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As Epístolas do Cativeiro (II)

Lição 1: Epístola aos Colossenses

Cl e Ef são duas epístolas afins entre si, pois supõem a mesma problemática e a segunda parece ser a reedição ampliada e retocada da primeira. Estudemos cada qual de per si.

1.1. O fundo de cena geográfico

A cidade de Colossos ficava na Frigia, região montanhosa que, juntamente com Trôade, a Mísia, a Lídia e a Caria, constituía a província da Ásia pro consular. Em 133 a.C. os romanos adquiriram o domínio da região, por onde passava o rio Lico, banhando as cidades de Colossos (distante uns 200 km de Éfeso), Laodicéia e Hierápolis (distante de Colossos 16 e 20 km respectivamente). Colossos era originariamente notável centro comercial, que foi ofuscado por Laodicéia.

Os povos da Ásia Menor, especialmente os da Frigia, eram inteligentes e dotados de propensão filosófica; entregavam-se a indagações sobre o mundo e a natureza assim como ao estudo da religião. Entre os pensadores filhos da região, podem-se mencionar os filósofos jônicos e Heráclito; os cultos religiosos tinham seus rituais exuberantes e violentos, como os da deusa Cibelis e do deus Atis.

1.2. O fundo de cena cristão

Sabemos que Paulo por duas vezes evangelizou a Frigia: por ocasião da segunda viagem missionária (cf. At 16,6) e no fim da terceira expedição (cf. At 18,23). Todavia a comunidade cristã de Colossos foi fundada sem a intervenção direta de Paulo, como atesta a própria carta aos Colossenses (2,1: não conheciam Paulo pessoalmente). A sua origem se deve à prolongada permanência do
Apóstolo em Éfeso nos anos de 54-57, tempo durante o qual “todos os habitantes da Ásia, judeus e gregos, puderam ouvir a Palavra do Senhor” (At 19,10). Entre esses ouvintes, estavam certamente Epafrás (Cl 1,7) e Filemon (Fm 1), cidadãos colossenses, que, convertidos em Éfeso, se encarregaram de fundar a comunidade cristã de sua cidade; de modo especial, Epafrás parece ter sido o grande arauto da Palavra nas cidades de Colossos, Laodicéia e Hierápolis (cf. Cl 4,12-14).

É de notar ainda que a maioria dos fiéis de Colossos era de origem pagã (cf. Cl 2,13; 1,21.27), embora ainda devesse haver também judeus, que eram numerosos na Frigia.

1.3. A problemática suposta por Cl

A comunidade de Colossos, em seus primeiros anos, deve ter sido assaz fervorosa; além do que, nutria por Paulo afeto filial (cf. Cl 1,3-8). Todavia sobrevieram-lhe pregadores, portadores de doutrinas aberrantes, das quais se podem recolher alguns traços no texto de Cl: deviam disseminar um sincretismo religioso, composto de elementos judaicos, cristãos e pré-gnósticos¹, sincretismo que Paulo chamava “filosofia segundo a tradição dos homens… e não segundo Cristo” (Cl 2,8).

O fundo judaico e, ao mesmo tempo, pré-gnóstico (dualista) das novas doutrinas se percebe, por exemplo, em Cl 2,16.18: os fiéis deveriam abster-se de certos alimentos e bebidas; deviam observar novilúnios e sábados; em Cl 2,20s refere-se que esses pregadores proibiam “pegar, provar, tocar…” Transmitiam preceitos judaizantes, que São Paulo chama “tradição dos homens” (2,8.22; cf. Mc 7,5); incutiam provavelmente a circuncisão (cf. Cl 2,11).

Os novos mensageiros apregoavam também um exagerado culto aos anjos (2,18), que punha em perigo o próprio primado que a fé crista atribui a Cristo e que Paulo reafirma (tendo em vista precisamente a subordinação dos anjos) em Cl 1,15-20. Na mentalidade judaica os anjos eram os intermediários entre Deus e os homens, executores da justiça divina sobre a terra. Mais: os judeus os consideravam como prepostos aos astros, que com suas órbitas rígidas influíam na vida dos homens; em conseqüência, os anjos, tidos como regentes dos astros, eram tidos também como dotados de influência na vida dos homens – o que lhes merecia um culto de temor servil.

Os arautos intrusos preconizavam também ascese ou mortificação corporal, que, a quanto parece, se lhes tornava motivo de vã glória hipócrita; cf. Cl 2,23. Essa ascese levaria a visões extraordinárias e a conhecimento superior, à semelhança do que se pregava nas religiões dos mistérios de Cibelis e Atis; cf. Cl 2,18.

A pré-gnose, estabelecendo antítese entre o espírito (Deus) e a matéria (ou o mundo material), havia de favorecer o abusivo culto dos anjos, como intermediários entre Deus e a matéria. Os gnósticos chamavam esses intermediários eons; os eons eram emanações do Ser Supremo, que se tornavam tanto mais imperfeitos quanto mais distanciados dele; alguns gnósticos contavam até 365 emanações ou eons. Os eons enchem o espaço cósmico entre a Divindade, no alto, e a matéria em baixo; constituem o pléroma (= plenitude) e o reino da luz. Ora São Paulo, aludindo à plenitude em Cl 1,19 e ao reino da luz, em Cl 1,12s, faz eco a essas concepções, e mostra que a plenitude da vida, dos bens e das graças a que os homens possam aspirar, se acha contida em Cristo; Este enche a história e os espaços, pois é o Senhor de todas as criaturas visíveis e invisíveis (qualquer que seja o nome destas): “Nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis: Tronos, Soberanias, Principados, Autoridades… Nele aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude” (Cl 1,15-19). Cristo aparece assim como o único e suficiente Mediador, ao qual os anjos e os homens estão subordinados.

1.4. Conteúdo e mensagem de Cl

Paulo, prisioneiro em Roma (61-63), foi procurado por Epafrás, o apóstolo das comunidades do vale de Lico. Este mensageiro não tinha apenas boas novas a referir a Paulo, mas era também portador das notícias de males que afligiam a comunidade de Colossos (e, certamente, as das regiões vizinhas); aliás, os frígios eram dados à imaginação e a extravagantes experiências religiosas o que oferecia terreno muito propicio para a propagação das novas doutrinas.

Em vista dessas nuvens, Paulo quis escrever a epístola aos Colossenses, que seria levada por Tíquico e Onésimo juntamente com a epístola a Fílemon.

O teor de Cl visa a por em relevo o primado absoluto de Jesus Cristo. O Apóstolo, para melhor persuadir seus leitores, recorre a vocábulos da linguagem pré-gnóstica (Cristo é imagem de Deus, 1,15, Plenitude de Deus, 2,9, Plenitude, 2,10; 1,19); recorre também a conceitos técnicos do pensamento judaico (criação, salvação, perdão, Tronos, Soberanias, Principados, Autoridade…), em suma, utiliza 35 palavras que não ocorrem nos outros escritos paulinos. O Apóstolo quer apresentar Cristo como a Grande Resposta que os colossenses procuravam. O ponto alto da epístola é precisamente o hino cristológico apresentado em 1,15-20, onde se diz o seguinte:

Cristo é o PRIMEIRO e o ÚLTIMO, o Senhor absoluto no plano da criação (1,15). Ele é também o PRIMEIRO no plano da redenção como Salvador do mundo, cujo sangue reconcilia todas as criaturas entre si e com Deus (1,18).

É claro que a salvação oferecida por Cristo requer, da parte do cristão, ascese e renúncia ao velho homem; esta ascese, porém, é efeito da graça ou transbordamento da vida de Cristo lançada no cristão através do Batismo (cf. Cl 2,11s; 3,1-3.9s).

A Cristologia de Cl é certamente mais evoluída que a das epístolas anteriores; revela o pensamento de Paulo ainda mais perspicaz e amadurecido que em 1/2 Cor. Estas duas cartas já preparavam, de certo modo, Cl; cf. 1Cor8,5s; 10,4; 2Cor5,19. Ef é, por sua vez, a continuação de Cl.

Lição 2: A epístola aos Efésíos

2.1 Os destinatários

Éfeso era a capital da Ásia pro consular, cidade famosa, na qual se cultuava a deusa Artemis. Nessa cidade Paulo esteve no fim da segunda viagem missionária (cf. At 18,19-21) e, mais demoradamente, durante a terceira expedição apostólica (cf. At 19,1-20,1); obteve numerosos frutos de evangelização não só na capital, mas em toda a região vizinha; cf. At 19,10.18¬20. Isto tudo criou laços de profunda amizade de Paulo com os efésios, como se depreende de At 20,17-38.

Ora quem examina a carta aos Efésios, verifica que não se refere a fatos, pessoas e acontecimentos determinados, como as outras cartas; apresenta tom impessoal, a ponto de faltarem as habituais saudações dos numerosos colaboradores, como Timóteo e Aristarco, tão conhecidos aos efésios (cf. Aí 19,22-29; 1 Cor 4,17); também não se encontram saudações aos amigos residentes em Éfeso. Dir-se-ia mesmo que os destinatários só conheciam Paulo indiretamente ou por ter ouvido falar (cf. Ef 3,2-4;4,21). Em síntese, o texto de Ef dá a impressão de ser um tratado teológico, apresentado a leitores desconhecidos, sem polêmica nem intervenção em casos particulares, e não uma carta a discípulos muito amados.

Os críticos levantaram então a questão: terá sido Ef realmente uma carta enviada aos efésios? As dúvidas aumentam desde que se leve em conta que as palavras “em Éfeso” faltam em alguns manuscritos antigos de Ef, embora não em todos (ver Ef 1,1).

A problemática sugeriu diversas soluções, das quais a mais plausível é a seguinte: Ef é uma carta-circular, destinada não somente à capital da Ásia pro consular, mas a todas as cidades vizinhas; por isto faltam-lhe comunicações pessoais e alusões a circunstâncias locais. Terá prevalecido na tradição dos manuscritos o costume de mencionar “em Éfeso” no início da carta (1,1), porque Éfeso era a cidade mais importante da região. Assim se explicam tanto o caráter impessoal da carta como a notícia tradicional de que foi dirigida aos Efésios.

2.2. Autor e mensagem de Ef

1. Ciente dos perigos que ameaçavam a comunidade de Colossos, Paulo escreveu um tanto apressadamente a carta aos Colossenses; tentaria assim conter, de imediato, os erros dos falsos doutores. Com o passar do tempo, porém, o Apóstolo foi-se lembrando das comunidades que se haviam formado em toda a região da Ásia pro-consular e que corriam o mesmo perigo que a de Colossos. Em conseqüência, resolveu retomar o teor de Cl e desenvolvê-lo numa versão ampliada, sem caráter polêmico, mas, antes, em atitude contemplativa. Na carta- circular (Ef) assim oriunda, a Cristologia é explanada sem alusões a controvérsias e com ênfase mais acentuada sobre a Igreja como Corpo de Cristo (Ef 1,23; 4,12.16; 5,23.30), doutrina esta já esboçada em 1 Cor 12,27; Rm 12,15.

O tema de Rm, que encarava judeus e pagãos como pecadores, atingidos gratuitamente pela misericórdia do Salvador, é retomado em Ef 2,1-21: os dois povos se encontram em Cristo, e por Ele caminham para o Pai no Espírito Santo (2,18; cf. Rm 9-11). A Igreja está estritamente associada ao Espírito, a Cristo, ao Pai e aos sacramentos: “Há um só corpo e um só Espírito, um só Senhor, uma só fé, um só Deus e Pai de todos” (Ef 4,4s). Temos aqui o ponto alto de toda a eclesiologia paulina.

Mais precisamente, comparando entre si Cl e Ef, verifica-se o seguinte:

Cl tem apenas 30% de próprio, isto é, sem paralelos em Ef; esta possui 50% de exclusivamente seu. São passagens próprias de Cl: 1,15-20 (hino cristológico, talvez tirado da Liturgia antiga); 2,1-9.16-23 (polêmica contra os falsos pregadores) ; 3,1-4 (exortação a procurar as coisas do alto); 4,9 (saudações e encargos). Ef tem de exclusivamente seu: 1,3-14 (o grande prólogo de ação de graças); 2,1-10 (a vida nova em Cristo); 3,14-21 (oração para que os fiéis compreendam o mistério); 4,1-16 (exortação à unidade); 5,8-14 (exortação a caminhar na luz); 5,23-32 (o matrimônio inserido no mistério de Cristo e da Igreja) ; 6,10-17 (a armadura do cristão).

Nas seções comuns, não existe identidade absoluta de conteúdo, menos ainda de palavras.

2. É a “concórdia discorde” de Cl e Ef que leva alguns críticos a perguntar se ambas estas cartas são do Apóstolo Paulo. Há quem atribua Ef a um autor do tempo pós-paulino (século II ou, no mínimo, da década de 80); terá desenvolvido de maneira própria a temática de Cl, utilizando em Ef 30 palavras que não mais ocorrem em todo o Novo Testamento, e 83 palavras que não aparecem nas outras epístolas de São Paulo.

Esta hipótese relativamente recente não é compartilhada pela maioria dos exegetas católicos. Estes preferem guardar a tese de que Paulo é o autor de Cl e Ef; para a elaboração de Ef, o Apóstolo terá recorrido a um redator (não simples escriba, mas compositor de frases); assim se explicariam as particularidades de linguagem e estilo de Ef, como também as passagens de Ef 2,20; 3,5, em que o redator aparece. A sublimidade teológica de Ef dissuade bons críticos de considerá-la apenas como obra de um discípulo de Paulo; este no fim de sua atividade apostólica percebia cada vez melhor que um único e grande “mistério” dava sentido à sua aventura pessoal e à história da humanidade: na plenitude dos tempos, Deus Pai houve por bem “recapitular todas as coisas em Cristo, tanto as terrestres quanto as celestes” (cf. Ef 1,9s). Arrebatado pela contemplação desta verdade, Paulo explanou o mistério de Cristo-Cabeça, cujo corpo vai realizando seu crescimento no amor (cf. Ef 4,15s).

3. Como “jóia” do epistolário paulino e do Novo Testamento, ocorre o prólogo de Ef 1,3-14. Trata-se de um hino de ação de graças (eucharistia), que tem semelhança com os prefácios da Missa (Eucaristia). Consta de três estrofes, terminadas pelo mesmo refrão: “para louvor e glória da sua graça” (cf. 1,6.12.14). -A primeira estrofe (1,3-6a) conta a obra do Pai, que é de pré- escolher, pré-destinar em Cristo desde toda a eternidade; a segunda estrofe (1,6b-12) louva a obra do Filho, manifestada na plenitude dos tempos, quando Cristo quis recapitular (assumir em si, fazendo-se Cabeça) toda a história e todas as criaturas; a terceira estrofe (1,13-14) se volta para a ação do Espírito Santo, que é o selo (ou confirmação) das promessas e o penhor da nossa herança. – O Espírito é menos enfatizado no prólogo de Ef do que o Pai e o Filho, mas Ele ocorre em toda a trama da carta até o fim – o que bem significa que a vida cristã e essencialmente vida no Espírito; cf. 2,18.22; 3,16; 4,4.30; 5,18; 6,17.

Assim todo cristão encontrará em Ef rico alimento para a sua vida espiritual.


Referências:

(1) A gnose era uma corrente em que se mesclavam proposições da filosofia grega, da mística oriental e das Escrituras Sagradas. Expandiu-se sob diversas formas nos séculos II e III d.C., de modo que no século l (época de Cl) só podia haver os antecedentes da gnose ou a pré-gnose. Uma das características desta eram o dualismo ou a oposição entre o espírito (bom, santo) e a
matéria (má, pecaminosa).

Perguntas sobre as Epístolas do Cativeiro

1) Como foi fundada a comunidade de Colossos ?
2) Porque São Paulo quis escrever aos Colossenses ?
3) Quais as linhas principais da mensagem de Cl?
4) Quais os destinatários de Ef? Exponha o problema.
5) É discutida a questão do autor de Ef?
6) Quais as linhas doutrinárias de Ef?