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Vantagens do exercício da Presença de Deus

Meditação para a Décima Nona Sexta-feira depois de Pentecostes

SUMARIO

Consideraremos o exercício da presença de Deus debaixo do ponto de vista do nosso próprio interesse, e veremos que é:

1.° Um excelente meio de preservação do pecado;

2.° Um poderoso meio de santificação.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De nos lembrarmos as mais vezes possível, de dia e de noite, da santa presença de Deus;

2.° De evitarmos a vagueação da vista, as aberrações da imaginação, o desejo de saber tudo o que se passa, todas as coisas que obstam ao exercício da presença de Deus.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra de Deus a Abraão:

“Anda em minha presença e serás perfeito” – Ambula coram me, et esto perfectus (Gn 17, 1)

Meditação para o Dia

Adoremos a Deus dando a cada um de nós, na pessoa de Abraão este conselho tão importante para o bom regime da vida, e tão necessário para combater a espécie de fascinação que exercem sobre nós as coisas sensíveis: Anda em minha presença e serás perfeito. Demos-Lhe graças por nos ter revelado este segredo da vida espiritual, e supliquemos-Lhe que nos faça tirar bom proveito dele.

PRIMEIRO PONTO

O exercício de presença de Deus é um excelente meio de preservação do pecado

A causa de todos os nossos males é a distração, que nos torna desatentos, e por conseguinte infiéis à graça; que nos conserva numa vida toda natural, toda sensual, toda pagã; vida vergonhosa em que a
alma, entregando-se a uma completa liberdade de pensar e desejar, de falar e fazer o que lhe apraz, esquece-se de Deus dias inteiros, como se Ele não existisse. O pensamento reiterado e perseverante da presença de Deus nos faria viver, ao contrário, da vida sobrenatural; regularia todos os movimentos do coração, moderaria todas as paixões, reprimiria os impulsos do gênio, purificaria as intenções, expulsaria finalmente todo o pecado, diz São Jerônimo (1), pois não pecamos senão porque perdemos Deus de vista, e nunca pecaríamos talvez, se O tivéssemos sempre presente ao pensamento (2). Com efeito, qual é o servo que faltaria ao seu dever diante de seu senhor ou benfeitor, que ousaria praticar o mal na presença de seu juiz? Os anciães de Babilônia, querendo atentar contra a virtude de Suzana, baixaram os olhos para não ver o céu, que lhes lembrava que Deus os via (3). Dai-me, dizia um homem, a quem incitavam a obrar o mal, dai-me um lugar onde Deus me não veja, e farei o que me propondes.

Não, diz Santo Agostinho, uma alma bem compenetrada desta verdade, que Deus olha para ela como se fosse a única no mundo, que ouve todas as suas palavras, e que lhe há de pedir contas delas para a julgar, nunca pecaria.

Não há tentação que a viva fé nesta divina presença não vença; não há vaidade ou impaciência que não corrija; fragilidade que ela não ampare; e depois da queda, não há pecado cuja contrição não inspire: Pequei contra o céu e diante de vós (4) diz o filho pródigo. Este pensamento confunde-o, porque, se pecar contra Deus é um mal, pecar na presença de Deus é uma monstruosidade, de que poucos homens seriam capazes, se nisso pensassem. Tão verdade é, que o pensamento da presença de Deus é uma preservação do pecado.

SEGUNDO PONTO

O exercício da presença de Deus é um poderoso meio de santificação

O mesmo Deus ensinou esta verdade a Abraão com estas palavras: Anda em minha presença, e serás perfeito; e confirmou-as com estas outras do Sábio:

“Trazei a Deus no pensamento em todos os vossos caminhos, e ele mesmo dirigirá os vossos passos” – In omnibus viis tuis cogita illum, et ipse diriget gressus tuos (Pr 3, 8)

Com efeito, o exercício da presença de Deus atrai as graças à alma que Lhe é fiel; este pensamento aumenta a sua fé, fortifica a sua esperança, abrasa-a em amor, de sorte que nada faz que não seja por amor. Neste santo exercício, aprende a conhecer Deus cada vez mais; e parece-lhe tão belo, que ela se aborrece de tudo o mais, só a Ele quer amar, e exclama com os santos:

“Deus é para mim tudo” – Deus meus et omnia

A cada ação, diz consigo:

“Deus vê-me, Deus ouve-me; observa tudo o que eu faço, tudo o que digo, tudo o que penso” – Respecit Dominus vias hominis, et omnes gressus ejus considerat (Pr 5, 21)

E dominada por esta consideração, faz necessariamente bem todas as coisas.

Quereis fazer bem tudo o que fazeis? diz São Basílio; figurai-vos que Deus vos contempla: então O adorareis, O amareis, Lhe agradecereis, fareis tudo por Ele e o melhor possível; todas as vossas obras serão sobrenaturais, e os vossos dias cheios de méritos. Vivereis com Deus, conversando com Ele; vivereis em Deus, descansando nEle; vivereis de Deus, que se fará o alimento e a vida do vosso espírito e coração; então sereis perfeito.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Memoria Dei ecludit omnia flagitia

(2) Non est Deus in conspectu ejus: inquinatae sunt viae illius in omni tempore (Sl 10 (sec. Hb) 5)

(3) Declinaverunt oculos suos ut non viderent caelum (Dn 13, 9)

(4) Peccavi in caelum et coram te (Lc 15, 18)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo V, p. 81-84)