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Tormentos interiores do Pecador

Contritio et infelicitas in viis eorum, et viam pacis non cognoverunt — “Aflição e calamidade há nos caminhos deles; e não conheceram o caminho de paz” (Sl 13, 3)

Sumário. Pobres pecadores! Pretendem ser felizes por meio dos pecados, mas como assim servem ao demônio, que é um tirano, só encontram a amargura e remorsos. É só Deus quem dá a paz, e Deus a dá a seus amigos, mas não a seus inimigos. Quantos homens se tornariam grandes santos, se sofressem por Jesus Cristo o que sofrem para se condenarem. Por isso gritam desesperados no inferno: Cansamo-nos no caminho do pecado! Não sejamos nós tão insensatos e aprendamos à custa dos outros.

I. Pobres pecadores! Pretendem ser felizes por meio dos pecados e só encontram amargura e remorsos: Contritio et infelicitas in viis eorum. O que? Quereis a paz? Não, não, diz o Senhor: Para os ímpios não há paz (1). Primeiramente porque o pecado traz consigo o receio da vingança divina. Quando se tem por inimigo um homem poderoso, não se pode comer nem dormir tranquilamente, e o que tem Deus por inimigo, poderá estar em paz?

O que vive em pecado, ó! Como treme quando sente um tremor de terra, ou ouve o trovão! Qualquer folha que se move, o espanta; foge sempre, sem ver a quem o persegue: Fugit impius, nemine persequente (2). Quem é que o persegue? O seu próprio pecado. Caim, depois de ter assassinado o irmão Abel, muito embora o Senhor lhe afiançasse que ninguém lhe faria mal, passou o resto da vida, como diz a Escritura, fugindo sem cessar de um lugar para outro. Quem era o perseguidor de Caim, senão o seu próprio pecado?

O pecado, além disso, traz consigo o remorso da consciência, esse verme implacável que rói incessantemente. Vai o desgraçado pecador ao teatro, a um banquete; por toda a parte lhe diz a consciência: Estás na desgraça divina; se viesses a morrer, para onde irias? O remorso da consciência é um sofrimento tão grande, que alguns se suicidaram para dele se livrarem. Um desses foi Judas, que, como se sabe, se enforcou desesperado.

Que é a alma privada de Deus? Diz o Espírito Santo que é um mar agitado pela tempestade: Impii autem quasi mare fervens, quod quiescere non potest (3). Pergunto: Se alguém se dirigisse a um concerto, a um baile, a um festim, e ali fosse pendurado pelos pés, com a cabeça para baixo, poderia gozar do divertimento? Tal é o homem cuja consciência está agitada e que vive na abundância dos bens deste mundo, mas sem Deus. Adquirirá honras, dignidades, riquezas, jamais gozará paz: Non est pax impiis. A paz vem unicamente de Deus, e Deus a dá aos seus amigos, e não aos seus inimigos.

II. Os bens deste mundo, diz São Vicente Ferrer, são todos exteriores, mas não entram no coração: Sunt aquae, quae non intrant illuc, ubi est sitis. O pecador pode vestir-se ricamente, trazer nos dedos magníficos diamantes, tratar-se lautamente: o seu pobre coração não deixará de estar cheio de espinhos e de fel. Por isso verás que, ainda no meio das riquezas, das delícias e dos prazeres, está sempre inquieto; a menor contrariedade arrebata-se, enfurece-se e torna-se como que um cão danado.

Na adversidade, o que ama a Deus resigna-se à sua vontade santa, e fica em paz, o que não pode fazer aquele que vive como inimigo da vontade de Deus e por isso em nenhuma parte acha a paz. Esse desgraçado serve ao demônio, serve a um tirano, que lhe paga com aflições e amarguras. Quantos homens se tornariam grandes santos, se sofressem por Deus o que sofrem para se condenarem! Pelo que exclamarão desesperados no inferno: Lassati sumus in via iniquitatis et perditionis (4) — “Cansamo-nos no caminho da iniquidade e da perdição”.

Ó vida que perdi! Se para Vos servir, ó meu Deus, tivesse sofrido as penas que sofri para Vos ofender, quantos merecimentos possuiria agora para o céu! Ah, meu Senhor, por que é que Vos deixei, por que é que perdi a vossa graça? Por prazeres venenosos e fugitivos, que, apenas gozados, se dissiparam e me deixaram o coração cheio de espinhos e amarguras. Detesto-vos, ó meus pecados, e mil vezes vos amaldiçoo. Mas bendigo, ó Deus meu, a vossa misericórdia, que me sofreu com tamanha paciência.

Amo-Vos, ó meu Criador e Redentor, que destes a vida por mim; e porque Vos amo, arrependo-me de todo o coração de Vos ter ofendido. Meu Deus, meu Deus! Por que Vos perdi? Que recebi em troca? Agora vejo o mal que fiz, e estou resolvido a perder tudo, incluindo a vida, antes de perder o vosso amor. Pai Eterno, iluminai-me pelo amor de Jesus Cristo; fazei-me conhecer a grandeza do bem que sois, e o nada dos bens que me oferece o demônio para me fazer perder a vossa graça.

Amo-Vos, mas desejo amar-Vos mais. Fazei com que Vós sejais o meu único pensamento, o meu único desejo, o meu único amor. Espero tudo da vossa bondade, pelos merecimentos de vosso divino Filho. Maria, minha Mãe, pelo amor que tendes a Jesus Cristo, peço-vos que me alcanceis luz e força para o servir e amar até a morte.

Referências:
(1) Is 48, 22.
(2) Pv 28, 1.
(3) Is 57, 20.
(4) Sb 5, 7.

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até à Undécima semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 398-401)