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Necessidade da Oração

Capítulo I

1. O erro dos pelagianos

Erram os pelagianos, dizendo que a oração não é necessária para se conseguir a salvação. O ímpio Pelágio, seu mestre, afirmava que só se perde quem não procura conhecer as verdades necessárias. Mas, como o disse bem Santo Agostinho, Pelágio falava de tudo, menos da oração, a qual, conforme sustentava e ensinava o mesmo santo, é o único meio de adquirir a ciência dos santos, como escreve São Tiago:

“Se alguém necessita de sabedoria, peça a Deus, que a concede fartamente a todos” (Tg 1, 5)

2. Das Sagradas Escrituras

São muito claros os textos, que nos mostram a necessidade de rezar, se quisermos alcançar a salvação.

“É preciso rezar sempre e nunca descuidar” (Lc 18, 1).

“Vigiai e orai para não caírdes em tentação” (Mt 25, 41).

“Pedi e dar-vos-á” (Mt 7, 7).

Segundo a doutrina comum dos teólogos, as referidas palavras: “É preciso rezar, orai e pedi”, significam e impõem um preceito e uma obrigação, um mandamento formal. Vicleff afirmava que todos estes textos não se referiam à oração, mas tão somente às boas obras, assim, rezar, no seu modo de ver, nada mais é do que agir corretamente e praticar o bem. A Igreja, entretanto, condenou expressamente este erro. Por isso, ensinava o douto Léssio que, sem pecar contra a fé, não se pode negar a necessidade da oração aos adultos, mormente quando se trata de conseguir a salvação. Pois, como consta nos Livros santos, a oração é o único meio para conseguirmos os auxílios necessários à salvação.

3. A razão desta necessidade é bastante clara

Sem o socorro da graça, nada de bom podemos fazer:

“Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15, 5)

Nota Santo Agostinho sobre estas palavras, que Jesus Cristo não disse: “nada podeis cumprir”, mas, “nada podeis fazer”. Com isso, quis Nosso Senhor dar-nos a entender que sem a graça, nem mesmo podemos começar a fazer o bem. E o Apóstolo chega a dizer que, por nós, nem sequer podemos ter o desejo de fazer o bem:

“Não somos capazes de por nós mesmos, ter algum pensamento, mas toda a nossa força vem de Deus” (2Cor3, 5)

Se nem sequer podemos pensar no bem, como podemos então desejá-lo? O mesmo nos demonstram muitos outros textos das S. Escrituras:

“Deus é quem opera tudo em todos” (1Cor 12, 6)

“Farei que vós andeis nos meus preceitos e que guardeis as minhas ordens e as pratiqueis” (Ez 36, 27)

Por isso, como diz São Leão Papa, “Nenhum bem faz o homem sem que Deus lhe dê a sua graça para isso”. E o Concílio de Trento diz:

“Se alguém disser que, sem a prévia inspiração do Espírito Santo e sem o seu socorro, o homem pode crer, esperar, amar, ou fazer penitência como deve, com o fim de obter a graça da justificação, seja anátema”.

4. Modo de agir de Deus com os animais

O Autor da “Obra Imperfeita”, diz, referindo-se aos brutos, que o Senhor a um concedeu a rapidez, a outros deu unhas, a outros cobriu de penas, para que, desse modo pudessem conservar sua vida. O homem, porém, foi formado em tal estado que só Deus é toda sua força. Deste modo o homem é inteiramente incapaz de, por si, efetuar a sua salvação, visto que Deus quis que tudo o que tem ou pode ter, receba por meio de sua graça.

5. As primeiras graças

Mas este auxílio da graça, normalmente o Senhor concede só a quem ora, conforme a célebre sentença de Genadio:

“Cremos não chegar ninguém a salvação sem que Deus o conceda. Ninguém, depois de convidado, obtém a salvação, sem que Deus o ajude. Só quem reza merece o auxílio de Deus”.

Se é certo que, sem o socorro da graça, nada podemos, e se esse socorro é concedido por Deus unicamente aos que rezam, segue-se que a oração nos é absolutamente necessária para a salvação. Verdade é que há certas graças primeiras que são a base e o começo de todas as outras graças e que são concedidas sem a nossa cooperação, como por exemplo a vocação à fé, à penitência. No dizer de Santo Agostinho, Deus as concede mesmo a quem não as pede. Entretanto, quanto às outras graças especialmente em relação à graça da perseverança, tem por certo o Santo Doutor que não são concedidas senão aos que pedem:

“Deus dá algumas graças, como o começo da fé, mesmo aos que não pedem; outras, como a perseverança, reservou para os que pedem”.

6. O conselho dos teólogos

É por isso que os teólogos como São Basílio, São João Crisóstomo, Clemente de Alexandria e outros, como o próprio Santo Agostinho, ensinam que a oração para os adultos é necessária, não somente por ser um mandamento de Deus, como também por ser um meio necessário para a salvação. Isto quer dizer que, segundo a ordem comum da Providência, é impossível que um cristão se salve sem pedir as graças necessárias para a sua salvação. O mesmo ensina Santo Tomás:

“Depois do batismo, a oração contínua é necessária ao homem para poder entrar no céu. Embora sejam perdoados os pecados pelo batismo, sempre ainda ficam os estímulos ao pecado, que nos combate interiormente, o mundo e os demônios que nos combatem externamente”

A razão alegada pelo Doutor Angélico, e, que nos deve convencer da necessidade da oração, é a seguinte:

“Para nos salvar, devemos combater e vencer”

“Aquele que combate nos jogos públicos não será coroado, se não combater legitimamente” (2Tm 2, 5)

Sem o auxílio de Deus, não poderemos resistir a tantos e tais inimigos. Ora, este auxílio divino só se consegue pela oração. Logo, sem oração, não há salvação.

7. A oração é o caminho ordinário para se receber os dons de Deus

Que a oração é o único meio para se receber as graças divinas, o confirma de um modo mais claro o mesmo santo Doutor, quando diz que todas as graças que o Senhor, desde toda a eternidade, determinou conceder- nos, não as quer conceder a não ser por meio da oração. A mesma coisa ensina São Gregório:

“Pela oração, merecem os homens receber o que Deus desde a eternidade, determinou conceder lhes”

“A oração é necessária, diz Santo Tomás, não para que Deus conheça as nossas necessidades, mas para que nós fiquemos conhecendo a necessidade que temos de recorrer a Deus, para receber oportunamente os socorros da salvação. Assim, reconhecemos Deus como único Autor de todos os bens a fim de que (são palavras do Santo) nós conheçamos que necessitamos de recorrer ao auxílio divino e reconheçamos que Ele é o Autor dos nossos bens”

Assim como o Senhor quis que, para sermos providos do pão e do vinho, semeássemos o trigo e cultivássemos a vinha, assim quis que recebêssemos as graças necessárias para nos salvar, por meio da oração:

“Pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis” (Mt 7, 7).

8. Somos pobres. A oração é o alimento de nossa alma

Em resumo, outra coisa não somos senão pobres mendigos, que tanto temos, quanto recebemos de Deus como esmola:

“Eu, porém, sou pobre e mendigo” (Sl 40, 18)

O Senhor, diz Santo Agostinho, bem deseja e quer dispensar-nos as suas graças. Contudo não quer dispensá-las, senão a quem lhe pedir. Nosso Senhor no-lo assegura com as palavras: “Pedi e dar-se-vos- á”. Logo, diz Santa Teresa, quem não pede não recebe. Assim como a umidade é necessária às plantas para não secarem, assim diz São João Crisóstomo, nos é necessária a oração para nos salvarmos. Em outro lugar, diz o mesmo Santo, que, assim como a alma dá a vida ao corpo, assim também a oração mantém a vida da alma. “Assim como o corpo não pode viver sem a alma, assim a alma sem a oração está morta e exala mau cheiro. Disse “exala mau cheiro”, porque quem deixa de recomendar-se a Deus, logo começa a corromper-se. A oração é ainda o alimento da alma, porque assim como o corpo não pode sustentar sem alimento, assim, sem a oração, diz Santo Agostinho, não se pode conservar a vida da alma. Como o corpo, pela comida, assim a alma do homem é conservada pela oração.

Todas essas comparações aduzidas pelos santos denotam a necessidade absoluta que todos lemos de rezar para nos salvarmos.

9. A oração é uma arma

A oração, além disso, é a mais poderosa arma para nos defendermos dos nossos inimigos. Quem não se serve dela, está perdido. Nem duvida o Santo em afirmar que Adão caiu, porque não se recomendou a Deus na hora da tentação. “Adão pecou, porque não rezou”. O mesmo escreveu São Gelásio, falando dos anjos rebeldes: “Receberam em vão a graça divina … e porque não rezaram … caíram”.

São Carlos Borromeu, em uma carta pastoral, adverte que, entre os meios que Jesus Cristo nos recomendou no Evangelho, deu o primeiro lugar à oração. Ele quis que nisso se distinguissem as igrejas católicas e sua Religião das outras seitas, querendo que de um modo especial elas se chamassem casa de oração.

“Minha casa será chamada casa de oração” (Mt 21, 13)

Conclui São Carlos Borromeu, na mesma carta, que a oração é o princípio, o progresso e o complemento de todas as virtudes. Por isso nas trevas, nas misérias e nos perigos em que nos achamos, não temos nenhum outro em quem fundar nossas esperanças, senão levantar nossos olhos a Deus e pela oração impetrar de sua misericórdia a nossa salvação.

“Como não sabemos o que devemos fazer, dizia o rei Josafá, não nos resta outro meio do que levantar os nossos olhos para Vós”’ (2Cr 20, 12)

E assim também fazia Davi, não encontrando outro meio para se livrar dos seus inimigos do que rogar continuamente ao Senhor, que o libertasse de suas ciladas:

“Os meus olhos se elevam sempre ao Senhor; porquanto Ele tirará o laço de meus pés” (Sl 25, 15)

E assim não cessava de rezar o real profeta, dizendo:

“Olha para mim e tem piedade de mim porque sou pobre e só”

“Chamei a ti, Senhor, salva- me, para que guarde os teus mandamentos” (Sl 118, 146)

“Senhor, volvei para mim os vossos olhos, tende piedade de mim e salvai-me, porque sem Vós nada posso e fora de Vós, não encontro quem possa ajudar-me”.

10. Os erros de Lutero e de Jansênio

E, de fato, como poderíamos resistir à força dos nossos inimigos e observar os mandamentos de Deus, mormente depois do pecado dos nossos primeiros pais, pecado que nos enfraqueceu tanto, se não tivéssemos a oração, pela qual podemos impetrar do Senhor a luz e a força necessárias para os observar? Foi uma blasfêmia o que disse Lutero afirmando que, depois do pecado de Adão, é impossível ao homem a observância dos mandamentos de Deus.

E Jansênio disse mais ainda, que alguns preceitos são impossíveis, até para os justos, em vista das forças que atualmente possuem.

Até aqui, sua proposição podia ser interpretada em bom sentido. Mas, com justiça, foi ela condenada pela Igreja por causa do que se acrescentou depois, dizendo que lhes faltava a graça pela qual se lhes tornava possível a observância dos mandamentos. É verdade, diz Santo Agostinho, que o homem fraco como é, não pode observar certos mandamentos, com a sua força atual ou com a graça comum a todos: mas por meio da oração, pode muito bem obter o auxílio maior, do qual necessita para observá-los. Deus não manda coisas impossíveis. Entretanto, se mandar exorta a fazer o que se pode e a pedir o que não se pode. É célebre este texto do Santo, que mais tarde foi adotado pelo Concílio de Trento e declarado dogma de fé. E imediatamente acrescenta o santo Doutor:

“Vejamos como o homem, em virtude do remédio, pode fazer o que não podia por causa da fraqueza”

Quer dizer que, com a oração, obtemos o remédio para nossa fraqueza, porquanto, se pedirmos a Deus, conseguiremos força para fazer o que não podemos.

11. Deus não manda coisas impossíveis

Não podemos e não devemos acreditar, continua Santo Agostinho, que Deus, obrigando-nos a observar a lei, queira ordenar o impossível. Fazendo- nos Deus compreender que somos incapazes de observar todos os seus mandamentos, Ele nos admoesta a fazer as coisas fáceis com as graças que nos dá e a fazer depois as coisas difíceis com o auxílio maior, que podemos impetrar pela oração.

“Por isso mesmo cremos, com firmeza, que Deus não pode mandar coisas impossíveis e somos advertidos do que devemos fazer nas coisas fáceis e do que devemos pedir nas difíceis”

Por que, perguntará alguém, impõe-nos Deus coisas impossíveis às nossas forças? Justamente a fim de que procuremos, pela oração, o que não podemos com a graça comum.

“Deus manda-nos algumas coisas superiores às nossas forças, para que saibamos o que lhe devemos pedir”

E em outro lugar:

“A lei foi dada, para que se procure a graça. A graça é dada para que se cumpra a lei”

A lei não pode ser observada sem a graça, e Deus, para este fim, deu a lei, para que sempre suplicássemos a graça necessária, para observá-la. E de novo, em outro lugar, diz ele:

“A lei é boa se dela fizermos bom uso. Em que consiste, pois, o bom uso da lei?”

Ele responde:

“Consiste em conhecer pela lei a própria fraqueza e em procurar o auxílio divino para obter a saúde”

Santo Agostinho diz que nós nos devemos servir da lei — Mas para que fim? Para conhecermos por ela (o que sem ela seria impossível) a nossa incapacidade para a observar, a fim de que com a oração alcancemos o auxílio divino que cura a nossa fraqueza.

12. Grande é a fraqueza do homem

São Bernardo escreve o mesmo dizendo:

“Quem somos nós, ou qual é a nossa força para resistirmos a tantas tentações? Certamente era isso o que Deus queria: que nós, vendo a nossa insuficiência e a falta de auxílio, recorrêssemos com toda a humildade à sua misericórdia”.

Deus sabe como a oração é útil para conservar a humildade e para exercer a confiança. Por isso, permite que nos assaltem os inimigos que, para nós e nossas forças, são, invencíveis, para obtermos com a oração o auxílio para resistir-lhes. Note-se, especialmente, que ninguém pode resistir às tentações impuras da carne, se não se recomenda a Deus no momento da tentação. Este inimigo é tão terrível que, privando-nos nos combates de quase toda a luz, nos faz esquecer todas as meditações e bons propósitos, desprezar a verdade da fé e perder o temor dos castigos divinos. Esta tentação une-se à nossa natureza decaída e nos arrasta com toda a força aos prazeres sensuais. Quem não recorre a Deus, está perdido. A única defesa contra a tentação, diz São Gregório de Nissa, é a oração:

“A oração é a guarda da pureza”

O mesmo dizia antes dele Salomão:

“Sabendo eu que de outra maneira não podia ser inocente, sem que Deus me concedesse… dirigi-me ao Senhor e pedi-lhe” (Sb 8, 21)

A castidade é uma virtude que não podemos praticar, se Deus no-lo não concede. Deus, porém, só a concede aos que pedem. Quem pedir, certamente será atendido.

13. Santo Tomás, contra Jansênio

Diz o seguinte:

“Não devemos dizer ser-nos impossível a castidade ou outro mandamento qualquer. Muito embora não o possamos observar por nós mesmos, contudo, o podemos mediante o auxílio divino. O que nos é possível com o auxílio divino, não se pode dizer simplesmente que é impossível”

Não se diga, ser uma injustiça mandar a um coxo que ande direito. Não, diz Santo Agostinho, não é injustiça, dando-lhe os meios para se curar. Se depois continuar a coxear, a culpa é dele. Muito a propósito se manda que o homem ande direito para que, percebendo que não pode, procure o remédio que cure a claudicação do pecado.

14. Saber viver é saber rezar

Diz o mesmo santo Doutor que não saberá viver bem, quem não souber rezar.

“Bem sabe viver, o que sabe rezar bem”

São Francisco de Assis dizia que, sem a oração, nunca pode uma alma produzir bons frutos. Não têm, pois, desculpa os pecadores que alegam não ter forças para resistir às tentações.

“Se vos faltam as forças, adverte São Tiago, por que, então não as pedis?” “Não tendes porque não pedis” (Tg 4, 2)

Não há dúvida, somos muito fracos para resistir aos assaltos de nossos inimigos. Mas também é certo que Deus é fiel e não permite que sejamos tentados acima de nossas forças como diz o Apóstolo:

“Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças. Fará, pelo contrário, que tireis proveito da tentação para poderdes suportá-la” (Cor 10, 13)

Explicando estas palavras, diz Primásio:

“Com o auxílio da graça, Ele vos dará forças para vencerdes a tentação”

Somos fracos, mas Deus é forte. Se implorarmos o seu auxílio, Ele nos comunicará a sua força e assim poderemos tudo e poderemos dizer com o mesmo Apóstolo São Paulo:

“Posso tudo naquele que me conforta” (Fl 4, 3)

“Não há, pois, desculpa, como diz São João Crisóstomo, para aquele que sucumbe por deixar de orar. Porque, se tivesse orado, não teria sido surpreendido por seus inimigos. Não poderá ser desculpado aquele que não quis vencer o inimigo, abandonando a oração”.

15. É necessário a intercessão dos santos para se obter a graça divina?

Levanta-se aqui a questão se a intercessão dos santos é necessária, para se obter a graça divina. Que seja lícito e útil invocar os santos como intercessores, para eles suplicarem, pelos merecimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, o que nos por nossos deméritos não somos dignos de receber, é doutrina da Igreja, como declarou o Concílio de Trento:

“É bom e útil invocar humildemente os santos, e recorrer à sua proteção e intercessão, para impetrar benefícios de Deus por seu divino Filho, Jesus Cristo”.

O ímpio Calvino reprova esta invocação dos santos, mas sem razão, pois, é lícito e proveitoso invocar em nosso auxílio os santos vivos, e pedir- lhes que nos ajudem com suas orações. Assim fazia o profeta Baruc, dizendo:

“E rogai por nós ao Senhor, nosso Deus” (Br 1, 13)

E São Paulo:

“Irmãos, rogai por nós” (1Ts 5, 25)

Deus mesmo quis que os amigos de Jó se recomendassem às orações do seu fiel servo, para lhes ser misericordioso em vista dos merecimentos dele…

“Ide ao meu servo Jó… e Jó, o meu servo, orará por vós e eu volverei misericordioso o meu olhar para ele” (Jó 42, 8)

Se é lícito recomendar-se aos vivos, como então não será lícito invocar os santos, que, no céu, mais de perto gozam de Deus. Isto não é derrogar a honra que se deve a Deus, mas duplicá-la, assim como na terra podemos honrar e venerar o rei em sua pessoa, e também na pessoa dos seus servos. É por isso que Santo Tomás diz ser útil invocar e recorrer a muitos santos, “porquanto pela oração de muitos, às vezes, se alcança o que pela oração de um só não se obteria”. Poderá alguém objetar e dizer: de que serve recorrer aos santos para que rezem por nós, quando eles já pedem por todos quantos são dignos disso? Responde o mesmo santo Doutor que alguns não seriam dignos de que os santos rezassem por eles, mas tornam-se dignos recorrendo com devoção aos santos.

16. A oração e as almas do purgatório

Pergunta-se: é útil recomendar-se às orações das almas do purgatório? Alguns dizem que as almas do purgatório não podem rezar por nós. São levados pela autoridade de Santo Tomás que afirma estarem aquelas almas em estado de expiação, e, por isso inferiores a nós. Não se acham em condição de rezar por nós, mas, pelo contrário, necessitam de nossas orações.

Mas muitos outros doutores, como Belarmino, Sílvio, Cardeal Gotti e outros afirmam, com muita probabilidade, que se deve crer piamente que Deus manifesta-lhes nossas orações, a fim de que aquelas santas almas rezem por nós, como nós rezamos por elas. Assim se estabelecerá entre nós e elas este belíssimo intercâmbio de caridade. Não obsta como dizem Sílvio e Gotti, o que diz o Angélico, isto é, que as almas padecentes não se acham em estado de rezar. Uma coisa é não estar em estado de rezar e outra é não poder rezar. É verdade que aquelas almas santas não se acham em estado de orar. Como diz Santo Tomás, estando no lugar de expiação, elas são inferiores a nós e por isso necessitam das nossas orações. Contudo, em tal estado, bem podem rezar, porque estão na amizade de Deus. Se um pai. Apesar de seu grande amor ao seu filho, conserva-o encarcerado por alguma falta come1ida, o filho, em todo o caso, não está em condições de pedir alguma coisa para si mesmo. Entretanto, porque não poderá pedir pelos outros? Por que não poderá esperar ser atendido no que pede, conhecendo o afeto que lhe tem o pai? Sendo assim, as almas do purgatório, muito mais amadas de Deus e confirmadas em graça, podem rezar por nós. Mas não é costume da Igreja invocá-las e implorar sua intercessão, porque segundo a providência ordinária, elas não têm conhecimento de nossas súplicas. Todavia, acredita-se piamente, como dissemos, que o Senhor lhes faz conhecer as nossas preces e, então, cheias de caridade não deixam de pedir por nós. Santa Catarina de Bolonha, quando desejava alcançar alguma graça, recorria às almas do purgatório e era imediatamente atendida. Até dizia que muitas graças, que não havia obtido pela intercessão dos santos, conseguia invocando as almas do purgatório.

17. A obrigação que temos de rezar pelas almas do purgatório

Seja-me permitido fazer aqui uma digressão em favor das almas do purgatório. Se quisermos o socorro de suas orações, é justo que cuidemos também de socorrê-las com nossas orações e boas obras. Disse que é justo, mas deve-se dizer ainda que é um dever cristão. Pois manda a caridade que socorramos o próximo em suas necessidades, mormente quando podemos fazê-lo sem incômodo de nossa parte. Ora, é certo que, entre aqueles que caem debaixo da palavra “próximo”, devem-se compreender as benditas almas do purgatório. Elas, apesar de não estarem mais nesta vida, nem por isso deixam de pertencer à comunhão dos santos.

“As almas dos fiéis defuntos diz Santo Agostinho, não estão separadas da Igreja.”

E mais claramente declara Santo Tomás a este respeito, dizendo que “a caridade é o vínculo que une os membros da Igreja entre si e não se limita tão somente aos vivos, mas também aos mortos, que partiram deste mundo na graça de Deus”. Portanto, devemos socorrer, quanto possível, aquelas santas almas como a nosso próximo e, sendo a sua necessidade maior, maior também consequentemente deve ser a nossa obrigação de socorrê-las.

18. Os sofrimentos das almas do purgatório

Em que necessidade se acham estas santas prisioneiras! Certo é que seu sofrimento é imenso.

“O fogo que as tortura, diz Santo Agostinho, é mais grave do que qualquer sofrimento que possa atormentar o homem nesta vida”

O mesmo diz Santo Tomás, acrescentando ser aquele fogo semelhante ao do inferno: “pelo mesmo fogo é atormentado o condenado, e purificado o escolhido”. Isto quanto ao sofrimento dos sentidos. Mas muito maior é o sofrimento que causa a estas santas esposas a privação da visão de Deus.

Aquelas almas, não só por natureza, mas ainda pelo amor sobrenatural em que ardem para com Deus, com tal ímpeto são impelidas para unirem ao sumo Bem que, vendo-se impedidas por motivo de suas culpas, sofrem dor tão acerba que, se lhes fosse possível a morte morreriam a cada momento. Pois, segundo diz, São João Crisóstomo, esta privação da visão de Deus as atormenta muito mais do que o sofrimento dos sentidos:

“Mil fogos do inferno juntos não causariam tanta dor, como esta do dano!”

Por isso aquelas santas almas prefeririam sofrer qualquer outro castigo do que serem destituídas um só momento, da suspirada união com Deus. Diz, por isso, o Doutor Angélico que “o sofrimento do purgatório excede toda as dores que podemos sofrer nesta vida”. Refere Dionísio Cartusiano que certo defunto, ressuscitado pela intercessão de São Jerônimo, disse a São Cirilo de Jerusalém que todos os tormentos desta terra são gozosos em comparação com o menor sofrimento do purgatório:

“Todos os tormentos desta vida, se comparados à menor pena do purgatório, seriam verdadeiros gozos”

E acrescenta que, se alguém tivesse experimentado aqueles sofrimentos, mais prontamente quereria sofrer todas as dores que sofreram ou sofrerão os homens neste mundo até o dia do juízo, do que sofrer, por um só dia, o menor sofrimento do purgatório. Por isso escreveu São Cirilo que aqueles sofrimentos, quanto à aspereza, são os mesmos do inferno, apenas diferem porque não são eternos.

19. As almas do purgatório sofrem horrivelmente e não podem socorrer-se a si mesmas

São, pois, muito grandes as penas daquelas almas e, por outro lado elas não podem ajudar-se, segundo Jó “estão presas e ligadas pelos laços de pobreza” (Jó 36, 8). Já estão destinadas ao Reino aquelas santas rainhas, mas dele não podem tomar posse, enquanto não chegar o fim de sua expiação. Portanto, não podem ajudar-se a si próprias, (ao menos suficientemente, se quisermos crer nos teólogos que admitem que aquelas almas com suas orações também possam impetrar para si algum alívio), para livrar-se daquelas prisões, em que estão detidas enquanto não tiverem satisfeito inteiramente à justiça divina. Elas não podem quebrar essas cadeias enquanto não tiverem satisfeito à justiça divina e todo o seu rigor. Foi o que disse, falando do purgatório, um monge cisterciense, aparecendo ao sacristão do seu convento:

“Ajudai-me, pediu ele, com vossas orações, porque por mim nada posso obter!”

Isto concorda com o que diz São Boaventura:

“A pobreza impede o pagamento das dívidas”

Quer dizer que as almas do purgatório são tão pobres que não podem satisfazer por si próprias à justiça divina.

20. A obrigação que temos de rezar pelas almas do purgatório

É certo, entretanto, e até de fé, que nós, com os nossos sufrágios e, principalmente com os orações recomendadas pela Igreja, bem podemos auxiliar aquelas santas almas. Não sei como poderá se isentar de culpa, quem deixa de oferecer-lhes qualquer auxílio, ao menos algumas orações.

21. Motivos que temos para rezar pelas almas do purgatório

Se não nos mover a obrigação que temos, mova-nos, ao menos, a alegria que causamos a Nosso Senhor Jesus Cristo, quando nos aplicamos em libertar aquelas suas esposas diletas, para se unirem com Ele no paraíso. Movam-nos, enfim, os grandes merecimentos, que podemos obter praticando este grande ato de caridade para com aquelas santas almas. Elas são gratíssima, e bem conhecem o grande beneficio que lhes fazem aliviando-as daquelas penas e obtendo, por meio de nossas orações, que mais depressa possam entrar na glória. Lá chegando, não deixarão de rezar por nós.

Se o Senhor promete ser misericordioso para com os que praticam a misericórdia “Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5, 7 ), com muita razão pode esperar a salvação quem procura socorrer as almas do purgatório, tão aflitas e tão caras a Deus. Jônatas, depois de ter salvado os hebreus pela vitória sobre os seus inimigos, foi condenado à morte por seu pai, Saul, por haver provado o mel contra a sua ordem. Mas o povo apresentou-se ao rei e disse:

“Como há de morrer Jônatas, o salvador de Israel?” (I Sn 14, 45)

Ora, assim devemos também esperar que, se algum de nós obtiver, com suas orações, a salvação de uma alma do purgatório e a sua entrada no céu, essa alma dirá a Deus; “Senhor, não permitais se perca quem me livrou das chamas do purgatório”. E, se Saul concedeu a Jônatas a vida, a pedido do povo, Deus não negará a salvação àquele por quem intercede uma alma do purgatório.
Além disso, diz Santo Agostinho, quem nesta vida mais socorrer as almas do purgatório, Deus fará com que seja também socorrido por outro, quando estiver lá no meio daquelas chamas.

22. A Santa Missa pelas almas do purgatório

Um grande sufrágio pelas almas do purgatório é participar da Santa Missa, e nela recomendá-las a Deus, pelos merecimentos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, dizendo: Eterno Pai, eu vos ofereço este sacrifico do Corpo e Sangue de Jesus Cristo com todas as dores que sofreu em sua vida e morte e, pelos merecimentos de sua Paixão, recomendo-vos as almas do purgatório e especialmente as de… É ato também de muita caridade recomendar, ao mesmo tempo, as almas de todos os agonizantes.

23. A invocação dos santos

Tudo o que dissemos sobre as almas do purgatório, se podem, ou não, rezar por nós, se é conveniente, ou não, nos recomendar às suas orações vale também a respeito dos santos. Quanto a eles, é certo que é utilíssimo recorrer à sua intercessão, falando dos santos já canonizados, que gozam da visão de Deus. Supor que neste ponto a Igreja é falível seria incidir em culpa ou em heresia, como dizem São Boaventura, Belarmino e outros, ou ao menos, está próximo de heresia, segundo Suarez, Azor, Gotti e outros. Porque o Sumo Pontífice, como diz Santo Tomás, no canonizar os santos, é de modo particular guiado pela inspiração infalível do Espírito Santo.

24. Somos obrigados a invocar os santos?

Volto à questão, apresentada acima, sobre se há uma obrigação de recorrer à intercessão dos santos. Não é minha intenção resolver esta questão: contudo, não posso deixar de apresentar uma doutrina do Angélico. Ele, antes de tudo, em vários lugares supracitados e, especialmente no livro das Sentenças, tem por certo que cada um é obrigado a orar, porque de outro modo não se pode (como diz ele) receber de Deus as graças necessárias à salvação, a não ser pela oração:

“Cada um é obrigado a rezar, porquanto deve procurar os bens espirituais que só por Deus são concedidos e que só podemos alcançá-los por meio da oração”.

Em outro lugar do mesmo livro, o mesmo Santo propõe a dúvida: se devemos invocar os santos, a fim de que peçam por nós. É esta a resposta do Santo, que vamos dar em sua íntegra, para melhor compreensão:

“A ordem estabelecida por Deus, segundo Dionísio, é que todas as coisas sejam referidas a Deus, por meio das últimas mediações. Ora, como os santos do céu estão próximos de Deus, a ordem da lei divina requer que nós, enquanto vivermos neste mundo e estivermos longe do Senhor, sejamos conduzidos a Ele pelos santos que são os medianeiros. E isso acontece quando Deus derrama, por eles, sobre nós, os efeitos de sua Bondade. Nossa volta para Deus deve corresponder ao curso da distribuição de suas graças. Assim como os benefícios de Deus chegam até nós pela intercessão dos santos, do mesmo modo devemos nós chegar até Deus, a fim de recebermos novamente os seus auxílios, por intermédio dos santos. Esta é a razão porque temos os santos como nossos intercessores e ao mesmo tempo como nossos medianeiros diante de Deus, pedindo-lhes que roguem por nós”.

Notem as palavras: Isto requer a ordem da lei divina, e notem igualmente estas: assim como mediante os sufrágios dos santos nos vem a graça de Deus, pelo mesmo caminho devemos nós outros voltar para Deus, a fim de recebermos novamente sua graça por mediação deles. Assim, segundo Santo Tomás, a ordem da lei divina requer que nós, mortais, nos salvemos por meio dos santos, recebendo, por sua intercessão, os auxílios necessários à nossa salvação. Objeta, então, o Angélico, dizendo ser supérfluo recorrer aos santos, quando Deus é infinitamente mais misericordioso e inclinado a atender-nos. Responde ele mesmo que o Senhor dispôs assim, não por defeito de seu poder, mas para conservar a ordem reta e universalmente estabelecida de operar por meio de causas segundas:

“Não é, diz o santo, por defeito de sua misericórdia, senão para que seja mantida a ordem supra explicada”.

25. A ordem estabelecida por Deus na distribuição das graças

Segundo a afirmação de Santo Tomás, (escreve o continuador de Tournely com Sílvio), é verdade que devemos invocar só a Deus como o Autor das graças. Entretanto, somos obrigados também à intercessão dos santos, para observar a ordem, que Deus estabeleceu sobre a nossa salvação, isto é, que os menores se salvem, implorando o auxílio dos superiores.

“Segundo a lei natural, todos são obrigados a observar a ordem que Deus estabeleceu; ora, Deus estabeleceu que os inferiores alcancem a salvação implorando o auxílio dos superiores”.

26. A intercessão de Nossa Senhora

E se assim é falando dos santos, quanto mais não devemos recorrer à intercessão da divina Mãe, cujas súplicas, junto de Deus, valem mais do que as de todos os santos do paraíso?

Diz Santo Tomás que os santos, na proporção dos merecimentos pelos quais adquiriram as graças, podem salvar muitos outros, mas Nosso Senhor Jesus Cristo e também sua Mãe mereceram tantas graças, que podem salvar todos os homens:

“Grande coisa é, para cada santo, ter a graça suficiente para salvação de muitos; e, se um tivesse tanto quanto fosse necessário para salvar o mundo inteiro, seria o máximo; e isto se encontra em Nosso Senhor Jesus Cristo e em Nossa Senhora”.

E São Bernardo, falando de Maria, escreve:

“Por vós temos acesso ao Filho, por vós, que achastes a graça, Mãe da salvação, para que por vós nos receba Aquele que por vós nos foi dado”.

Queria dizer com isso, que, assim como não podemos chegar ao Pai senão pelo Filho, que é o Medianeiro da justiça, assim não podemos chegar ao Filho, senão por Maria, que é a Medianeira da graça e nos obtém por sua intercessão os bens que Jesus Cristo para nós mereceu. No mesmo sentido, fala o Santo em outro lugar:

“Maria recebeu de Deus uma dupla plenitude de graça. A primeira foi o Verbo eterno feito homem em suas puríssimas entranhas. A segunda é a plenitude das graças que, por intermédio desta divina Mãe, recebemos de Deus”

Por isso acrescenta:

“Deus depositou em Maria a plenitude de todo o bem. Portanto, se temos alguma esperança, alguma graça, alguma salvação, saibamos que nos vem por Aquela que subiu inundada de delícias. Ela é um jardim de delícias para, por todos os lados, trescalar perfumes, isto é, os dons de suas divinas graças”

Por isso, tudo o que temos de benefícios de Deus, nós o recebemos pela intercessão de Maria. E por que é assim? Responde o mesmo São Bernardo:

“Porque Deus assim o quer. Tal é a vontade d’Aquele que dispôs que tudo tivéssemos por Maria”.

Mas a razão principal se deduz do que diz Santo Agostinho:

“Maria é chamada nossa Mãe porque cooperou com sua caridade para que, nós, fiéis, nascêssemos para a vida da graça, como membros da nossa cabeça, Jesus Cristo. Ela é, em verdade, a mãe dos membros de Jesus, que somos nós, porque pelo amor concorreu para que os fiéis, que são membros da Cabeça de Cristo, renascessem na Igreja”.

Por isso, assim como Maria cooperou com sua caridade para o nascimento espiritual dos fiéis, assim também quer Deus que ela coopere, por meio da sua intercessão, para que possam conseguir a vida da graça, neste mundo, e a vida da glória, no outro. E por isso a Igreja a invoca e manda saudá-la com palavras tão claras e preciosas: “Vida, doçura e esperança nossa, salve!”

27. Maria, medianeira de todas as graças

Neste mesmo sentido, exorta-nos São Bernardo a recorrer sempre a esta divina Mãe, porquanto todas as suas súplicas são atendidas por seu divino Filho:

“Recorre a Maria! Sem a menor dúvida, eu digo, certamente o Filho atenderá sua Mãe”.

E ajunta:

“Filhinhos, esta é a escada dos pecadores, esta é a minha maior confiança, esta é toda a razão de minha esperança”

O santo dá a Maria o nome de escada, porque assim como na escada não se sobe ao terceiro degrau, sem antes passar pelo segundo, não se atinge o segundo, sem se passar pelo primeiro, assim também não se chega a Deus, senão por meio de Jesus Cristo, e não se chega a Jesus Cristo senão por meio de Maria. O mesmo São Bernardo chama Maria de sua máxima confiança e toda a razão de sua esperança, porque Deus, como ele supõe, quer que passem pelas mãos de Maria todas as graças que nos dispensa. E conclui, finalmente, dizendo que todas as graças, que desejamos, temos de pedi-las por meio de Maria, porquanto ela obtém tudo o que deseja e os seus rogos não podem ser repelidos:

“Busquemos a graça, mas busquemos por intermédio de Maria! Por ela acha-se o que se busca e não se pode ser desatendido”.

Com os mesmos sentimentos fala-nos Santo Efrém:

“Fora de vós, não temos outra confiança, ó Virgem puríssima”

Santo Ildefonso:

“Todos os benefícios que a sua Majestade decretou fazer aos homens, decretou confiá- los às vossas mãos. A vós pois, estão confiados os tesouros e as riquezas da graça”

São Germano:

“Se vós nos abandonardes, que será de nós, ó vida dos cristãos?”

São Pedro Damião:

“Em vossas mãos estão todos os tesouros da misericórdia de Deus”

Santo Antonino:

“Quem pede, sem Maria, tenta voar sem asas”

São Bernardino de Sena diz:

“Vós sois a dispensadora de todas as graças. Nossa salvação está em vossas mãos”

Em outro lugar não só diz que por Maria se transmitem a nós todas as graças, mas também afirma que a Santíssima Virgem, desde que foi feita Mãe de Deus, adquiriu uma certa jurisdição sobre todas as graças que nos são dispensadas:

“Pela Santíssima Virgem as graças vivificantes se transmitem de Cristo, como da cabeça, ao seu Corpo místico, desde o momento em que a Virgem Mãe concebeu o Verbo Divino, ela obteve, por assim dizer, certa jurisdição sobre toda a processão temporal do Espírito Santo, de sorte que nenhuma criatura recebeu graça alguma senão pela distribuição desta piedosa mãe”

E conclui:

“Por isso, pelas suas mãos, dá a quem quer todos os dons, graças e virtudes”

O mesmo escreveu São Boaventura:

“Já que toda a natureza divina esteve nas entranhas da Santíssima Virgem, não duvido dizer que em toda distribuição de graças tem certa jurisdição esta Virgem, de cujas entranhas, como de um oceano da divindade, emanam os rios de todas as graças”.

Por isso, pois, muitos teólogos, fundados na autoridade destes santos, com piedoso zelo e muita razão, defenderam a tese que nenhuma graça nos é dispensada, senão pela intercessão de Maria. Assim Vega, Mendozza, Paciucchelli, Segneri, Poiré, Crasset e muitos outros autores, como o douto Padre Natal Alexandre, que escreveu:

“Deus quer que esperemos todos os bens Dele pela intercessão poderosíssima de Maria, quando a invocamos como se deve”

Em confirmação alega o texto de São Bernardo acima referido:

“Tal é a vontade de Deus, que quis que tenhamos tudo por Maria”

E sobre as palavras: “Eis a tua Mãe”, que Jesus disse na Cruz a São João o Padre Contenson diz a mesma coisa expressando-se assim:

“É como se dissesse: Ninguém terá parte no meu sangue, senão pela intercessão de minha Mãe. Minhas chagas são fontes de graças, mas estas correntes de graças são levadas unicamente pelo canal que é Maria. Oh, João, meu discípulo, serás tanto amado por mim, quanto amares a ela”.

Além disso, é certo que se nos tornamos agradáveis a Deus, invocando os santos, tanto mas lhe seremos agradáveis, se invocarmos a intercessão de Maria, para que ela supra com seus merecimentos a nossa indignidade, segundo o que diz Santo Anselmo:

“Que a dignidade do intercessor supra a nossa indignidade”

Por isso, invocar a Santíssima Virgem não é desconfiar da misericórdia divina, mas temer a própria indignidade. Falando da dignidade de Maria, Santo Tomás a qualifica de quase infinita:

“Por ser Mãe de Deus, tem uma dignidade quase infinita”

Portanto, com toda a razão se diz que as orações de Maria são mais poderosas diante de Deus, do que as de todo o paraíso.

28. Quem reza, se salva. Quem não reza, certamente se condena

Terminemos este primeiro ponto, concluindo de tudo o que dissemos que, quem reza, certamente se salva e quem não reza, certamente será condenado. Todos os bem-aventurados, exceto as crianças, salvaram-se pela oração. Todos os condenados se perderam, porque não rezaram. Se tivessem rezado, não se teriam perdido. E este é e será o maior desespero no inferno: o poder ter alcançado a salvação com facilidade, pedindo a Deus as graças necessárias. E, agora, esses miseráveis não têm mais tempo de rezar.