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A Presença de Deus, dever de Gratidão

Meditação para a Décima Nona Quinta-feira depois de Pentecostes

SUMARIO

Consideraremos:

1.° O exercício da presença de Deus como um dever de gratidão;

2.° O esquecimento de Deus como uma horrível ingratidão.

— Tomaremos depois a resolução:

1.° De nos servirmos da vista de todas as coisas criadas para nos elevarmos a Deus e conversarmos com Ele;

2.° De acompanharmos todas as nossas ações do espírito de gratidão, que elas são capazes de nos inspirar.

O nosso ramalhete espiritual será a palavra de São João Clímaco:

“Cada criatura é uma escada para nos elevarmos a Deus” – Omnis creatura est scala ad Deum

Meditação para o Dia

Adoremos Jesus Cristo dando sempre graças a seu eterno Pai, seja na Eucaristia, seja no céu. Unamo-nos a este perpétuo hino da sua gratidão, e procuremos entrar nos mesmos sentimentos.

“Demos graças ao Senhor nosso Deus” – Gratias agamus Domino Deo nostro

PRIMEIRO PONTO

O exercício da presença de Deus é um dever de gratidão

Não há na vida um só momento em que não recebamos um beneficio particular de Deus; por conseguinte, nenhum momento há, em que não devamos dar-Lhe graças e bemdizê-lO.

Ao levantarmo-nos da cama de manhã, devemos dizer-Lhe:

Graças Vos dou, meu Deus, por me terdes conservado durante uma noite, em que muitos outros morreram, e por me concederdes um dia para Vos servir e me salvar.

Ao vestir-mo-nos:

Graças Vos dou, meu Deus, por me terdes dado estes vestidos, quando tantos pobres carecem deles, ou têm apenas alguns andrajos!

Ao fazermos a nossa oração da manhã:

Graças Vos dou, meu Deus, por me concederdes esta ocasião de fazer oração, quando tantos outros não têm a lembrança nem a vontade de a fazer!

Ao movermos os pés para andar, as mãos para obrar, a língua para falar; ao abrirmos os olhos para ver, ao aplicarmos o ouvido para ouvir:

Graças Vos dou, meu Deus! Tantos outros estão privados dos sentidos de que gozo!

Quando comemos e bebemos:

Graças Vos dou, meu Deus! É uma dádiva do Vosso amor; tantos outros não têm hoje que comer!

Quando aspiramos e respiramos:

Graças Vos dou, meu Deus! Esta aspiração é um beneficio da Vossa providencia; se deixásseis um só momento de me liberalizar o ar, morreria imediatamente!

Pensamento que levou São Gregório de Nazianzo a dizer, que a lembrança de Deus deve ser-nos tão habitual como a respiração (1). Quando à noite nos deitamos na cama:

Graças Vos dou, meu Deus, por me terdes conservado este dia, em que tirastes a vida a tantos outros, e por me concederdes esta noite para ter o descanso que me é preciso!

Quando nos ocorre um bom pensamento; quando experimentamos um bom sentimento; quando vemos bons exemplos; quando ouvimos bons ensinos; quando fazemos boas leituras:

Graças Vos dou, meu Deus, por este bom pensamento, este bom sentimento, estes bons exemplos, estes bons ensinos, esta leitura: tudo isto é um beneficio que eu não merecia, é uma dádiva do Vosso amor.

Se, afastando a vista da nossa pessoa, a fixamos em tudo que nos cerca, tudo clama, igualmente, que pensemos em vós, meu Deus, e que vos amemos. (2) Todas as criaturas são Vossas imagens e como que espelhos que refletem as Vossas perfeições: o céu é a morada da Vossa gloria; a terra, o escabelo dos Vossos pés; os homens, os ministros da Vossa providência; todos os acontecimentos são os efeitos, ora da Vossa justiça, ora da Vossa bondade, sempre da Vossa sabedoria. Tudo neste mundo é cheio de Vosso amor e exige a nossa gratidão. Por cima da nossa cabeça, o Vosso sol alumia-nos durante o dia, a lua e as estrelas durante a noite; em redor de nós, as nesses, os frutos, as flores, a erva dos prados nos subministram o necessário, o útil e o agradável; os animais, que andam sobre a terra, voam no ar ou nadam nas águas, dizem- nos que Vós os criastes, uns para nos alimentar ou nos vestir, outros para nos servir ou nos recrear; os mesmos serviços, que nos prestam os nossos semelhantes, são um beneficio do Vosso amor: sois Vós que lh’os inspirais e lhes infundis no coração essa benevolência para conosco; finalmente, toda a criação nada tem que não seja para nosso bem. Ora, como é possível vivermos cercados das munificências do amor divino e esquecermo-nos dAquele que é o seu autor? Seriamos nós obrigados a dizer com mais razão que São Boaventura:

“De todas as partes me circunda o amor e eu não sei o que seja amar?” – Undique me circumdat amor, et nescio quid sit amor

SEGUNDO PONTO

Viver no esquecimento de Deus é uma horrível ingratidão

Com efeito, não é uma horrenda ingratidão recebermos continuamente benefícios, e nunca agradecermos ao nosso benfeitor, nem pensarmos nEle? Triste condição do homem, que vive no esquecimento de Deus! Por amor dele, Deus, presente em toda a parte, dá ou conserva a vida a tudo o que vive, o movimento a tudo a que se move, o ser a tudo o que existe; e o homem não sabe olhar com gratidão para o seu benfeitor! Absorto nas coisas terrenas, não pensa, senão raras vezes, nAquele que nunca o esquece! Ó esquecimento de Deus, quão extraordinária ingratidão és, digna de ser chorada com todas as lágrimas do arrependimento! porque — ai de mim! — quantas exprobações tenho a fazer a mim próprio a este respeito! Que habitual distração! Quão raras vezes penso em Deus para O amar e Lhe agradecer os seus contínuos benefícios, a sua perene misericórdia! Cumpre que me emende a todo o custo.

Resoluções e ramalhete espiritual como acima

Referências:

(1) Non tam saepe respirare quam Dei meminisse debemus (São Gregório Nazianzeno, or. 33)

(2) Omnia clamant ut diligas

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(HAMON, Monsenhor André Jean Marie. Meditações para todos os dias do ano: Para uso dos Sacerdotes, Religiosos e dos Fiéis. Livraria Chardron, de Lélo & Irmão – Porto, 1904, Tomo V, p. 77-80)