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Do silêncio de Jesus no meio dos desprezos, das afrontas e dos sofrimentos

cristo carregando cruz

Capítulo XXVIII

Et quasi agnus coram tondente se obmutescet, et non aperiet os sum – “Semelhantemente a um cordeiro que se conserva mudo diante do tosqueador, não abrirá a sua boca.” (Is 53, 7)

Já falíamos do silencio de Jesus no meio dos seus sofrimentos; mas é tão tocante ver este inocente Cordeiro opondo ao furor dos seus inimigos uma doçura e uma paciência tão incomparáveis, que mais uma vez imos deter-nos alguns instantes em considerar este espetáculo.
Comecemos pelo ver em casa de Caifás: na presença deste pontífice é acusado de inúmeros crimes; mas ele guarda silencio: Jesus autem tacebat. Em casa de Herodes enchem-no de desprezos; ele sofre tudo sem dizer uma só palavra. Fazem-no sofrer uma cruel flagelação: não reclama contra a injustiça deste castigo. Os algozes em seu furor excedem muito o numero dos golpes prescritos pela lei: ele não se queixa.

Os soldados, provavelmente sem ordem de Pilatos, e tão somente para satisfazer a sua brutalidade insolente, entrançam uma coroa de espinhos longos e agudos, sobrecarregam-no de golpes, cobrem-no de escarros: sempre o mesmo silencio. Ordenam-lhe que tome sobre os seus ombros uma cruz pesada, desigual, e cujo cumprimento era, segundo referem São Boaventura e São Anselmo, de quinze pés: obedece imediatamente e sem abrir a boca. Não se queixa nem da sua fraqueza, nem do peso do madeiro, nem da longitude do caminho; não, a si mesmo impõe a cruz, e se dirige para o Calvário. Muitas vezes durante o trajeto sucumbe ao peso: não importa; levanta-se o melhor que pode, carrega a sua cruz, e contínua a caminhar… Que admiráveis lições para mim! Ai! Se acontece ter de sofrer alguma doença, um simples mal estar, queixo-me a todo o mundo. Uma desgraça que sinta, um insulto que receba, devo ir desabafar, lastimando-me e murmurando talvez contra o céu!… Ai! Que longe está o meu proceder do de meu Mestre!… Ó Cordeiro de Deus! Dai-me a graça de imitar os vossos exemplos, força para guardar silencio, por amor de vós, no meio dos desprezos, das calunias, das injurias e maus tratos; fazei-me a graça de tudo suportar com uma paciência igual à vossa.

— Meu filho, o melhor que tens a fazer quando te sobrevém alguma das mil contradições de que está cheia esta vida mortal, “é possuir tua alma na paciência”. Quando se impacienta, a alma sai fora de si mesma; ao passo que quando sem murmúrio se submete a tudo o que permito, possui-se em paz e possui a mim mesmo. Impacientar-se é querer o que não se tem ou não querer o que se tem. Uma alma impaciente é uma alma entregue à sua paixão, que nem a razão nem a fé contém. Que fraqueza! Que cegueira! Tanto que se quer o mal que se sofre, deixa ele de ser mal; para que converte-lo em verdadeiro mal, cessando de o querer? Diz Fénelon. Nunca esqueças estas palavras que outrora dirigi aos meus apóstolos, e que a ti agora dirijo:

“Em verdade, em verdade vos digo: vós chorareis e gemereis… mas a vossa tristeza se verterá em alegria”

Sim, meu filho, as aflições são na terra quinhão dos meus eleitos, mas é bela a sua recompensa.

— Senhor, eu já vos disse, e parece-me estar disposto a tudo sofrer por vosso amor; mas como é que experimento ainda assim uma repugnância tamanha?

— Meu filho, se com resignação e sem te lastimar aceitas todas as aflições qual te envio, não te tornam culpável nem menos resignado essas repugnâncias; são um efeito da fraqueza da tua natureza, e deves humilhar-te, mas de modo algum perturbar-te ou penalizar-te. Sofre com paciência e com calma os desprezos, as humilhações, as doenças e a própria morte; deste modo me provarás o teu reconhecimento e o teu amor.

— Ó Jesus! Misericordioso Jesus! Bem pouco vos amei até ao presente; sim, meu Deus, bem pouco e mal vos amei! mas agora quero amar-vos de todo o meu coração, quero amar-vos sempre. Ai! Outrora estava cego por minhas paixões; hoje a vossa misericórdia abriu-me os olhos e me esclareceu. Fizestes-me conhecer a grandeza do mal que fiz abandonando-vos covardemente; fizestes-me compreender que sois digno de um amor infinito, por causa da vossa bondade e do amor que nos testemunhastes. Arrependo-me, pois, agora de todo o meu coração de vos haver ofendido, e vos amo mais que a todo o mundo. Ó chagas! Ó sangue do meu Redentor! Vós, que tendes abrasado de amor tantas almas santas, abrasai também desse fogo sagrado a minha pobre alma. Ah! Meu Jesus! Concedei-me a graça de pensar sempre na vossa paixão, nas penas e ignomínias que por mim sofrestes, afim que desprenda as minhas afeições dos bens da terra, e que todas ponha em vós, que sois o meu único e infinito bem. Amo-vos, ó Cordeiro de Deus sobre a cruz imolado por nosso amor. Não recusastes sofrer por mim; da minha parte também não recuso sofrer por vós tudo o que me enviardes. Não quero queixar-me das cruzes que me enviardes; ai! Como posso eu lastimar-me de sofrer, eu que há tantos anos devera estar no inferno? Concedei-me a graça de vos amar, e fazei em seguida de mim o que vos aprouver. Ah! Quem poderá separar-me da caridade de Jesus Cristo? Ó meu Jesus, só o pecado de vosso amor me separará; não permitais, eu vos rogo instantemente, que me aconteça uma tal desgraça. Antes morrer, antes mil vezes morrer que ver-me de vós separado pelo pecado mortal! Esta graça vos peço em nome de vossa paixão; e vós, ó Maria! Em nome de vossas dores vos suplico, livrai-me da morte do pecado. Assim seja.

RESOLUÇÕES PRÁTICAS

Hoje, meu caro Teótimo, aprende no exemplo de Jesus Cristo a guardar uma profunda paz, uma inalterável serenidade no meio dos desprezos, das contradições e maus tratos, porque onde se acha a paz, ai vem Deus estabelecer sua morada. Se queres que fique contigo, não deixes entrar em tua alma a tribulação. Quando te sentires assaltado dalguma violenta tentação, quando dentro de ti sentires a guerra das paixões, quando vires as tuas faltas, as tuas imperfeições, recaídas, infidelidades, misérias, não te deixes cair no descoroçoamento ou inquietação, mas lança com toda a simplicidade um olhar cheio de amor sobre Jesus crucificado e pede-lhe que estabeleça em ti essa paz que só ele pode dar. Não te abandones ao mau humor quando te fazem esperar por muito tempo, te contradizem, te obrigam a repetir muitas vezes uma mesma coisa, ou executam mal as tuas ordens; mas guarda sempre a mesma doçura e a mesma paz da alma. Nas doenças, humilhações, perda de bens, desgraça imprevista, nunca te abandone esta calma profunda; para isto pensa que Deus, que sem cessar vela por ti, não permitiu todas estas coisas senão para teu maior proveito. Sobre tudo, Teótimo, conserva cuidadosamente essa doce paz que é o apanágio dos filhos de Deus, no meio das desolações e penas interiores, dos desgostos, das securas, das tentações da tristeza, da melancolia, da desconfiança, da misericórdia de Deus; conserva-a no meio das cruzes mais penáveis, das aflições mais angustiáveis. Oh! Que belo espetáculo não é o de um servo de Deus que em todas as ocorrências da vida parece sempre o mesmo, doce, sereno, pacifico, perfeitamente submisso à vontade daquele que dirige tudo! Se o louvam, seu coração não se incha; se lhe ralham, promete fazer melhor; se o desprezam, humilha-se; e se o insultam sofre em silencio e perdoa. Sempre a paz no coração; brilha em sua fronte e em toda a sua pessoa, e muitas vezes a sua só presença, uma simples palavra da sua boca bastam para consolar uma alma aflita e restituir-lhe a paz que há muito tempo perdera. Trabalha, pois, meu caro Teótimo, por adquirir esta paz tão desejável. Pede-a a Nosso Senhor e toma o santo habito de te submeteres a tudo o que suceder, dizendo: Deus u quer ou permite, ele tem em seus desígnios; seja bendito o seu santo nome.

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(Pinnard, Abade Dom. As Chamas do Amor de Jesus ou provas do ardente amor que Jesus nos tem testemunhado na obra da nossa redenção. Traduzido pelo Rev. Padre Silva, 1923, p. 207-211)