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Amor de Deus em fazer-se homem

verbo deus

Verbum caro factum est, et habitavit in nobis – “O Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1, 14)

Sumário. Que se havia de dizer, se um príncipe, por compaixão de um verme morto, quisesse tornar-se verme, e fazendo um banho de seu sangue, morresse para restituir o verme à vida? Mais porém do que isso fez por nós o Verbo Eterno, que, sendo Deus, quis fazer-se homem como nós e morrer por nós, a fim de nos merecer a vida da graça divina que tínhamos perdido. Apesar disso, quão poucos são os que se Lhe mostram gratos! Do número destes poucos sejamos também nós.

I. Consideremos o amor imenso que Deus nos mostrou fazendo-se homem, para nos adquirir a salvação eterna. Adão, nosso primeiro pai, peca, e por se ter rebelado contra Deus, é expulso do paraíso e condenado, com todos os seus descendentes, à morte eterna. Eis, porém, que o Filho de Deus, vendo o homem perdido e querendo livrá-lo da morte, se oferece a tomar a natureza humana e morrer justiçado sobre uma cruz. Mas — assim se me afigura que Lhe dissesse então o Pai — mas, meu Filho, reflete que na terra terás de levar uma vida humilde e penosa. Deverás nascer numa gruta fria e serás posto numa manjedoura. Ainda criança, terás de fugir par ao Egito a fim de te livrares das mãos de Herodes. De volta do Egito terás de viver numa oficina como humilde aprendiz, pobre e desprezado. Finalmente, perderás a vida sobre uma cruz, à força de dores, coberto de opróbrios e abandonado de todos. — Meu Pai, responde o Filho, não importa, aceito tudo, com tanto que o homem seja salvo.

Que se havia de dizer, se jamais um príncipe, por compaixão de um verme morto, quisesse fazer-se verme, e fazendo um banho de seu sangue, morresse a fim de restituir a vida ao verme? — Pois, mais do que isso fez por nós o Verbo Eterno, que, sendo Deus, quis fazer-se verme como nós e morrer por nós, a fim de nos fazer recuperar a vida da divina graça que tínhamos perdido. — Vendo que os muitos dons a nós concedidos não bastaram para Lhe granjear o nosso amor, que fez? Ele se fez homem e se deu todo a nós.

Verbum caro factum est, et tradidit semetipsum pro nobis — “O Verbo se fez carne, e se entregou a si mesmo por nós”

O homem, diz São Fulgêncio, afastou-se de Deus, porque o desprezou; mas Deus, pelo amor que tem ao homem, desceu do céu para procurá-lo. E para que desceu? Para que o homem conhecesse quanto Deus o amava, e assim se resolvesse a amá-Lo ao menos por gratidão. Os irracionais que se chegam a nós, se fazem amar; e porque somos tão ingratos para com Deus que do céu baixou à terra, para se fazer amar?

II. Quando certo dia um sacerdote dizia esta palavra da Missa: Et Verbum caro factum est — “E o Verbo se fez carne”, um dos assistentes deixou de fazer ato de reverência, pelo que o demônio lhe deu uma forte bofetada, dizendo:

“Ah ingrato! Se Deus tivera feito por mim o que fez por ti, estaria continuamente com o rosto em terra para lhe dar graças”

Ó grande Filho de Deus, Vós Vos fizestes homem para Vos fazer amar pelos homens; mas qual é o amor que os homens Vos têm? Vós sacrificastes o vosso sangue e a vossa vida pela salvação das nossas almas: porque é que Vos somos tão pouco reconhecidos, que, em vez de Vos amar, Vos desprezamos com tamanha ingratidão? — E eu, Senhor, quiçá mais do que os outros, Vos ofendi assim. A vossa Paixão é a minha esperança. Suplico-Vos pelo amor que Vos fez tomar a natureza humana e morrer por mim sobre a cruz, que me perdoeis todas as ofensas que Vos fiz. Amo-Vos, ó Verbo incarnado, amo-Vos, ó Bondade infinita. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas. Arrependo-me de todos os desgostos que Vos causei, e quisera morrer de dor. Ó meu Jesus, dai-me o vosso amor, não permitais que ainda viva ingrato ao afeto que me haveis mostrado. Quero amar-Vos sempre. Dai-me a santa perseverança.

— Ó Maria, Mãe de Deus e minha Mãe, alcançai-me do vosso Filho a graça de amá-Lo sempre até à morte.

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(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 237-239)