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O Amor-próprio corrompe em nós os dons de Deus e gera os Vícios

Meditação para a Duodécima Quinta-feira depois de Pentecostes. Décima Sexta razão de sermos Humildes: O Amor-próprio corrompe em nós os dons de Deus e gera os Vícios

Meditação para a Duodécima Quinta-feira depois de Pentecostes

Décima Sexta razão de sermos Humildes

SUMARIO

Meditaremos sobre uma décima sexta razão de ser dos humildes; é:

1.° Porque trazemos conosco um amor-próprio que, como um mortífero veneno corrompe os dons de Deus;

2.° Gera todos os vícios.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De vigiarmos com especial cuidado todos os movimentos do nosso coração, para nele conservar o espírito de humildade;

2.° De aproveitarmos todas as ocasiões de nos humilharmos.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra da Imitação:

“Não julgueis ter feito o menor progresso, enquanto vos não reputardes inferior a todos” – Non reputes te aliquid profecisse, nisi omnibus inferiorem te esse sentias (II Imitação 2, 2)

Meditação para o Dia

Adoremos as disposições do coração de Jesus, abismado no sentimento de sua baixeza e do seu nada diante da augusta majestade de seu Pai (1). Louvemo-lo neste estado, em que nos ensina a renunciar a essa vã estima de nós mesmos, tão funesta à nossa alma, tão perigosa para a nossa salvação,

PRIMEIRO PONTO

O amor-próprio corrompe em nós os dons de Deus

Deus deu-nos um corpo, obra prima de toda a natureza visível; uma alma que vive e se manifesta pelo pensamento, capaz de atingir todas as distâncias, a altura dos céus como a profundidade, dos abismos; um coração que, maior que o mundo, abraça o infinito, e não pode contentar-se com menos. Ora o amor-próprio corrompe estes dons tão excelentes, até os converter em desgraça ou ao menos em perigo para a nossa salvação. Quem estima o seu corpo, e nele se compraz, fá-lo um ídolo de louca vaidade, tão nocivo à sua alma como indigno de seus grandes e eternos destinos. Quem preza a sua inteligência, atrai sobre si o castigo dos soberbos, presume das suas luzes, e deixa-se cegar por elas. Oh! Quantos serão condenados por terem adorado o seu próprio entendimento, e estimado muito as suas concepções! Não terem tido menos inteligência e mais humildade! Quem estima as qualidades de seu coração, e delas se gloria, põe nelas um verme que as rói e as corrompe na sua raiz. Deus concedeu-nos a graça da oração, pela qual tudo podemos obter; mas se o amor-próprio intervem na oração, ela será amaldiçoada e reprovada por Deus, como a do fariseu que, se dava graças a Deus, se louvava a si. Deus juntou à graça da oração a das boas obras e dos atos das diferentes virtudes; mas se o amor-próprio se ingere nossas boas obras, perder-se-á todo o seu mérito. Quem se gloria da sua virtude, dá-lhe a morte; quem louva a sua piedade, mata-a; quem se compraz nas suas boas obras, derruba o seu edifício, destrói a sua obra. Que considerações não temos que fazer aqui a respeito de nós mesmos! Que méritos perdidos!

SEGUNDO PONTO

O amor-próprio gera todos os vícios

Ó estima dos homens, dizia São Francisco Xavier, que de mal tens feito, fazes, e hás de fazer ainda!

Daí a ambição com as suas intrigas e baixezas; os ambiciosos querem a todo o custo que falem deles, exaltar-se, engrandecer-se, ser mais do que são, e para satisfazer o orgulho subverterão a sociedade, promoverão guerras sanguinolentas. Daí a cobiça das riquezas com os seus iníquos meios de as alcançar, para atrair as vistas e o louvor. Daí o luxo nos vestidos e móveis, porque o vulgo contempla e admira esta magnificência. Daí a vaidade, que se nutre de vãos louvores, que não pode tolerar um conselho, uma repreensão, um descuido, e se indigna, quando suspeita que não é apreciado como deseja. Daí o respeito humano com todas as suas fraquezas, suas faltas de caráter. Que dirão, que pensarão de mim, se faço isto ou aquilo? E longe de se tolerar uma palavra de desaprovação, sacrifica-se o dever (2); faz-se o mal para agradar aos outros, e finge-se ser pior do que realmente se é (3). Daí a ira e a impaciência, que não podem sofrer contradição nem revés. Não se quer reconhecer que se merece ser censurado, castigado de Deus e desprezado dos homens. Daí maledicências que a consciência reprova, palavras descomedidas: Que diriam, se não falasse como os outros? Daí mentiras, ambages ou reticências, seja para nos justificarmos, quando somos culpados, seja para que formem bom conceito de nós. Daí tanto ódio ou ao menos indiferença para com aqueles que suspeitamos que nos não estimam; daí essa espécie de adoração para com os que nos parece que fazem caso de nós; essas murmurações a respeito dos que não nos prestam toda a honra a que julgamos ter direito; daí essa inveja do mérito de outrem, essas preocupações, finalmente, que tornam impossível toda a oração e virtude. Ó meu Deus! Quão verdade é, que o amor-próprio gera todos os vícios! Que grande desgraça ser sempre louvado, e que grande felicidade ser ao menos algumas vezes desprezado!

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Substancia mea tanquam nihilum ante te (Sl 38, 6)

(2) Qui timet hominem, cito corruet… (Pr 29, 25)

(3) Pudet non esse impudentem (Santo Agostinho, Confissões livro II, c. 9)

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo VI, p. 118-120)