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Devemos recear que o primeiro novo pecado seja talvez o último

“Não há ninguém tão louco”, diz Santo Agostinho, “que tome veneno e diga: pode ser que depois me cure com remédios”
“Não há ninguém tão louco”, diz Santo Agostinho, “que tome veneno e diga: pode ser que depois me cure com remédios”

Fili, peccasti? Ne adicias iterum; sed et de pristinis deprecare, ut tibi dimittantur – “Filho, pecaste? Não tornes a pecar, pelo contrário roga para que os pecados cometidos te sejam perdoados” (Eclo 21, 1)

Sumário. Não há ninguém tão louco que tome veneno e diga: “Pode ser que os remédios me curem”; e há cristãos que se condenam à morte eterna na esperança de se livrarem dela mais tarde. Meu irmão, tu ao menos sê prudente, e se outrora foste pecador, deves temer mais à proporção do número de teus pecados; porque mais um pecado faria talvez baixar a balança da divina justiça, e então não haveria mais perdão. Oh, quantos foram precipitados no inferno, no mesmo instante em que procuravam qualquer satisfação proibida!

I. Tal é o conselho que nos dá o Senhor, porque nos quer salvar: que não tornemos a ofendê-Lo, e que de hoje em diante procuremos obter o perdão dos pecados cometidos: Ne adicias iterum; sed et de pristinis deprecare, ut tibi dimittantur. Meu irmão, quanto mais ofendeste a Deus, tanto mais deves recear-te de uma nova ofensa, porque um pecado a mais poderia fazer baixar a balança da divina justiça e ficarias condenado. Não digo que depois de mais um pecado não haverá absolutamente perdão para ti; não sei; mas pode acontecer. Dize, pois, quando fores tentado: Quem sabe se Deus ainda me quererá perdoar e se não ficarei condenado?

Dize-me: se fosse provável que alguma iguaria contém veneno, havias de prová-la? Se cresses com certa probabilidade que em algum caminho os teus inimigos estão à tua espreita para te tirar a vida, passarias por ele, havendo outro mais seguro? E que certeza, ou mesmo que probabilidade tens de que, pecando de novo, terás depois verdadeiro arrependimento e não recairás outra vez? Ou que Deus não te deixará morrer no ato mesmo do pecado, ou depois dele te abandone?

Ó Deus! Quando compras uma casa, tomas todas as providências para legalizar o negócio e não perder o dinheiro. Quando tomas um remédio, primeiro procuras certificar-te de que não te fará mal. Se passas um rio, tomas precauções para não cair na água. E depois por uma satisfação miserável, por um prazer imundo, quererás por em risco a salvação eterna, dizendo: Espero que me hei de confessar? – Escuta o que te diz Santo Agostinho: Deus, assim fala o Santo, prometeu o perdão ao que se arrepende, mas não prometeu o dia seguinte ao que O ofende. Se pecares, pode ser que Deus te dê tempo de fazer penitência, pode ser que não. Se não t’o der, que será de ti em toda a eternidade? Entretanto, perdes a alma por um miserável prazer e a pões em perigo de ficar eternamente perdida.

II. Avivemos a nossa fé. Dize-me, meu irmão, a existência do céu e do inferno é uma verdade santa, ou uma pura invenção? Crês que, se a morte te colhesse em estado de pecado estarias perdido para sempre?… Que temeridade, pois, o condenar-te a uma eternidade de penas, dizendo: Espero mais tarde reparar as minhas faltas! Nemo sub spe salutis vult aegrotare – “Não há ninguém tão louco”, diz Santo Agostinho, “que tome veneno e diga: pode ser que depois me cure com remédios”. E queres condenar-te a uma morte eterna, dizendo: talvez me livre mais tarde? Ó loucura que arrastou e continua a arrastar tantas almas ao inferno, segundo a ameaça do Senhor: Pecaste, fiando-te temerariamente na misericórdia divina; mas o castigo cairá de improviso sobre ti, sem que saibas d’onde vem (1).

Eis-aqui, Senhor, um desses insensatos que tantas vezes perdeu a sua alma e a vossa graça, esperando readquiri-las. Ai! Que seria de mim, se me tivesseis deixado morrer em tal tempo, ou durante essas noites, que passei em estado de pecado? Agradeço à vossa misericórdia o ter esperado por mim, e ter-me feito conhecer o meu desvairamento. Vejo que quereis a minha salvação e quero salvar-me. Arrependo-me, bondade infinita, de Vos ter tantas vezes voltado as costas; amo-Vos de todo o coração e espero, pelos merecimentos da vossa Paixão, nunca mais ser tão insensato.

Ó meu Jesus, apressai-Vos a perdoar-me, recebei-me na vossa graça, já que não mais me quero afastar de Vós. Não quero sofrer a desgraça e a confusão de me ver no futuro privado da vossa graça e do vosso amor. Concedei-me a santa perseverança e fazei que sempre Vo-la peça; particularmente, quando for tentado, implorando então em meu auxílio o vosso santo Nome e o de vossa santa Mãe, dizendo: Meu Jesus, ajudai-me; Maria, minha Mãe, socorrei-me. Se a tentação persistir, concedei-me a graça de eu também persistir em vos invocar.

Referências:

(1) Is 47, 10

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 103-105)