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A Aurora do Natal: Maria

Virgem Maria: Aurora do Natal

O raiar da antemanhã

Depois de uma noite escura de séculos, um dia surgiu sobre o mundo a luz de um novo amanhecer: apareceu Maria, criatura em quem se refletia sem sombras a imagem de Deus, pois foi concebida livre da mancha do pecado original.

Quem é esta que avança como a aurora que desponta? – pergunta a Liturgia, com palavras do Cântico dos Cânticos (6, 10), e responde que é a Virgem Maria, preparada por Deus desde toda a eternidade para ser a digna Mãe do seu Filho, a aurora do Sol nascente, que é Cristo (Lc 1, 78).

Há uma oração em honra de Nossa Senhora, que reza assim: «A maternidade de Maria foi a aurora da Salvação». E o Bem-aventurado Paulo VI, comentando essa frase poética, dizia:

O aparecimento de Nossa Senhora no mundo foi como a chegada da aurora que precede a luz da salvação, que é Cristo Jesus. Foi como o abrir-se sobre a terra, toda coberta pela lama do pecado, da mais bela flor que jamais tenha desabrochado no vasto jardim da humanidade. (Homilia, 08.09.1964)

A mais bela flor, deu o mais belo fruto: o Salvador. Mil vezes repetimos, ao rezar a Ave Maria:

«Bendito seja o fruto do vosso ventre, Jesus»

A Encarnação do Filho de Deus no seio da Virgem foi o início do Natal, a sua alvorada. Jesus, recém-concebido, já começava a ser, presente em sua mãe, o Emanuel, Deus conosco (Mt 1, 23).

Como o Natal começou?

O mistério do Natal teve início no dia da Anunciação. «O anjo do Senhor anunciou a Maria, e ela concebeu do Espírito Santo», evocamos na hora do Ângelus.

São Lucas descreve esse mistério (Lc 1, 26 e seg.) com as seguintes palavras:

O anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi, e o nome da virgem era Maria. Entrando, o anjo disse-lhe: «Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo»

A donzela de Nazaré ficou perturbada com a aparição e a inusitada saudação:

Não temas, Maria – tranquilizou-a o anjo – pois encontraste graça diante de Deus. Hás de conceber no teu seio e darás à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e se chamará Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim.

Maria serena-se. E o anjo fica aguardando a sua resposta. Será que percebemos o que acontece aí? Deus nunca «impõe»: só pede, convida. É impressionante verificar, nessa cena, que o Céu inteiro está pendente da resposta livre de uma menina. Porque Deus ama e respeita a nossa liberdade, esse grande dom que Ele nos concedeu e que podemos usar para bem ou para mal.

Lembro a história de um universitário asiático recém-convertido, que no mês de Maio acompanhou vários colegas numa romaria a um santuário dedicado à Virgem. Chegando perto da igreja, os sinos bateram o toque do Ângelus, pois era meio-dia. Pararam para rezar: O Anjo do Senhor anunciou a Maria… Sem pensar, escapou do moço esta exclamação espontânea: «Se Maria tivesse dito não!» Tão grande era a felicidade do seu recente encontro com Cristo que sentia arrepios só de imaginar o que teria acontecido caso Maria tivesse dito não.

Mas ela respondeu «sim». Não foi uma resposta precipitada ou irrefletida. Seu «sim» foi o próprio de um coração enamorado de Deus, e encerra muito mais riqueza do que à primeira vista aparece. Esse «sim», sobre o qual vamos meditar a seguir, desdobra-se em duas palavras: «Como?» e «Faça-se». Vale a pena descobrir o que significam.

Como se fará isso?

Maria perguntou ao anjo: «Como se fará isso, pois não conheço homem?»

Por que essa pergunta? Na verdade, só se pode entender tendo presente que – como bem sabemos os cristãos – Maria tinha consagrado a Deus todo o seu ser: o corpo e a alma. O corpo era um templo reservado virginalmente para Deus; e também a alma, sem mancha de pecado, estava entregue sem reservas nas mãos do Senhor.

Assim se compreende que a Virgem quisesse saber como se fará isso, pois era muito difícil entender que Deus a quisesse virgem e mãe ao mesmo tempo. Humanamente, era impossível.

Quando conhecemos a vida de Nossa Senhora, percebemos que ela perguntou «como» não só porque o pedido de Deus parecia uma contradição insolúvel, mas porque desejava acima de tudo cumprir, da maneira mais perfeita possível, a vontade de Deus. Era como se pensasse:

«Deus me pede isso, que eu acho impossível, mas, por mais que eu não o entenda, eu só quero fazer o que Ele me pedir. Por isso, apesar de não ver “como” será possível, sei que Deus me esclarecerá e me dará as graças necessárias para que o realize»

Como nós respondemos a Deus?

O «como» de Maria foi uma pergunta de amor. E os nossos «como», o que são? Infelizmente, muitas vezes usamos essa palavra com uma intenção contrária à de Maria, como uma maneira de dizer «não».

A experiência cotidiana nos mostra numerosas ocasiões em que perguntamos «como» só para tirar o corpo, desculpar-nos e omitir-nos, porque era difícil fazer o que nos era pedido e não queríamos assumir.

Quantas vezes o nosso «como» vira um «não»! Por exemplo, pensemos na pessoa a quem Deus pede que dedique um pouco mais de tempo à oração, à Comunhão mais frequente, à formação religiosa, ou a colaborar com uma obra de caridade em favor dos necessitados, e responde:

«Como? Como é que posso fazer isso, se não tenho tempo e, sobretudo (deveria acrescentar, para ser sincero), se não tenho vontade?»

Outro exemplo:

O caso da esposa que pede ao marido que converse mais com um dos filhos, o mais difícil, e ele se esquiva dizendo: «Como?» Um «como?» que ele mesmo tenta em vão explicar gaguejando:

«Mas como vou fazer isso, se já tentei, se o garoto não me escuta, se, além do mais, você já sabe que não tenho jeito para essas coisas…»

Maria nos ensina que a boa maneira de perguntar é a das almas generosas, dispostas como ela a acolher tudo o que Deus pede e o próximo precisa.

As palavras esclarecedoras da resposta do anjo, que lemos no Evangelho, encheram Maria de paz:

O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo que vai nascer de ti se chamará Filho de Deus. Também a tua parente Isabel – acrescentou – concebeu um filho na sua velhice e está já no sexto mês, ela a quem chamavam estéril, porque nada é impossível a Deus.

Imediatamente, sem um átimo de hesitação, Maria respondeu: Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra. Era o seu «sim» total.

O segundo «sim»: «Faça-se!»

Ao perguntar «como?», Maria fez um primeiro ato de amor. E, ao dizer depois «Eis a escrava, faça-se», completou-o.

Na nossa vida cristã, nós deveremos seguir, ordinariamente, esses dois passos da correspondência da Virgem. Deveremos começar pelo «como», quando Deus nos pedir o que nos custa dar ou o que no momento nos parece absurdo. «Como posso corresponder melhor a esse amor que Deus me pede agora, e que não compreendo, que acho impossível?»; «Que propósitos, que planos, que propósitos deveria fazer?». A alma sincera faz oração e pede conselho e, uma vez esclarecida a dúvida, deve dar o segundo passo: o «sim» total:

«Eis aqui a serva, eis o servo do Senhor, estou disposto a colaborar sinceramente com o que Deus quer que seja feito na minha vida, sem me poupar, sem contornar a vontade do Senhor, confiando na ajuda dele»

Não é fácil. É fácil dizer um «não», ou dizer um «sim» cheio de reservas e condições. Com que facilidade falamos: «Farei isso se eu me sentir bem, se tiver vontade, se não exigir muita renúncia.

Quantas condições colocamos!

«Vou dar isso a Deus, se Ele me conceder o que lhe peço» (comércio!); «Vou ser amável com os outros, lá em casa, se os outros forem amáveis comigo…»

E, além disso, basta que apareçam dificuldades para transformarmos o «sim» já dado em um «não». Maria contemplava as dificuldades como apelos de Deus, que a convidavam a uma entrega ainda mais forte: a ter mais amor, a ser mais generosa do que antes, mais humilde, mais desprendida, mais sacrificada, mais caridosa, mais compreensiva. Tinha a plena confiança de que Deus – que a chamava – não deixaria de ajudá-la.

Foi assim a vida inteira. Nunca deixou de se dar com alegria, quer as circunstâncias fossem fáceis, quer fossem difíceis. Manteve o seu «sim» sem interrupção, desde o dia da Anunciação até o momento em que, ao pé da Cruz, abraçou o sacrifício redentor de seu Filho.
No mesmo instante em que Maria disse «faça-se», o Verbo se fez carne em seu seio, e habitou entre nós (Jo 1, 14). Deus se fez homem. O Natal começou a existir.

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