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A Primeira Epístola aos Coríntios

Lição 1: Fundo de cena

Corinto ficava na Acaia, num istmo entre dois golfos – o Sarônico, com seu porto de Cêncreas no mar Egeu, e o Coríntio, com o porto de Lequem no mar Adriático. Esta posição geográfica assegurava a Corinto prosperidade material crescente, pois para lá afluíam viajantes, com suas mercadorias e seus sistemas de vida, provenientes de diversas partes do mundo. Em 27 a. C., César Augusto fez de Corinto a capital da província romana da Acaia (Grécia Meridional).

Os cultos pagãos praticados na cidade concorriam, juntamente com a riqueza e o bem-estar, para promover a devassidão moral. Das numerosas divindades cultuadas em Corinto, a que mais em voga se achava, era Venus ou Afrodite, em cujo templo se abrigavam mais de mil mulheres prostituídas; as festas desta deusa, cognominadas Pandemos (de todo o povo), provocavam a massa da população à luxúria mais grosseira.

A mentalidade de tal população só podia ser fútil. Mesmo os coríntios que se gabavam de sabedoria, só possuíam a sabedoria eclética, decadente, da sua época – estoicismo panteísta, cinismo, epicurismo materialista -, que, para os atenienses, havia tornado “absurda” a pregação de São Paulo (cf. At 17,18¬21.32s).

Ora a fundação de uma comunidade cristã em tal ambiente deu-se por ocasião da segunda viagem missionária de Paulo (cf. At 18,1-18). O Apóstolo chegou a Corinto depois de haver sido expulso sucessivamente de Filipos, Tessalônica, Beréia e Atenas. Paulo se encontrava só, em um contexto pouco favorável – o que o deixou assaz temeroso (cf. 1 Cor 2,3s). Corria o ano de 52.

Antes do mais, Paulo procurou apoio na colônia judaica, que era assaz numerosa em Corinto; entre esses judeus, encontrava-se o casal Áquila e Priscila, provavelmente já cristão, que exercia a profissão de curtidor como Paulo; ofereceu ao Apóstolo não somente hospedagem, mas também a possibilidade de trabalhar e ganhar o pão (coisa que São Paulo aceitou de bom ânimo, a fim de não se tornar pesado a nenhum de seus fiéis).

Consoante a sua tática, Paulo começou a pregar aos judeus. Converteram-se o chefe da sinagoga Crispo e companheiros, mas os judeus que não aceitavam o Evangelho, levaram Paulo ao tribunal do pro cônsul romano Galião, que não quis intervir, pois se tratava de questão religiosa judaica.

Passando aos gentios, Paulo conseguiu muitas conversões, principalmente entre as camadas humildes (At 18,8; 1 Cor 1,26-29). Foi mesmo reconfortado pelo Senhor em visão noturna(cf. At 18,9s).

Paulo deteve-se um ano e seis meses em Corinto, ou seja, até 52/3, seguindo depois para Éfeso. Depois de Paulo, esteve em Corinto um judeu, de nome Apolo, imbuído de cultura helenista e dotado de talentos de oratória que Paulo não possuía (cf. At 18,24-28; 1 Cor 1,17-25; 2,1-5; 3,1-4).

Nos anos seguintes as relações de Paulo com a comunidade de Corinto não cessaram. Principalmente na terceira viagem missionária, Paulo, deixando- se ficar três anos em Éfeso, deve ter tido freqüente intercâmbio com os coríntios.

Ora as notícias que chegavam de Corinto, não eram boas: davam-se freqüentes escândalos por causa da luxúria. Em conseqüência, Paulo resolveu intervir, escrevendo de Éfeso aos coríntios uma carta, datada de cerca de 55 e mencionada em 1Cor 5,9-11; tal missiva perdeu-se, de modo que só sabemos que o Apóstolo proibia aos fiéis tivessem comunhão com os cristãos impudicos.

Apesar da admoestação, a situação não melhorou. Alguns cristãos queriam desacreditar o Apóstolo aos olhos da comunidade, assegurando que Paulo intencionara proibir as relações com quaisquer fornicadores, avarentos ou idolatras, fossem pagãos, fossem batizados; isto tornaria impossível a vida social aos cristãos numa cidade corrupta como Corinto.

As preocupações do Apóstolo se agravaram quando familiares de uma rica senhora, chamada Cloé, de Corinto, chegaram a Éfeso, referindo a formação de partidos naquela cidade: o de Paulo (o pai espiritual), o de Apolo (o orador eloqüente), o de Pedro (judaizantes) e o de Cristo (libertinos). Estes partidos favoreciam disputas, em que a sutileza da dialética e a ostentação da sabedoria vaidosa tinham largas partes (cf. 1 Cor 1,11.17-25; 2,1-5; 3,3-9).

Outros mensageiros ainda falavam a Paulo de luxúria como não a praticavam os próprios pagãos (cf. 1Cor 5,1); referiam que os cristãos se acusavam mutuamente diante de tribunais pagãos (cf. 1Cor 6,1-6); as mulheres se comportavam imodestamente nas assembléias de culto (1Cor 11,5-10; 14,30); verificavam-se abusos na celebração da Eucaristia (cf. 1Cor 11,17-22).

Assim informado, Paulo primeiramente pediu a Apolo que fosse ele mesmo a Corinto, testemunhando a sua plena concórdia com Paulo – o que dissiparia o espírito partidário. Apolo, porém, declinou (cf. 1Cor 16,12). Por isto Paulo resolveu mandar o jovem Timóteo, que não estava envolvido nos litígios da comunidade (cf. 1Cor 4,17; 16,10). Todavia, após a partida de Timóteo, Paulo, tencionando fortalecer a autoridade do mesmo, houve por bem escrever pessoalmente aos coríntios. Assim se originou a 1Cor.

A redação deste escrito havia de consumir, durante várias semanas, os serões de Paulo e seu escriba Sóstenes (1,1). Ora parece que, quando estavam terminando o c. 4 (cf. 5,1: “ouve-se claramente dizer…”), novos emissários (Estefanaz, Fortunato e Acaico) chegaram de Corinto, trazendo uma carta em que várias questões eram apresentadas ao Apóstolo (cf. 16,17): matrimônio e virgindade (cf. 7,1), carnes imoladas aos ídolos (cf. 8,1), uso dos carismas (cf. 12, l ), ressurreição dos mortos (cf. 15,12.35). Todos estes pontos seriam abordados na carta, fazendo desta um dos documentos mais ricos do epistolário paulino.

Deve ter sido escrita poucos meses após a carta mencionada em 1Cor 5,9, pois supõe o equívoco ainda recente. Considerando-se 5,7 e 16,8, deve-se dizer:… redigida pouco antes da Páscoa de 56, três ou quatro anos depois que Paulo deixara Corinto. De 16,8 e 18 se depreende que foi escrita em Éfeso.

Lição 2: O conteúdo de 1Cor

A epístola apresenta duas partes bem distintas uma da outra:

1) repreensão dos defeitos;

2) respostas às questões.

Mais precisamente:

Introdução: 1,1-9 – saudação, ação de graças

l. Repreensão dos defeitos: 1,10-6,20

a) os partidos na comunidade: 1,10-4,21

A unidade da Igreja, cuja cabeça é um só, Cristo, exclui toda possibilidade de divisão: 1,10-16. Deus não quis que o Evangelho fosse pregado com os artifícios da oratória, embora contenha suma sabedoria, que Paulo não pôde revelar aos coríntios carnais (1,17-3,4). Os pregadores do Evangelho são ministros de Deus; por isto não devem ser preferidos uns aos outros (3,5-4,21).

b) Os abusos a reprimir: 5,1-6,20
Seja excomungado o pecador público da comunidade (5,1-13). Não sejam levados a tribunais pagãos os litígios entre cristãos (6,1-11). A fornicação é profanação do Corpo de Cristo e do templo do Espírito Santo (6,12-20).

II. Respostas às questões propostas: 7,1-15,58

a) Matrimônio e virgindade: 7,1-40

É licito o matrimônio (7,1-9). O matrimônio entre cristãos é indissolúvel. A união de parte cristã e parte pagã pode ser dissolvida sob certas condições (“privilégio paulino”): 7,10-24. A virgindade é dom especial de Deus, atitude que brota da consciência de que os valores definitivos começam no tempo (7,25-40).

b) Os idolotitos: 8,1-11,1

Em principio, é licito comer carnes imoladas aos ídolos, já que estes nada são. Todavia, se isto causa escândalo aos irmãos mais fracos, é preciso abster-se dos idolotitos (8,1-13). O próprio Paulo abstém-se do que lhe é lícito, não querendo receber dos fiéis nem mesmo o sustento cotidiano a que teria direito. Castiga o seu corpo, pois a abstinência é necessária para se vencerem as tentações como o demonstra a história mesma do povo de Deus (9,1-10,13). Solução de casos práticos (10,14-11,1).

c) As assembléias de culto: 11,2-34

Esta seção, por ser censura de abusos, melhor se encaixaria na parte 1. O véu das mulheres é sinal de reverência: 11,2-16. A ceia eucarística seja dignamente celebrada: 11,17-34.

d) Os carismas: 12, 1-14, 40

É necessário que haja diversos carismas, como num corpo é preciso que haja diversas funções: 12,1-31a. A caridade é o mais nobre dos dons de Deus, embora nem sempre aparatosa: 12,31b-13,13. Entre os demais carismas, o da profecia é preferível ao das línguas, pois é mais útil ao próximo: 14,1-40.

e) A ressurreição dos mortos: 15,1-58

Já que a ressurreição de Cristo é um fato, que os coríntios não negam, admitam conseqüentemente a ressurreição dos homens: 15,1-34. A maneira como se dará a ressurreição, é ilustrada por analogias da natureza: 15,35-58.

Epílogo: 16,1-24: normas e providências práticas.

Lição 3: A mensagem de 1Cor

1. Ao passo que, nos demais escritos. São Paulo geralmente tratava de uma só doutrina, em 1Cor ele explana com profundidade assuntos muito variados, estabelecendo princípios básicos para os diversos tratados teológicos, lançando mesmo os rudimentos do Direito eclesiástico (1Cor 5,3-5). Esta variedade de temas é a imagem viva de uma comunidade importante da Igreja nascente e dá à 1Cor o caráter de “enciclopédia paulina”.

2. Ao passo que em 1/2Ts São Paulo se voltava para o Cristo vindouro e os problemas da parusia, em 1Cor (assim como em Gl, 2Cor, Rm) o Apóstolo manifesta a consciência de que o Cristo está presente e vive nos membros da sua Igreja. Esta doutrina, perpassando os diversos temas de 1Cor à semelhança de linha-mestra, confere a esta carta uma unidade superior muito bela. Observemo-lo de mais perto:

As facções são condenadas pela razão de que Cristo é um só; cabeça e corpo constituem uma comunhão de vida, na qual não se pode admitir divisão sem que haja morte (1,13).

A sabedoria de Deus, que Paulo opõe à sabedoria deste mundo, encarnou-se no Cristo Jesus, que foi crucificado. Este aspecto paradoxal da sabedoria divina, reflete-se nos membros da comunidade coríntia, que, aos olhos dos sábios da terra, são desprezíveis, mas possuem bens indizíveis (1,18-31).

Os Apóstolos são cooperadores de Deus (3,9), ministros pelos quais Cristo age (4,1).

A pureza moral decorre do fato de que o cristão é membro de Cristo, constitui um só espírito com Cristo à semelhança de esposo e esposa, que entre si constituem uma só carne (6,15-17). É por isto que os cristãos devem fazer do seu corpo o reflexo da glória de Deus, que neles habita (6,19s).

No lar em que nem todos são cristãos, a parte fiel santifica a parte não cristã e os filhos (7,14). A virgindade é preferível ao matrimônio porque permite mais íntima aplicação às coisas do Senhor (7,32-35).

Quanto aos idolotitos, há cristãos de consciência fraca que se escandalizam quando vêem seus irmãos comer de tais carnes. Por isto os mais esclarecidos devem renunciar aos seus direitos, quando necessário, a fim de não causar dano aos pequeninos, pois também por estes morreu Cristo, e ofender a consciência destes seria ofender ao próprio Cristo (8,4.11-13).

As reuniões de culto merecem o máximo respeito, pois então é a vida do Pai que, através do Cristo, se comunica ao homem e à mulher (11,2-16).

Também a diversidade de dons é explicada e regrada dentro da perspectiva do Corpo de Cristo; as múltiplas atribuições devem-se adaptar umas às outras para preencherem sua finalidade: o maior bem do Corpo (12,1-31; 14,1-40). Neste contexto, a caridade, que congrega todos na unidade, aparece como o dom por excelência (13,1 -13).

A ressurreição dos mortos era odiosa aos gregos, que só conheciam o corpo como cárcere da alma. S. Paulo afirma que, se Cristo ressuscitou (e disto os coríntios não duvidam), não pode haver dúvida de que os membros do seu Corpo Místico ressuscitarão com Ele para uma vida gloriosa como a do próprio Senhor ressuscitado (15,1-58).


Perguntas sobre a Primeira Epístola aos Coríntios

1) Qual era o ambiente humano da cidade de Corinto?
2) Como e quando Paulo ai fundou a comunidade cristã?
3) Quais os antecedentes próximos de 1Cor?
4) Escolha três temas que lhe parecem mais importantes em 1Cor e desenvolva-os à luz do pensamento paulino.
5) Qual a característica dominante da mensagem de 1Cor?
6) Mostre em três seções da carta a importância da doutrina do Corpo de Cristo, com multiplicidade de membros dentro da unidade do conjunto.