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Do amor que Deus nos testemunhou em nos dar o seu único Filho

santo sacrificio deus entrega seu filho por amor

Capítulo II

Sic Deus dilexit mundum, ut Filium suum unigenitum daret – “Deus por modo tal amou o mundo, que lhe deu o seu unigênito Filho” (Jo 3, 16)

Oh! Quão profundo é o sentido da partícula sic, de tal modo! Significa esta pequena palavra o que nunca poderemos compreender; significa a grandeza do amor que levou Deus a dar-nos, não um servo, não um anjo, mas o seu próprio Filho, e a condenar à morte esse Filho inocente pelo homem culpável. Ah! Quem assim nos podia fazer um dom de valor infinito, senão um Deus, cujo amor não conhece limites? Oh! Quanto não devemos bendizer tal ternura do nosso Deus! Estávamos pelo pecado mortos à vida da graça, e Jesus por sua morte ressuscitou-nos; estávamos miseráveis, hediondos e abomináveis, e Deus por meio de Jesus Cristo, nos “tornou belos e caros a seus olhos“. Mas não foi só libertar-nos do pecado, “também nos encheu em Jesus Cristo de toda a sorte de bens espirituais para o céu. Ó maravilhosa condescendência da ternura do nosso Deus!” exclamas nos transportes de sua admiração a Igreja; “ó caridade incompreensível! Por libertar o escravo, entregar o seu único Filho!”

Procuremos compenetrar-nos bem do sentido destas palavras:

“Deus, o seu único Filho”

E não é aos anjos que Jesus Cristo é dado, não é por eles que se fez homem e nasceu de uma Virgem sem mácula: não é; mas sim a nós, a nós, filhos de Adão, é que foi concedida dádiva tão preciosa. Nobis datus, nobis natus ex intacta Virgine: a nós foi dado, para nós foi nascido de uma Virgem imaculada, canta a Santa Igreja. A nós é que Jesus Cristo foi dado, a nós pertence pois; nele e com ele infinitos bens e tesouros possuímos. Mas ai! Que nós nem sequer conhecemos o dom que nos fez Deus, em nos dar seu Filho! Tão pouco pensamos nos bens que tiramos da Incarnação do Verbo. É tal grandeza de seus benefícios, que devemos em certo modo regozijar-nos da falta de Adão. Em verdade muito mais nos deu Jesus Cristo do que nos tirou Adão: ganhamos pela redenção mais do que perdemos pelo pecado, “e a graça“, diz São Paulo, “não foi medida segundo o crime“. Assim toda enlevada do rapto do seu zelo e reconhecimento, a Igreja brada:

“Ó culpa feliz, que merecestes ter um tal Reparador! Ó feliz e necessário pecado de Adão que fostes apagado pela morte de Jesus Cristo!”

“Ah! Se souberas”, dizia o nosso Salvador à Samaritana, “se souberas do dom de Deus! Se soubesses quem é que te diz: Dá-me de beber!…”. Ó alma minha! A ti é que se dirigem estas palavras. Se tu souberas quem é Jesus, se conheceras quem é o bom Jesus, compreenderias a extensão do amor que impeliu Deus a dar-t’o, saberias quanto por sua incarnação te mereceu, cairias na conta de quanto amor, quanto reconhecimento deves a quem te fez dom tão excelente!

“Senhor, dizia Santo Agostinho, quem é ingrato no tocante ao benefício da criação, merece o inferno, porém para o ingrato ao da redenção novo inferno seria preciso”

Do Padre Avila se conta que quando alguém, reconhecido de algum benefício especial que Deus recebera, se admirava da bondade divina, dizia:

“Não é por isso que a devemos admirar; mas sim por ter Deus amado o mundo até lhe dar o seu único Filho”

Ó Pai Eterno! Agradeço-vos o terdes-me dado o vosso Filho como Redentor. Divino Filho, agradeço-vos o haverdes-me resgatado com tanto amor e à custa de tantas dores. O que seria de mim, Jesus meu, o que seria de mim, depois de tantos pecados de que me hei manchado, se não tivesses morrido por mim?

“Ai o número dos pecados excede já muito o dos cabelos da minha cabeça”

Tanto tempo vai já que só para ultrajar-vos vivo! Ah!

“Para que se prolongou tanto o meu exílio sobre a terra?”

Porque não exalei eu o meu último suspiro ao sair das águas do batismo? Porque não morri antes de ofender-vos? Gemidos inúteis! O mal está feito. Dai-me, Salvador meu, eu vos suplico, dai-me uma parte dessa aversão que ao pecado tivestes durante vossa vida morta, e perdoai-me. Mas perdão só não me basta; eu também quero o vosso amor, pois mereceis ser infinitamente amado; dignai-vos por tanto conceder-m’o igualmente.

Até a morte me amastes vós, Senhor; até morrer também quero eu amar-vos. De toda a minha alma vos amo, ó infinita bondade; amo-vos mais do que a mim mesmo, e todos os afetos do meu coração só em vós quero por. Ah! Ajudai-me, e não permitais que eu torne a ser ingrato como até aqui. Fazei-me conhecer o que de mim quereis, porque resolvido estou, mediante a vossa graça, a fazer tudo absolutamente tudo o que quiserdes. Sim, querido Jesus meu, eu vos amo e quero amar-vos, sempre, meu tesouro, minha vida, meu amor, meu tudo. Assim seja.

RESOLUÇÕES PRÁTICAS

Devemos Temer as Faltas Leves

Há na vida espiritual uma verdade de importância tal, que por todas as almas piedosas deve ser seriamente meditada. E ei-la aqui, tal como a inspirou o Espírito Santo:

Qui spernit modica, paulatim decidet, quem despreza e não tem em conta as coisas pequenas, cairá pouco a pouco. Compreende bem esta palavra: “cairá pouco a pouco“. Cairá insensivelmente, sem mesmo dar por isso, mas cairá. Hoje, sob pretexto de ser falta leve, consente numa mentira muito pequena; amanhã já deixa sair uma maior, e acabará por cair nas maiores desordens. Teme, teme muito o desprezo das coisas pequenas; receia as faltas leves; olha que são de alguma sorte mais perigosas do que as grandes.

“Ouso, diz São João Crisóstomo, avançar uma proposição, que parecerá surpreendente e inaudita; e é que me parece se dever por algumas vezes menos cuidado em fugir dos pecados grandes, do que em evitar as faltas pequenas. Daqueles só a sua enormidade nos inspira horror; com estas, por pouco consideráveis, facilmente nos familiarizamos; este desprezo em que as temos nos impede de fazermos o devido esforço para as expelir, e assim por negligência nossa vão crescendo até chegarmos ao estado de não podermos desfazer-nos delas. Ainda outra vez o repito: teme as faltas pequenas, teme-as e evita-as pois, por pequenas que sejam, nem por isso deixam de ofender menos o nosso bom Mestre; teme e evita as faltas leves, porque à tibieza nos conduzem: teme as faltas leves porque disse Jesus Cristo, ‘quem nas coisas pequenas é fiel, sê-lo-á também nas grandes, e quem nas pequenas é injusto, injusto será nas grandes'”

Vela hoje muito sobre ti mesmo, e esforça-te a viver hoje de modo que à noite possas dizer a Jesus:

“Meu bom Mestre, hoje não me acusa a consciência de falta alguma inteiramente voluntária; bendito sejais, pois foi vossa onipotente mão quem me amparou. Suplico-vos me queirais perdoar toda e qualquer falta que por fragilidade me haja podido escapar; amanhã hei de fazer todos os esforços para viver melhor ainda”

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(Pinnard, Abade Dom. As Chamas do Amor de Jesus ou provas do ardente amor que Jesus nos tem testemunhado na obra da nossa redenção. Traduzido pelo Rev. Padre Silva, 1923, p. 22-26)