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Vida retirada de Jesus em Nazaré

Meditação para a Quarta-feira da 6ª Semana depois da Epifania. Vida retirada de Jesus em Nazaré

Meditação para a Quarta-feira da 6ª Semana depois da Epifania

SUMARIO

Terminaremos as nossas meditações sobre a vida de Jesus em Nazaré, considerando-a sob dois novos aspectos:

1.° Foi uma vida de retiro ou de separação do trato social;

2.° Foi uma vida oculta e obscura.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De amarmos o retiro, e de não frequentarmos a sociedade senão quando o exigirem os deveres do nosso estado;

2.º De nunca dizermos nem fazermos coisa alguma por amor-próprio, e de renunciarmos do fundo do coração a todo o desejo de nos mostrarmos e de dar que falar de nós.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra da Imitação:

“Desejo ser desconhecido e estimado em nada” – Ama nesciri et pro nihilo reputari (I Imitação 2, 3)

Meditação para o Dia

Adoremos Jesus Cristo em Nazaré, tendo uma vida separada do trato social, oculta, desconhecida durante trinta anos inteiros. Rendamos-Lhe graças por nos ter dado com isso uma lição tão necessária ao nosso desejo de ver e de ser vistos, e roguemos-Lhe que no-la faça compreender.

PRIMEIRO PONTO

Vida de Jesus em Nazaré, vida separada do trato social

Depois da Sua volta do Egito, Jesus conserva-Se encerrado na pobre casa de Nazaré, contente de estar com Deus seu Pai, de contempla-lO e de ser por Ele contemplado, de amá-lO e de ser dEle amado. Deus só Lhe basta, o de nada mais precisa para ser feliz. Saboreia esta divina companhia, goza dos Seus encantos, vê dali com compaixão o mundo com os seus prazeres, que enervam e corrompem, com as suas festas, que distraem, que alimentam a soberba, com todas as suas vaidades, que não deixam após si senão tédio e saciedade, tristeza e pecado. Ditoso retiro! É ali, que aprendemos a conhecer-nos a nós mesmos, por conseguinte a ser humildes. Como as paixões ali estão menos agitadas e o coração mais tranquilo, profundamos melhor o nosso interior, discernimos melhor o que somos. É ali que aprendemos a conhecer Deus, por conseguinte a amá-lO. Longe do reboliço das criaturas, que divertem e distraem, estudamos melhor as perfeições do Criador, e O amamos. É ali que aprendemos a conhecer o mundo, por conseguinte a fugirmos dele. Visto de muito perto, o seu vão brilho deslumbra e engana. Visto de longe, sentimos melhor quanto é enganoso e insensato, quanto os seus juízes são pouco temíveis e os seus louvores pouco apetecíveis. É ali, finalmente, que gozamos de Deus, que a alma, mais livre, mais recolhida consigo, entra com Ele nessas correspondências íntimas, que santificam e consolam. Ali, dizem os santos, o ar é mais puro, o céu mais aberto, e Deus mais familiar fala ao coração (1).

Ó ditoso retiro, ó única felicidade da vida! Diz São Bernardo (2). Sondemos as nossas disposições a este respeito: pomos a nossa felicidade na vida doméstica e retirada? Não amamos o mundo, as suas companhias e diversões?

SEGUNDO PONTO

Vida de Jesus em Nazaré, vida oculta e obscura

Há retiros ilustres; homens de gênio imortalizaram a sua solidão com abalizadas obras ou maravilhosas descobertas. Mas não acontece assim com Jesus em Nazaré. Ali passa trinta anos na mais profunda obscuridade. Fiquei sendo, diz Ele pelo Salmista, como um vaso quebrado e desprezado (3); como um defunto em um sepulcro, e completamente esquecido (4); Ele que podia alumiar o mundo com a Sua sabedoria, a Sua ciência, o Seu poder; Ele que podia evangelizar os povos da terra, apenas é conhecido na pequena cidade de Nazaré; e ainda como é Ele ali conhecido? Como um humilde artífice, filho de um artífice tão pobre como Ele (3). Havia então sobre a terra príncipes, reis, conquistadores famosos, que todas as bocas exaltavam. Falava-se por toda a parte das Suas proezas, mas de Jesus, nem uma palavra se dizia. Não se sabia nem a Sua morada, nem o Seu nome, nem o Seu nascimento: Ele estava na Sua pobre casa tão desconhecido como se não existisse. Havia então homens literatos, que manuseavam a pena doutamente, adquiriam um nome imortal com os Seus escritos; e durante este tempo, o Filho eterno de Deus calejava as Suas mãos manuseando pesados e toscos instrumentos. Qual é a razão de uma tal vida? Ah! É porque Jesus Cristo via que era preciso dar ao homem esta forte lição para o despreocupar do desejo de Se fazer conhecer, da sede das honras e da fama, que O atormenta. Via que se não bastavam três anos para Lhe pregar toda a Sua religião, trinta anos não seriam muitos para lhe ensinar a humildade só; e como se não fosse ainda bastante, junta-lhes os três anos da Sua missão em que tanto Se esconde, pois não é necessário que Se mostre, e suporta as calúnias dos Seus inimigos; junta-lhes a Sua paixão, a Sua morte, a Sua vida eucarística, mistério perpétuo de vida oculta. Depois de tais exemplos, toda a ambição, toda a vaidade deve desaparecer; e todo o cristão deve contentar-se com a posição que Deus lhe deu. Sondemos aqui o nosso coração. Gostamos nós de ser estimados em nada, de fazer bem em segredo, contentes com as vistas de Deus só sem mistura da criatura?

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Ducam eam in solitudinem et loquar ad cor eius (Os 2, 14). Ibi aer purior, caelum apertius, familiarior Deus

(2) O beata solitudo! O sola beatitudo!

(3) Factus sum tanquam vas perditum (Sl 30, 18)

(4) Sicut vulnerati dormientes in sepulchris, quorum non es memor amplius (Sl 87, 6)

(5) Nonne hic est faber? (Mc 6, 3). Nonne hic est fabri filius? (Mt 13, 55)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo I, p. 303-306)