer tudo e só o que é da sua competência, segundo a natureza do rito e as leis litúrgicas» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 28: AAS 56 (1964) 107).
7ª Semana do Tempo Comum
Sinais e símbolos: Sinais do mundo dos homens (1145-1149)
Domingo
1145. Uma celebração sacramental é tecida de sinais e de símbolos. Segundo a pedagogia divina da salvação, a sua significação radica na obra da criação e na cultura humana, determina-se nos acontecimentos da Antiga Aliança e revela-se plenamente na pessoa e na obra de Cristo.
1146. Sinais do mundo dos homens. Os sinais e os símbolos ocupam um lugar importante na vida humana. Sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as realidades espirituais através de sinais e símbolos materiais. Como ser social, o homem tem necessidade de sinais e de símbolos para comunicar com o seu semelhante através da linguagem. dos gestos e de acções. O mesmo acontece nas suas relações com Deus.
1147. Deus fala ao homem através da criação visível. O cosmos material apresenta-se à inteligência do homem para que leia nele os traços do seu Criador (Cf. Sb 13, 1: Rm 1, 19-20; Act 14, 17). A luz e a noite, o vento e o fogo, a água e a terra, a árvore e os frutos, tudo fala de Deus e simboliza, ao mesmo tempo, a sua grandeza e a sua proximidade.
1148. Enquanto criaturas, estas realidades sensíveis podem tornar-se o lugar de expressão da acção de Deus que santifica os homens e da acção dos homens que prestam a Deus o seu culto. O mesmo acontece com os sinais e símbolos da vida social dos homens: lavar e ungir, partir o pão e beber do mesmo copo podem exprimir a presença santificante de Deus e a gratidão do homem para com o seu Criador.
1149. As grandes religiões da humanidade dão testemunho, muitas vezes de modo impressionante, deste sentido cósmico e simbólico dos ritos religiosos. A liturgia da Igreja pressupõe, integra e santifica elementos da criação e da cultura humana, conferindo-lhes a dignidade de sinais da graça, da nova criação em Cristo Jesus.
Sinais cristãos (1150-1152)
Segunda-feira
1150. Sinais da Aliança. O povo eleito recebe de Deus sinais e símbolos distintivos, que marcam a sua vida litúrgica: já não são unicamente celebrações de ciclos cósmicos e práticas sociais, mas sinais da Aliança, símbolos das proezas operadas por Deus em favor do seu povo. Entre estes sinais litúrgicos da Antiga Aliança, podem citar-se a circuncisão, a unção e a sagração dos reis e dos sacerdotes, a imposição das mãos, os sacrifícios e sobretudo a Páscoa. A Igreja vê nestes sinais uma prefiguração dos sacramentos da Nova Aliança.
1151. Sinais assumidos por Cristo. Na sua pregação, o Senhor Jesus serve-Se muitas vezes dos sinais da criação para dar a conhecer os mistérios do Reino de Deus (Cf. Lc 8, 10). Realiza as suas curas ou sublinha a sua pregação com sinais materiais ou gestos simbólicos (Cf. Jo 9, 6: Mc 7, 33-35; 8, 22-25). Dá um sentido novo aos factos e sinais da Antiga Aliança, sobretudo ao Êxodo e à Páscoa (Cf. Lc 9, 31; 22, 7-20), porque Ele próprio é o sentido de todos esses sinais.
1152. Sinais sacramentais. Depois do Pentecostes, é através dos sinais sacramentais da sua Igreja que o Espírito Santo opera a santificação. Os sacramentos da Igreja não vêm abolir, mas purificar e assumir, toda a riqueza dos sinais e símbolos do cosmos e da vida social. Além disso, realizam os tipos e figuras da Antiga Aliança, significam e realizam a salvação operada por Cristo, e prefiguram e antecipam a glória do céu.
Palavras e ações (1153-1155)
Terça-feira
1153. Cada celebração sacramental é um encontro dos filhos de Deus com o seu Pai, em Cristo e no Espírito Santo. Tal encontro exprime-se como um diálogo, através de acções e de palavras. Sem dúvida, as acções simbólicas são já, só por si, uma linguagem. Mas é preciso que a Palavra de Deus e a resposta da fé acompanhem e dêem vida a estas acções, para que a semente do Reino produza os seus frutos em terra boa. As acções litúrgicas significam o que a Palavra de Deus exprime: ao mesmo tempo, a iniciativa gratuita de Deus e a resposta de fé do seu povo.
1154. A liturgia da Palavra é parte integrante das celebrações sacramentais. Para alimentar a fé dos fiéis, os sinais da Palavra de Deus devem ser valorizados: o livro da Palavra (leccionário ou evangeliário), a sua veneração (procissão, incenso, luz), o lugar da sua proclamação (ambão), a sua leitura audível e inteligível, a homilia do ministro que prolonga a sua proclamação, as respostas da assembleia (aclamações, salmos de meditação, litanias, confissão de fé…).
1155. Inseparáveis enquanto sinais e ensinamento, as palavras e a acção litúrgica são-no também enquanto realizam o que significam. O Espírito Santo não se limita a dar a compreensão da Palavra de Deus suscitando a fé nela; pelos sacramentos, realiza também as «maravilhas» de Deus anunciadas pela Palavra: torna presente e comunica a obra do Pai, realizada pelo Filho muito amado.
Canto e música (1156-1158)
Quarta-feira
1156. «A tradição musical da Igreja universal criou um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da liturgia solene» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 112: AAS 56 (1964) 128).
A composição e o canto dos salmos inspirados, muitas vezes acompanhados por instrumentos musicais, estavam já estreitamente ligados às celebrações litúrgicas da Antiga Aliança. A Igreja continua e desenvolve esta tradição:
«Recitai entre vós salmos, hinos e cânticos inspirados, cantai e louvai ao Senhor no vosso coração» (Ef 5,19) (Cf. Cl 3, 16-17).
Quem canta, reza duas vezes (Cf. Santo Agostinho, Enarratio in Psalmum, 72, 1: CCL 39, 986 (PL 36, 914)).
1157. O canto e a música desempenham a sua função de sinais, dum modo tanto mais significativo, quanto «mais intimamente estiverem unidos à acção litúrgica» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 112: AAS 56 (1964) 128),, segundo três critérios principais: a beleza expressiva da oração, a participação unânime da assembleia nos momentos previstos e o carácter solene da celebração. Participam, assim, na finalidade das palavras e das acções litúrgicas: a glória de Deus e a santificação dos fiéis (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 112: AAS 56 (1964) 128).
«Como eu chorei ao ouvir os vossos hinos, os vossos cânticos, as suaves harmonias que ecoavam pela vossa igreja! Que emoção me causavam! Passavam pelos meus ouvidos, derramando a verdade no meu coração. Um grande impulso de piedade me elevava, e as lágrimas rolavam-me pela face; mas faziam-me bem» (Santo Agostinho, Confissões 9, 6, 14: CCL27, 141 (PL 32, 769-770)).
1158. A harmonia dos sinais (canto, música, palavras e acções) é aqui tanto mais expressiva e fecunda quanto mais se exprimir na riqueza cultural própria do Povo de Deus que celebra (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 119: AAS 56 (1964) 129-130). Por isso, «promova-se com empenho o canto religioso popular para que, tanto nos exercícios piedosos e sagrados como nas próprias acções litúrgicas», de acordo com as normas da Igreja, «ressoem as vozes dos fiéis» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 118: AAS 56 (1964) 129). Mas «os textos destinados ao canto sacro devem estar de acordo com a doutrina católica e inspirar-se sobretudo na Sagrada Escritura e nas fontes litúrgicas» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 121: AAS56 (1964) 130).
As santas imagens (1159-1162)
Quinta-feira
1159. A imagem sagrada, o «ícone» litúrgico, representa principalmente Cristo. Não pode representar o Deus invisível e incompreensível: foi a Encarnação do Filho de Deus que inaugurou uma nova «economia» das imagens:
«Outrora Deus, que não tem nem corpo nem figura, não podia de modo algum, ser representado por uma imagem. Mas agora, que Ele se fez ver na carne e viveu no meio dos homens, eu posso fazer uma imagem daquilo que vi de Deus […] Contemplamos a glória do Senhor com o rosto descoberto» (São João Damasceno, De sacris imaginibus oratio 1, 16: PTS 17, 89 e 92 (PG 94, 1245 e 1248)).
1160. A iconografia cristã transpõe para a imagem a mensagem evangélica que a Sagrada Escritura transmite pela palavra. Imagem e palavra esclarecem-se mutuamente:
«Para dizer brevemente a nossa profissão de fé, nós conservamos todas as tradições da Igreja, escritas ou não, que nos foram transmitidas intactas. Uma delas é a representação pictórica das imagens, que está de acordo com a pregação da história evangélica, acreditando que, de verdade e não só de modo aparente, o Deus Verbo Se fez homem, o que é tão útil como proveitoso, pois as coisas que mutuamente se esclarecem têm indubitavelmente uma significação recíproca» (II Concílio de Niceia (em 787) Terminus: COD p. 135).
1161. Todos os sinais da celebração litúrgica fazem referência a Cristo: também as imagens sagradas da Mãe de Deus e dos santos. De facto, elas significam Cristo que nelas é glorificado; manifestam «a nuvem de testemunhas» (Heb 12, 1) que continuam a participar na salvação do mundo e às quais estamos unidos, sobretudo na celebração sacramental. Através dos seus ícones, é o homem «à imagem de Deus», finalmente transfigurado «à sua semelhança» (Cf. Rm 8, 29; 1 Jo 3, 2), que se revela à nossa fé – como ainda os anjos, também eles recapitulados em Cristo:
«Seguindo a doutrina divinamente inspirada dos nossos santos Padres e a tradição da Igreja Católica, que nós sabemos ser a tradição do Espírito Santo que nela habita, definimos com toda a certeza e cuidado que as veneráveis e santas imagens, bem como as representações da Cruz preciosa e vivificante, pintadas, representadas em mosaico ou de qualquer outra matéria apropriada, devem ser colocadas nas santas igrejas de Deus, sobre as alfaias e vestes sagradas, nos muros e em quadros, nas casas e nos caminhos: e tanto a imagem de nosso Senhor, Deus e Salvador, Jesus Cristo, como a de nossa Senhora, a puríssima e santa Mãe de Deus, a dos santos anjos e de todos os santos e justos» (II Concílio de Niceia, Definitio de sacris imaginibus: DS 600).
1162. «A beleza e a cor das imagens estimulam a minha oração. É uma festa para os meus olhos, e, tal como o espectáculo do campo, impele o meu coração a dar glória a Deus» (São João Damasceno, De sacris imaginibus oratio 1, 47: PTS 17. 151 (PG 94, 1268)).
A contemplação dos sagrados ícones, unida à meditação da Palavra de Deus e ao canto dos hinos litúrgicos, entra na harmonia dos sinais da celebração, para que o mistério celebrado se imprima na memória do coração e se exprima depois na vida nova dos fiéis.
O tempo litúrgico (1163-1165)
Sexta-feira
1163. «A santa mãe Igreja considera seu dever celebrar com uma comemoração sagrada, em determinados dias do ano, a obra de salvação do seu divino Esposo. Em cada semana, no dia a que chamou Domingo, celebra a memória da ressurreição do Senhor, como a celebra também uma vez no ano, na Páscoa, a maior das solenidades, unida à memória da sua bem-aventurada paixão. E distribui todo o mistério de Cristo pelo decorrer do ano […]. Comemorando assim os mistérios da Redenção, ela abre aos fiéis as riquezas das virtudes e merecimentos do seu Senhor, a ponto de os tornar de algum modo presentes a todos os tempos, para que os fiéis, em contacto com eles, se encham da graça da salvação» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 102: AAS 56 (1964) 125).
1164. O povo de Deus, desde o tempo da lei mosaica, conheceu festas em datas fixadas a partir da Páscoa, para comemorar as acções portentosas do Deus Salvador, dar-Lhe graças por elas, perpetuar-lhes a lembrança e ensinar as novas gerações a conformarem com elas a sua conduta. No tempo da Igreja, situado entre a Páscoa de Cristo, já realizada uma vez por todas, e a sua consumação no Reino de Deus, a liturgia celebrada em dias fixos está toda impregnada da novidade do mistério de Cristo.
1165. Quando a Igreja celebra o mistério de Cristo, há uma palavra que ritma a sua oração: Hoje!, como um eco da oração que lhe ensinou o seu Senhor (Cf. Mt 6, 1) e do chamamento do Espírito Santo (Cf. Heb 3, 7-4, 11; Sl 95, 8). Este «hoje» do Deus vivo, em que o homem é chamado a entrar, é a «Hora» da Páscoa de Jesus, que atravessa e sustenta toda a história:
«A vida derramou-se sobre todos os seres e todos são inundados duma grande luz: o Oriente dos orientes invade o universo e Aquele que era “antes da estrela da manhã” e antes dos astros, imortal e imenso, o grande Cristo, brilha mais que o Sol sobre todos os seres. É por isso que, para nós que n’Ele cremos, se instaura um dia de luz, longo, eterno, que não se extingue: a Páscoa mística» (Pseudo-Hipólito de Roma, In sanctum Pascha 1, 1-2: Studia patristica mediolanensia 15, 230-232 (PG 59, 755)).
O dia do Senhor (1166-1167)
Sábado
1166. «Por tradição apostólica, que remonta ao próprio dia da ressurreição de Cristo, a Igreja celebra o mistério pascal todos os oito dias, no dia que bem se denomina dia do Senhor ou Domingo» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 106: AAS 56 (1964) 126).
O dia da ressurreição de Cristo é, ao mesmo tempo, o «primeiro dia da semana», memorial do primeiro dia da criação, e o «oitavo dia» em que Cristo, após o seu «repouso» do grande sábado, inaugura o «dia que o Senhor fez», o «dia que não conhece ocaso» (Cf. Matinas do dia da Páscoa do rito Bizantino. Ode 9, tropário: Pentekostárion (Roma 1884) p. 11). A «Ceia do Senhor» é o seu centro, porque é nela que toda a comunidade dos fiéis encontra o Senhor ressuscitado, que os convida para o seu banquete (Cf. Jo 21, 12: Lc 24, 30):
«O dia do Senhor, o dia da ressurreição, o dia dos cristãos é o nosso dia. Chama-se dia do Senhor por isso mesmo: porque foi nesse dia que o Senhor subiu vitorioso para junto do Pai. Se os pagãos lhe chamam dia do Sol, também nós, de bom grado o confessamos: porque hoje se ergueu a luz do mundo, hoje apareceu o sol da justiça, cujos raios nos trazem a salvação» (São Jerónimo, In die Dominica Paschae homilia: CCL 78, 550 (PL 30. 218-219)).
1167. O Domingo é o dia por excelência da assembleia litúrgica, em que os fiéis se reúnem «para, ouvindo a Palavra de Deus e participando na Eucaristia, fazerem memória da paixão, ressurreição e glória do Senhor Jesus, e darem graças a Deus, que os “regenerou para uma esperança viva pela ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos”» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 106: AAS 56 (1964) 126):
«Quando meditamos, ó Cristo, nas maravilhas que tiveram lugar neste dia de domingo da tua santa ressurreição, dizemos: Bendito o dia de Domingo, porque nele teve início a criação […] a salvação do mundo […] a renovação do género humano […]. Foi nesse dia que o céu e a terra se congratularam e que todo o universo se encheu de luz. Bendito o dia de Domingo, porque nele foram abertas as portas do paraíso, para que Adão e todos os deportados nele entrassem sem temor» (Fanqîth. Breviarium iuxta Ecclesiae Antiochenae Syrorum, v. 6, (Mossul )886) p. 193b).
8ª Semana do Tempo Comum
Liturgia e culturas (1204-1206)
Domingo
1204. A celebração da Liturgia deve, pois, corresponder ao génio e à cultura dos diferentes povos (Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 37-40: AAS 56 (1964) 110-111). Para que o mistério de Cristo seja «dado a conhecer a todos os gentios, para que obedeçam à fé» (Rm 16, 26), tem de ser anunciado, celebrado e vivido em todas as culturas, de modo que estas não sejam abolidas mas resgatadas e plenamente realizadas por ele (Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae, 53: AAS 71 (1979) 1319-1321). É com e pela sua cultura humana própria, assumida e transfigurada por Cristo, que a multidão dos filhos de Deus tem acesso ao Pai, para O glorificar num só Espírito.
1205. «Na liturgia, sobretudo na dos sacramentos, existe uma parte imutável — por ser de instituição divina — da qual a Igreja é guardiã, e partes susceptíveis de mudança que a Igreja tem o poder e, por vezes, mesmo o dever de adaptar às culturas dos povos recentemente evangelizados» (João Paulo II, Carta Ap. Vicesimus quintus annus, 16: AAS 81 (1989) 912-913: cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 21: AAS 56 (1964) 105-106).
1206. «A diversidade litúrgica pode ser fonte de enriquecimento, mas também pode provocar tensões, incompreensões recíprocas e até cismas. Neste domínio, é claro que a diversidade não deve prejudicar a unidade. Ela só pode exprimir-se na fidelidade à fé comum, aos sinais sacramentais que a Igreja recebeu de Cristo e à comunhão hierárquica. A adaptação às culturas exige uma conversão do coração e, se necessário, rupturas com hábitos ancestrais incompatíveis com a fé católica» (João Paulo II, Carta Ap. Vicesimus quintus annus, 16: AAS 81 (1989) 913).
A Unção dos Enfermos (1499-1502)
Segunda-feira
1499. «Pela santa Unção dos Enfermos e pela oração dos presbíteros, toda a Igreja encomenda os doentes ao Senhor, sofredor e glorificado, para que os alivie e os salve: mais ainda, exorta-os a que, associando-se livremente à paixão e morte de Cristo, concorram para o bem do povo de Deus» (Cf. Mc 2, 17).
I. Os seus fundamentos na economia da salvação
A DOENÇA NA VIDA HUMANA
1500. A doença e o sofrimento estiveram sempre entre os problemas mais graves que afligem a vida humana. Na doença, o homem experimenta a sua incapacidade, os seus limites, a sua finitude. Qualquer enfermidade pode fazer-nos entrever a morte.
1501. A doença pode levar à angústia, ao fechar-se em si mesmo e até, por vezes, ao desespero e à revolta contra Deus. Mas também pode tornar uma pessoa mais amadurecida, ajudá-la a discernir, na sua vida, o que não é essencial para se voltar para o que o é. Muitas vezes, a doença leva à busca de Deus, a um regresso a Ele.
O DOENTE PERANTE DEUS
1502. O homem do Antigo Testamento vive a doença à face de Deus. É diante de Deus que desafoga o seu lamento pela doença que lhe sobreveio (Cf. Sl 38) e é d’Ele. Senhor da vida e da morte, que implora a cura (Cf. Sl 6, 3: Is 38). A doença torna-se caminho de conversão (Cf. Sl 38, 5: 39, 9.12) e o perdão de Deus dá início à cura (Cf. Sl 32, 5: 107. 20; Mc 2, 5-12). Israel faz a experiência de que a doença está, de modo misterioso, ligada ao pecado e ao mal, e de que a fidelidade a Deus em conformidade com a sua Lei restitui a vida: «porque Eu, o Senhor, é que sou o teu médico» (Ex 15, 26). O profeta entrevê que o sofrimento pode ter também um sentido redentor pelos pecados dos outros (Cf. Is 53, 11). Finalmente, Isaías anuncia que Deus fará vir para Sião um tempo em que perdoará todas as faltas e curará todas as doenças (Cf. Is 33, 24).
Cristo médico (1503-1505)
Terça-feira
1503. A compaixão de Cristo para com os doentes e as suas numerosas curas de enfermos de toda a espécie (Cf. Mt 4, 24) são um sinal claro de que «Deus visitou o seu povo» (Cf. Lc 7, 16) e de que o Reino de Deus está próximo. Jesus tem poder não somente para curar, mas também para perdoar os pecados (Cf. Mc 2, 5-12): veio curar o homem na sua totalidade, alma e corpo: é o médico de que os doentes precisam (Cf. Mc 2, 17). A sua compaixão para com todos os que sofrem vai ao ponto de identificar-Se com eles:
«Estive doente e visitastes-Me» (Mt 25, 36)
O seu amor de predilecção para com os enfermos não cessou, ao longo dos séculos, de despertar a atenção particular dos cristãos para aqueles que sofrem no corpo ou na alma. Ele está na origem de incansáveis esforços para os aliviar.
1504. Frequentemente, Jesus pede aos doentes que acreditem (Cf. Mc 5, 34.36: 9. 23). Serve-se de sinais para curar: saliva e imposição das mãos (Cf. Mc 7. 32-36; 8, 22-25), lodo e lavagem (Cf. Jo 9, 6-15). Por seu lado, os doentes procuram tocar-Lhe (Cf. Mc 3, 10: 6. 56), «porque saía d’Ele uma força que a todos curava» (Lc 6, 19). Por isso, nos sacramentos, Cristo continua a «tocar-nos» para nos curar.
1505. Comovido por tanto sofrimento, Cristo não só Se deixa tocar pelos doentes, como também faz suas as misérias deles:
«Tomou sobre Si as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças» (Mt 8, 17) (Cf. Is 53, 4)
Ele não curou todos os doentes. As curas que fazia eram sinais da vinda do Reino de Deus. Anunciavam uma cura mais radical: a vitória sobre o pecado e sobre a morte, mediante a sua Páscoa. Na cruz, Cristo tomou sobre Si todo o peso do mal (Cf. Is 53, 4-6) e tirou «o pecado do mundo» (Jo 1, 29), do qual a doença não é mais que uma consequência. Pela sua paixão e morte na cruz. Cristo deu novo sentido ao sofrimento: desde então este pode configurar-nos com Ele e unir-nos à sua paixão redentora.
Curai os enfermos (1506-1510)
Quarta-feira
1506. Cristo convida os discípulos a seguirem-no, tomando a sua cruz (Cf. Mt 10, 38). Seguindo-O, eles adquirem uma nova visão da doença e dos doentes. Jesus associa-os à sua vida pobre e servidora. Fá-los participar no seu ministério de compaixão e de cura: E eles «partiram e pregaram que era preciso cada um arrepender-se. Expulsavam muitos demónios, ungiam com óleo numerosos doentes, e curavam-nos» (Mc 6, 12-13).
1507. O Senhor ressuscitado renova esta missão («em Meu nome… hão-de impor as mãos aos doentes, e estes ficarão curados»: Mc 16, 1 7-18) e confirma-a por meio dos sinais que a Igreja realiza invocando o seu nome (Cf. Act 9, 34: 14, 3). Estes sinais manifestam de modo especial, que Jesus é verdadeiramente «Deus que salva» (Cf. Mt 1, 21: Act 4, 12).
1508. O Espírito Santo confere a alguns o carisma especial de poderem curar (Cf. 1 Cor 12, 9. 28. 30) para manifestar a força da graça do Ressuscitado. Todavia, nem as orações mais fervorosas obtêm sempre a cura de todas as doenças. Assim, São Paulo deve aprender do Senhor que «a minha graça te basta: pois na fraqueza é que a minha força actua plenamente» (2 Cor 12, 9), e que os sofrimentos a suportar podem ter como sentido que «eu complete na minha carne o que falta à paixão de Cristo, em benefício do seu corpo, que é a Igreja» (Cl 1, 24).
1509. «Curai os enfermos!» (Mt 10, 8). A Igreja recebeu este encargo do Senhor e procura cumpri-lo, tanto pelos cuidados que dispensa aos doentes, como pela oração de intercessão com que os acompanha. Ela “crê na presença vivificante de Cristo, médico das almas e dos corpos, presença que age particularmente através dos sacramentos e de modo muito especial da Eucaristia, pão que dá a vida eterna (Cf. Jo 6, 54.58) e cuja ligação com a saúde corporal é insinuada por São Paulo (Cf. 1 Cor 11, 30).
1510. Entretanto, a Igreja dos Apóstolos conhece um rito próprio em favor dos enfermos, atestado por São Tiago:
«Alguém de vós está doente? Chame os presbíteros da Igreja para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o aliviará; e, se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados» (Ts; 5, 14-15)
A Tradição reconheceu neste rito um dos sete sacramentos da Igreja (Cf. Santo Inocêncio, Epistula Si instituta ecclesiastica: DS 216; Concílio de Florença, Decretum pro Armenis: DS 1324-1325: Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento extremae Unctionis, c. 1-2: DS 1695-1696; Id., Sess. 14ª, canones de extrema Unctione, can. 1-2: DS 1716-1717).
Um Sacramento dos Enfermos (1511-1513)
Quinta-feira
1511. A Igreja crê e confessa que, entre os sete sacramentos, há um, especialmente destinado a reconfortar os que se encontram sob a provação da doença: a Unção dos enfermos:
«Esta santa unção dos enfermos foi instituída por Cristo nosso Senhor como sacramento do Novo Testamento, verdadeira e propriamente dito, insinuado por São Marcos (Cf. Mc 6, 13), mas recomendado aos fiéis e promulgado por São Tiago, apóstolo e irmão do Senhor» (Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento extremae Unctionis, c. 1: DS 1695; Cf. Tg 5, 14-15).
1512. Na tradição litúrgica, tanto no Oriente como no Ocidente, temos, desde os tempos antigos, testemunhos de unções de doentes praticadas com óleo benzido. No decorrer dos séculos, a Unção dos enfermos começou a ser conferida cada vez mais exclusivamente aos que estavam prestes a morrer. Por causa disso, fora-lhe dado o nome de «Extrema-Unção». Porém, apesar dessa evolução, a liturgia nunca deixou de pedir ao Senhor pelo doente, para que recuperasse a saúde, se tal fosse conveniente para a sua salvação
1513. A Constituição Apostólica «Sacram Unctionem Infirmorum», de 30 de Novembro de 1972, na sequência do II Concílio do Vaticano (Cf. II Concílio do Vaticano, Sacrosanctum concilium, 73: AAS 56 (1964) 118-119), estabeleceu que, a partir de então, se observasse o seguinte no rito romano:
«O sacramento da Unção dos Enfermos é conferido aos que se encontram enfermos com a vida em perigo, ungindo-os na fronte e nas mãos com óleo de oliveira ou, segundo as circunstância, com outro óleo de origem vegetal, devidamente benzido, proferindo uma só vez, as palavras: “Por esta santa unção e pela sua infinita misericórdia o Senhor venha em teu auxílio com a graça do Espírito Santo, para que, liberto dos teus pecados, Ele te salve e, na sua bondade, alivie os teus sofrimentos”» (Paulo VI. Const. ap. Sacram Unctionem infirmorum: AAS 65 (1973) 8. Cf.CIC 847, § 1).
Como é celebrada a Unção dos Enfermos (1517-1519)
Sexta-feira
1517. Como todos os sacramentos, a Unção dos Enfermos é uma celebração litúrgica e comunitária (II Concílio do Vaticano, Sacrosanctum concilium, 27: AAS 56 (1964) 107) quer tenha lugar no seio da família, quer no hospital ou na igreja, para um só doente ou para um grupo deles. É muito conveniente que seja celebrada durante a Eucaristia, memorial da Páscoa do Senhor. Se as circunstâncias a tal convidarem, a celebração do sacramento pode ser precedida pelo sacramento da Penitência e seguida pelo da Eucaristia. Enquanto sacramento da Páscoa de Cristo, a Eucaristia deveria ser sempre o último sacramento da peregrinação terrestre, o «viático» da «passagem» para a vida eterna.
1518. Palavra e sacramento formam um todo inseparável. A liturgia da Palavra, precedida dum acto penitenciai, abre a celebração. As palavras de Cristo e o testemunho dos Apóstolos despertam a fé do doente e da comunidade, para pedir ao Senhor a força do seu Espírito.
1519. A celebração do sacramento compreende principalmente os seguintes elementos: «Os presbíteros da Igreja» (Cf. Tg 5, 14) impõem em silêncio – as mãos sobre os enfermos; rezam por eles na fé da Igreja (Cf. Tg 5, 15); é a epiclese própria deste sacramento; então, conferem a unção com óleo, benzido, se possível, pelo bispo.
Estes actos litúrgicos indicam a graça que este sacramento confere aos doentes.
Os efeitos da Unção dos Enfermos (1520-1523)
Sábado
1520. Um dom particular do Espírito Santo. A primeira graça deste sacramento é uma graça de reconforto, de paz e de coragem para vencer as dificuldades próprias do estado de doença grave ou da fragilidade da velhice. Esta graça é um dom do Espírito Santo, que renova a confiança e a fé em Deus, e dá força contra as tentações do Maligno, especialmente a tentação do desânimo e da angústia da morte (Cf. Heb 2, 15). Esta assistência do Senhor pela força do seu Espírito visa levar o doente à cura da alma, mas também à do corpo, se tal for a vontade de Deus (Concílio de Florença, Decretum pro Armenis: DS 1325). Além disso, «se ele cometeu pecados, ser-lhe-ão perdoados» (Tg 5, 15) (Cf. Concílio de Trento, Sess. 14ª, canones de extrema Unctione, can. 2: DS 1717).
1521. A união à paixão de Cristo. Pela graça deste sacramento, o enfermo recebe a força e o dom de se unir mais intimamente à paixão de Cristo: ele é, de certo modo, consagrado para produzir frutos pela configuração com a paixão redentora do Salvador. O sofrimento, sequela do pecado original, recebe um sentido novo: transforma-se em participação na obra salvífica de Jesus.
1522. Uma graça eclesial. Os doentes que recebem este sacramento, «associando-se livremente à paixão e morte de Cristo, concorrem para o bem do povo de Deus» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15). Ao celebrar este sacramento, a Igreja, na comunhão dos santos, intercede pelo bem do doente. E o doente, por seu lado, pela graça deste sacramento, contribui para a santificação da Igreja e para o bem de todos os homens, pelos quais a Igreja sofre e se oferece, por Cristo, a Deus Pai.
1523. Uma preparação para a última passagem. Se o sacramento da Unção dos Enfermos é concedido a todos os que sofrem de doenças e enfermidades graves, com mais forte razão o é aos que estão prestes a deixar esta vida («in exitu vitae constituti (Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento extremae Unctionis, c. 3: DS 1698)): de modo que também foi chamado «sacramentum exeuntium – sacramento dos que partem» (Ibid.). A Unção dos Enfermos completa a nossa conformação com a morte e ressurreição de Cristo, tal como o Baptismo a tinha começado. Leva à perfeição as unções santas que marcam toda a vida cristã: a do Baptismo selara em nós a vida nova: a da Confirmação robustecera-nos para o combate desta vida; esta última unção mune o fim da nossa vida terrena como que de um sólido escudo em vista das últimas batalhas, antes da entrada na Casa do Pai (Cf. Concílio de Trento, Sess. 14ª, Doctrina de sacramento extremae Unctionis, Prooemium: DS 1694).
9ª Semana do Tempo Comum
O santoral no ano litúrgico (1168-1171)
Domingo
1168. Partindo do Tríduo Pascal, como da sua fonte de luz, o tempo novo da ressurreição enche todo o ano litúrgico da sua claridade. Progressivamente, dum lado e doutro desta fonte, o ano é transfigurado pela liturgia. Ele é realmente o ano da graça do Senhor (Cf. Lc 4, 19). A economia da salvação realiza-se no quadro do tempo, mas a partir do seu cumprimento na Páscoa de Jesus e da efusão do Espírito Santo, o fim da história é antecipado, pregustado, e o Reino de Deus entra no nosso tempo.
1169. É por isso que a Páscoa não é simplesmente uma festa entre outras: é a «festa das festas», a «solenidade das solenidades», tal como a Eucaristia é o sacramento dos sacramentos (o grande sacramento). Santo Atanásio chama-lhe «o grande domingo» (Santo Atanásio de Alexandria, Epistula festivalis 1 (em 329), 10: PG 26, 1366), tal como a Semana Santa é chamada no Oriente «a semana maior». O mistério da ressurreição, em que Cristo aniquilou a morte, penetra no nosso velho tempo com a sua poderosa energia, até que tudo Lhe seja submetido.
1170. No Concílio de Niceia (em 325), todas as Igrejas acordaram em que a Páscoa cristã fosse celebrada no domingo a seguir à lua cheia (14 de Nisan), depois do equinócio da Primavera. Devido a diferentes métodos usados para calcular o dia 14 de Nisan, a data da Páscoa nem sempre coincide nas Igrejas do Ocidente e do Oriente. Por isso, estas Igrejas procuram hoje um acordo, para chegarem de novo a celebrar numa data comum o dia da ressurreição do Senhor.
1171. O ano litúrgico é o desenrolar dos diferentes aspectos do único mistério pascal. Isto vale particularmente para o ciclo das festas em torno do mistério da Encarnação (Anunciação, Natal, Epifania), que comemoram o princípio da nossa salvação e nos comunicam as primícias do mistério da Páscoa.
O desejo de Deus (27-30)
Segunda-feira
27. O desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem para Si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem descanso:
«A razão mais sublime da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o começo da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus: pois se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele, e por amor, constantemente conservado: nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e não se entregar ao seu Criador»(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, 19: AAS 58 (1966) 1038-1039).
28. De muitos modos, na sua história e até hoje, os homens exprimiram a sua busca de Deus em crenças e comportamentos religiosos (orações, sacrifícios, cultos, meditações, etc.). Apesar das ambiguidades de que podem enfermar, estas formas de expressão são tão universais que bem podemos chamar ao homem um ser religioso:
Deus «criou de um só homem todo o género humano, para habitar sobre a superfície da terra, e fixou períodos determinados e os limites da sua habitação, para que os homens procurassem a Deus e se esforçassem realmente por O atingir e encontrar. Na verdade, Ele não está longe de cada um de nós. É n’Ele que vivemos, nos movemos e existimos» (Act 17, 26-28).
29. Mas esta «relação íntima e vital que une o homem a Deus»(II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes,, 19: AAS 58 (1966) 1039) pode ser esquecida, desconhecida e até explicitamente rejeitada pelo homem. Tais atitudes podem ter origens diversas (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes, 19-21: AAS 58 (1966) 1038-1042) a revolta contra o mal existente no mundo, a ignorância ou a indiferença religiosas, as preocupações do mundo e das riquezas (Cf. Mt 13, 22), o mau exemplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis à religião e, finalmente, a atitude do homem pecador que, por medo, se esconde de Deus (Cf. Gn 3, 8-10) e foge quando Ele o chama (Cf. Jn 1, 3).
30. «Exulte o coração dos que procuram o Senhor» (Sl 105, 3). Se o homem pode esquecer ou rejeitar Deus, Deus é que nunca deixa de chamar todo o homem a que O procure, para que encontre a vida e a felicidade. Mas esta busca exige do homem todo o esforço da sua inteligência, a rectidão da sua vontade, «um coração recto», e também o testemunho de outros que o ensinam a procurar Deus.
És grande, Senhor, e altamente louvável; grande é o teu poder e a tua sabedoria é sem medida. E o homem, pequena parcela da tua criação, pretende louvar-Te – precisamente ele que, revestido da sua condição mortal, traz em si o testemunho do seu pecado, o testemunho de que Tu resistes aos soberbos. Apesar de tudo, o homem, pequena parcela da tua criação, quer louvar-Te. Tu próprio a isso o incitas, fazendo com que ele encontre as suas delícias no teu louvor, porque nos fizeste para Ti e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Ti (Santo Agostinho, Confissões, I,1, 1: CCL 27. 1 (PL 32, 659-661)).
As vias de acesso ao conhecimento de Deus (31-35)
Terça-feira
31. Criado à imagem de Deus, chamado a conhecer e a amar a Deus, c homem que procura Deus descobre certos «caminhos» de acesso ao conhecimento de Deus. Também se lhes chama «provas da existência de Deus» – não no sentido das provas que as ciências naturais indagam mas no de «argumentos convergentes e convincentes» que permitem chegar a verdadeiras certezas.
Estes «caminhos» para atingir Deus têm como ponto de partida criação: o mundo material e a pessoa humana.
32. O mundo: A partir do movimento e do devir, da contingência, da ordem e da beleza do mundo, pode chegar-se ao conhecimento de Deu: como origem e fim do universo.
São Paulo afirma a respeito dos pagãos:
«O que se pode conhecer de Deus manifesto para eles, porque Deus lho manifestou. Desde a criação do mundo, a perfeições invisíveis de Deus, o seu poder eterno e a sua divindade tornam-se pelas suas obras, visíveis à inteligência» (Rm 1, 19-20) (Cf. Act 14, 15, 17; 17. 27-28; Sb 13, 1-9).
E Santo Agostinho:
«Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar interroga a beleza do ar que se dilata e difunde, interroga a beleza do céu […] interroga todas estas realidades. Todas te respondem: Estás a ver como somo belas. A beleza delas é o seu testemunho de louvor [«confessio»].Essas belezas sujeitas à mudança, quem as fez senão o Belo [«Ptdcher»], que não está sujeite à mudança?» (Santo Agostinho, Sermão 241. 2: PL 38, 1134).
33. O homem: Com a sua abertura à verdade e à beleza, com o seu sentido do bem moral, com a sua liberdade e a voz da sua consciência, com a sua ânsia de infinito e de felicidade, o homem interroga-se sobre a existência de Deus. Nestas aberturas, ele detecta sinais da sua alma espiritual. «Gérmen de eternidade que traz em si mesmo, irredutível à simples matéria» (II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et Spes,18: AAS 58 (1966) 1038: cf. ibid., 14: AAS 58 (1966) 1036), a sua alma só em Deus pode ter origem.
34. O mundo e o homem atestam que não têm em si mesmos, nem o seu primeiro princípio, nem o seu fim último, mas que participam do Ser-em-si, sem princípio nem fim. Assim, por estes diversos «caminhos», o homem pode ter acesso ao conhecimento da existência duma realidade que é a causa primeira e o fim último de tudo, «e a que todos chamam Deus» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae I. q. 2, a. 3, e: Ed. Leon. 4, 31).
35. As faculdades do homem tornam-no capaz de conhecer a existência de um Deus pessoal. Mas, para que o homem possa entrar na sua intimidade, Deus quis revelar-Se ao homem e dar-lhe a graça de poder receber com fé esta revelação. Todavia, as provas da existência de Deus podem dispor para a fé e ajudar a perceber que a fé não se opõe à razão humana.
O conhecimento de Deus segundo a Igreja (36-38)
Quarta-feira
36. «A Santa Igreja, nossa Mãe, atesta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido, com certeza, pela luz natural da razão humana, a partir das coisas criadas» (I Concílio Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 2: DS 3004: cf. Ibid., De Revelatione, canon 2: DS 3026; II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum. 6: AAS 58 (1966) 819).
Sem esta capacidade, o homem não poderia acolher a revelação de Deus. O homem tem esta capacidade porque foi criado «à imagem de Deus» (Gn 1, 27).
37. Nas condições históricas em que se encontra, o homem experimenta, no entanto, muitas dificuldades para chegar ao conhecimento de Deus só com as luzes da razão:
«Com efeito, para falar com simplicidade, apesar de a razão humana poder verdadeiramente, pelas suas forças e luz naturais, chegar a um conhecimento verdadeiro e certo de um Deus pessoal, que protege e governa o mundo pela sua providência, bem como de uma lei natural inscrita pelo Criador nas nossas almas, há, contudo, bastantes obstáculos que impedem esta mesma razão de usar eficazmente e com fruto o seu poder natural, porque as verdades que dizem respeito a Deus e aos homens ultrapassam absolutamente a ordem das coisas sensíveis; e quando devem traduzir-se em actos e informar a vida, exigem que nos dêmos e renunciemos a nós próprios. O espírito humano, para adquirir semelhantes verdades, sofre dificuldade da parte dos sentidos e da imaginação, bem como dos maus desejos nascidos do pecado original. Daí deriva que, em tais matérias, os homens se persuadem facilmente da falsidade ou, pelo menos, da incerteza das coisas que não desejariam fossem verdadeiras» (Pio XII. Enc. Humani Generis: DS 3875).
38. É por isso que o homem tem necessidade de ser esclarecido pela Revelação de Deus, não somente no que diz respeito ao que excede o seu entendimento, mas também sobre «as verdades religiosas e morais que, de si, não são inacessíveis à razão, para que possam ser, no estado actual do género humano, conhecidas por todos sem dificuldade, com uma certeza firme e sem mistura de erro» (Ibid., DS 3876. Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius. c. 2: DS 3005; II Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Verbum. 6: AAS 58 (1966) 819-820; São Tomás de Aquino, Summa theologiae, I, q. 1, a. 1, c.: Ed. Leon. 4. 6).
Como falar de Deus? (39-43)
Quinta-feira
39. Ao defender a capacidade da razão humana para conhecer Deus, a Igreja exprime a sua confiança na possibilidade de falar de Deus a todos os homens e com todos os homens. Esta convicção está na base do seu diálogo com as outras religiões, com a filosofia e as ciências, e também com os descrentes e os ateus.
40. Mas dado que o nosso conhecimento de Deus é limitado, a nossa linguagem, ao falar de Deus, também o é. Não podemos falar de Deus senão a partir das criaturas e segundo o nosso modo humano limitado de conhecer e de pensar.
41. Todas as criaturas são portadoras duma certa semelhança de Deus, muito especialmente o homem, criado à imagem e semelhança de Deus. As múltiplas perfeições das criaturas (a sua verdade, a sua bondade, a sua beleza) reflectem, pois, a perfeição infinita de Deus. Daí que possamos falar de Deus a partir das perfeições das suas criaturas:
«porque a grandeza e a beleza das criaturas conduzem, por analogia, à contemplação do seu Autor» (Sb 13, 5).
42. Deus transcende toda a criatura. Devemos, portanto, purificar incessantemente a nossa linguagem no que ela tem de limitado, de ilusório, de imperfeito, para não confundir o Deus «inefável, incompreensível, invisível, impalpável» (Liturgia Bizantina. Anáfora de São João Crisóstomo: Liturgies Eastern and Western, ed. F. E. Brightman, Oxford 1896. p. 384 (PG 63, 915)) com as nossas representações humanas. As nossas palavras humanas ficam sempre aquém do mistério de Deus.
43. Ao falar assim de Deus, a nossa linguagem exprime-se, evidentemente, de modo humano. Mas atinge realmente o próprio Deus, sem todavia poder exprimi-Lo na sua infinita simplicidade. Devemos lembrar-nos de que, «entre o Criador e a criatura, não é possível notar uma semelhança sem que a dissemelhança seja ainda maior» (IV Concílio de Latrão, Cap. 2. De errore abbatis Ioachim: DS 806), e de que «não nos é possível apreender de Deus o que Ele é, senão apenas o que Ele não é, e como se situam os outros seres em relação a Ele» (São Tomás de Aquino, Summa contra gentiles I 30: Ed. Leon. 13, 92).
Deus revela seu desígnio benevolente (50-53)
Sexta-feira
50. Pela razão natural, o homem pode conhecer Deus com certeza, a partir das suas obras. Mas existe outra ordem de conhecimento, que o homem de modo nenhum pode atingir por suas próprias forças: a da Revelação divina (Cf. I Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Filius, c. 4: DS 3015). Por uma vontade absolutamente livre, Deus revela-Se e dá-Se ao homem. E fá-lo revelando o seu mistério, o desígnio benevolente que, desde toda a eternidade, estabeleceu em Cristo, em favor de todos os homens. Revela plenamente o seu desígnio, enviando o seu Filho bem-amado, nosso Senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo.
51. «Aprouve a Deus, na sua sabedoria e bondade, revelar-Se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade, segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tomam participantes da natureza divina»(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 2: AAS 58 (1966) 818).
52. Deus, que «habita numa luz inacessível» (1 Tm 6, 16), quer comunicar a sua própria vida divina aos homens que livremente criou, para fazer deles, no seu Filho único, filhos adoptivos (Cf. Ef 1, 4-5). Revelando-Se a Si mesmo, Deus quer tornar os homens capazes de Lhe responderem, de O conhecerem e de O amarem, muito para além de tudo o que seriam capazes por si próprios.
53. O desígnio divino da Revelação realiza-se, ao mesmo tempo, «por meio de acções e palavras, intrinsecamente relacionadas entre si» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 2: AAS 58 (1966) 818) e esclarecendo-se mutuamente. Comporta uma particular «pedagogia divina»: Deus comunica-Se gradualmente ao homem e prepara-o, por etapas, para receber a Revelação sobrenatural que faz de Si próprio e que vai culminar na Pessoa e missão do Verbo encarnado, Jesus Cristo.
Santo Ireneu de Lião fala várias vezes desta pedagogia divina, sob a imagem da familiaridade mútua entre Deus e o homem: «O Verbo de Deus […] habitou no homem e fez-Se Filho do Homem, para acostumar o homem a apreender Deus e Deus a habitar no homem, segundo o beneplácito do Pai» (Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses III, 20, 2: SC 211, 392 (PG 7, 944); cf. por exemplo, Ibid. III 17, I: SC 211. 330 (PG 7, 929); Ibid. IV, 12. 4: SC 100, 518 (PG 7, 1006); Ibid. IV 21, 3: SC 100, 684 (PG 7, 1046)).
As etapas da Revelação (54-58)
Sábado
54. «Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo, oferece aos homens um testemunho perene de Si mesmo nas coisas criadas, e, além disso, decidindo abrir o caminho da salvação sobrenatural, manifestou-se a Si mesmo, desde o princípio, aos nossos primeiros pais» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 3: AAS 58 (1966) 818).
Convidou-os a uma comunhão íntima consigo, revestindo-os de uma graça e justiça resplandecentes.
55. Esta Revelação não foi interrompida pelo pecado dos nossos primeiros pais. Com efeito, Deus, «depois da sua queda, com a promessa de redenção, deu-lhes a esperança da salvação, e cuidou continuamente do género humano, para dar a vida eterna a todos aqueles que, perseverando na prática das boas obras, procuram a salvação» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 3: AAS 58 (1966) 818).
«E quando, por desobediência, perdeu a vossa amizade, não o abandonastes ao poder da morte […] Repetidas vezes fizestes aliança com os homens (Oração eucarística IV: Missal Romano, editio typica. Typis Polyglottis Vaticanis. 1970 p. 467. [Gráfica de Coimbra 1992, p. 538])».
56. Desfeita a unidade do género humano pelo pecado, Deus procurou imediatamente, salvar a humanidade intervindo com cada uma das suas partes. A aliança com Noé, a seguir ao dilúvio (Cf. Gn 9, 9), exprime o princípio da economia divina em relação às «nações», quer dizer, em relação aos homens reagrupados «por países e línguas, por famílias e nações» (Gn 10, 5) (Cf. Gn 10, 20-31).
57. Esta ordem, ao mesmo tempo cósmica, social e religiosa da pluralidade das nações (Cf. Act 17, 26-27), destinava-se a limitar o orgulho duma humanidade decaída, que, unânime na sua perversidade (Cf. Sb 10, 5), pretendia refazer por si mesma a própria unidade, à maneira de Babel (Cf. Gn 11, 4-6). Mas, por causa do pecado (Cf. Rm 1, 18-25), quer o politeísmo quer a idolatria da nação e do seu chefe são uma contínua ameaça de perversão pagã a esta economia provisória.
58. A aliança com Noé permanece em vigor enquanto durar o tempo das nações (Cf. Lc 21, 24), até à proclamação universal do Evangelho. A Bíblia venera algumas grandes figuras das «nações», como «o justo Abel», o rei e sacerdote Melquisedec (Cf. Gn 14, 18), figura de Cristo (Cf. Heb 7, 3), ou os justos «Noé, Danel e Job» (Ez 14, 14). Deste modo, a Escritura exprime o alto grau de santidade que podem atingir os que vivem segundo a aliança de Noé, na expectativa de que Cristo «reúna, na unidade, todos os filhos de Deus dispersos» (Jo 11, 52).
10ª Semana do Tempo Comum
As etapas da Revelação, II (59-64)
Domingo
59. Para reunir a humanidade dispersa, Deus escolhe Abrão, chamando-o para «deixar a sua terra, a sua família e a casa de seu pai» (Gn 12, 1), para o fazer Abraão, quer dizer, «pai de um grande número de nações» (Gn 17, 5): «Em ti serão abençoadas todas as nações da Terra» (Gn 12, 3) (Gl 3, 8).
60. O povo descendente de Abraão será o depositário da promessa feita aos patriarcas, o povo eleito (Rm 11, 28), chamado a preparar a reunião, um dia, de todos os filhos de Deus na unidade da Igreja (Jo 11, 52; 10, 16.). Será o tronco em que serão enxertados os pagãos tornados crentes (Rm 11, 17-18. 24).
61. Os patriarcas, os profetas e outras personagens do Antigo Testamento foram, e serão sempre, venerados como santos em todas as tradições litúrgicas da Igreja.
62. Depois dos patriarcas, Deus formou Israel como seu povo, salvando-o da escravidão do Egito. Concluiu com ele a aliança do Sinai e deu-lhe, por Moisés, a sua Lei, para que Israel O reconhecesse e O servisse como único Deus vivo e verdadeiro, Pai providente e justo Juiz, e vivesse na expectativa do Salvador prometido (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 3: AAS 58 (1966) 818).
63. Israel é o povo sacerdotal de Deus (Ex 19, 6), sobre o qual «foi invocado o Nome do Senhor» (Dt 28, 10). É o povo daqueles «a quem Deus falou em primeiro lugar»(Sexta-Feira da Paixão do Senhor. Oração universal VI: Missale Romanum. editio typica. Typis Polyglottis Vaticanis 1975, p. 254 [a tradução oficial portuguesa omite este particular: Missal Romano. Gráfica de Coimbra 1992. p. 259.267]), o povo dos «irmãos mais velhos» na fé de Abraão (João Paulo II, Discurso na sinagoga durante o encontro com a comunidade hebraica da cidade de Roma (13 de Abril de 1986), 4: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, IX/1, 1027).
64. Pelos profetas, Deus forma o seu povo na esperança da salvação, na expectativa duma aliança nova e eterna, destinada a todos os homens (Is 2, 2-4), e que será gravada nos corações (Jr 31, 31-34: Heb 10, 16). Os profetas anunciam uma redenção radical do povo de Deus, a purificação de todas as suas infidelidades (Ez 36), uma salvação que abrangerá todas as nações (Is 49, 5-6: 53, 11). Serão sobretudo os pobres e os humildes do Senhor (Sf 2, 3) os portadores desta esperança. As mulheres santas como Sara, Rebeca, Raquel, Míriam, Débora, Ana, Judite e Ester conservaram viva a esperança da salvação de Israel. Maria é a imagem puríssima desta esperança (Lc 1, 38).
Deus tudo disse no seu Verbo (65-67)
Segunda-feira
65. «Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos pelo seu Filho» (Heb 1, 1-2). Cristo, Filho de Deus feito homem, é a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai.
N’Ele, o Pai disse tudo. Não haverá outra palavra além dessa. São João da Cruz, após tantos outros, exprime-o de modo luminoso, ao comentar Heb 1, 1-2:
«Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua Palavra – e não tem outra – (Deus) disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única e já nada mais tem para dizer. […] Porque o que antes disse parcialmente pelos profetas, revelou-o totalmente, dando-nos o Todo que é o seu Filho. E por isso, quem agora quisesse consultar a Deus ou pedir-Lhe alguma visão ou revelação, não só cometeria um disparate, mas faria agravo a Deus, por não pôr os olhos totalmente em Cristo e buscar fora d’Ele outra realidade ou novidade» (São João da Cruz, Subida del monte Carmelo 2, 22, 3-5: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 11, Burgos 1929. p. 184. [ID. Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1986) p. 196 = Segunda leitura do Ofício de Leituras da Segunda-Feira da II Semana do Advento]).
66. «Portanto, a economia cristã, como nova e definitiva aliança, jamais passará, e já não se há-de esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo»(II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 4: AAS 58 (1966) 819). No entanto, apesar de a Revelação já estar completa, ainda não está plenamente explicitada. E está reservado à fé cristã apreender gradualmente todo o seu alcance, no decorrer dos séculos.
67. No decurso dos séculos tem havido revelações ditas «privadas», algumas das quais foram reconhecidas pela autoridade da Igreja. Todavia, não pertencem ao depósito da fé. O seu papel não é «aperfeiçoar» ou «completar» a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la mais plenamente, numa determinada época da história. Guiado pelo Magistério da Igreja, o sentir dos fiéis sabe discernir e guardar o que nestas revelações constitui um apelo autêntico de Cristo ou dos seus santos à Igreja.
A fé cristã não pode aceitar «revelações» que pretendam ultrapassar ou corrigir a Revelação de que Cristo é a plenitude. É o caso de certas religiões não-cristãs, e também de certas seitas recentes. fundadas sobre tais «revelações».
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (232-237)
Terça-feira
232. Os cristãos são batizados «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28, 19). Antes disso, eles respondem «Creio» à tríplice pergunta com que são interpelados a confessar a sua fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo: «Fides omnium christianorum in Trinitate consistit – A fé de todos os cristãos assenta na Trindade») (São Cesário de Arles. Expositio vel traditio Symboli (sermo 9): CCL 103. 47).
233. Os cristãos são batizados «em nome» do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e não «nos nomes» deles porque não há senão um só Deus – o Pai Omnipotente, o Seu Filho Unigénito e o Espírito Santo: a Santíssima Trindade.
234. O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. É o mistério de Deus em si mesmo. E, portanto, a fonte de todos os outros mistérios da fé e a luz que os ilumina. É o ensinamento mais fundamental e essencial na «hierarquia das verdades da fé» (Sagrada Congregação do Clero, Directorium catechisticum generale, 43: AAS (1972)123). «Toda a história da salvação não é senão a história do caminho e dos meios pelos quais o Deus verdadeiro e único, Pai, Filho e Espírito Santo, Se revela, reconcilia consigo e Se une aos homens que se afastam do pecado»(Ibid., 47).
235. Neste parágrafo se exporá brevemente de que maneira foi revelado o mistério da Santíssima Trindade (I), como é que a Igreja formulou a doutrina da fé sobre este mistério (II) e, por fim, como é que, pelas missões divinas do Filho e do Espírito Santo, Deus Pai realiza o seu «desígnio de benevolência» de criação, redenção e santificação (III).
236. Os Padres da Igreja distinguem entre «Theologia» e «Oikonomia», designando pelo primeiro termo o mistério da vida íntima de Deus-Trindade e, pelo segundo, todas as obras de Deus pelas quais Ele Se revela e comunica a sua vida. É pela «Oikonomia» que nos é revelada a «Theologia»; mas, inversamente, é a «Theologia» que esclarece toda a «Oikonomia». As obras de Deus revelam quem Ele é em Si mesmo: e, inversamente, o mistério do seu Ser íntimo ilumina o entendimento de todas as suas obras. Analogicamente, é o que se passa com as pessoas humanas. A pessoa revela-se no que faz, e, quanto mais conhecemos uma pessoa, tanto melhor compreendemos o seu agir.
237. A Trindade é um mistério de fé em sentido estrito, um dos «mistérios ocultos em Deus, que não podem ser conhecidos se não forem revelados lá do alto» (I Concílio do Vaticano. Const. dogm. Dei Filius, c. 4: DS 3015) É verdade que Deus deixou traços do seu Ser trinitário na obra da criação e na sua revelação ao longo do Antigo Testamento. Mas a intimidade do seu Ser como Trindade Santíssima constitui um mistério inacessível à razão sozinha e, mesmo, à fé de Israel antes da Encarnação do Filho de Deus e da missão do Espírito Santo.
O Pai revelado pelo Filho (238-242)
Quarta-feira
238. A invocação de Deus como «Pai» é conhecida em muitas religiões. A divindade é muitas vezes considerada como «pai dos deuses e dos homens». Em Israel, Deus é chamado Pai enquanto criador do mundo (Dt 32. 6: Ml 2. 10). Mais ainda, Deus é Pai em razão da Aliança e do dom da Lei a Israel, seu «filho primogénito» (Ex 4, 22). Também é chamado Pai do rei de Israel (2 Sm 7, 14). E é muito especialmente «o Pai dos pobres», do órfão e da viúva, entregues à sua proteção amorosa (Sl 68, 6).
239. Ao designar Deus com o nome de «Pai», a linguagem da fé indica principalmente dois aspectos: que Deus é a origem primeira de tudo e a autoridade transcendente, e, ao mesmo tempo, que é bondade e solicitude amorosa para com todos os seus filhos. Esta ternura paternal de Deus também pode ser expressa pela imagem da maternidade (Is 66, 13: Sl 131, 2), que indica melhor a imanência de Deus, a intimidade entre Deus e a sua criatura A linguagem da fé vai, assim, alimentar-se na experiência humana dos progenitores, que são, de certo modo, os primeiros representantes de Deus para o homem. Mas esta experiência diz também que os progenitores humanos são falíveis e podem desfigurar a face da paternidade e da maternidade. Convém, então, lembrar que Deus transcende a distinção humana dos sexos. Não é homem nem mulher: é Deus. Transcende também a paternidade e a maternidade humanas (Sl 27, 10), sem deixar de ser de ambas a origem e a medida (Ef 3, 14-15: Is 49, 15): ninguém é pai como Deus.
240. Jesus revelou que Deus é «Pai» num sentido inédito: não o é somente enquanto Criador: é Pai eternamente em relação ao seu Filho único, o qual, eternamente, só é Filho em relação ao Pai: «Ninguém conhece o Filho senão o Pai, nem ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar» (Mt 11, 27).
241. É por isso que os Apóstolos confessam que Jesus é «o Verbo [que] estava [no princípio] junto de Deus» e que é Deus (Jo 1, 1), «a imagem do Deus invisível» (Cl 1, 15), «o resplendor da sua glória e a imagem da sua substância» (Heb 1, 3).
242. Na esteira deles, seguindo a tradição apostólica, no primeiro concílio ecuménico de Niceia, em 325, a Igreja confessou que o Filho é «consubstancial» ao Pai (Símbolo de Nicéia: DS 125), quer dizer, um só Deus com Ele. O segundo concilio ecuménico, reunido em Constantinopla em 381, guardou esta expressão na sua formulação do Credo de Niceia e confessou «o Filho unigénito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, luz da luz. Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150).
O Pai e o Filho revelados pelo Espírito (243-248)
Quinta-feira
243. Antes da sua Páscoa, Jesus anuncia o envio de um «outro Paráclito»(Defensor), o Espírito Santo. Agindo desde a criação (Gn 1. 2) e tendo outrora «falado pelos profetas» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150), o Espírito Santo estará agora junto dos discípulos, e neles (Jo 14, 17), para os ensinar (49) e os guiar «para a verdade total» (Jo 16, 13). E, assim, o Espírito Santo é revelado como uma outra pessoa divina, em relação a Jesus e ao Pai.
244. A origem eterna do Espírito revela-se na sua missão temporal. O Espírito Santo é enviado aos Apóstolos e à Igreja, tanto pelo Pai, em nome do Filho, como pessoalmente pelo Filho, depois do seu regresso ao Pai (Jo 14, 26: 15. 26; 16, 14). O envio da pessoa do Espírito, após a glorificação de Jesus (Jo 7, 39) revela em plenitude o mistério da Santíssima Trindade.
245. A fé apostólica relativamente ao Espírito foi confessada pelo segundo concilio ecuménico, reunido em Constantinopla em 381:«Nós acreditamos no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai» (Símbolo Niceno-Constantinopolitano: DS 150). A Igreja reconhece assim o Pai como «a fonte e a origem de toda a Divindade» (VI Concílio de Toledo (em 638), De Trinitate et de Filio Dei Redemptore incarnato: DS 490). Mas a origem eterna do Espírito Santo não está desligada da do Filho: «O Espírito Santo, que é a terceira pessoa da Trindade, é Deus, uno e igual ao Pai e ao Filho, da mesma substância e também da mesma natureza… Contudo, não dizemos que Ele é somente o Espírito do Pai, mas, ao mesmo tempo, o Espírito do Pai e do Filho»(XI Concílio de Toledo (ano 675), Symbolum: DS 527). O Credo do Concílio de Constantinopla da Igreja confessa que Ele, «com o Pai e o Filho, é adorado e glorificado» (Símbolo Niceno Constantinopolitano: DS 150).
246. A tradição latina do Credo confessa que o Espírito «procede do Pai e do Filho (Filioque)». O Concílio de Florença, em 1438, explicita: «O Espírito Santo […] recebe a sua essência e o seu ser ao mesmo tempo do Pai e do Filho, e procede eternamente de um e do outro como dum só Princípio e por uma só espiração […] E porque tudo o que é do Pai, o próprio Pai o deu ao seu Filho Unigénito, gerando-O, com excepção do seu ser Pai, esta mesma procedência do Espírito Santo, a partir do Filho, Ele a tem eternamente do seu Pai, que eternamente O gerou» (Concílium de Florença. Decretum pro Graecis: DS 1300-1301).
247. A afirmação do Filioque não figurava no Símbolo de Constantinopla de 381. Mas, com base numa antiga tradição latina e alexandrina, o Papa São Leão já a tinha confessado dogmaticamente em 447 (São Leão Magno, Ep. Quam laudabiliter: DS 284), mesmo antes de Roma ter conhecido e recebido o Símbolo de 381 no Concílio de Calcedónia, em 451). O uso desta fórmula no Credo foi sendo, pouco a pouco, admitido na liturgia latina (entre os séculos VIII e XI). A introdução do Filioque no Símbolo Niceno-Constantinopolitano pela liturgia latina constitui, ainda hoje, no entanto, um diferendo com as igrejas ortodoxas.
248. A tradição oriental exprime, antes de mais, o carácter de origem primeira do Pai em relação ao Espírito. Ao confessar o Espírito como «saído do Pai» (Jo 15, 26), afirma que Ele procede do Pai pelo Filho (II Concílio Vaticano, Decr. Ad gentes: AAS 58 (1966) 948). A tradição ocidental exprime, sobretudo, a comunhão consubstancial entre o Pai e o Filho, ao dizer que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho (Filioque). E di-lo «de maneira legítima e razoável» (Concílio de Florença, Decretum pro Graecis (ano 1439): DS 1302), «porque a ordem eterna das pessoas divinas na sua comunhão consubstancial implica que o Pai seja a origem primeira do Espírito, enquanto «princípio sem princípio» (Concílio de Florença, Decretum pro Iacobitis (ano 1442): DS 1331), mas também que, enquanto Pai do Filho Único, seja com Ele «o princípio único de que procede o Espírito Santo» (II Concílio de Lião, Constitutio de Summa Trinitate et fide catholica (ano 1274): DS 850). Esta legítima complementaridade, se não for exagerada, não afecta a identidade da fé na realidade do mesmo mistério confessado.
A formulação do dogma trinitário (249-252)
Sexta-feira
249. A verdade revelada da Santíssima Trindade esteve, desde a origem, na raiz da fé viva da Igreja. principalmente por meio do Baptismo. Encontra a sua expressão na regra da fé batismal, formulada na pregação, na catequese e na oração da Igreja. Tais formulações encontram-se já nos escritos apostólicos, como o comprova esta saudação retomada na liturgia eucarística: «A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós» (2 Cor 13, 13)(1 Cor 12, 4-6; Ef 4, 4-6).
250. No decurso dos primeiros séculos, a Igreja preocupou-se com formular mais explicitamente a sua fé trinitária, tanto para aprofundar a sua própria inteligência da fé, como para a defender contra os erros que a deformavam. Foi esse o trabalho dos primeiros concílios, ajudados pelo trabalho teológico dos Padres da Igreja e sustentados pelo sentido da fé do povo cristão.
251. Para a formulação do dogma da Trindade, a Igreja teve de elaborar uma terminologia própria, com a ajuda de noções de origem filosófica: «substância», «pessoa» ou «hipóstase», «relação», etc. Ao fazer isto, a Igreja não sujeitou a fé a uma sabedoria humana, mas deu um sentido novo, inédito, a estes termos, chamados a exprimir também, desde então, um mistério inefável, «transcendendo infinitamente tudo quanto podemos conceber a nível humano» (Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 9: AAS 60 (1968) 437).
252. A Igreja utiliza o termo «substância» (às vezes também traduzido por «essência» ou «natureza») para designar o ser divino na sua unidade; o termo «pessoa» ou «hipóstase» para designar o Pai, o Filho e o Espírito Santo na distinção real entre Si; e o termo «relação» para designar o facto de que a sua distinção reside na referência recíproca de uns aos outros.
O dogma da Santíssima Trindade (253-256)
Sábado
253. A Trindade é una. Nós não confessamos três deuses, mas um só Deus em três pessoas: «a Trindade consubstancial» (II Concílio de Constantinopla (ano 553), Anathematismi de tribus Capitulis. 1: DS 421). As pessoas divinas não dividem entre Si a divindade única: cada uma delas é Deus por inteiro: «O Pai é aquilo mesmo que o Filho, o Filho aquilo mesmo que o Pai, o Pai e o Filho aquilo mesmo que o Espírito Santo, ou seja, um único Deus por natureza» (XI Concílio de Toledo (ano 675). Symbolum: DS 530). «Cada uma das três pessoas é esta realidade, quer dizer, a substância, a essência ou a natureza divina» (IV Concílio de Latrão (ano 1215), Cap. 2. De errore abbatis Ioachim: DS 804).
254. As pessoas divinas são realmente distintas entre Si. «Deus é um só, mas não solitário» (Fides Damasi: DS 71). «Pai», «Filho», «Espírito Santo» não são meros nomes que designam modalidades do ser divino, porque são realmente distintos entre Si. «Aquele que é o Filho não é o Pai e Aquele que é o Pai não é o Filho, nem o Espírito Santo é Aquele que é o Pai ou o Filho» (XI Concílio de Toledo (ano 675). Symbolum: DS 530). São distintos entre Si pelas suas relações de origem: «O Pai gera, o Filho é gerado, o Espírito Santo procede»(IV Concílio de Latrão (ano 1215). Cap. 2, De errore abbatis Ioachim: DS 804). A unidade divina é trina.
255. As pessoas divinas são relativas umas às outras. Uma vez que não divide a unidade divina, a distinção real das pessoas entre Si reside unicamente nas relações que as referenciam umas às outras: «Nos nomes relativos das pessoas, o Pai é referido ao Filho, o Filho ao Pai, o Espírito Santo a ambos. Quando falamos destas três pessoas, considerando as relações respectivas, cremos, todavia, numa só natureza ou substância» (XI Concílio de Toledo (ano 675). Symbolum: DS 528). Com efeito, «n’Eles tudo é um, onde não há a oposição da relação» (Concílio de Florença, Decretum pro Iacobitis (ano 1442): DS 1330). «Por causa desta unidade, o Pai está todo no Filho e todo no Espírito Santo: o Filho está todo no Pai e todo no Espírito Santo: o Espírito Santo está todo no Pai e todo no Filho»(Concílio de Florença, Decretum pro Iacobitis (ano 1442): DS 1331).
256. São Gregório de Nazianzo, também chamado «o Teólogo», confia aos catecúmenos de Constantinopla o seguinte resumo da fé trinitária:
«Antes de mais nada, guardai-me este bom depósito, pelo qual vivo e combato, com o qual quero morrer, que me dá coragem para suportar todos os males e desprezar todos os prazeres: refiro-me à profissão de fé no Pai e no Filho e no Espírito Santo. Eu vo-la confio hoje. É por ela que, daqui a instantes, eu vou mergulhar-vos na água e dela fazer-vos sair. Eu vo-la dou por companheira e protetora de toda a vossa vida. Dou-vos uma só Divindade e Potência, uma nos Três e abrangendo os Três de maneira distinta. Divindade sem diferença de substância ou natureza, sem grau superior que eleve nem grau inferior que abaixe […] É de três infinitos a infinita conaturalidade. Deus integralmente, cada um considerado em Si mesmo […] Deus, os Três considerados juntamente […] Assim que comecei a pensar na Unidade logo me encontrei envolvido no esplendor da Trindade. Mal começo a pensar na Trindade, logo à Unidade sou reconduzido» (São Gregório de Nazianzo, Oratio 40. 41: SC 358, 292-294 (PG 36, 417)).
11ª Semana do Tempo Comum
Os nomes da Eucaristia (1328-1332)
Domingo
1328. A riqueza inesgotável deste sacramento exprime-se nos diferentes nomes que lhe são dados. Cada um destes nomes evoca alguns dos seus aspectos. Chama-se: Eucaristia, porque é ação de graças a Deus. As palavras« eucharistein» (Lc 22, 19; 1 Cor 11, 24) e «eulogein» (Mt 26, 26; Mc 14, 22) lembram as bênçãos judaicas que proclamam – sobretudo durante a refeição – as obras de Deus: a criação, a redenção e a santificação.
1329. Ceia do Senhor (1 Cor 11, 20), porque se trata da ceia que o Senhor comeu com os discípulos na véspera da sua paixão e da antecipação do banquete nupcial do Cordeiro (Ap 19, 9) na Jerusalém celeste.
Fração do Pão, porque este rito, próprio da refeição dos judeus, foi utilizado por Jesus quando abençoava e distribuía o pão como chefe de família (Mt 14, 19; 15, 36; Mc 8, 6.19), sobretudo aquando da última ceia (Mt 26, 26: 1 Cor 11, 24) . É por este gesto que os discípulos O reconhecerão depois da sua ressurreição (Lc 24, 13-35) e é com esta expressão que os primeiros cristãos designarão as suas assembleias eucarísticas (Act 2, 42.46: 20, 7.11). Querem com isso significar que todos os que comem do único pão partido, Cristo, entram em comunhão com Ele e formam um só corpo n’Ele (1 Cor 10, 16-17).
Assembleia eucarística («sýnaxis»), porque a Eucaristia é celebrada em assembleia de fiéis, expressão visível da Igreja (1 Cor 11, 17-34).
1330. Memorial da paixão e ressurreição do Senhor.
Santo Sacrifício, porque atualiza o único sacrifício de Cristo Salvador e inclui a oferenda da Igreja; ou ainda santo Sacrifício da Missa, «Sacrifício de louvor» (Heb 13, 15) (Sl 116, 13.17), Sacrifício espiritual (1 Pe 2, 5) Sacrifício puro (Ml 1, 11) e santo, pois completa e ultrapassa todos os sacrifícios da Antiga Aliança.
Santa e divina Liturgia, porque toda a liturgia da Igreja encontra o seu centro e a sua expressão mais densa na celebração deste sacramento; no mesmo sentido se lhe chama também celebração dos Santos Mistérios. Fala-se igualmente do Santíssimo Sacramento, porque é o sacramento dos sacramentos. E, com este nome, se designam as espécies eucarísticas guardadas no sacrário.
1331. Comunhão, pois é por este sacramento que nos unimos a Cristo, o qual nos torna participantes do seu corpo e do seu sangue, para formarmos um só corpo (1 Cor 10, 16-17); chama-se ainda as coisas santas («tà hágia»; «sancta») (Constitutiones apostolicae 8, 13, 12: SC: 336, 208 (Funk, Didascalia et Constitutiones Apostolorum 1, 516); Didaké 9,5: SC 248, 178 (Funk, Patres apostolici 1, 22); Ibid. 10, 6: SC 248. 180 (Funk, Patres apostolici 1, 24)) – é o sentido primário da «comunhão dos santos» de que fala o Símbolo dos Apóstolos – , pão dos anjos, pão do céu, remédio da imortalidade (Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Ephesios 20, 2: SC 10 bis, 76 (Funk 1, 230)), viático…
1332. Santa Missa, porque a liturgia em que se realiza o mistério da salvação termina com o envio dos fiéis («missio»), para que vão cumprir a vontade de Deus na sua vida quotidiana.
Os sinais do pão e do vinho (1333-1336)
Segunda-feira
1333. No centro da celebração da Eucaristia temos o pão e o vinho que, pelas palavras de Cristo e pela invocação do Espírito Santo, se tornam o corpo e o sangue do mesmo Cristo. Fiel à ordem do Senhor, a Igreja continua a fazer, em memória d’Ele e até à sua vinda gloriosa, o que Ele fez na véspera da sua paixão: «Tomou o pão…», «Tomou o cálice com vinho…». Tornando-se misteriosamente o corpo e o sangue de Cristo, os sinais do pão e do vinho continuam a significar também a bondade da criação. Por isso, no ofertório [apresentação das oferendas], nós damos graças ao Criador pelo pão e pelo vinho (Sl 104, 13-15), fruto «do trabalho do homem», mas primeiramente «fruto da terra» e «da videira», dons do Criador. A Igreja vê no gesto de Melquisedec, rei e sacerdote, que «ofereceu pão e vinho» (Gn 14, 18), uma prefiguração da sua própria oferenda (Oração Eucarística 1 ou Cânone Romano, 95: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970). p. 453 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992. 521]).
1334. Na Antiga Aliança, o pão e o vinho são oferecidos em sacrifício entre as primícias da terra, em sinal de reconhecimento ao Criador. Mas também recebem uma nova significação no contexto do Êxodo: os pães ázimos que Israel come todos os anos na Páscoa, comemoram a pressa da partida libertadora do Egito; a lembrança do maná do deserto recordará sempre a Israel que é do pão da Palavra de Deus que ele vive (Dt 8, 3). Finalmente, o pão de cada dia é o fruto da terra prometida, penhor da fidelidade de Deus às suas promessas. O «cálice de bênção» (1 Cor 10, 16), no fim da ceia pascal dos judeus, acrescenta à alegria festiva do vinho uma dimensão escatológica – a da expectativa messiânica do restabelecimento de Jerusalém. Jesus instituiu a sua Eucaristia dando um sentido novo e definitivo à bênção do pão e do cálice.
1335. Os milagres da multiplicação dos pães, quando o Senhor disse a bênção, partiu e distribuiu os pães pelos seus discípulos para alimentar a multidão, prefiguram a superabundância deste pão único da sua Eucaristia (Mt 14, 13-21; 15, 32-39). O sinal da água transformada em vinho em Caná (Jo 2, 11) já anuncia a «Hora» da glorificação de Jesus. E manifesta o cumprimento do banquete das núpcias no Reino do Pai, onde os fiéis beberão do vinho novo (Mc 14, 25) tornado sangue de Cristo.
1336. O primeiro anúncio da Eucaristia dividiu os discípulos, tal como o anúncio da paixão os escandalizou: «Estas palavras são insuportáveis! Quem as pode escutar?» (Jo 6, 60). A Eucaristia e a cruz são pedras de tropeço. É o mesmo mistério e não cessa de ser ocasião de divisão. «Também vos quereis ir embora?» (Jo 6, 67): esta pergunta do Senhor ecoa através dos tempos, como convite do seu amor a descobrir que só Ele tem «palavras de vida eterna» (Jo 6, 68) e que acolher na fé o dom da sua Eucaristia é acolhê-1’O a Ele próprio.
Fazei isto em memória de Mim (1341-1344)
Terça-feira
1341. Ao ordenar que repetissem os seus gestos e palavras, «até que Ele venha» (1 Cor 11, 26), Jesus não pede somente que se lembrem d’Ele e do que Ele fez. Tem em vista a celebração litúrgica, pelos apóstolos e seus sucessores, do memorial de Cristo, da sua vida, morte, ressurreição e da sua intercessão junto do Pai.
1342. Desde o princípio, a Igreja foi fiel à ordem do Senhor. Da Igreja de Jerusalém está escrito:
«Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. […] Todos os dias frequentavam o templo, como se tivessem uma só alma, e partiam o pão em suas casas; tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração» (Act 2, 42.46).
1343. Era sobretudo «no primeiro dia da semana», isto é, no dia de domingo, dia da ressurreição de Jesus, que os cristãos se reuniam «para partir o pão» (Act 20, 7). Desde esses tempos até aos nossos dias, a celebração da Eucaristia perpetuou-se, de maneira que hoje a encontramos em toda a parte na Igreja com a mesma estrutura fundamental. Ela continua a ser o centro da vida da Igreja.
1344. Assim, de celebração em celebração, anunciando o mistério pascal de Jesus «até que Ele venha» (1Cor 11, 26), o Povo de Deus em peregrinação «avança pela porta estreita da cruz» (II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 1: AAS 58 (1966) 947) para o banquete celeste, em que todos os eleitos se sentarão à mesa do Reino.
A Missa de todos os séculos (1345-1347)
Quarta-feira
1345. Desde o século II, temos o testemunho de São Justino, mártir, sobre as grandes linhas do desenrolar da celebração eucarística. Permaneceram as mesmas até aos nossos dias, em todas as grandes famílias litúrgicas. Eis o que ele escreve, cerca do ano 155, para explicar ao imperador pagão Antonino Pio (138-161) o que fazem os cristãos:
«No dia que chamam Dia do Sol, realiza-se a reunião num mesmo lugar de todos os que habitam a cidade ou o campo.
Lêem-se as memórias dos Apóstolos e os escritos dos Profetas, tanto quanto o tempo o permite.
Quando o leitor acabou, aquele que preside toma a palavra para incitar e exortar à imitação dessas belas coisas.
Em seguida, levantamo-nos todos juntamente e fazemos orações» (São Justino, Apologia, 1. 67: CA 1. 184-186 (PG 6. 429)) «por nós mesmos […] e por todos os outros, […] onde quer que estejam, para que sejamos encontrados justos por nossa vida e ações, e fiéis aos mandamentos, e assim obtenhamos a salvação eterna.
Terminadas as orações, damo-nos um ósculo uns aos outros.
Depois, apresenta-se àquele que preside aos irmãos pão e uma taça de água e vinho misturados.
Ele toma-os e faz subir louvor e glória ao Pai do universo, pelo nome do Filho e do Espírito Santo, e dá graças (em grego: eucharistian) longamente, por termos sido julgados dignos destes dons.
Quando ele termina as orações e ações de graças, todo o povo presente aclama: Amem.
[…] Depois de aquele que preside ter feito a ação de graças e de o povo ter respondido, aqueles a que entre nós chamamos diáconos distribuem a todos os que estão presentes pão, vinho e água “eucaristizados” e também os levam aos ausentes» (São Justino, Apologia, 1. 65: CA 1, 176-180 (PG 6. 428)).
1346. A liturgia eucarística processa-se em conformidade com uma estrutura fundamental, que se tem conservado através dos séculos até aos nossos dias. Desdobra-se em dois grandes momentos, que formam basicamente uma unidade:
– a reunião, a liturgia da Palavra, com as leituras, a homilia e a oração universal;
– a liturgia eucarística, com a apresentação do pão e do vinho, a ação de graças consecratória e a comunhão.
Liturgia da Palavra e liturgia eucarística constituem juntas “um só e mesmo ato de culto” (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 56: AAS 56 (1964) 115). Com efeito, a mesa posta para nós na Eucaristia é, ao mesmo tempo, a da Palavra de Deus e a do corpo do Senhor (III Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 21: AAS 58 (1966) 827).
1347. Não é esse também o dinamismo da refeição pascal de Jesus Ressuscitado com os seus discípulos? Enquanto caminhavam, Ele explicava-lhes as Escrituras; depois, pondo-Se à mesa com eles, «tomou o pão, proferiu a bênção, partiu-o e deu-lho» (Lc 24, 13-35).
O movimento da celebração (1348-1351)
Quinta-feira
1348. Todos se reúnem. Os cristãos acorrem a um mesmo lugar para a assembleia eucarística. A sua cabeça está o próprio Cristo, que é o actor principal da Eucaristia. Ele é o Sumo-Sacerdote da Nova Aliança. É Ele próprio que preside invisivelmente a toda a celebração eucarística. E é em representação d’Ele (agindo «in persona Christi capitis – na pessoa de Cristo-Cabeça»), que o bispo ou o presbítero preside à assembleia, toma a palavra depois das leituras, recebe as oferendas e diz a oração eucarística. Todos têm a sua parte activa na celebração, cada qual a seu modo: os leitores, os que trazem as oferendas, os que distribuem a comunhão e todo o povo cujo Ámen manifesta a participação.
1349. A liturgia da Palavra comporta «os escritos dos Profetas», quer dizer, o Antigo Testamento, e «as Memórias dos Apóstolos» ou seja, as suas epístolas e os evangelhos. Depois da homilia, que é uma exortação a acolher esta Palavra como o que ela é na realidade, Palavra de Deus(180), e a pô-la em prática, vêm as intercessões por todos os homens, segundo a palavra do Apóstolo: «Recomendo, antes de tudo, que se façam preces, orações, súplicas e acções de graças, por todos os homens, pelos reis e por todos os que exercem autoridade» (1 Tm 2, 1-2).
1350. A apresentação das oferendas (ofertório): traz-se então para o altar, por vezes processionalmente, o pão e o vinho que vão ser oferecidos pelo sacerdote em nome de Cristo no sacrifício eucarístico, no qual se tornarão o seu corpo e o seu sangue. É precisamente o mesmo gesto que Cristo fez na última ceia, «tomando o pão e o cálice». «Só a Igreja oferece esta oblação pura ao Criador, oferecendo-Lhe em acção de graças o que provém da sua criação» (Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses 4. 18, 4: SC 100, 606 (PG 7, 1027): cf. Mt 1. 11). A apresentação das oferendas no altar assume o gesto de Melquisedec e põe os dons do Criador nas mãos de Cristo. É Ele que, no seu sacrifício, leva à perfeição todas as tentativas humanas de oferecer sacrifícios.
1351. Desde o princípio, com o pão e o vinho para a Eucaristia, os cristãos trazem as suas ofertas para a partilha com os necessitados. Este costume, sempre actual, da coleta (1 Cor 16, 1) inspira-se no exemplo de Cristo, que Se fez pobre para nos enriquecer (2 Cor 8, 9):
«Os que são ricos e querem, dão, cada um conforme o que a si mesmo se impôs; o que se recolhe é entregue àquele que preside e ele, por seu turno, presta assistência aos órfãos, às viúvas, àqueles que a doença ou qualquer outra causa priva de recursos, aos prisioneiros, aos imigrantes, numa palavra, a todos os que sofrem necessidade» (São Justino, Apologia, 1. 67, 6: CA 1, 186-188 (PG 6, 429)).
O movimento da celebração, II (1352-1355)
Sexta-feira
1352. A anáfora: Com a oração eucarística, oração de acção de graças e de consagração, chegamos ao coração e cume da celebração:
no prefácio, a Igreja dá graças ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo, por todas as suas obras: pela criação, redenção e santificação. Toda a comunidade une, então, as suas vozes àquele louvor incessante que a Igreja celeste – os anjos e todos os santos – cantam ao Deus três vezes Santo:
1353. na epiclese, pede ao Pai que envie o seu Espírito Santo (ou o poder da sua bênção)(Cf. Oração Eucarística 1 ou Cânone Romano, 90: Missale Romarum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970). p.451 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 518]) sobre o pão e o vinho, para que se tornem, pelo seu poder, o corpo e o sangue de Jesus Cristo, e para que os que participam na Eucaristia sejam um só corpo e um só espírito. (Algumas tradições litúrgicas colocam a epiclese depois da anamnese);
na narração da instituição, a força das palavras e da ação de Cristo e o poder do Espírito Santo tomam sacramentalmente presentes, sob as espécies do pão e do vinho, o corpo e o sangue do mesmo Cristo, o seu sacrifício oferecido na cruz de uma vez por todas;
1354. na anamnese que se segue, a Igreja faz memória da paixão, ressurreição e regresso glorioso de Cristo Jesus: e apresenta ao Pai a oferenda do seu Filho, que nos reconcilia com Ele:
nas intercessões, a Igreja manifesta que a Eucaristia é celebrada em comunhão com toda a Igreja do céu e da terra, dos vivos e dos defuntos, e na comunhão com os pastores da Igreja: o Papa, o bispo da diocese, o seu presbitério e os seus diáconos, e todos os bispos do mundo inteiro com as suas Igrejas.
1355. Na comunhão, precedida da Oração do Senhor e da fracção do pão, os fiéis recebem «o pão do céu» e «o cálice da salvação», o corpo e o sangue de Cristo, que Se entregou «para a vida do mundo» (Jo 6, 51):
Porque este pão e este vinho foram, segundo a expressão antiga, «eucaristizados» (São Justino, Apologia, 1, 65: CA 1, 180 (PG 6, 428)), «chamamos a este alimento Eucaristia; e ninguém pode tomar parte nela se não acreditar na verdade do que entre nós se ensina, se não recebeu o banho para a remissão dos pecados e o novo nascimento e se não viver segundo os preceitos de Cristo» (São Justino, Apologia, 1, 66, 1-2: CA 1. 180 (PG 6, 428)).
A ação de graças e o louvor ao Pai (1356-1361)
Sábado
1356. Se os cristãos celebram a Eucaristia desde as origens e sob uma forma que, na sua substância não mudou através da grande diversidade dos tempos e das liturgias, é porque sabem que estão ligados pela ordem do Senhor, dada na véspera da sua paixão: «Fazei isto em memória de Mim» (1 Cor 11, 24-25).
1357. Esta ordem do Senhor, cumprimo-la celebrando o memorial do seu sacrifício. E fazendo-o, oferecemos ao Pai o que Ele próprio nos deu: os dons da sua criação, o pão e o vinho, transformados, pelo poder do Espírito Santo e pelas palavras de Cristo, no corpo e no sangue do mesmo Cristo: assim Cristo torna-se real e misteriosamente presente.
1358. Temos, pois, de considerar a Eucaristia
– como ação de graças e louvor ao Pai,
– como memorial sacrificial de Cristo e do Seu corpo,
– como presença de Cristo pelo poder da sua Palavra e do seu Espírito.
1359. A Eucaristia, sacramento da nossa salvação realizada por Cristo na cruz, é também um sacrifício de louvor em acção de graças pela obra da criação. No sacrifício eucarístico, toda a criação, amada por Deus, é apresentada ao Pai, através da morte e ressurreição de Cristo. Por Cristo, a Igreja pode oferecer o sacrifício de louvor em acção de graças por tudo o que Deus fez de bom, belo e justo, na criação e na humanidade.
1360. A Eucaristia é um sacrifício de ação de graças ao Pai, uma bênção pela qual a Igreja exprime o seu reconhecimento a Deus por todos os seus benefícios, por tudo o que Ele fez mediante a criação, a redenção e a santificação. Eucaristia significa, antes de mais, «acção de graças».
1361. A Eucaristia é também o sacrifício de louvor, pelo qual a Igreja canta a glória de Deus em nome de toda a criação. Este sacrifício de louvor só é possível através de Cristo: Ele une os fiéis à sua pessoa, ao seu louvor e à sua intercessão, de maneira que o sacrifício de louvor ao Pai ë oferecido por Cristo e com Cristo, para ser aceite em Cristo.
12ª Semana do Tempo Comum
O memorial sacrifical de Cristo e da Igreja (1362-1367)
Domingo
1362. A Eucaristia é o memorial da Páscoa de Cristo, a actualização e a oferenda sacramental do seu único sacrifício, na liturgia da Igreja que é o seu corpo. Em todas as orações eucarísticas encontramos, depois das palavras da instituição, uma oração chamada anamnese ou memorial.
1363. No sentido que lhe dá a Sagrada Escritura, o memorial não é somente a lembrança dos acontecimentos do passado, mas a proclamação das maravilhas que Deus fez pelos homens (Ex 13. 3). Na celebração litúrgica destes acontecimentos, eles tomam-se de certo modo presentes e atuais. É assim que Israel entende a sua libertação do Egipto: sempre que se celebrar a Páscoa, os acontecimentos do Êxodo tornam-se presentes à memória dos crentes, para que conformem com eles a sua vida.
1364. O memorial recebe um sentido novo no Novo Testamento. Quando a Igreja celebra a Eucaristia, faz memória da Páscoa de Cristo, e esta torna-se presente: o sacrifício que Cristo ofereceu na cruz uma vez por todas, continua sempre actual (Heb 7, 25-27): «Todas as vezes que no altar se celebra o sacrifício da cruz, no qual “Cristo, nossa Páscoa, foi imolado”, realiza-se a obra da nossa redenção» (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6).
1365. Porque é o memorial da Páscoa de Cristo, a Eucaristia é também um sacrifício. O carácter sacrificial da Eucaristia manifesta-se nas próprias palavras da instituição: «Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós» e «este cálice é a Nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós» (Lc 22, 19-20). Na Eucaristia, Cristo dá aquele mesmo corpo que entregou por nós na cruz, aquele mesmo sangue que «derramou por muitos em remissão dos pecados» (Mt 26, 28).
1366. A Eucaristia é, pois, um sacrifício, porque representa (torna presente) o sacrifício da cruz, porque é dele o memorial e porque aplica o seu fruto:
Cristo «nosso Deus e Senhor […], ofereceu-Se a Si mesmo a Deus Pai uma vez por todas, morrendo como intercessor sobre o altar da cruz, para realizar em favor deles [homens] uma redenção eterna. No entanto, porque após a sua morte não se devia extinguir o seu sacerdócio (Heb 7, 24-27), na última ceia, “na noite em que foi entregue” (1 Cor 11, 13). […] Ele [quis deixar] à Igreja, sua esposa bem-amada, um sacrifício visível (como o exige a natureza humana), em que fosse representado o sacrifício cruento que ia realizar uma vez por todas na cruz, perpetuando a sua memória até ao fim dos séculos e aplicando a sua eficácia salvífica à remissão dos pecados que nós cometemos cada dia» (Concílio de Trento, Sess. 22ª, Doctrina de ss. Missae Sacrificio, c. 1: DS 1740).
1367. O sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício: «É uma só e mesma vítima e Aquele que agora Se oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora Se ofereceu a Si mesmo na cruz; só a maneira de oferecer é que é diferente» (Concílio de Trento, Sess. 22ª, Doctrina de ss. Missae Sacrificio, c. 2: DS 1743). E porque «neste divino sacrifício, que se realiza na missa, aquele mesmo Cristo, que a Si mesmo Se ofereceu outrora de modo cruento sobre o altar da cruz, agora está contido e é imolado de modo incruento […], este sacrifício é verdadeiramente propiciatório» (Ibid).
O memorial sacrifical de Cristo e da Igreja, II (1368-1369)
Segunda-feira
1368. A Eucaristia é igualmente o sacrifício da Igreja. A Igreja, que é o corpo de Cristo, participa na oblação da sua Cabeça. Com Ele, ela própria é oferecida integralmente. Ela une-se à sua intercessão junto do Pai em favor de todos os homens. Na Eucaristia, o sacrifício de Cristo torna-se também o sacrifício dos membros do seu corpo. A vida dos fiéis, o seu louvor, o seu sofrimento, a sua oração, o seu trabalho unem-se aos de Cristo e à sua oblação total, adquirindo assim um novo valor. O sacrifício de Cristo presente sobre o altar proporciona a todas as gerações de cristãos a possibilidade de se unirem à sua oblação.
Nas catacumbas, a Igreja é frequentemente representada como uma mulher em oração, de braços estendidos em atitude orante. Como Cristo, que estendeu os braços na cruz, assim, por Ele, com Ele e n’Ele, a Igreja oferece-se e intercede por todos os homens.
1369. Toda a Igreja está unida à oblação e intercessão de Cristo. Encarregado do ministério de Pedro na Igreja, o Papa está associado a toda e qualquer celebração da Eucaristia, na qual é nomeado como sinal e servidor da unidade da Igreja universal. O bispo do lugar é sempre responsável pela Eucaristia, mesmo quando presidida por um presbítero; o seu nome é citado nela para significar a sua presidência da Igreja particular, no meio do presbitério e com a assistência dos diáconos. A comunidade intercede também por todos os ministros que, por ela e com ela, oferecem o sacrifício eucarístico:
«Seja tida como legítima somente aquela Eucaristia que é presidida pelo bispo ou por quem ele encarregou» (Santo Inácio de Antioquia, Epistula Ad Smyrnaeos 8, 1: SC 10bis. 138 (Funk 1, 282)).
«É pelo ministério dos presbíteros que o sacrifício espiritual dos fiéis se consuma em união com o sacrifício de Cristo. Mediador único, que é oferecido na Eucaristia de modo incruento e sacramental, pelas mãos deles, em nome de toda a Igreja, até quando o mesmo Senhor voltar» (II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum ordinis, 2: AAS 58 (1966) 993).
O memorial sacrifical de Cristo e da Igreja, III (1370-1372)
Terça-feira
1370. À oblação de Cristo unem-se não só os membros que estão ainda neste mundo, mas também os que já estão na glória do céu: é em comunhão com a santíssima Virgem Maria e fazendo memória d’Ela, assim como de todos os santos e de todas as santas, que a Igreja oferece o sacrifício eucarístico. Na Eucaristia, a Igreja, com Maria, está como que ao pé da cruz, unida à oblação e à intercessão de Cristo.
1371. O sacrifício eucarístico é também oferecido pelos fiéis defuntos, «que morreram em Cristo e não estão ainda de todo purificados» (Concílio de Trento, Sess. 22ª, Doctrina de ss. Missae Sacrificio, c. 2: DS 1743), para que possam entrar na luz e na paz de Cristo:
«Enterrai este corpo não importa onde! Não vos dê isso qualquer cuidado! Tudo o que vos peço é que vos lembreis de mim diante do altar do Senhor, onde quer que estejais» (Santo Agostinho, Confissões 9, II, 27: CCL 27, 149 (PL 32, 775): palavras de Santa Mónica, antes de morrer, a Santo Agostinho e ao seu irmão).
«Depois [na anáfora], nós rezamos pelos santos padres e bispos falecidos, e em geral por todos aqueles que morreram antes de nós, certos de que isso será de grande proveito para as almas em favor das quais tal súplica se faz, enquanto está presente a vítima santa e temível […]. Apresentando a Deus as nossas súplicas pelos que morreram, tenham embora sido pecadores, nós […] apresentamos Cristo imolado pelos nossos pecados, tornando assim propício, para eles e para nós, o Deus que é amigo dos homens» (São Cirilo de Jerusalém, Catecheses mystagogicae 5, 9-10: SC 126, 158-160 (PG 30, 1116-1117)).
1372. Santo Agostinho resumiu admiravelmente esta doutrina que nos incita a uma participação cada vez mais perfeita no sacrifício do nosso Redentor que celebramos na Eucaristia:
«Toda esta cidade resgatada, ou seja, a assembleia e sociedade dos santos, é oferecida a Deus como um sacrifício universal pelo Sumo-Sacerdote que, sob a forma de servo, foi ao ponto de Se oferecer por nós na sua paixão, para fazer de nós corpo duma tal Cabeça […] Tal é o sacrifício dos cristãos: “Nós que somos muitos, formamos em Cristo um só corpo” (Rm 12, 5). E este sacrifício, a Igreja não cessa de o renovar no sacramento do altar bem conhecido dos fiéis, em que lhe é mostrado que ela própria é oferecida naquilo que oferece» (Santo Agostinho, De Civitate Dei 10, 6: CSEL 40/1, 456 (PL 41, 284)).
A presença real de Cristo na Eucaristia (1373-1375)
Quarta-feira
1373. «Jesus Cristo, que morreu, que ressuscitou, que está à direita de Deus, que intercede por nós» (Rm 8, 34), está presente na sua Igreja de múltiplos modos (II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 48: AAS 57 (1965) 53): na sua Palavra, na oração da sua Igreja, «onde dois ou três estão reunidos em Meu nome» (Mt 18, 20), nos pobres, nos doentes, nos prisioneiros (Mt 25, 31-46), nos seus sacramentos, dos quais é o autor, no sacrifício da missa e na pessoa do ministro. Mas está presente «sobretudo sob as espécies eucarísticas» (II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 7: AAS 56 (1964) 100-101).
1374. O modo da presença de Cristo sob as espécies eucarísticas é único. Ele eleva a Eucaristia acima de todos os sacramentos e faz dela «como que a perfeição da vida espiritual e o fim para que tendem todos os sacramentos» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae 3, q. 73, a. 3, c: Ed. Leon. 12, 140). No santíssimo sacramento da Eucaristia estão «contidos, verdadeira, real e substancialmente, o corpo e o sangue, conjuntamente com a alma e a divindade de nosso Senhor Jesus Cristo e, por conseguinte, Cristo completo» (Concílio de Trento, Sess. 13ª, Decretum de s.s. Eucharistia, can. 1: Ds 1651). «Esta presença chama-se “real”, não a título exclusivo como se as outras presenças não fossem “reais”, mas por excelência, porque é substancial, e porque por ela se torna presente Cristo completo, Deus e homem» (Paulo VI, Enc. Mysterium fidei: AAS 57 (1965) 764).
1375. É pela conversão do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo que Ele Se torna presente neste sacramento. Os Padres da Igreja proclamaram com firmeza a fé da mesma Igreja na eficácia da Palavra de Cristo e da acção do Espírito Santo, para operar esta conversão. Assim, São João Crisóstomo declara:
«Não é o homem que faz com que as coisas oferecidas se tomem corpo e sangue de Cristo, mas o próprio Cristo, que foi crucificado por nós. O sacerdote, figura de Cristo, pronuncia estas palavras, mas a sua eficácia e a graça são de Deus. Isto é o Meu corpo, diz ele. Esta palavra transforma as coisas oferecidas» (São João Crisóstomo, De proditione Iudae homilia 1, 6: PG 49, 380).
E Santo Ambrósio diz a respeito da mesma conversão:
Estejamos bem convencidos de que «isto não é o que a natureza formou, ruas o que a bênção consagrou, e de que a força da bênção ultrapassa a da natureza, porque pela bênção a própria natureza é mudada» (Santo Ambrósio, De mysteriis 9, 50: CSEL 73, 110 (PL 16, 405)). «A Palavra de Cristo, que pôde fazer do nada o que não existia, não havia de poder mudar coisas existentes no que elas ainda não eram? Porque não é menos dar às coisas a sua natureza original do que mudá-la» (Ibid.. 9, 52: CSEL 73, 112 (PL 16, 407)).
A presença real de Cristo na Eucaristia, II (1376-1379)
Quinta-feira
1376. O Concílio de Trento resume a fé católica declarando: «Porque Cristo, nosso Redentor, disse que o que Ele oferecia sob a espécie do pão era verdadeiramente o seu corpo, sempre na Igreja se teve esta convicção que o sagrado Concílio de novo declara: pela consagração do pão e do vinho opera-se a conversão de toda a substância do pão na substância do corpo de Cristo nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância do seu sangue; a esta mudança, a Igreja católica chama, de modo conveniente e apropriado, transubstanciação» (Concílio de Trento, Sess. 13ª, Decretum de ss. Eucharista, c. 4: DS 1642).
1377. A presença eucarística de Cristo começa no momento da consagração e dura enquanto as espécies eucarísticas subsistirem. Cristo está presente todo em cada uma das espécies e todo em cada uma das suas partes, de maneira que a fracção do pão não divide Cristo (Concílio de Trento, Sess. 13ª, Decretum de ss. Eucharista. c. 3: DS 1641).
1378. O culto da Eucaristia. Na liturgia da Missa, nós exprimimos a nossa fé na presença real de Cristo sob as espécies do pão e do vinho, entre outras maneiras, ajoelhando ou inclinando-nos profundamente em sinal de adoração do Senhor. «A Igreja Católica sempre prestou e continua a prestar este culto de adoração que é devido ao sacramento da Eucaristia, não só durante a missa, mas também fora da sua celebração: conservando com o maior cuidado as hóstias consagradas, apresentando-as aos fiéis para que solenemente as venerem, e levando-as em procissão» (Paulo VI, Enc. Mysterium fidei: AAS 57 (1965) 769).
1379. A sagrada Reserva (sacrário) era, ao princípio, destinada a guardar, de maneira digna, a Eucaristia, para poder ser levada aos doentes e ausentes, fora da missa. Pelo aprofundamento da fé na presença real de Cristo na sua Eucaristia, a Igreja tomou consciência do sentido da adoração silenciosa do Senhor, presente sob as espécies eucarísticas, por isso que o sacrário deve ser colocado num lugar particularmente digno da igreja; deve ser construído de tal modo que sublinhe e manifeste a verdade da presença real de Cristo no Santíssimo Sacramento.
A presença real de Cristo na Eucaristia, III (1380-1381)
Sexta-feira
1380. É de suma conveniência que Cristo tenha querido ficar presente à sua Igreja deste modo único. Uma vez que estava para deixar os seus sob forma visível, Cristo quis dar-nos a sua presença sacramental; e visto que ia sofrer na cruz para nos salvar, quis que tivéssemos o memorial do amor com que nos amou «até ao fim» (Jo 13, 1), até ao dom da própria vida. Com efeito, na sua presença eucarística, Ele fica misteriosamente no meio de nós, como Aquele que nos amou e Se entregou por nós (Gl 2, 20), e permanece sob os sinais que exprimem e comunicam este amor:
«A Igreja e o mundo têm grande necessidade do culto eucarístico. Jesus espera-nos neste sacramento do amor. Não regateemos o tempo para estar com Ele na adoração, na contemplação cheia de fé e disposta a reparar as faltas graves e os pecados do mundo. Que a nossa adoração não cesse jamais» (João Paulo II, Ep. Dominicae Cenae, 3: AAS 72 (1980) 119; cf. Enchiridion Vaticanum 7, 177).
1381. «A presença do verdadeiro corpo e do verdadeiro sangue de Cristo neste sacramento, “não a apreendemos pelos sentidos, diz São Tomás, mas só pela fé, que se apoia na autoridade de Deus”. É por isso que, comentando o texto de São Lucas 22, 19 “Isto é o Meu corpo que será entregue por vós”, São Cirilo de Alexandria declara: “Não vás agora perguntar-te se isso é verdade; mas acolhe com fé as palavras do Senhor, porque Ele, que é a verdade, não mente”» (Paulo VI, Enc. Mysterium fidei: AAS 57 (1965) 757; cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3. q. 75, a. 1. c: Ed. Leon. 12, 156; São Cirilo de Alexandria, Commentarius in Lucam 22, 19: PG 72, 912):
«Adoro te devote, latens Deitas,
Quae sub his figuris vere latitas:
Tibi se cor meum totem subjicit,
Quica, Te contemplans, totem deficit.Adoro-te com devoção, ó Deus que te escondes,
Que sob estas figuras de verdade te ocultas:
A ti meu coração se submete inteiramente
Porque, ao contemplar-te, desfalece por completo.Visus, tactus, gustus in Te fallitur
Sed auditu solo tutu creditur:
Credo quidquid dixit Dei Filius:
Nil hoc Veritatis verbo verius» (AHMA 50, 589).Visão, tacto e paladar em ti falham,
Apenas ouvindo se crê com segurança:
Creio em tudo o que disse o Filho de Deus:
Nada mais verdadeiro que esta palavra da Verdade.
O banquete pascal (1382-1383)
Sábado
1382. A Missa é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o memorial sacrificial em que se perpetua o sacrifício da cruz e o banquete sagrado da comunhão do corpo e sangue do Senhor. Mas a celebração do sacrifício eucarístico está toda orientada para a união íntima dos fiéis com Cristo pela comunhão. Comungar é receber o próprio Cristo, que Se ofereceu por nós.
1383. O altar, à volta do qual a Igreja se reúne na celebração da Eucaristia, representa os dois aspectos dum mesmo mistério: o altar do sacrifício e a mesa do Senhor, e isto tanto mais que o altar cristão é o símbolo do próprio Cristo, presente no meio da assembleia dos seus fiéis, ao mesmo tempo como vítima oferecida para a nossa reconciliação e como alimento celeste que se nos dá. «Com efeito, o que é o altar de Cristo senão a imagem do corpo de Cristo?» – pergunta Santo Ambrósio (Santo Ambrósio, De Sacramentis, 5, 7: CSEL 73, 61 (PL 16, 447)); e noutro passo: «O altar representa o corpo [de Cristo], e o corpo de Cristo está sobre o altar» (Santo Ambrósio, De Sacramentis, 4, 7: CSEL73. 49 (PL 16. 437)). A liturgia exprime esta unidade do sacrifício e da comunhão em numerosas orações. Assim, a Igreja de Roma reza na sua anáfora:
«Humildemente Vos suplicamos, Deus todo-poderoso, que esta nossa oferenda seja apresentada pelo vosso santo Anjo no altar celeste, diante da vossa divina majestade, para que todos nós, participando deste altar pela comunhão do santíssimo corpo e sangue do vosso Filho, alcancemos a plenitude das bênçãos e graças do céu»» (Oração Eucarística I ou Cânone Romano, 96: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanas 1970). p.453 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992. 521])