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O tecnicismo e a crise espiritual de nossa era

Crise Espiritual

Os cristãos devem ser homens de Deus e mostrar à sociedade que só o progresso material não é capaz de salvar a alma humana.

Uma das grandes preocupações dos papas do último século foi alertar a sociedade para o equilíbrio de uma necessária “hierarquia dos valores”, a fim de lembrar o homem de sua grande nobreza enquanto “imago Dei — imagem de Deus” (Gn 1, 27) e de sua altíssima vocação para a eternidade.

Era sobretudo o progresso técnico e científico que inquietava o espírito dos Sumos Pontífices. E não porque a Igreja Católica fosse contrária ao desenvolvimento dos povos ou à descoberta de novas ferramentas para integrar os homens. Como ensinou o Concílio Vaticano I, “a Igreja, longe de opor-se ao estudo das artes e das disciplinas humanas, favorece-as e promove-as de muitos modos” [1]. Não existe contradição entre a fé e a razão.

O que se percebia, porém, era que, ao lado da lâmpada, do automóvel e do telefone, a sociedade se afundava em uma grave crise espiritual. Ao mesmo tempo em que eram feitas tantas invenções e descobertas importantes, havia uma filosofia anunciando que Deus tinha morrido e que o homem devia procurar não mais a santidade de uma vida justa, mas a frivolidade de uma existência cheia de prazeres e satisfações mundanas.

O Papa Leão XIII, ainda em 1890, notou a discrepância entre o desenvolvimento material e o espiritual das nações. Em uma de suas encíclicas, ele reconheceu um relativo “progresso nas comodidades corporais e extrínsecas”, mas alertou: “Toda essa natureza sensível, a abundância de meios, as forças e as riquezas, se podem gerar comodidades e aumentar a serenidade da vida, não poderão nunca satisfazer a nossa alma, criada para coisas mais altas e com mais gloriosos destinos”. Mostrando como os “bens da alma” se obscureciam cada vez mais entre os homens, sua advertência se revestiu de caráter profético: “Assaz catástrofes nos apresentou já o século em que vamos, e quem sabe as que estão ainda por vir!” [2]. Era como se ele pudesse antever as tragédias e as calamidades que atravessariam praticamente todo o século XX.

Mesmo depois de tanta destruição — seja em consequência das duas grandes guerras mundiais, seja pela ascensão do perverso totalitarismo —, os apelos da Igreja à conversão da humanidade não cessaram; ao contrário, intensificaram-se ainda mais. A Igreja tinha consciência que, mais que recuperar os países devastados pela guerra, era preciso resgatar o homem do profundo abismo existencial no qual se tinha lançado. Como apontou com precisão o Papa Pio XII, a era técnica estava levando “a cabo sua monstruosa obra de transformar o homem em um gigante do mundo físico, em detrimento de seu espírito, reduzido a pigmeu do mundo sobrenatural e eterno” [3].

A exortação de seu sucessor, o Papa São João XXIII era que se devia reconhecer uma justa “hierarquia dos valores”. A televisão, o celular, o computador e a Internet, bem como os inúmeros avanços científicos logrados nos últimos anos “constituem sem dúvida elementos positivos” de nossa civilização, porém “não são, nem podem ser, valores supremos; em comparação destes, revestem essencialmente um caráter instrumental” [4].

Reconhecer a natureza instrumental de nosso progresso material significa dizer que só quando o homem olha para o Céu pode edificar nesta terra “uma cidade fiável”, como indica o Papa Francisco, na encíclica Lumen Fidei. Para isso, os cristãos precisam oferecer o seu testemunho, demonstrando com as próprias vidas que gozam dos bens terrestres vislumbrando os dons celestes. Mais do que qualquer coisa, o cristão católico deve ser um homem de oração. Permanecendo em constante diálogo com o Senhor, poderá conservar dentro de si a graça divina, o desejo de fazer sempre a Sua vontade e de irradiar a Palavra de Deus às outras pessoas.

Onde a sociedade se esquece desta Palavra, com efeito, não há progresso algum, não há sequer verdadeira civilização. O homem é unidade de corpo e alma — corpore et anima unus — e esta tende inevitavelmente para o Senhor, longe do qual encontrará apenas trevas. Ecoam fortes no decorrer dos séculos as palavras de Jesus: “Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?” (Mt 16, 26).

(Fonte: Pe. Paulo Ricardo – Equipe Christo Nihil Praeponere)

Referências

  1. Concílio Vaticano I, Constituição Dogmática Dei Filius (24 de abril de 1870), IV: DH 3019.
  2. Papa Leão XIII, Carta Encíclica Sapientiae Christianae (10 de janeiro de 1890), n. 1.
  3. Papa Pio XII, Radiomensagem de Natal (24 de dezembro de 1953), n. 9.
  4. Papa João XXIII, Carta Encíclica Mater et Magistra (15 de maio de 1961), n. 174.