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As Portas de Belém

Menino Jesus reclinado em uma Manjedoura

Reclinou-O numa Manjedoura

Dos arredores de Belém, onde contemplávamos os pastores, vamos passar neste capítulo para a cidade, a cidadezinha onde Maria e José chegaram buscando pousada. Ao olhar para eles, procuraremos fazer uma meditação que seja, ao mesmo tempo, uma contemplação e um exame de consciência pessoal, como que um pequeno retiro espiritual de preparação para o Natal.

Há uma coisa que vemos em todos os presépios: o lugar onde Jesus nasceu é desamparado, um pobre estábulo onde se recolhe o gado. Umas vezes, tem a aparência de uma gruta – assim deve ter sido na realidade – e outras, a de um telheiro ou galpão de adobe e tábuas, chão batido e palha.

A tradição do presépio é fiel ao Evangelho (Lc 2, 1-7), pois nele se diz que Maria e José chegaram a Belém para se recensear, e

estando eles ali, completaram-se os dias dela. E deu à luz seu filho primogênito e, envolvendo-o em faixas, reclinou-o numa manjedoura; porque não havia lugar para eles na estalagem.

Maria ia dar à luz e não achou uma só porta que se abrisse. Todas se fecharam.

José foi batendo numa, noutra, também na hospedaria atulhada de viajantes, e ninguém abriu. Todos disseram que não. Por isso, o nosso Deus teve que nascer no desamparo, num refúgio de animais, e o seu berço foi a manjedoura onde o gado come a palha e o feno.

Uma antiquíssima tradição – que se conserva carinhosamente até hoje – diz que o único calor que a Sagrada Família recebeu, na Noite de Natal, foi o bafo quentinho de um burro e de um boi. Depois, viria a companhia dos pastores que chegaram para adorar.

Portas Fechadas

Não havia lugar para eles…Todas as portas trancadas. Vale a pena meditarmos um pouco sobre isso, e pensar que há um fato real: Jesus continua a encontrar fechadas as portas de muitos corações. Perguntemo-nos como é que vai encontrar a nossa no Natal, uma vez que com certeza vai bater nela:

Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, eu entrarei na sua casa, e cearei com ele e ele comigo (Apoc 3, 20)

Todos nós, uma ou muitas vezes, já deixamos Nosso Senhor do lado de fora, quando veio bater com a sua graça. Por quê? Pode nos ajudar a fazer esse exame de consciência pensar – simbolicamente – que o ferrolho que tranca a porta do coração é sempre um não dito a Deus; assim como a chave de ouro que a abre é sempre um sim, como o que pronunciou Maria Santíssima no dia da Anunciação.

«Eu digo sim, ou digo não a Deus?»

Todos temos motivos para nos dirigirmos a Jesus e dizer-lhe:

«Jesus, eu te peço perdão porque muitas vezes tenho fechado a porta quando Tu batias nela; tenho passado o ferrolho do meu não»

Cada não a Deus é sempre um ato de egoísmo, algum tipo de falta de amor. Cada não é uma escolha que fazemos, colocando-nos a nós mesmos na frente de Deus. Dentro de cada não, esconde-se um inimigo do amor: o pecado. Afinal, pecar é recusar-se voluntariamente a amar como Deus quer que amemos.

Além disso, cada recusa tem um nome concreto, que é sempre algum destes pecados: orgulho, avareza, luxúria, ira, guia, inveja e preguiça. Trata-se, como sabe, dos sete pecados capitais, os sete ferrolhos que acabam trancando as portas.

Os Ferrolhos e as Chaves de Ouro

Dentre todos os ferrolhos, com certeza, a soberba, o orgulho, é o pior. Torna-nos convencidos, arrogantes, autossuficientes, vaidosos. Leva-nos a justificar todos os nossos erros e a não aceitar correções ou conselhos de ninguém. Leva-nos a criticar e a pôr as culpas de tudo nos outros. Faz-nos desprezar o modo de ser das outras pessoas. Enclausura- nos dentro de nós mesmos. Incha-nos de vaidade como um balão.

A chave de ouro que abre essa porta se chama humildade. Por isso, Jesus, o nosso Salvador, o Médico que no Natal vem curar-nos, começa por nos dar no Presépio um exemplo de humildade. Sendo Deus, faz-se pequeno, a última das criancinhas deste mundo.

Outras portas são trancadas pela avareza. A chave de ouro que as abre é a generosidade. A avareza – sabemos bem disso – é aquele egoísmo que nos faz agarrar-nos ao nosso tempo, aos nossos planos, ao nosso dinheiro, aos nossos gostos, que não queremos dar nem compartilhar com os outros. É o pecado do adjetivo possessivo, que fica sendo adjetivo obsessivo: meu, meu, meu.

Mas Jesus, que é Deus, quis nascer pobre, desprendido, dando tudo e dando-se todo, para assim curar também a nossa avareza. Jesus Menino só diz tu, tu, tu.

«É para ti e para a tua salvação que eu vim ao mundo»

A luxúria é outro pecado capital. Consiste na procura desordenada dos prazeres egoístas do sexo. E a chave de ouro que abre essa porta é a castidade, ou seja, a pureza do coração, dos olhos, da imaginação e do corpo; é o amor esponsal puro, belo, ardente e fiel: o amor que encontra o seu sentido pleno no sacramento do Matrimônio, a aliança santa que – com a bênção de Deus – faz de duas vidas uma só.

E o ponto alto da castidade – para aqueles a quem Nosso Senhor assim o pede – é o amor total que leva a dedicar alma, coração e corpo, a vida inteira, como Maria, ao serviço de Deus e dos irmãos no santo celibato.

Causa uma grande alegria pensar que Jesus quis vir ao mundo através da pureza cristalina de uma Mãe, que é a Santíssima Virgem Maria. E quis ser cuidado e ensinado por José, varão castíssimo e fiel.
Prossigamos vendo – sempre em clima de exame de consciência – outro pecado capital: a ira. A chave de ouro que escancara as portas que a ira trancou é a mansidão. Como faz mal a ira! Que mal se vive com uma pessoa irritada, violenta, agressiva ou carrancuda, que está sempre de mau humor!

No Natal vemos que a Sagrada Família foi desprezada, ficou abandonada no meio da rua, e não se irritou com ninguém. Neles tudo é paz. E Jesus, já desde o berço, diz, mesmo sem palavras:

Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis repouso para as vossas almas (Mt 11, 29)

E a temperança? Essa virtude é a chave de ouro para abrir a porta que a gula fechou. A gula! Os nossos abusos e desordens no comer, na bebida, na diversão, na televisão, na internet… E que dizer das drogas, que começam a tecer a sua teia de aranha peçonhenta com a desculpa de que é «só para experimentar»…? Depois, livrar-se da teia é uma luta gigantesca.

Jesus vive, desde o seu nascimento, uma vida sóbria, discreta, cheia de uma tranquila contenção. Ele é o contrário da voracidade de um consumista ou de um hedonista… Essas duas atitudes, tão comuns nos dias de hoje, são verdadeiras algemas que aprisionam a mente e o coração.

E que dizer da inveja? Eis outro pecado capital que tranca os corações. Deixa-os crispados, despeja neles fel e vinagre, desperta ódios e maledicências. Mas a caridade é a chave de ouro, e consiste em querer o bem de todos, colaborar positivamente para o bem de todos, quer se trate de amigos, quer de inimigos.

Não lembra como, na Paixão, Jesus ama até os que o torturam, o despojam de tudo e lhe tiram a vida, reza por eles, e lhes estende a mão para que se salvem?

Por fim, resta o sétimo ferrolho, o da preguiça, que não é um pecado tão inofensivo como parece. Quantas vezes os não que mais nos prejudicam e fazem mal aos outros procedem da preguiça, da falta de vontade de esforçar-nos, da falta de vontade de lutar, de ser responsáveis, de ser constantes, de sacrificar-nos.

Quantas omissões não há na nossa vida! Pois bem, a chave de ouro para abrir essa porta é a diligência, que significa o empenho por cumprir todos os nossos deveres com prontidão, ordem e acabamento, por amor.

Esse pequeno «retiro» que acabamos de sugerir pode tornar-se especialmente proveitoso às vésperas do Natal. Todos desejaríamos acolher Jesus Menino que vem de braços abertos. Peçamos perdão, destranquemos os ferrolhos e façamos girar as chaves de ouro. Sentiremos a alegria do arrependimento, da dor de não termos sabido amar a Deus e ao próximo como devíamos, acharemos a paz na Confissão, e nos prepararmos para que o Natal seja, para nós, um novo nascimento.

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