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Necessidade de Purificar a Alma das Coisas Inúteis e Perigosas

O Teatro, por Henry Tenré
O Teatro, por Henry Tenré

Capítulo XXIII

Os jogos, os bailes, os festins, os teatros e tudo aquilo, enfim, que se pode chamar pompa do século, de si mesmos e de sua natureza não são de modo algum coisas más, mas sim indiferentes, que podem ser usadas tanto bem como mal. Contudo, sempre são coisas perigosas e mais ainda o é afeiçoar-se a elas. É por esta razão que te digo, Filotéia, que, embora não seja pecado um jogo comedido, uma dança modesta, vestir-se rica e elegantemente, sem ares de sensualidade, um teatro honesto tanto quanto a composição como quanto a representação, um bom jantar, sem intemperança, contudo, a afeição que se poderia adquirir a estas coisas seria inteiramente contrária a devoção, muito nociva a alma e de grande perigo para a salvação. Ah! Que grande perda encher o coração de tantas inclinações vãs e loucas, que o tornam insensível para as impressões da graça e de tal modo tomam posse dele que não lhe deixam nem energia nem gosto para as coisas sérias e santas!
Exatamente por isso no Antigo Testamento os nazarenos se abstinham não só de tudo o que podia embriagar, mas até das uvas e do agraço; não é que pensassem que uma uva ou outra os pudesse embriagar, mas assim faziam porque tinham medo de que, se comessem o agraço, sentissem o desejo das uvas e, se chupassem as uvas, fossem tentados a beber o vinho. Não digo, pois, que em ocasião alguma possamos usar de coisas perigosas, mas digo somente que nunca poderemos apegar nessas coisas o coração sem danos da devoção. Os veados, se engordam muito, retiram-se para as suas moitas, porque sentem que sua gordura lhes faria perder a agilidade, que é sua defesa, quando são perseguidos pelos caçadores; deste modo o homem, sobrecarregando o seu coração com estes afetos inúteis, supérfluos e perigosos, perde as boas disposições, necessárias para correr com ardor e facilidade pelas veredas da devoção. Os meninos correm todos os dias, até não poderem mais, atrás das borboletas, e ninguém acha nisso alguma coisa de inconveniente, porque são meninos; mas não é uma coisa ridícula e ao mesmo tempo deplorável ver homens racionais se darem afoitamente a bagatelas tão inúteis como aquelas de que falamos e que, além disso, os fazem correr perigo de pecar e se perder? Por isso, Filotéia, e porque a tua salvação me é tão cara, eu te declaro a necessidade de libertares o teu coração de todas estas inclinações; pois, ainda que os teus atos particulares não sejam sempre contrários a devoção, contudo, o afeiçoar-se e apegar-se a estas coisas lhe causam mui grandes danos.

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(SALES, São Francisco de. Filoteia ou a Introdução à Vida Devota. Editora Vozes, 8ª ed., 1958, p. 77-78)